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Parâmetros cardiorrespiratórios em bebês cardiopatas: variações durante a alimentação

Parâmetros cardiorrespiratórios em bebês cardiopatas: variações durante a alimentação

Autores:

Vanessa Souza Gigoski de Miranda,
Paula Colvara de Souza,
Camila Lúcia Etges,
Lisiane de Rosa Barbosa

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.31 no.2 São Paulo 2019 Epub 07-Mar-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018153

INTRODUÇÃO

As cardiopatias congênitas (CC) são o conjunto de doenças que afeta o sistema cardiovascular, incluindo coração, pericárdio, artérias, veias e vasos capilares(1), definida como uma anormalidade, seja na estrutura ou na função cardiovascular, que está presente ao nascer(2). Podem se manifestar em qualquer idade e apresentar sintomas e sinais físicos como: sopro, cianose, baixo ganho de peso, cansaço, sudorese, taquicardia, cardiomegalia, valores anormais de pressão arterial, alteração de pulso, infecções pulmonares de repetição, dor torácica, síncopes, dificuldade para se alimentar, entre outras(3).

Atualmente, o diagnóstico das cardiopatias tornou-se mais preciso, podendo ser feito por meio de manifestações clínicas, estudos ecocardiográficos e radiológicos. Desta forma, alterações hemodinâmicas também podem ser mais bem compreendidas, permitindo conhecimento das condições gerais da criança(4).

Os parâmetros cardiorrespiratórios se apresentam como dados importantes de avaliação do sistema cardiovascular em lactentes. Dados de frequência cardíaca (FC), frequência respiratória (FR) e oximetria de pulso, medidas pela saturação periférica de oxigênio (SpO2) podem ser observados durante a deglutição(5,6) e permitir que a avaliação clínica de deglutição seja mais mensurável e menos subjetiva(7).

Em virtude das condições clínicas inerentes às alterações cardíacas, as crianças com CC apresentam um inadequado aproveitamento biológico dos nutrientes disponíveis, devido a gastos energéticos altos(8). Também, podem levar um tempo maior para se alimentar, devido ao comprometimento cardiopulmonar(9). Essa dificuldade de alimentação pode ou não estar associada à disfagia orofaríngea(10,11).

Estudos demonstram distúrbios de deglutição em lactentes pós-cirurgia cardíaca, sendo identificada a incoordenação entre sucção, deglutição e respiração(12,13), podendo estar associada à alteração dos parâmetros cardiorrespiratórios durante a alimentação. Um trabalho recente (14) mostrou alterações na biodinâmica da deglutição de lactentes cardiopatas, nas fases oral e faríngea, presença de disfagia em um número elevado da população estudada, além de associar maior presença de disfagia em bebês alimentados pela mamadeira, quando comparados aos alimentados em seio materno nessa população.

Acredita-se que há variação dos parâmetros cardiorrespiratórios na alimentação de cardiopatas, diferentemente da em bebês sem fatores de risco para disfagia. E que essa diferença de parâmetros possa ter associação com dificuldade de deglutir. Porém, ainda são poucos os estudos que trazem a CC isolada para a identificação dela como fator de risco para disfagia na população pediátrica. Também, a mudança da apresentação dos sinais vitais antes e durante a alimentação pode auxiliar no diagnóstico clínico fonoaudiológico. Com isso, o presente estudo objetiva verificar a variação de parâmetros cardiorrespiratórios na alimentação de bebês cardiopatas.

MÉTODO

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital da Criança Santo Antônio (Parecer nº 1.324.927/2016) e realizado após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Esse é um estudo transversal controlado, realizado em um hospital filantrópico de referência para cirurgias cardíacas pediátricas no sul do Brasil, no período entre novembro de 2015 e setembro de 2016. Participaram do grupo estudo (GE) bebês de 0 a 6 meses de idade, de ambos os gêneros, com diagnóstico médico de cardiopatia congênita, pós-cirurgia cardíaca, com estabilidade clínica para reintrodução ou introdução de via oral – identificada por equipe médica –, que estivessem internados em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) e em condições fonoaudiológicas para teste de via oral (ponto de corte acima de 28 no Instrumento de Avaliação da Prontidão do Prematuro para Início da Alimentação Oral) (15). Foram excluídos bebês com alterações estruturais de vias aéreas superiores, comprometimentos neurológicos associados, quadro respiratório viral no momento da avaliação, idade cronológica corrigida abaixo de 38 semanas, suspeita ou diagnóstico de síndrome genética e que já estivessem em fonoterapia.

