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Patência nasal e características otorrinolaringológicas e orofaciais em crianças

Patência nasal e características otorrinolaringológicas e orofaciais em crianças

Autores:

Jovana de Moura Milanesi,
Luana Cristina Berwig,
Luiz Henrique Schuch,
Rodrigo Agne Ritzel,
Ana Maria Toniolo da Silva,
Eliane Castilhos Rodrigues Corrêa

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.1 São Paulo jan./fev. 2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.10.014

Introdução

A obstrução nasal é o sintoma mais comum em crianças e pode estar relacionada à presença de condições nasais inflamatórias, como rinite e hipertrofia das tonsilas faríngeas. 1,2 Na presença de obstrução nasal, a respiração nasal é substituída pela respiração oral. 3-5 As vias aéreas superiores podem ser avaliadas através da medição da patência nasal. O Pico de Fluxo Inspiratório nasal (PFIN) é um instrumento objetivo, confiável e fácil de usar para a detecção do distúrbio de patência nasal obstrutiva e/ou inflamatória, inclusive em crianças. 6,7 Esse instrumento tem sido usado para avaliar a intensidade da obstrução nasal e o resultado do tratamento e seguimento. 1,8 Autores estabeleceram valores de referência do PFIN para crianças saudáveis brasileiras de oito a 15 anos.7 Portanto, além da detecção do transtorno de patência nasal, é possível quantificar sua magnitude e relacioná-la às alterações otorrinolaringológicas (OTRL) e orofaciais.

Aspectos clínicos e exames complementares são usados para avaliação das vias aéreas superiores. Na rinite, por exemplo, os principais sinais e sintomas incluem espirros paroxísticos, prurido e obstrução nasal, rinorreia, prurido orofaríngeo, hiperemia e prurido ocular, secreção hialina e hipertrofia e palidez das conchas inferiores.9 Essa condição é uma das doenças respiratórias mais prevalentes na infância.10 Em relação aos exames complementares, a nasofibroendoscopia e/ou a radiografia da nasofaringe são essenciais para identificar os fatores etiológicos da respiração oral (RO), principalmente a hipertrofia da tonsila faríngea.2

A respiração oral ocorre na tentativa de uma passagem de fluxo de ar mais eficiente causando algumas alterações.3 As consequências mais comuns do modo de respiração oral são a posição entreaberta dos lábios, a hipofunção do músculo orbicular, o lábio inferior evertido e a posição da língua no assoalho da boca ou interposta entre as arcadas, palato duro estreito e profundo, deglutição atípica e alterações no desenvolvimento craniofacial, como aumento do terço inferior da face. 3,11-13 Acredita-se que essas alterações sejam relativas à magnitude da obstrução nasal, isto é, à qualidade de patência nasal. Além disso, a influência do fator etiológico sobre as consequências da respiração oral pode ser diversa e necessitar de maiores investigações. O objetivo deste estudo foi comparar a patência nasal e características otorrinolaringológicas e orofaciais em crianças de seis a 12 anos.

Método

Este estudo prospectivo é derivado de um projeto intitulado "Caracterização e avaliação integradas da motricidade orofacial e doenças da postura corporal - fase II", aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob protocolo no 08105512.0.0000.5346, com desenho observacional e transversal.

Para este estudo, crianças de seis a 12 anos, de ambos os sexos, foram recrutadas em uma escola de ensino fundamental. Todos os pais ou tutores foram informados sobre os procedimentos e assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a resolução 466/12 do Comitê Nacional de Saúde (CNS). Foram incluídas crianças com dentição mista ou permanente e função ventilatória normal, verificada por espirometria. A avaliação por espirometria (One Flow - Clement Clarke) foi feita, de acordo com as recomendações da American Thoracic Society14 e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.15 Foram estabelecidos alguns critérios de exclusão: sinais e sintomas de exacerbação de rinite, terapia anti-histamínica ou corticoide oral ou tópica nos últimos 30 dias, crianças submetidas a tratamento ortodôntico, fisioterapia ou de fonoaudiologia, cirurgia facial ou trauma ou com sinais evidentes de doença neurológica e/ou malformação craniofacial (inclusive alterações do sistema estomatognático causadas por essas doenças neurológicas e malformações). Crianças com sinais e sintomas de rinite infecciosa e outros tipos de rinite também foram excluídas.

