versão impressa ISSN 0101-6083
Arch. Clin. Psychiatry vol.41 no.6 São Paulo 2014
https://doi.org/10.1590/0101-60830000000036
O crime de parricídio, assim como outros atos violentos, nem sempre está associado a transtornos mentais. Quando existe essa correlação, esta se dá principalmente com os transtornos psicóticos.
Entre as grandes síndromes psicóticas, a esquizofrenia é considerada a mais importante, tanto pela prevalência quanto pela cronicidade dos sintomas. Outros quadros psicóticos, como os transtornos delirantes persistentes e os transtornos psicóticos agudos, têm menor associação com crimes violentos, ainda que suas prevalências sejam relevantes na população comum.
As classificações psiquiátricas mais recentes tendem a agrupar os diagnósticos em grandes categorias. Tais agrupamentos têm como objetivo aumentar a confiabilidade entre os psiquiatras, perdendo, no entanto, a especificidade do diagnóstico. A atual possibilidade do diagnóstico dimensional presente no DSM-V1 não deixa de ser um reconhecimento da dificuldade de agrupar síndromes que cursam com fenômenos psicopatológicos singulares em cada caso isolado.
No caso relatado, o diagnóstico de esquizofrenia paranoide apresenta algumas particularidades, já que a violência contra animais e contra pessoas – apresentada pelo paciente antes do surgimento dos sintomas psicóticos – não é característica da síndrome esquizofrênica e está normalmente associada a transtornos de personalidade antissocial ou psicopatia.
No entanto, Kahlbaum descreveu, em 18852, sintomas pré-esquizofrênicos caracterizados por comportamento de oposição à família e à sociedade, com possíveis episódios de violência, semelhantes aos apresentados por psicopatas. A hebefrenia, conforme intitulou o autor, mimetiza a psicopatia, mas diferentemente do que ocorre nos transtornos da personalidade, tem evolução compatível com o diagnóstico de esquizofrenia, com sintomas positivos e negativos presentes.
O reconhecimento dessa descrição psicopatológica tem importância não só na atuação de psiquiatras forenses, mas também na clínica psiquiátrica cotidiana. A negligência com a psicopatologia clássica nos ambulatórios de psiquiatria pode levar os psiquiatras a se restringir ao uso de escalas padronizadas e análises superficiais de comportamento, deixando de observar essas nuances psicopatológicas.
O caso descrito3, sendo típico para quem atua como psiquiatra forense, é profícuo para a reflexão da relação complexa entre doença mental e violência. Além disso, seu relato é um testemunho singular da riqueza psicopatológica que contrasta com a pobreza biográfica que ainda se encontra, infelizmente, na população internada dos hospitais de custódia e tratamento no Brasil.