O grupo controle (GC) foi composto por bebês de 0 a 6 meses, de ambos os gêneros, que estivessem na unidade de internação do hospital. Foram excluídos pacientes com alterações estruturais de vias aéreas superiores, comprometimentos neurológicos associados, quadro respiratório viral no momento da avaliação, idade cronológica corrigida abaixo de 38 semanas, suspeita ou diagnóstico de síndrome genética, que estivessem em fonoterapia na internação ou anterior a essa, e que apresentassem CC.

Como critério para seleção dos bebês do GE, foi aplicado o Instrumento de Avaliação da Prontidão do Prematuro para Início da Alimentação Oral(15). O protocolo é constituído por cinco categorias: idade corrigida; estado de organização comportamental; postura oral; reflexos orais; e sucção não nutritiva. A pontuação varia de 0 a 36 pontos, tendo sido considerado 28 o ponto de corte para seguir a avaliação. Tal instrumento foi aplicado por uma fonoaudióloga do serviço, como rotina da UTI, para verificar prontidão para via oral desses pacientes.

Após selecionados, os bebês dos dois grupos foram submetidos aos mesmos procedimentos avaliativos. Foi realizada a avaliação clínica da deglutição com utilização do Protocolo de Avaliação de Disfagia Pediátrica (PAD-PED)(16) para identificação de intercorrências durante a deglutição e coleta dos parâmetros cardiorrespiratórios. O instrumento é composto por uma parte inicial de anamnese e histórico de alimentação da criança, uma avaliação das estruturas do sistema estomatognático, avaliação clínica da deglutição, com oferta de alimento, e conclusão do protocolo, com a classificação do diagnóstico fonoaudiológico. Para esse estudo, foram utilizados os itens de histórico alimentar da criança, oferta de alimento em seio materno (SM) ou com mamadeira e a parte final de conclusão.

A escolha da forma de avaliação – SM ou mamadeira – se deu através do histórico prévio de alimentação do paciente, com o utensílio usual. Caso o bebê não tenha recebido alimentação por via oral anterior à avaliação, foi preconizada avaliação em SM e, no caso de impossibilidade, avaliação em mamadeira com bico convencional fluxo médio. Na avaliação, era ofertada pelo menos metade da dieta prescrita ou, em caso de sinais de penetração e/ou aspiração laringotraqueal, a oferta era interrompida.

Nos dois grupos, foram utilizados monitores portáteis para verificação dos parâmetros cardiorrespiratórios. Sempre que as pesquisadoras julgaram necessário, foi solicitada a colagem de novos eletrodos e de fixação do oxímetro de pulso, para maior veracidade das informações coletadas. Quando realizados movimentos amplos com o membro em que estava fixado o sensor do oxímetro, o dado era desconsiderado. Para o registro da FR no GC, foi observado o número de ciclos respiratórios que o paciente realizava por um minuto, antes e durante a mamada. Uma técnica de enfermagem acompanhava a coleta e anotava os parâmetros cardiorrespiratórios apresentados antes, durante e após a avaliação.

A aplicação de cada protocolo foi realizada individualmente por uma fonoaudióloga. Durante o período total do estudo, duas profissionais com experiência na área de disfagia pediátrica, após estabelecer critérios e treinamento para uniformidade da coleta, reuniram todos os dados.

Os dados coletados relacionados às variáveis quantitativas idade e diagnóstico cardiológico foram descritos por média e desvio padrão. As variáveis categóricas, via de alimentação atual, conclusão do protocolo, tipo de cardiopatia congênita por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, o Teste T-Student independente e pareado foi aplicado. Já a interação entre a variação dos parâmetros cardiorrespiratórios, no decorrer da avaliação, foi avaliada pela ANOVA para medidas repetidas com ajuste por Bonferroni. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21. Os dados serão apresentados descritivamente e em tabela e, quando verificada significância estatística, serão assinalados com asterisco (*).

RESULTADOS

Na Tabela 1 , está descrita a caracterização da amostra do estudo, tanto no GE quanto no GC, compostos de 31 bebês cada, identificando a idade, via de alimentação no momento da avaliação e o resultado da avaliação clínica da deglutição(5). Verificou-se diferença entre os dois grupos quanto à via de alimentação no momento da avaliação e a conclusão do protocolo (diagnóstico fonoaudiológico). Na tabela 2 , apresenta-se a caracterização do GE, quanto ao tipo e diagnóstico cardiológico.

