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Parâmetros prosódicos de leitura em escolares do segundo ao quinto ano do ensino fundamental

Parâmetros prosódicos de leitura em escolares do segundo ao quinto ano do ensino fundamental

Autores:

Letícia Corrêa Celeste,
Edlaine Souza Pereira,
Naira Rúbia Rodrigues Pereira,
Luciana Mendonça Alves

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.30 no.1 São Paulo 2018 Epub 08-Fev-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017034

INTRODUÇÃO

O estudo sobre fluência de leitura e sua relação com o desenvolvimento escolar vem crescendo com o passar dos anos, sendo a fluência da leitura oral uma importante ferramenta de acompanhamento dessa evolução(1). A maneira como é empregada a prosódia na leitura reflete diretamente a fluência do leitor, na capacidade de transmitir diversas informações e em sua capacidade de compreensão.

Apesar de muitas vezes ser limitada a entonação ou acentuação, o conceito de prosódia ainda é tema de discussão entre vários estudiosos. Quanto aos aspectos formais, a prosódia é composta por parâmetros foneticamente descritos como intensidade, variação melódica e organização temporal do discurso. Intensidade remete à quantidade de energia presente no movimento vibratório e é representada por dB (decibel); variação melódica é uma medida recorrente que caracteriza a curva melódica e está relacionada com frequência fundamental (F0), esta descrita como frequência média da vibração das pregas vocais e representada por Hz (hertz)(2); a organização temporal do discurso inclui: pausa, tempo de elocução e tempo total de articulação e, através de tais medidas, é possível obter outras, como a velocidade de fala e leitura(2,3).

Em um estudo envolvendo crianças com dislexia e um grupo controle, foram comparados os aspectos prosódicos na leitura de tais crianças, incluindo os aspectos de variação melódica (tessitura). A partir dos valores obtidos pelas taxas de elocução e de articulação, notou-se menor velocidade de leitura e lentidão na produção de cada gesto articulatório de crianças com dislexia em comparação ao grupo controle. Esta lentidão reflete nas características da variação melódica(4).

Um estudo com 32 escolares do 5° ano, após uma estimulação baseada em padrões prosódicos, concluiu que os aspectos temporais têm impacto significante na fluência de leitura(5).

Outro estudo, com caráter intrassujeito longitudinal, teve como um de seus objetivos caracterizar o crescimento da prosódia entre o 2º e o 3º ano. Quanto a este aspecto, os resultados demonstraram que o controle da velocidade de leitura está diretamente relacionado com a prosódia, apesar de a expressividade ser tão necessária quanto a velocidade(6).

Portanto, tendo em vista a variação melódica e a velocidade de leitura como parâmetros prosódicos determinantes para uma leitura fluente, este estudo visa caracterizar a leitura de escolares do 2º ao 5º ano do ensino fundamental em relação aos aspectos citados, compará-los e verificar sua evolução com o desenvolvimento da escolaridade.

MÉTODO

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob protocolo CAAE: 38861914.4.0000.5096. Todos os participantes e seus respectivos responsáveis, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participaram desta pesquisa 79 estudantes do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental I de uma Rede Particular de Ensino de Belo Horizonte - Minas Gerais, mas um estudante foi desconsiderado devido às interferências acústicas no áudio coletado. Portanto, participaram 78 escolares, destes, 20 são do 2º ano; 12 são do 3º ano; 23 são do 4º ano; e 23, do 5º ano.

Os escolares não apresentaram distúrbios de fala, audição e linguagem escrita. Para confirmação destes dados, foi aplicado um questionário que abordava questões referentes a estes aspectos, um destinado ao responsável legal da criança(7) e outro destinado ao professor(8).

Foi utilizado o texto “A coisa”(9), que é um texto simples, com possibilidades de modulações prosódicas e de fácil decodificação. Inicialmente o texto foi lido silenciosamente e, em seguida, em voz alta, conforme iniciativa da criança.

Para análise de variação melódica, foram demarcados o início e o final de cada áudio pelo programa de análise acústica Praat (versão 5.4.19) a fim de determinar a duração exata de cada leitura. Em seguida, os áudios receberam tratamento matemático com o objetivo de eliminar os efeitos macroprosódicos por meio do algoritmo de suavização da onda de F0(10).

Para análise prosódica, utilizou-se como base a curva de frequência fundamental (F0). Foram selecionados os pontos máximo e mínimo de F0 da leitura do texto completo e foi subtraído o mínimo do máximo, obtendo como resultado a variação melódica. O mesmo procedimento foi utilizado para análise do Título e Frase Expressiva (frase curta com ponto de exclamação).

