Compartilhar

Participação dos municípios de pequeno porte no Projeto Mais Médicos para o Brasil na macrorregião norte do Paraná

Participação dos municípios de pequeno porte no Projeto Mais Médicos para o Brasil na macrorregião norte do Paraná

Autores:

Fernanda de Freitas Mendonça,
Luis Fernando Abucarub de Mattos,
Emmeline Bernardes Duarte de Oliveira,
Carolina Milena Domingos,
Carlos Takeo Okamura,
Brígida Gimenez Carvalho,
Elisabete de Fátima Polo de Almeida Nunes

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.9 Rio de Janeiro set. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.18302016

Introdução

Desigualdades na distribuição geográfica de médicos são encontradas em vários países e regiões. Na Austrália, por exemplo, a proporção de médicos por 1000 habitantes em comunidades rurais é de 0,9. Tal carência, também se observa nos Estados Unidos, tanto que 25% dos médicos são de outra nacionalidade1. E ainda, se considerarmos regiões cujo cenário econômico é desfavorável, essa escassez atinge déficits ainda mais críticos tais como os países da África e do Sudoeste da Ásia2.

A carência de médicos no Brasil não é um problema atual, já na década de 1970 o país contava com um médico para cada 2040 habitantes e 1895 municípios sem médicos3. Esta situação foi melhorando com os anos, em 2009 já eram cerca de um médico para 676 habitantes4. No entanto, mais de 20% dos munícipios do Brasil apresentam algum grau de escassez de médicos5. Há sim uma escassez associada a uma má distribuição de médicos no Brasil. Em 2015, a relação de médicos por habitante no país era de 1,9 médicos por mil habitantes6. Índice inferior aos apresentados por países como Inglaterra (2,7), Portugal (3,8), Espanha (3,9) e Argentina (3,2)7.

No Brasil, estratégias para a fixação de profissionais de saúde em áreas remotas já tiveram início em 1976 com o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), em 1993 com o Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS) e em, 2001 o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS). O mais recente foi o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (PROVAB)1,7,8.

Em janeiro de 2013 a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) lançou uma campanha Cadê o médico? Esta, era petição reivindicando a contratação de médicos estrangeiros para atuar nos locais onde havia escassez9. Tal petição, aliada à recomendação da OMS, fez com que o Programa Mais Médicos (PMM) fosse instituído pela Lei n° 12.871/2013, sendo o Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB) a parte que gerencia o provimento desses profissionais.

Se comparada às estratégias anteriores, o PMM não se atentou apenas para a questão do provimento, pois se estrutura em três esferas de atuação. Além de implantar novas diretrizes curriculares no curso de medicina, busca também aumentar o número de vagas de graduação e residência nas universidades e, por fim, viabilizar a contratação de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar, sobretudo, em municípios cuja quantidade esteja abaixo do preconizado10. A grande inovação do PMM, no que se refere ao provimento, foi a chamada internacional, porque, além dos 1846 médicos brasileiros, o programa passou a contar com mais 12616 de outras nacionalidades de 49 países, sendo os cubanos os que mais aderiram1.

Todos os municípios podem aderir ao projeto, contudo, há critérios para isso, tais como: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo/muito baixo, 20% de população em extrema pobreza, fazer parte de regiões do Semiárido, Norte com escassez, Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Ribeira; Regiões de alta vulnerabilidade de capitais, regiões metropolitanas e G100; Municípios que participaram do Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB); Área de atuação de Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI); e Municípios com cobertura da Atenção Básica abaixo do necessário11.

No campo da atenção básica a escassez de médicos se torna um problema de maior magnitude, visto que a inserção destes na estratégia saúde da família constitui um dos grandes desafios, pois em geral estão concentrados em grandes centros urbanos e atuando no meio hospitalar9,12. Nos municípios de pequeno porte, cujos serviços de saúde são predominantemente a atenção básica e em geral situados em áreas geográficas mais isoladas, com situações de maior vulnerabilidade social e econômica, essa escassez se torna ainda mais preocupante5. Do total de 1304 municípios brasileiros que apresentam algum grau de carência de médicos na atenção básica, 875 (67,1%) são de pequeno porte, ou seja, com menos de 20 mil habitantes5. Na mesma linha, a demografia médica revelou que os índices de médicos por habitantes em municípios de pequeno porte são bem inferiores se comparados aos municípios de médio e grande porte6.