Tabela 1 Caracterização da amostra do estudo 

Variáveis Grupo Estudo
(n=31)
Grupo Controle
(n=31)
P
Idade (dias) – md (P25 – P75) 21 (13 - 42) 27 (14 - 90) 0,328
Via alimentação atual – n(%) <0,001 *
Via Oral 17 (54,8) 31 (100)
Sonda nasoentérica 6 (16,1) 0 (0,0)
Sonda orogástrica 1 (3,2) 0 (0,0)
Via Oral + Via alternativa 8 (25,8) 0 (0,0)
Conclusão – n(%) <0,001*
Deglutição normal 8 (25,8) 31 (100)
Disfagia Orofaríngea Leve 10 (32,3) 0 (0,0)
Disfagia Orofaríngea Moderada-Grave 7 (22,6) 0 (0,0)
Disfagia Orofaríngea Grave 6 (19,4) 0 (0,0)

*Significância estatística

Tabela 2 Descrição do tipo e do diagnóstico da cardiopatia dos bebês do grupo experimental  

Variáveis Grupo Estudo
(n=31)
Tipo de cardiopatia - n(%)
Cianótica 7 (22,6)
Acianótica 24 (77,4)
Diagnósticos - n(%) #
Comunicação Interventricular 8 (25,8)
Persistência do Canal Arterial 10 (32,3)
Estenose Pulmonar 9 (29,0)
Estenose Supravalvar Aórtica 6 (19,4)
Coactação Aórtica 1 (3,2)
Transposição de Grandes Artérias 11 (35,5)
Atresia Tricúspide 2 (6,5)
Tumor Intracardíaco 1 (3,2)
Forame Oval Patente 2 (6,5)
Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo 3 (9,7)
Defeito do Septo Atrioventricular 1 (3,2)
Hipoplasia de Arco Aórtico 1 (3,2)
1 (3,2)

#Sobreposição de respostas

Na Tabela 3 , os GE e GC foram divididos pela forma de alimentação na avaliação fonoaudiológica: SM ou mamadeira. Foi verificada diferença na comparação (de antes para durante a alimentação), dos sinais de FR, FC e SpO2 no grupo com cardiopatia, tanto na oferta em SM quanto em mamadeira. Também foi observada diferença estatisticamente significativa (p= 0,029) na variável SpO 2 em SM no GC, que apresentou melhora do parâmetro durante a mamada.

Tabela 3 Comparação dos parâmetros cardiorrespiratórios antes e durante a alimentação em seio materno e na mamadeira, nos dois grupos estudados  

Variáveis n Antes
(n=31)
Durante
(n=31)
Diferença
(IC 95%)
p
Média ± DP Média ± DP
Grupo Estudo
FC - Seio Materno 16 151,6 ± 17,5 158,9 ± 23,0 7,3 (0,1 a 14,6) 0,049*
FR - Seio Materno 16 34,8 ± 9,7 46,2 ± 15,5 11,4 (3,2 a 19,7) 0,010*
SpO2 - Seio Materno 16 96,2 ± 3,7 93,4 ± 4,9 -2,8 (-4,2 a -1,3) 0,001*
FC - Mamadeira 19 145,4 ± 24,2 151,0 ± 28,6 5,6 (0,2 a 11) 0,044*
FR - Mamadeira 19 35,3 ± 9,3 40,4 ± 10,9 5,1 (1,3 a 8,9) 0,011*
SpO2 - Mamadeira 19 95,9 ± 4,1 93,1 ± 5,2 -2,8 (-4,3 a 1,3) 0,001*
Grupo Controle
FC - Seio Materno 27 109,5 ± 10,7 107,9 ± 10,6 -1,7 (-3,7 a -0,4) 0,107
FR - Seio Materno 27 33,0 ± 4,6 32,5 ± 4,5 -0,5 (-1,6 a 0,5) 0,291
SpO2 - Seio Materno 27 98,0 ± 1,9 98,6 ± 1,5 0,6 (0,1 a 1,1) 0,029*
FC - Mamadeira 4 109,0 ± 7,1 114,0 ± 5,7 5,0 (-7,7 a 17,7) 0,126
FR - Mamadeira 4 31,5 ± 5,0 34,5 ± 5,0 - -
SpO2 - Mamadeira 4 97,5 ± 0,7 99,5 ± 0,7 2,0 (-10,7 a 14,7) 0,295

Legendas: FC: Frequência Cardíaca; FR: Frequência Respiratória; SpO2: Saturação Periférica de Oxigênio; *:Significância estatística

Identificamos a FC anterior à avaliação clínica da deglutição, com diferença significativa entre os grupos (p<0,001), e essa se mantém na verificação durante a oferta (p<0,001). No entanto, o GE apresentou um maior aumento que os controles (p=0,004) da FC.