Para análise da velocidade de leitura, foi determinado o número de palavras lidas e o número de palavras lidas corretamente por minuto no texto completo e no primeiro minuto. A análise estatística foi realizada usando medidas de estatística descritiva (média e desvio padrão) e do teste t de duas amostras com nível de significância de 5%, para comparação dos resultados.

RESULTADOS

Os resultados encontrados na análise da variação melódica mostram uma tendência de aumento desse parâmetro prosódico com o desenvolvimento da escolaridade, especialmente para o 5º ano (Tabela 1). O mesmo pode ser observado em relação à velocidade de leitura (Tabela 1).

Tabela 1 Média e desvio padrão dos resultados encontrados para variação melódica (texto completo, título e frase expressiva) e velocidade de leitura (PCPM, PPM e 1° minuto) para cada série estudada (2º, 3º, 4º e 5º), assim como a comparação entre elas 

VARIAÇÃO MELÓDICA VELOCIDADE DE LEITURA
TEXTO COMPLETO TÍTULO FRASE EXPRESSIVA PCPM PPM 1º MINUTO
Média em Hz (desv pad) Média em Hz (desv pad) Média em Hz (desv pad) Média de palavras lidas (desv pad) Média de palavras lidas (desv pad) Média de palavras lidas (desv pad)
230,7 (35,03) 98,6 (48,50) 102,9 (36,73) 56,2 (23,4) 59,2 (24,22) 41,3 (22,92)
233,5 (34,53) 112 (32,65) 106,3 (57,22) 100,2 (18,66) 104,6 (17,50) 100,8 (18,71)
233,6 (48,67) 122,2 (47,66) 109,5 (56,03) 105,4 (24,19) 109,8 (25,07) 106,3 (24,57)
270,5 (54,12) 122,7 (38,01) 147,7 (42,98) 119,4 (20,41) 124,9 (18,97) 127,4 (19,44)
2ºx3º 0,7 0,3 0,8 0,0001* 0,0001* 0,0006*
2ºx4º 0,7 0,1 0,6 0,0002* 0,0004* 0,0005*
2ºx5º 0,05 0,08 0,0007* 0,0001* 0,0001* 0,0002*
3ºx4º 0,9 0,4 0,8 0,4 0,4 0,6
3°x5° 0,02* 0,4 0,04* 0,009* 0,004* 0,0004*
4ºx5º 0,01* 0,9 0,01* 0,04* 0,02* 0,001*

*Valores com diferenças estatisticamente significativas

Legenda: PCPM: Palavras corretas lidas por minuto; PPM: Palavras lidas por minuto; 1° MINUTO: Número de palavras lidas no primeiro minuto da gravação; Desv Pad: desvio padrão

Para análise da variação melódica, foi realizada a comparação dos elementos: título, frase expressiva e texto completo na leitura das séries estudadas (2° ano ao 5° ano), como está demonstrado na Tabela 2.

Tabela 2 Comparação entre as variáveis encontradas para variação melódica (texto completo, título e frase expressiva) 

2 3 4 5
Texto completo × Título 0,0002* 0,09 0,4 0,0001*
Texto completo × Frase expressiva 0,0001* 0,0003* 0,0007* 0,0001*
Título × Frase expressiva 0,8 0,6 0,4 0,04*

*Valores com diferenças estatisticamente significativas

Legenda: Frase expressiva: frase curta com ponto de exclamação

Com o objetivo de comparar o desempenho entre as turmas estudadas, foi realizada a comparação das variáveis supracitadas entre elas. É possível observar que a variação melódica obteve resultados com diferença estatística apenas na comparação com o 5º ano. Já as taxas de leitura (PCPM e PPM) mostraram diferença estatisticamente significativa em praticamente todas as comparações realizadas.

Na comparação das palavras lidas no primeiro minuto de gravação e palavras lidas por minuto, obtiveram-se os valores de 0,8, 0,6, 0,4 e 0,6, respectivamente, para o segundo, terceiro, quarto e quinto ano do ensino fundamental.

DISCUSSÃO

Para análise da variação melódica, foram analisadas as variáveis “Texto Completo”, “Título” e “Frase Expressiva”. A partir da análise destas, observou-se que, em relação ao “Texto completo” e “Frase expressiva”, houve uma evolução quando comparada a leitura do quinto ano com a dos demais, quando se refere ao título, não se observa mudanças significativas na comparação entre as séries (Tabela 1). Na comparação entre as séries estudadas, apenas a variável Texto Completo demostrou diferença estatisticamente relevante (Tabela 2). Na comparação de cada variável entre os anos estudados, observa-se diferença somente no 5º ano na leitura do texto completo (Tabela 2).