Na macrorregião norte do Paraná, local do presente estudo, do total de 97 municípios, 82 (84,5%) são de pequeno porte13. Diante disso, considerando as particularidades de municípios pequenos no que se refere ao provimento de profissionais médicos, é fundamental investigar como se deu a adesão ao PMMB, no sentido de verificar em que medida o projeto tem alcançado os resultados propostos pela PMM. Vale ressaltar que estudos sobre o quantitativo desses profissionais no âmbito municipal são necessários, pois a verificação da presença do médico por região ou estado não permite evidenciar a real carência deles nos municípios menores, mais distantes, que têm dificuldades de contratação e fixação. Portanto, o objetivo do estudo foi identificar a participação e as características dos municípios de pequeno porte da macrorregião norte do estado do Paraná que aderiram PMMB.

Trajetória metodológica

Este estudo é um recorte de uma pesquisa intitulada “A gestão do trabalho no SUS em Municípios de Pequeno Porte do Paraná a partir do olhar da Equipe Gestora” apoiada financeiramente pela Fundação Araucária, chamada de Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde: Gestão Compartilhada em Saúde/PPSUS. Foi empregada abordagem quantitativa com o recorte da participação dos municípios de pequeno porte no PMMB.

A macrorregião norte do Paraná possui 82 municípios de pequeno porte (população até 20.000 habitantes)13, ou seja, grande parte da área de estudo apresenta características que não favorecem a fixação de médicos, seja pela distancia que se encontram dos grandes centros urbanos, seja por situações de maior vulnerabilidade social e econômica. Esses municípios estão distribuídos em cinco Regionais de Saúde (Figura 1).

Figura 1 Mapa das Regionais de Saúde (16ªRS, 17ªRS, 18ªRS, 19ªRS e 22ªRS) da Macrorregião Norte do Paraná, 2015. 

Para melhor visualização, o Quadro 1 apresenta os municípios de pequeno porte das regionais referidas.

Quadro 1 Distribuição dos municípios de pequeno porte das regionais de saúde referidas 16a, 17a, 18a, 19a e 22a da região da Macrorregião Norte do Paraná, 2015. 

Municípios da 16aRS Municípios da 17aRS Municípios da 18aRS Municípios da 19aRS Municípios da 22aRS
Bom Sucesso Alvorada do Sul Abatiá Barra do Jacaré Arapuã
Borrazópolis Assaí Congonhinhas Carlópolis Ariranha do Ivaí
Califórnia Bela Vista do Paraíso Itambaracá Conselheiro Mairinck Cândido de Abreu
Cambira Cafeara Leópolis Figueira Cruzmaltina
Faxinal Centenário do Sul Nova Anérica da Colina Guapirama Godoy Moreira
Grandes Rios Florestópolis Nova Fátima Jaboti Jardim Alegre
Kaloré Guaraci Nova Santa Bárbara Japira Lidianópolis
Marilândia do Sul Jaguapitã Rancho Alegre Joaquim Távora Lunardelli
Marumbi Jataizinho Ribeirão do Pinhal Jundiaí do Sul Manoel Ribas
Mauá da Serra Lupionópolis Santa Amélia Pinhalão Mato Rico
Novo Itacolomi Miraselva Santa Cecilia do Pavão Quatiguá Nova Tebas
Rio Bom Pitangueiras Santa Mariana Ribeirão Claro Rio Branco do Ivaí
Sabáudia Porecatu Santo Antônio do Paraíso Salto do Itararé Rosário do Ivaí
São Pedro do Ivaí Prado Ferreira São Jerônimo da Serra Santana do Itararé Santa Maria do Oeste
Primeiro de Maio São Sebastião da Amoreira São José da Boa Vista São João do Ivaí
Sertanópolis Sapopema Siqueira Campos
Tamarana Sertaneja Tomazina
Uraí Wenceslau Braz
Total: 14 MPP(82,3%) Total: 17 MPP(80%) Total:18 MPP(86%) Total: 18 MPP(78%) Total: 15 MPP(94%)

Os critérios de adesão adotados para esta pesquisa foram o IDH, estar no PROVAB e fazer parte do DSEI, tendo em vista que os demais critérios não fazem parte da realidade da região de estudo.