Não foi identificada diferença significativa da FR anterior à amamentação (p=0,234) entre os grupos, mas, na medição durante a alimentação, houve diferença significativa (p=0,003). Desta forma, o GE apresenta maior aumento da FR do que os controles (p<0,001) do período pré-alimentação para o período durante amamentação.

A comparação da SpO2 entre os dois grupos apresenta resultado significativo antes da alimentação (p=0,002), que se mantém no período durante a avaliação (p=0,001). No entanto, identificou-se que o GC apresentou um maior aumento da variável que o GE (p<0,001), que reduziu significativamente a saturação durante a amamentação.

Cabe ressaltar que as comparações de FC, FR e SpO2 foram realizadas em SM, entre o GE e GC, visto que o GC apresentou apenas 2 bebês com alimentação por mamadeira. No GE, as alterações nos sinais vitais e oximetria de pulso não se associaram com a variável de intercorrências durante a alimentação (p>0,20) e nem com a presença de disfagia, definida pela conclusão do protocolo como exposto na Tabela 4 .

Tabela 4 Comparação dos parâmetros cardiorrespiratórios durante a alimentação com a conclusão do PAD-PED no grupo estudo  

Variáveis n Deglutição Normal Disfagia
Leve
Disfagia Moderada Disfagia Grave Diferença
(IC 95%)
p
Média ± DP Média ± DP Média ± DP Média ± DP
Grupo Estudo
FC – SM 16 157,0 ± 20,8 152,3 ± 27,0 167,3 ± 11,8 166,3 ± 32,0 - 0,784
FR – SM 16 56,0 ± 13,6 45,8 ± 19,5 35,6 ± 7,5 44,3 ± 11,8 - 0,420
SpO2– SM 16 95,5 ± 6,4 92,3 ± 4,8 95,3 ± 2,8 91,0 ± 4,6 - 0,571
FC Mamadeira 19 159,2 ± 24,2 132,0 ± 22,6 161,4 ± 30,9 154,5 ± 38,9 - 0,283
FR Mamadeira 19 43,2 ± 13,9 40,0 ± 10,5 42,5 ± 10,3 28,5 ± 2,1 - 0,429
SpO2 Mamadeira 19 92,5 ± 9,2 95,6 ± 1,3 91,1± 5,1 92,5 ± 2,1 - 0,558

Legendas: FC: Frequência Cardíaca; FR: Frequência Respiratória; SM: Seio Materno; SpO2: Saturação Periférica de Oxigênio

DISCUSSÃO

As alterações cardíacas em crianças podem gerar uma série de alterações com consequências nutricionais: gasto energético, aumento do tempo para se alimentar e risco de disfagia orofaríngea(8-11,14). Essas variações foram estudadas em grupos heterogêneos de lactentes que apresentam outras comorbidades associadas, como Síndrome de Down (17,18) e podem não estar associadas especificamente à cardiopatia. Porém, um estudo(14) recente identificou isoladamente na cardiopatia a presença de disfagia, com alterações de fase oral e faríngea.

A variação dos parâmetros cardiorrespiratórios durante a alimentação é um fator importante de ser estudado que pode auxiliar clinicamente no diagnóstico da disfagia. Estudos mostram a influência da queda de SpO2 durante a deglutição como fator indicativo de risco para disfagia (19,20). Também sabe-se que, à medida que o esforço respiratório aumenta e há consequente elevação da FR, pode ser modificada a sequência de deglutição, podendo ser seguida por inspiração ou apneia, aumentando o risco de aspiração(7). Esses dados quantitativos podem tornar menos subjetiva a avaliação clínica fonoaudiológica, após estabelecimento de padrões basais e esperados para cada população específica.

Em nosso estudo, os grupos formados são semelhantes quanto à idade, o que tornou a amostra uniforme e possível de realizar comparações. Essa variável influencia o ritmo de sucções e pausas respiratórias dos pacientes na alimentação(21). Foi verificada diferença entre a via de alimentação no momento da avaliação em que o GE, por se tratar de um grupo com bebês cardiopatas pós-cirúrgicos, apresentava via alternativa de alimentação no momento da avaliação (45,8%). Já o GC apresentou todos seus participantes com via oral exclusiva, visto que são crianças sem comorbidades. Uma das principais indicações para uso de via alternativa de alimentação é a impossibilidade de alimentação por via oral(22). No entanto, sabe-se que a utilização de sonda gástrica ou enteral com uso prolongado é prejudicial para o desenvolvimento e coordenação entre sucção, deglutição e respiração (23). As CC podem ser classificadas como acianóticas e cianóticas, com base nas condições de circulação pulmonar, sendo que em cardiopatas cianóticos há, geralmente, uma SpO2 basal mais baixa(24). Nesse estudo, a maioria das crianças apresentava CC acianótica, dado que condiz com a maior incidência dessa classificação de cardiopatia (25), e também pode explicar o achado da SpO2 basal do GE ser mais baixa que a do GC.