Diante disto, pode-se concluir que o texto completo parece ser a melhor variável de variação melódica para o estudo da prosódica na leitura oral, sendo as diferenças relevantes somente para o 5º ano. Pesquisas demonstram que, na leitura em voz alta de crianças disléxicas e um grupo controle, considerando parâmetros prosódicos de f0: máximo, mínimo, tessitura e velocidade de leitura, leitores tipicamente desenvolvidos produzem variações melódicas e velocidade de leitura mais apropriadas do que crianças com dislexia(11,12).

Para análise da velocidade de leitura foram consideradas as variáveis “Palavras por Minuto”, “Palavras Corretas por Minuto” e “Palavras lidas no primeiro minuto”. Para análise das Palavras por Minuto e Palavras Corretas por Minuto, foi realizada a comparação de tais parâmetros entre todos os anos estudados e pode-se observar diferença estatisticamente significante em praticamente todas os anos confrontados, exceto na comparação do 3° e 4° ano (Tabela 1).

Com isso, percebe-se que, com a avanço da escolaridade, há uma melhoria no desempenho da leitura oral, assim como da compreensão(13,14).

Foram comparadas ainda as taxas de Palavras por Minuto do texto completo e do 1º minuto de leitura e não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes na comparação desses parâmetros (Tabela 2). Dessa forma, pode-se concluir que é possível analisar a taxa de leitura contabilizando apenas a quantidade de palavras lidas no primeiro minuto, obtendo-se um resultado semelhante à análise de Palavras por Minuto.

CONCLUSÃO

Foi possível concluir que, para os dados desta pesquisa, houve um aumento da variação melódica com o avanço da escolaridade, especialmente para o quinto ano do ensino fundamental. Em relação à velocidade de leitura, a quantidade de palavras lidas por minuto, assim como a quantidade lida corretamente, tende a expandir com o aumento da seriação escolar.

REFERÊNCIAS

1 Gonçalves M. Avaliação da fluência da leitura oral e dificuldades na aprendizagem: aplicações clínicas e educacionais. Lisboa: Universidade de Lisboa; 2011.
2 Celeste L, Reis C. Configuração geral da curva melódica e expressão de dúvida ou certeza: reflexões preliminares. ReVEL. 2010;8(15):132-47.
3 Costa LMO, Martins-Reis VO, Celeste LC. Metodologias de análise da velocidade de fala: um estudo piloto. CoDAS. 2016;28(1):41-5. PMid:27074188. .
4 Alves LM, Reis CAC, Pinheiro ÂMV, Capellini SA. Aspectos prosódicos temporais da leitura de escolares com dislexia do desenvolvimento. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):197-204. .
5 Pinto JCBR, Navas ALGP. Efeitos da estimulação da fluência de leitura com ênfase na prosódia. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(1):21-6. PMid:21552728. .
6 Lopes J, Silva MM, Moniz A, Spear-Swerling L, Zibulsky J. Evolução da prosódia e compreensão da leitura: Um estudo longitudinal do 2° ano ao final do 3° ano de escolaridade. Rev Psicodidact. 2015;20(1):5-23. .
7 de Fellipe ACN, Colafêmina JF. Avaliação simplificada do processamento auditivo e o desempenho em tarefas de leitura-escrita. Pro Fono. 2002;14(2):225-34.
8 Pinheiro AMV, Costa AEB. Escala de avaliação de competência em leitura pelo professor. In: VII Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica; 2005; Belo Horizonte. Resumos. Belo Horizonte: UFMG; 2005.
9 Salles JF, Parente MA. Compreensão textual em alunos da segunda e terceira séries: uma abordagem cognitiva. Estud Psicol. 2004;9(1):71-80. .
10 Arantes P. Integrando produção e percepção de proeminências secundárias numa abordagem dinâmica do ritmo da fala [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2010.
11 Lalain M, Espesser R, Ghio A, De Looze C, Reis C, Mendonça-Alves L. Prosodie et lecture: particularités temporelles et mélodiques de l’enfant dyslexique en lecture et en narration. Rev Laryngol Otol Rhinol. 2014;135(2):71-82. PMid:26521345.
12 Alves LM, Reis C, Pinheiro A. Prosody and reading in dyslexic children. Dyslexia. 2015;21(1):35-49. PMid:25363804. .
13 Simões E, Martins MA. Avaliação da leitura oral de palavras: análise da tipologia de erros de leitura em crianças do 1º e 2º anos de escolaridade. In: XI Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía; 2011; Coruña. Proceedings. Porto: Universidade do Porto; 2011. p. 3467-78.
14 Martins MA, Capellini SA. Fluência e compreensão da leitura em escolares do 3o ao 5o ano do ensino fundamental. Estud Psicol. 2014;31(4):499-506.