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Parasitoses intestinais e baixos índices de Gini em Macapá (AP) e Timon (MA), Brasil

Parasitoses intestinais e baixos índices de Gini em Macapá (AP) e Timon (MA), Brasil

Autores:

Renato Ribeiro Nogueira Ferraz,
Anderson Sena Barnabé,
Claude Porcy,
Aurean D'Eça Júnior,
Thiago Feitosa,
Patrícia de Maria Figueiredo

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.22 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400020010

ABSTRACT

Introduction:

Parasitic diseases still constitute a serious public health problem due to their high prevalence in the population, association with several environmental factors and their complex epidemiological cycles.

Objective:

To conduct a survey of intestinal parasitic diseases in two cities in Northern Brazil - Timon (MA) e Macapá (AP).

Methods:

A retrospective cohort study was performed in 2012 and examined cases of intestinal parasites in children 2-12 years of age attended in two laboratories linked to the public health service in the cities of Timon - MA and Macapa - PA, both in Brazil.

Results:

Giardia lamblia, Entamoeba histolytica and Ascaris lumbricoides were the most prevalent parasites in the study.

Conclusion:

The hypothesis regarding to association of intestinal parasitic diseases and low Gini index is true. The control of these diseases requires public policies involving health, environmental education and better income distribution.

Key words: health management; epidemiology; parasitic diseases; public health surveillance

INTRODUÇÃO

As parasitoses intestinais ainda representam um complexo problema de Saúde Pública1. Grande parte das doenças que acometem crianças em países subdesenvolvidos tem como causa básica as infecções helmínticas2 , 3.

No Brasil, estudos epidemiológicos sobre esse problema são feitos de forma fragmentada, em decorrência das dificuldades encontradas em organizar grandes inquéritos epidemiológicos que contemplem todas as características regionais e sociais envolvidas. Em uma breve revisão literária, foi observada uma média de prevalência de 25% de casos em várias regiões brasileiras4 - 7.

Iniciativas de intervenção sanitária voltadas para a prevenção e controle de enteroparasitoses têm sido estruturadas, periodicamente, com o objetivo de reduzir a elevada prevalência desse tipo de doença, principalmente no Norte e no Nordeste e em comunidades de difícil acesso, como as indígenas8. A prevenção das principais parasitoses intestinais continua sendo negligenciada pela grande maioria da população, que, em geral, pouco conhece a respeito da cadeia de transmissão9.

Essa carência de dados é um fator agravante, pois não se sabe a relevância regional do problema, o perfil epidemiológico e a distribuição de parasitoses emergentes ou reemergentes e, assim, não se observa a transição epidemiológica dessas doenças. Muitas localidades brasileiras nem sequer efetuaram inquéritos parasitológicos. Silva et al.10 abordam, por exemplo, o fato de que há uma carência de estudos epidemiológicos com respeito às enteroparasitoses nos municípios do interior do Estado do Maranhão10.

Por esse motivo, este estudo objetivou determinar a frequência de enteroparasitoses em populações de duas áreas distintas do Brasil: as cidades de Macapá (AP) e Timon (MA), além da determinação do índice de Gini, que é um indicador de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo renda domiciliar per capita, cujo valor varia de 0 (quando não há desigualdade) a 1 (quando a desigualdade é máxima), como variáveis socioeconômicas11.

METODOLOGIA

Trata-se de uma coorte retrospectiva, realizada no ano de 2012, que analisou o total de casos diagnosticados de enteroparasitoses (demanda espontânea) em crianças de 2 a 12 anos de idade atendidas em dois laboratórios vinculados ao serviço público de saúde das cidades de Timon (MA) e Macapá (AP).

O município de Timon (05°05'38"S, 42°50'13"O), localizado na mesorregião leste maranhense, microrregião geográfica do Itapecuru, possui uma área territorial de 1.740,56 km2 e uma população de 144.333 habitantes, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)12. Macapá (00°02'18.84"N, 51°03'59,10"O), localizada no sudeste do Estado do Amapá, é a capital do Estado, e conta com uma população de 366.484 habitantes12.

Os resultados laboratoriais apresentados neste estudo foram obtidos por meio de exames parasitológicos fecais realizados no laboratório de análises clínicas da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Congó, localizada em Macapá (AP), que atende cerca de 30 mil habitantes, e no laboratório de análises clínicas da Casa de Saúde e Maternidade São José, em Timon (MA), que serve a toda a população da cidade. Foi usada a técnica descrita nos Procedimentos Operacionais Padrão (POP) de ambos os laboratórios: método de Hoffman et al.13, sendo computados nos dados apenas as amostras analisadas em 3 coletas, efetuadas em intervalos de 24 horas entre cada uma delas. Para cada amostra enquadrada nesse critério foram preparadas três lâminas e as leituras foram realizadas em microscópio óptico comum, por três minutos.

A principal hipótese deste trabalho tomou por base a possibilidade de associação entre o risco de contração de parasitoses e os baixos valores do índice de Gini, em ambas as localizades estudadas. Para concluir o estudo, observou-se o coeficiente de prevalência em relação ao número de exames protoparasitológicos efetuados nos dois municípios, de acordo com os dados cedidos pelas secretarias municipais de saúde no ano de 2012, além de seus respectivos índices de Gini12.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Maranhão sob o protocolo nº 00559/99, de acordo com as políticas estabelecidas pela resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

RESULTADOS

Os valores obtidos (coeficiente de prevalência e distinção entre os parasitas) podem ser observados na Tabela 1.