Este estudo utilizou como fontes de dados secundários, informações relativas ao DSEI por meio do portal da Secretaria Estadual de Saúde Indígena (SESI) do Ministério da Saúde; número populacional e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) por meio do portal do Instituto de Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE); e dados relativos às adesões ao PROVAB obtidas pelo portal do PROVAB do Ministério da Saúde. Os dados primários foram obtidos por meio de entrevista com os gestores dos 82 municípios. Os dados eram referentes à adesão ao PMMB e o número de médicos que integravam o projeto.

Assim, as variáveis do estudo foram: número de habitantes, IDHM, fazer parte do DSEI, adesão ao PROVAB, adesão ao PMM, número de profissionais no programa e as distâncias (Km) dos MPP até o município sede da regional e até o de maior porte mais próximo. Os dados foram coletados de novembro de 2014 a junho de 2015, organizados em um banco de dados no Excel e analisados com o auxílio do programa Epi-Info versão 3.5.4 para Windows.

Os aspectos éticos que regem esta pesquisa estão descritos na resolução 466/1214 e foram aprovados pelo comitê de ética e pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Estadual de Londrina.

Resultados

Foram analisados 82 MPP da macrorregião norte do estado do Paraná, e destes, apenas 5 (6,1%) atendiam aos critérios para adesão prioritária ao PMMB. Cinco munícipios possuíam dois critérios de adesão: fazer parte do DSEI e ter aderido ao PROVAB. Apesar de a maior parte dos municípios não atender aos critérios estabelecidos pela lei, mais da metade dos MPP (62) dessa região aderiram ao PMMB (75,6%) (Figura 2).

Figura 2 Representação dos municípios da macrorregião norte do estado de acordo com a adesão ao Programa Mais Médicos, Paraná, 2015. 

A adesão ao PMMB por regional também apresentou números superiores em relação à não adesão. A regional que teve o maior número de adesões foi a 19ª RS (83,3%) ao passo que a com o menor número de municípios aderidos foi a 17ª RS (59%) (Gráfico 1).

Gráfico 1 Número de municípios aderentes ao Projeto Mais Médicos para o Brasil na região norte do Paraná por regionais, 2015. 

No que se refere ao número de médicos, a maior parte dos municípios, 49 (79%), recebeu um médico, seguido por 8 (12,9%) que receberam dois. Cinco (8,1%) receberam entre três e quatro.

Já em relação às características dos MPP que aderiram ao PMMB (Tabela 1), verificou-se que os municípios que possuíam IDHM médio foram os que tiveram maiores percentuais de adesão.

Tabela 1 Características dos municípios de pequeno porte da macrorregião norte do Paraná em relação à adesão ao Projeto Mais Médicos para o Brasil, 2015. 

Características Adesão ao PMM
Sim Não
n % n %
IDHM
Alto 26 63,4 15 36,6
Médio 36 87,8 5 12,2
População
Até 5000 hab 19 65,5 10 34,5
5001-10000 hab 21 80,8 5 19,2
10001-20000 hab 22 81,5 5 18,5
DSEI
Sim 5 100
Não 57 74 20 26
PROVAB
Sim 5 100
Não 57 74 20 26
Distância até município sede da regional de saúde
Até 30km 7 53,8 6 46,2
31-60km 20 74,1 7 25,9
61km e mais 35 83,3 7 16,7
Distância até o município de maior porte
Até 30km 10 58,8 7 41,2
31-60km 27 79,4 7 20,6
61km e mais 25 80,6 6 19,4

No critério população, os municípios que tinham entre 10.000 e 20.000 habitantes foram os que apresentaram maior adesão ao PMMB. Os municípios com população entre 5.000 e 10.000 obtiveram resultados proporcionais de adesão semelhantes, entretanto, os dos primeiros foram consideravelmente inferiores.

