versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.40 no.4 São Paulo out./dez. 2018 Epub 14-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0180
O hiperparatireoidismo secundário (HPS) é uma complicação comum e grave no curso da doença renal crônica (DRC), com impacto direto sobre a morbidade e mortalidade desses pacientes.1 Apesar dos avanços no tratamento clínico do HPS com o uso de análogos de vitamina D e calcimiméticos, a falência terapêutica ainda ocorre em parcela significativa dos pacientes.1,2
Nos pacientes com presença de níveis de paratormônio (PTH) persistentemente elevados (> 800 pg/mL por > 6 meses) associados à resistência ao tratamento clínico, uma proliferação monoclonal com hiperplasia nodular está provavelmente presente com redução da expressão de receptores sensíveis a cálcio e de vitamina D. Nesses casos, a paratiroidectomia (PTx) deve ser considerada, especialmente se associada à hipercalcemia, hiperfosfatemia ou calcificação vascular ou tecidual.3
A PTx é necessária em 15% dos pacientes após 10 anos e em 38% dos pacientes após 20 anos de hemodiálise. Está associada a 15%-57% de melhora na sobrevida dos pacientes em hemodiálise e melhora da hipercalcemia, hiperfosfatemia, calcificação tecidual, densidade óssea e qualidade de vida.3
Esse procedimento está em declínio no mundo. Dados americanos mostram que, entre os anos 1990 e início dos anos 2000, as taxas de PTx alcançaram 10/1000 pacientes-ano. Desde então, houve redução progressiva nas taxas de PTx, atingindo um nadir de aproximadamente 3.3 por 1000 pacientes-ano em diálise, em 2004.4 Apesar disso, observou-se aumento da média dos níveis de PTH, refletindo, provavelmente, a introdução do uso dos calcimiméticos e a incerteza em relação aos níveis ideais de PTH.3
A PTx é um procedimento desafiador que exige grande habilidade e experiência dos cirurgiões. Atualmente, existem técnicas adjuvantes realizadas no intraoperatório, como a criopreservação, monitorização neurofisiológica, dosagem de PTH e exame de imagem com sestamibi, que tem como objetivo melhorar os resultados cirúrgicos. Entretanto, esses métodos ainda são pouco disponíveis, especialmente nos países em desenvolvimento. O trabalho de Neves e cols., publicado nesta edição, avalia os resultados de cinco anos de um centro de referência com número elevado de procedimentos, sem técnicas adjuvantes. Observou-se baixa taxa de complicação e insucesso. Um dado importante descrito no texto é que todos os procedimentos foram realizados por um único cirurgião, o que indubitavelmente reflete uma experiência singular com impacto em bons resultados, mesmo na ausência de técnicas adjuvantes.
Os dados deste estudo mostram baixa sensibilidade dos exames de imagem no pré-operatório das PTx para a localização das glândulas ectópicas e supranumerárias. De fato, a literatura é controversa nesse ponto, especialmente em relação aos desfechos cirúrgicos.5 O padrão-ouro ainda é a exploração e a localização das glândulas no intraoperatório pelo cirurgião. Esse dado coloca em evidência a necessidade de rever a recomendação da realização desses exames no pré-operatório (quais situações seriam imprescindíveis e qual a combinação de exames), sobretudo se levarmos em consideração a baixa disponibilidade na maioria dos municípios, especialmente na rede pública, além do fato de ser operador dependente. Acima de tudo, é importante ressaltar que a indisponibilidade de exames de imagem para a localização pré-operatória das glândulas não deve impedir ou contraindicar a realização da cirurgia.6
Nessa casuística, a maior parte das PTx foi realizada pela técnica de paratireoidectomia total com autoimplante. A literatura não mostra diferenças significativas nos desfechos cirúrgicos entre as diferentes técnicas (total com implante e subtotal),3 entretanto a PTx subtotal tem menor risco de hipoparatiroidismo permanente no pós-operatório. Os efeitos dos baixos níveis de PTH não são claros, mas sempre existe a preocupação de se transformar uma doença de alta remodelação para baixa remodelação, com seus potenciais efeitos adversos em relação à calcificação vascular e ausência de possibilidades terapêuticas nesse contexto. Diante disso, a avaliação do impacto do hipoparatiroidismo persistente deveria, idealmente, ser realizada para definir a escolha da melhor técnica cirúrgica em cada centro.
A publicação, em 2017, do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Distúrbio Mineral e Ósseo do Ministério da Saúde incluiu um maior número de opções terapêuticas, como os calcimiméticos.7 Espera-se que a recente maior disponibilização desses novos medicamentos possa reduzir o número de PTx nos próximos anos, como já observado em outros países após o início do uso dos calcimiméticos. Entretanto, atualmente já existe um número significativo de pacientes considerados refratários ao tratamento clínico. Além disso, apesar do grande avanço com o novo protocolo, a medicação é liberada apenas para os pacientes em hemodiálise ou diálise peritoneal, não contemplando os transplantados renais, e somente para pacientes com hiperparatiroidismo grave, os quais têm alta probabilidade de ser refratários ao tratamento clínico. Dessa forma, a PTx ainda permanece como uma opção imprescindível de tratamento do HPS no Brasil. O estudo de Neves e cols. demonstra que, em centros com equipes especializadas, esse procedimento pode ser realizado de forma segura, com baixas taxas de complicação e altas taxas de sucesso, mesmo sem as técnicas adjuvantes.8