Tabela 1 Espécies de parasitos encontrados em crianças residentes em Timon (MA) e Macapá (AP), 2009 

Timon Macapá Total
n % n % n %
Ascaris lumbricoides 117 29,00 196 14,62 313 18,00
Trichuris trichiura 34 8,50 28 2,10 62 3,55
Ancilostomideos 25 6,20 35 2,61 60 3,45
Strongyloides stercoralis 10 2,50 6 0,45 16 1,00
Enterobius vermiculares 00 0,00 26 2,00 26 1,50
Giardia lamblia 202 50,00 678 50,60 880 50,50
Entamoeba histolytica 17 4,20 371 27,70 388 22,23
Total 405 100,00 1.340 100,00 1.745 100,00

Foi verificado que Giardia lamblia, Entamoeba histolytica e Ascaris lumbricoides foram os parasitas mais prevalentes no estudo. A prevalência pontual em relação ao total de exames solicitados para a população infantil das duas cidades pode ser observada na Tabela 2, apontando para a extrema predominância de parasitoses no município de Timon (MA).

Tabela 2 Prevalência pontual de enteroparasitoses diagnosticadas no ano de 2009 nos municípios de Timon (MA) e Macapá (AP) 

Município Nº de amostras positivas Exames efetuados %
Macapá 1.340 9.842 13,61
Timon 405 418 96,89
Total 1.745 10.260 17,00

DISCUSSÃO

As doenças parasitárias, em especial as do trato gastrintestinal, ainda constituem um grave problema de Saúde Pública1, especialmente quando acometem crianças2 , 3. No Brasil, são escassos os estudos epidemiológicos controlados que avaliaram adequadamente os índices de infecção por esse grupo de doenças4 - 7. Tal fato está ligado à associação entre o conjunto de indicadores econômicos relacionados à desigualdade e à baixa renda e a ocorrência de parasitoses na população, o que concretiza a hipótese de que baixos índices de Gini estão associados ao maior risco de contração de parasitoses. Vale ressaltar que diversos indicadores sociais, e não somente o índice de Gini, podem ser analisados de forma comparativa à prevalência e incidência de doenças que são classicamente associadas a fatores de ordem econômica, ambiental e sanitária.

Entre as parasitoses mais observadas nas cidades estudadas, os protozoários intestinais e Ascaris lumbricoides foram os mais ocorrentes, assim como visto em outros trabalhos1 - 4. Tal evidência suscita a ideia de que os mecanismos de transmissão que envolvem a poluição da água e dos alimentos, o não tratamento de esgotos e a falta de educação em saúde como medida de prevenção primária às parasitoses, associados aos fatores sociais e educativos aqui representados pelo índice de Gini, prevalecem em várias regiões brasileiras, alertando os pesquisadores e as autoridades da área da saúde com relação à necessidade de se ampliarem as propostas de educação e profilaxia de um quadro complexo.

Assume-se que este estudo foi realizado num curto intervalo de tempo e em apenas duas cidades brasileiras. A condução de novos estudos multicêntricos nas diferentes regiões da Federação, com o objetivo de comparar as diferentes realidades da população brasileira, é necessária para verificar se o fenômeno observado nesta pesquisa poderá se repetir quando analisado em uma escala maior.

CONCLUSÃO

Observou-se associação entre a elevada prevalência de parasitoses e os baixos índices de Gini, com destaque especial para a desigualdade social identificada na população estudada. As melhorais sanitárias e sociais envolvendo emprego, renda e educação ainda são escassas em várias regiões e devem ser distribuídas de forma equitativa, baseando-se nos modelos de prevenção primária e da melhoria da qualidade de vida da população. O elevado índice de enteroparasitoses é o reflexo imediato desses fatores que se arrastam ao longo do tempo e implicam na dificuldade da resolução desse quadro que é, no mínimo, alarmante. Sanitaristas, epidemiologistas e profissionais envolvidos diretamente com a Saúde Pública devem continuar atentos a esses indicadores epidemiológicos. A endemicidade de infecções parasitárias põe em risco o desenvolvimento econômico, social e cognitivo de populações vulneráveis, principalmente em áreas pobres. Tal quadro deve ser veementemente combatido, pois a peculiaridade dessas doenças é sua associação contundente ao estado de carências sociais e sanitárias.

REFERÊNCIAS

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3. Rocha A, Mendes RA, Barbosa CS. Strongyloides spp e outros parasitos encontrados em alfaces (Lactuca sativa) comercializados na cidade do Recife, PE. Rev Patol Trop. 2008;37(2):151-60.
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8. Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Educação profissional básica para agentes indígenas de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.
9. Menezes AL, Lima VMP, Freitas MTS, Rocha MO, Silva EF, Dolabella SS. Prevalence of intestinal parasites in children from public daycare center in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. Rev Inst Med Trop S Paulo. 2008;50(1):57-9.
10. Silva FS, Paulo ADC, Braga CMM, Almeida RJ, Galvão VP. Frequência de parasitos intestinais de Chapadinha, Maranhão, Brasil. Rev Patol Trop. 2010;39(1):63-8.
11. Silveira Neto RM, Menezes TA. Nível e evolução da desigualdade dos gastos familiares no Brasil: uma análise para as regiões metropolitanas no período 1996 a 2003. Estud Econ. 2010;40(2):341-72.
12. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ícone cidades [Internet]. [cited 2013 Mar 07] 2013 Available from: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
13. Hoffman W, Pons JL, Janer JL. The sedimentation-concentration methods in Schistosoma mansoni. J Public Health. 1934;9:283-91.