Todos os municípios dentro dos critérios – PROVAB e DSEI – estabelecidos pela lei n° 12.871/2013 aderiram ao PMMB (Tabela 1). Na região norte do estado do Paraná o projeto atingiu seu objetivo no que se refere à adesão dos municípios que atendem os critérios. Vale ressaltar esses municípios estavam localizados em regiões remotas e com condições sociais e econômicas restritas.

Outra característica dos municípios que mais aderiram ao PMMB foi estar entre os mais distantes do município sede da regional ou do de médio e/ou grande porte mais próximo.

Quanto aos municípios que não aderiram ao PMMB, infere-se que isto pode ter relação com razões políticos, bem como por conter características como altos valores de IDHM ou por estarem mais próximo de grandes centros urbanos.

Discussão

Importante destacar que apesar de esta ser uma região cujos critérios de adesão ao projeto estão pouco presentes, isso não representou um impedimento para que ocorresse, o que permite inferir que a ausência de profissionais médicos não ocorre apenas nas regiões em que os critérios de adesão estão presentes, mas também em outras localidades. O Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de Profissionais da Área da Saúde (SNEPFPAS) em áreas remotas e de maior vulnerabilidade já apontava que a falta da categoria médica ou sua distribuição desigual não atinge apenas municípios com tais características12. Um estudo realizado pelo observatório de Recursos Humanos em Saúde – Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado – EPSM, revelou que no estado do Paraná 89% dos municípios possuem um índice menor do que 0,66 de médicos por 1000 habitantes na atenção primária. Já na macrorregião norte do estado, a frequência foi de 80,4% municípios com valores também inferiores a esse índice. Quando isolados os municípios de pequeno porte o índice de até 0,65 de médicos por 1000 habitantes também foi elevado: 78%5. Esses dados confirmam que munícipios pequenos sofrem com a carência de profissionais médicos. Corroborando os resultados desta pesquisa, um estudo realizado na regional metropolitana de Recife revelou que a maior dificuldade de fixação de médicos na ESF encontra-se nos municípios com a menor quantidade de habitantes15.

Cada vez mais países buscam medidas para assegurar a universalização da cobertura de saúde, bem como o fortalecimento de um sistema que seja resolutivo e adequado à necessidade de saúde da população. Contudo, esse objetivo não está descolado do provimento de recursos humanos em saúde, inclusive de médicos1. De acordo com Santos et al.9, equipes de saúde que não contam com médico apresentam limites, visto que este profissional possui um núcleo de atuação fundamental para ofertar uma assistência pautada no princípio da integralidade.

É necessário considerar que a ausência de atrativos nas regiões com piores indicadores sociais, assim como as condições inadequadas de trabalho, com cargas horárias excessivas e má remuneração, dificultam a fixação de médicos. Ney e Rodrigues16 enfatizam que essa dificuldade ocorre principalmente quando a atuação do médico é na atenção básica, e cita várias justificativas, tais como: políticas municipais de recursos humanos inadequadas, precariedade dos vínculos empregatícios, sobrecarga de trabalho, alta rotatividade dos profissionais, insatisfação com o ambiente e as condições de trabalho e ausência de planos de cargos e salários.

Há, porém, estudos que demonstram que renda elevada pode não representar uma compensação, sobretudo quando vão para regiões de isolamento profissional, de baixa qualidade de vida para eles e seus familiares. Diante disso, uma das soluções possíveis está na formulação de políticas públicas e na gestão macroeconômica, as quais devem promover o desenvolvimento de regiões com maior vulnerabilidade, seja social, econômica ou de acesso, contribuindo assim para a correção de alguns aspectos geradores da má distribuição de médicos no país6.

