versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.5 Rio de Janeiro 2018 Epub 10-Maio-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00063818
Há quatro anos, a pesquisa Nascer no Brasil lançou seus primeiros resultados em um número temático nos Cadernos de Saúde Pública, mostrando, pela primeira vez, o panorama do parto e nascimento no país, caracterizado por excessivas intervenções e, até mesmo, iatrogenia tanto nas mulheres como em seus bebês 1 . Esses resultados geraram inquietações e debates no seio da comunidade acadêmica, nas representações dos profissionais de saúde, nas organizações sociais e na sociedade em geral.
Um balanço do que vem ocorrendo é necessário, senão mesmo um grande desafio, posto que os resultados deveriam ser capazes de induzir, em curto prazo, mudanças relevantes nas políticas públicas de atenção ao parto e nascimento e práticas correspondentes. Mas, devem ainda somar-sea outras iniciativas em curso, dirigidas a dar resposta aos anseios das mulheres, famílias, gestores e profissionais de saúde.
No âmbito do Sistema Único de Saúde SUS , em 2011, foi lançado o programa Rede Cegonha envolvendo hospitais que atendiam usuárias do serviço público, com o objetivo de garantir acesso, acolhimento e qualidade na atenção ao parto e nascimento 2 . Uma avaliação dessa iniciativa foi realizada em 2017, por instituições acadêmicas, mostrando resultados promissores, com maior frequência de boas práticas e redução de intervenções desnecessárias.
Entre as iniciativas educativas destaca-se o desenvolvimento do Programa de Formação em Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal para Atuação dos Comitês de Mortalidade na modalidade de ensino à distância EAD , desenvolvido pelo nosso grupo de pesquisa em colaboração com o Ministério da Saúde. O curso visava o aprimoramento de registro de dados e dos sistemas de informação para a melhoria da atenção à saúde da mulher e das crianças. Entre 2013 e 2015, foram formados 99 tutores e 2.586 alunos distribuídos em 891 municípios brasileiros.
No âmbito da saúde suplementar, em 2015, foi criado um programa denominado Parto Adequado, destinado a reduzir o excesso de cesarianas. Ainda que incialmente com uma participação limitada, envolveu unidades hospitalares de grande prestígio no país, fato que colaborou para sua consolidação e expansão, contando atualmente com a adesão voluntária de quase 150 hospitais. Os resultados iniciais desse programa também estão sendo avaliados e já mostram melhoria nos indicadores nesses hospitais, como redução de cesarianas e de nascimentos com 37 e 38 semanas gestacionais, denominados bebês termo precoce, nesses hospitais 3 .
Outro avanço expressivo nesta área foi o estudo sobre a maternidade encarcerada, chamado Nascer nas Prisões. O estudo visitou todas as mulheres grávidas e com filhos menores de um ano de idade dentro dos cárceres femininos das capitais e regiões metropolitanas do Brasil. Realidade mostrada pela primeira vez, descortinou uma situação cruel e desumana com essas mulheres, seus filhos e suas famílias, tais como assistência pré-natal inadequada, transmissão vertical de sífilis, alta prevalência de infecção por HIV e uso de algemas durante o parto e a hospitalização 4,5 . Duas medidas jurídicas tomadas posteriormente à exposição desses resultados vieram a beneficiar esse grupo social: a proibição do uso de algemas durante o parto Lei nº 13.434/2017 e a prisão domiciliar para presas não condenadas, gestantes ou com filhos até 12 anos ou com deficiência Supremo Tribunal Federal - Habeas Corpus Coletivo de fevereiro de 2018 .
Outro achado da pesquisa Nascer no Brasil que merece destaque foi a grande frequência de nascimentos termo precoce, correspondendo a 31% do total de nascidos vivos não gemelares no SUS e 47% no setor privado. Dado relevante, uma vez que se observou maior risco de desfechos negativos nessas crianças, tais como o uso de oxigênio, internação em UTI neonatal, hipoglicemia, problemas respiratórios, icterícia e atraso no aleitamento materno, principalmente naqueles que nasceram por meio de uma cesariana sem trabalho de parto 6 . A esse respeito foi fundamental a resolução expedida pelo Conselho Federal de Medicina Resolução CFM nº 2.144/2016 a qual estabelece que a cesariana em situação de risco habitual somente poderá ser realizada a partir da 39ª semana gestacional 7 , em consonância com a decisão tomada pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia ACOG nos Estados Unidos, em 2013 8 .
Mais recentemente, em 2017, o Ministério da Saúde lançou um projeto de aprimoramento e inovação no cuidado e ensino em obstetrícia e neonatologia, denominado Apice-On, cujo objetivo é melhorar a formação clínica e a gestão do cuidado em relação ao parto, nascimento e abortamento, utilizando um modelo baseado em evidências científicas, humanização, segurança e garantia de direitos 9 .
Os dados dessas pesquisas demonstram os benefícios de investimentos em ciência e tecnologia para análise e monitoramento de políticas públicas. Em suma, é essencial que os avanços em curso possam continuar e se expandir com o propósito de que a atenção ao parto e nascimento seja constantemente aprimorada. Entretanto, deve considerar-se que, para a consolidação de todos os passos dados até aqui, é indispensável aumentar o financiamento público no setor saúde, a defesa intransigente dos direitos sociais e de cidadania, a valorização das mulheres, e sobretudo, a redução da pobreza e das iniqueidades sociais em saúde.
Por último, é de suma importância a redução da mortalidade materna, um dos principais tópicos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, sendo que para atingi-lo, é imprescindível que profissionais de saúde, gestores e a sociedade unam esforços para intensificar as mudanças destinadas a elevar a qualidade da atenção obstétrica, em particular durante o período pré-natal e no parto. Assim, os resultados dos estudos mencionados reforçam que sejam adotadas medidas voltadas para a redução de desfechos adversos para mães e bebês.