Os bebês com cardiopatia já apresentavam valores de FR e FC basais mais elevadas que o GC, o que corrobora dados da literatura(21), que identificam esses dados em pacientes cardiopatas como consequência de desconforto respiratório causado pela CC. Encontramos aumento significativo dos parâmetros basais (antes da oferta de alimento) de FC e FR para os parâmetros durante a alimentação no GE, tanto em SM quanto em mamadeira. Esse achado demonstra maior esforço durante a alimentação, corroborando com dados da literatura que identificam esse aumento de FR como fator de risco para aspiração(15).

Foi identificada queda de SpO2 no GE durante a amamentação, que, segundo dados da literatura, pode ser indicativa de risco para disfagia(20). Já no grupo sem comorbidades, encontrou-se aumento da SpO2 durante a alimentação. Na amamentação, há o contato pele a pele com a mãe, que, além de melhorar os níveis de coordenação entre sucção, respiração e deglutição, fortalece o vínculo entre mãe-bebê(26,27). Há referência na literatura(28) identificando que a FR e o volume corrente de oxigênio diminuem durante a alimentação, em que pode ser observada dessaturação transitória de oxiemoglobina. Os oxímetros de pulso são calibrados para valores de saturação de hemoglobina superiores aos encontrados nas crianças cianóticas mais graves e, por isso, a sua acurácia será menor nesses lactentes(19). Porém, a interpretação dos dados obtidos com o oxímetro de pulso levou em consideração a variação desse parâmetro e, por isso, não inviabiliza a utilização da medida.

Evidenciaram-se, portanto, como descrito anteriormente, variações nos parâmetros cardiorrespiratórios desses lactentes cardiopatas pós-cirúrgicos durante a alimentação. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa da variação dos parâmetros cardiorrespiratórios associada a intercorrências na avaliação clínica da deglutição (como tosse e engasgo) e nem com a conclusão da avaliação de deglutição, por mais que cerca de 75% da amostra do GE apresente disfagia. A disfagia apresenta-se como dificuldade de deglutição relacionada ao funcionamento de uma ou mais estruturas orofaringolaríngeas e esofágicas, dificultando ou impossibilitando a ingestão oral segura, eficaz e confortável de alimentação, podendo ocasionar desnutrição, desidratação, aspiração, desprazer e isolamento social, além de complicações mais graves como pneumonia aspirativa e óbito (29).

Os achados de variação dos parâmetros cardiorrespiratórios estão associados à cardiopatia, mas não se identificou causalidade da disfagia por eles. Salientamos que, antes da oferta de alimento, os bebês foram avaliados por fonoaudiólogas com experiência na área de disfagia e com aplicação de protocolo(15) para identificar os bebês e selecionar aqueles que pontuaram acima do ponto de corte, para início de via oral. Ressaltamos que a condição clínica do prematuro é diferente de lactentes com CC, pois há melhora da coordenação entre sucção, respiração e deglutição nos prematuros, conforme maturação do sistema nervoso central(18). Essa aplicação de triagem pode ter excluído bebês com maiores variações dos parâmetros cardiorrespiratórios basais e, consequentemente, a ocorrência de posteriores intercorrências durante a avaliação clínica da deglutição.

Destacamos ainda, a uniformidade do GE deste trabalho que excluiu outros fatores de risco para disfagia(10) como síndromes, alterações neurológicas, malformações de vias aéreas superiores e quadro respiratório associado. Esse critério permitiu que os achados fossem designados exclusivamente à população cardiopata, visto que, nos estudos(17,18) pertinentes da área, sempre apresentavam sobreposição de diagnósticos clínicos e patologias de base.

As limitações deste estudo foram o número restrito de bebês com diagnóstico apenas de cardiopatia e que os lactentes do GC foram avaliados fora de um ambiente de Unidade de Terapia Intensiva, não apresentando monitorização contínua dos parâmetros cardiorrespiratórios.

CONCLUSÃO

O presente estudo identificou a variação dos parâmetros cardiorrespiratórios na alimentação de bebês cardiopatas pós cirurgia cardíaca, mostrando a tendência da FC e FR mais elevadas e SpO2 mais baixa em bebês cardiopatas, como padrão basal. Houve aumento das taxas de FC, FR e queda da saturação durante a alimentação de bebês cardiopatas, em comparação às do grupo de bebês sem alteração cardíaca.

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