No que se refere à adesão por regional, a 17ªRS apresentou menores índices, teve o menor número de pessoas residindo em municípios pequenos (18,6%), contando com alto desenvolvimento socioeconômico e de oferta de serviços17. Das cinco regionais é a que apresenta o maior PIB e possui o maior número de estabelecimentos de saúde, com a maior concentração de serviços de média e alta complexidades18,19. Se tomarmos como parâmetros que os médicos tendem a se fixar em locais cuja possibilidade de continuidade dos estudos é maior, onde o PIB é mais elevado e que ofereça melhores condições de trabalho e infraestrutura8,20,21, justificaria o fato de esta ter sido a regional com a maior proporção de não adesão ao PMMB, visto que apresenta características que tendem a atrair os médicos, sem a necessidade de uma política de provimento. Contudo, salienta-se que até mesmo nessa regional a adesão ao PMMB foi em mais da metade dos municípios presentes. Esse resultado é coerente com o relatório do SNEPFPAS, que descreve ausência de médicos também em municípios com recursos financeiros suficientes para os contratar12.

Por outro lado, a 19ª RS possui 51,6% de pessoas residindo em municípios pequenos e apresenta médio desenvolvimento socioeconômico. De maneira geral, a 19ª RS, em comparação com as demais, apresentou os piores índices de mortalidade infantil até 2006, atingindo um valor de 20,4/1.000 nascidos vivos18. Nos locais de maior vulnerabilidade social, com altas taxas de mortalidade infantil e condições socioeconômicas precárias costuma haver maior escassez de médicos, assim, a política de provimento torna-se uma das alternativas para essas localidades suprirem essa carência20.

Muitos municípios, sobretudo os de pequeno porte, foram alçados à condição de entes gestores autônomos, sem que o Estado brasileiro tivesse conseguido promover, na maioria deles, as condições mínimas de infraestrutura econômica e social para garantir o direito à saúde. E isso tem relação direta com a fixação de profissionais, pois afeta a capacidade de pagamento de salários bem como de ofertar boas condições de trabalho8.

Na maior parte dos MPP, apenas um médico se inseriu no PMMB. Diante disso, infere-se que nessa região o projeto foi importante para completar equipes de saúde da família que se encontravam desfalcadas por profissionais médicos. Segundo Santos et al.9, em municípios de difícil acesso, as equipes de Saúde da Família (eSF) não contavam com a participação do profissional médico, limitando a capacidade delas de prestarem um atendimento integral. Um fator que contribui de forma significativa para a não sustentabilidade das equipes é a rotatividade dos profissionais de saúde, em especial do médico, cujo tempo de permanência nas eSF costuma ser de apenas um ano12,22,23. Para Capozzolo24 são a sobrecarga das eSF, as dificuldades estruturais como a falta de medicamentos, de materiais e de retaguarda de outros níveis de atenção, e a insegurança gerada pela falta de capacitação dos profissionais para exercer a prática de generalista, que levariam à alta rotatividade dos médicos da Estratégia Saúde da Família (ESF).

Sobre as características dos MPP, verificou-se que o PMMB está mais presente em municípios com IDHM menores, algo importante do ponto de vista de suprimento de médicos, visto que em regiões de condições socioeconômicas inferiores a escassez desses profissionais tende a ser maior20.

Interessante notar que os municípios com os menores estratos de população foram os que menos aderiram ao PMMB, apesar de Scheffer et al.6 afirmarem que estas localidades são as que possuem os menores índices de médicos por habitante. Contudo, tendo em conta as dificuldades de fixação de médicos em municípios pequenos, aqueles que possuem apenas uma eSF obtêm certa vantagem, visto que cabe ao gestor providenciar apenas um profissional, ao contrário dos que possuem de 5000 a 20000 habitantes. Considerando a média de equipe por população estabelecida pela Política Nacional de Atenção Básica, esses municípios necessitam de até sete médicos para cobrir 100% da população25. Deste modo, infere-se que a maior adesão destes municípios ao PMMB deve-se a esse aspecto.

Todos os MPP que tinham critérios de prioridade para adesão, de fato, aderiram ao PMMB. Cabe destacar que é esperado que municípios que possuem algum critério façam a adesão, visto que por meio do projeto, eles têm a possibilidade de transferir as despesas com profissionais médicos, que não são pequenas, para o governo federal. Este fato é relevante, sobretudo, porque a autonomia atribuída aos municípios pela descentralização não foi acompanhada pela capacidade de gestão pública destes entes federados8. De acordo com Mendes26 e Silva27, mais de 50% dos municípios brasileiros não arrecadam o bastante para suprir suas despesas com a estrutura administrativa e legislativa.

Se encontrar mais distante de municípios maiores foi uma característica que favoreceu a participação no PMMB. De acordo com Scheffer et al.6, regiões mais distantes de grandes centros urbanos tendem a ter mais dificuldades para atrair o profissional médicos. Para Póvoa e Andrade21, isso ocorre por esses locais, em geral, serem um mercado de trabalho restrito com poucas oportunidades de crescimento profissional para si ou para o cônjuge. Além disso, o médico tende a permanecer em cidades onde haja escolas médicas ou programas de residência ou pelo menos em locais que sejam próximos28. Nesse sentido, destaca-se o aspecto positivo desse projeto na região, pois reduziu as desigualdades na área, sobretudo com o provimento de médicos em cidades mais distantes de grandes centros urbanos.

Para finalizar, não será apenas uma política que dará conta de resolver um problema tão complexo e crônico, e que não afeta apenas a categoria médica. Não há soluções únicas ou isoladas, é necessárias intervenções que articulem a gestão (federal, estadual, municipal), o financiamento, a reorientação dos processos de formação dos profissionais de saúde e a regulação do processo de trabalho em saúde12.

Considerações finais

Não se pode negar que o PMMB reduziu de forma significativa a distribuição desigual de médicos no Brasil e na região de estudo. Chamou a atenção o fato do déficit de médicos ser uma realidade até mesmo em regiões cujos critérios de adesão não estavam presentes, ou seja, ocorre também em municípios com boas condições socioeconômicas e que não se encontram em áreas remotas. Deste modo inferimos que municípios pequenos, independente da condição social ou da localização, são preteridos na escolha do local de atuação do profissional médico. Diante disso, o PMMB mobilizou os gestores municipais para o enfrentamento da falta de médicos nas suas localidades, mesmo não estando dentro dos critérios de adesão.

No caso do Brasil, em que a saúde é um direito de todos e dever do estado e que tem um sistema cujos princípios são a universalidade, a integralidade e a equidade, é fundamental a redução da desigualdade na distribuição de médicos, sobretudo em áreas de difícil acesso. Por isso, a urgência e a necessidade da efetividade do direito à saúde, com acesso universal e integral de suas ações e serviços, justificam a instituição da política pública sob a forma de Medida Provisória. Nesse sentido, trata-se de uma política coerente com o SUS na medida em que aumentou o acesso da população, não apenas a uma categoria profissional, mas também a uma séria de ações de serviços de saúde que necessariamente dependiam da presença do médico, além de o terem fixado em locais cuja presença era rotativa ou inexistente. Permitindo, dessa forma, que esse profissional obtivesse melhor percepção das necessidades de saúde locais e maior vínculo com a comunidade.

Contudo, é preciso considerar que com o subfinanciamento do SUS, ainda são uma realidade as condições precárias de trabalho. Deste modo, é preciso pensar para além do provimento emergencial e avançar na formulação de políticas que garantam a sustentabilidade desse sistema e boas condições de trabalho para seus profissionais. Ademais, as políticas de provimento só terão potência na medida em que incorporarem o compromisso com a mudança do processo de trabalho. Para tanto, é necessário o aprendizado mútuo entre as instituições formadoras e os serviços, na busca da transformação da realidade local sanitária e sob a perspectiva da educação permanente, além da continuidade da articulação interfederativa, de políticas regulatórias de Estado, bem como do constante monitoramento e aprimoramento do Programa Mais Médicos.

REFERÊNCIAS

1. Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR, Figueiredo AM, Araújo SQ, Matos MFM, Cyrino EG. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface (Botucatu) 2015; 19(54):623-634.
2. Organização Mundial de Saúde (OMS). Trabalhadores de Saúde: um perfil global. Geneva: OMS; 2006. Relatório Mundial de Saúde.
3. Mello CG. O sistema de saúde em crise. São Paulo: Cebes-Hucitec; 1981.
4. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde - Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Estudo para Identificação de Necessidades de Profissionais e Especialistas na Área da Saúde – 1ª Fase: Profissão Médica. Brasília: MS; 2005.
5. Girardi SN. Identificação de áreas de escassez em recursos humanos em saúde. Belo Horizonte: Observatório de Recursos Humanos em Saúde – Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado; 2012. Relatório final de atividades.
6. Scheffer M, Biancarelli A, Cassenote A. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: DMPUSP, Cremesp, CFM; 2015.
7. Carvalho MS, Sousa MF. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface (Botucatu) 2013; 17(47):913-926.
8. Maciel Filho R. Estratégias para a distribuição e fixação de médicos em sistemas nacionais de saúde: o caso brasileiro [tese]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social; 2007.
9. Santos LMP, Costa AM, Girardi SB. Programa Mais Médicos: uma ação efetiva para reduzir iniquidades em saúde. Cien Saude Colet 2015; 20(11):3547-3552.
10. Brasil. Lei n° 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o programa mais médicos, altera as leis n° 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e n° 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 23 out.
11. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Edital n°1 de 15 de janeiro de 2015. Adesão de municípios aos programas de provisão de médicos do ministério da saúde. Brasília: MS; 2015.
12. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Seminário Nacional sobre Escassez, Provimento e Fixação de Profissionais de Saúde em Áreas Remotas de Maior Vulnerabilidade. Brasília: MS; 2012.
13. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. [acessado 2010 ago 24]. Disponível em: .
14. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União 2013; 13 jun.
15. Guglielmi MC. A política pública “saúde da família” e a permanência– fixação – do profissional em medicina: um estudo de campo em Pernambuco [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro; 2006.
16. Ney MS, Rodrigues PHA. Fatores críticos para a fixação do médico na Estratégia Saúde da Família. Physis 2012; 22(4):1293-1311.
17. Viana AL, Ferreira MP, Albuquerque MV, Lima LD, Fusaro E, Iozzi F. Quanto o Brasil mudou I - observações a partir da situação das regiões de saúde nos anos 2000 e 2014. Novos Caminhos. Região e Redes; 2015. Nota Técnica 1/2015.
18. Região e Redes. Caminhos para a Universalização da Saúde no Brasil. Banco de Indicadores Regionais e Tipologias, 2013. [acessado 2015 mai 10]. Disponível em: .
19. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Séries Históricas e Estatísticas – Número de Médicos por mil Habitantes. [acessado 2015 ago 12]. Disponível em: .
20. Girardi SN, Carvalho CL, Araújo JF, Farah JM, Maas LWD, Campos LAB. Índice de escassez de médicos no Brasil: estudo exploratório no âmbito da atenção primária [acessado 2016 fev 12]. Disponível em:
21. Póvoa L, Andrade MV. Distribuição geográfica de médicos no Brasil: uma análise a partir de um modelo de escolha locacional. Cad Saude Publica 2006; 22(8):1555-1564.
22. Brasil. Ministério da Saúde (MS). A concepção dos pólos como recurso institucional de capacitação, formação e educação permanente de pessoal para saúde da família: Etapa 3. Brasília: MS; 2002.
23. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Assistência à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Informe da Atenção Básica, n° 21. Brasília: MS; 2004.
24. Capozzolo AA. No olho do furacão: Trabalho médico e o Programa de Saúde da Família [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2002.
25. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012.
26. Mendes EV. A descentralização do sistema de serviços de saúde no Brasil: novos rumos e um novo olhar sobre o nível local. In: Mendes EV, organizador. A organização da saúde no nível local. São Paulo: Hucitec; 1998. p. 17-75.
27. Silva SF. Municipalização da saúde e poder local: sujeitos, atores e políticas. São Paulo: Hucitec; 2001.
28. Pinto LF, Machado MH. Médicos migrantes e a formação profissional: um retrato brasileiro. Rev Bras Educ Méd 2000; 24(2):53-64.