Todos os participantes foram submetidos a avaliações fonoaudiológica, otorrinolaringológica (OTRL) e fisioterapêutica por avaliadores com mais de cinco anos de experiência e cegados entre si. Os processos de seleção e avaliação são mostrados na figura 1 , bem como as variáveis analisadas.

Figura 1 Fluxograma de seleção, procedimentos de avaliação e variáveis analisadas. 

A avaliação do sistema estomatognático foi feita por um fonoaudiólogo experiente em motricidade orofacial, por meio do protocolo MBGR.16 As funções de mastigação, deglutição e fala foram avaliadas de acordo com o protocolo, e as filmagens e fotografias foram feitas.

Um otorrinolaringologista avaliou as crianças, considerando aspectos como hipertrofia tonsilar palatina e faríngea, desvio do septo nasal e edema da mucosa nasal, por meio de oroscopia e rinoscopia anterior. Também foi feita endoscopia nasal ou radiografia lateral da nasofaringe, dependendo da aceitação da criança. As avaliações das tonsilas palatinas e faríngeas seguiram, respectivamente, as classificações de Brodsky e Koch17 e Parikh.18 Além disso, a presença de sinais e sintomas de rinite foi analisada qualitativamente, tais como: hipertrofia e palidez das conchas inferiores, secreção hialina, espirros paroxísticos, prurido e obstrução nasal, rinorreia, prurido orofaríngeo, hiperemia e prurido ocular.9 Quando presente, a rinite alérgica (RA) foi classificada de acordo com a iniciativa ARIA (Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma),19 relacionada à frequência dos sintomas (intermitente ou persistente) e intensidade (leve ou moderada/grave).

A medida do Pico de Fluxo Inspiratório nasal (PFIN) foi usada para a avaliação objetiva da patência nasal. Ela foi avaliada por um fisioterapeuta, com o uso do equipamento In Check Inspiratory Flow Meter (Clement Clarke International, Reino Unido), com base no volume residual (VR), ou seja, uma expiração completa seguida de uma inspiração nasal profunda tão rápida e forte quanto possível, com a boca fechada e uma máscara bem adaptada à face. O maior valor obtido a partir de três medidas foi registrado.20 Os valores obtidos foram transformados em porcentagem dos valores estimados de PFIN, definidos por Ibiapina et al.,7 de acordo com o sexo e a estatura.

O software Statistica 9.1 (Statistica for Windows - versão 9.1 Stat Soft) foi usado para análise de dados descritivos e inferenciais, considerou-se p < 0,05 como nível significativo. Os dados são apresentados como mediana e intervalo interquartil. O teste de Lilliefors foi usado para a análise de normalidade de dados. Os valores de patência nasal foram comparados com características otorrinolaringológicas e orofaciais através dos testes de Mann-Whitney, Kruskal-Wallis e teste de comparações múltiplas.

Resultados

Este estudo analisou patência nasal e características otorrinolaringológicas e orofaciais, comparou condições normais e alteradas em 123 crianças, 69 meninos e 54 meninas, com média de 8,5 ± 1,6 anos.

A tabela 1 mostra os valores de %PFIN, PFIN (estimados e absolutos) e dados da anamnese e do exame OTRL. Valores significativamente mais baixos de PFIN e %PFIN foram encontrados em crianças com sono agitado, relato de obstrução nasal e rinorreia. Também foi encontrado um PFIN significativamente inferior em crianças com concha inferior pálida.

Tabela 1 PFIN (valores estimados e absolutos) e dados da anamnese e exame OTRL 

Variáveis n %PFIN p PFIN p
Sono agitado
Não 62 92,8 (82-109) 0,006a 99,0 (80-112) 0,002a
Sim 61 82,0 (68-94) 80,0 (70-100)
Ronco
Não 53 87,5 (68-103) 0,723 90,0 (70-110) 0,628
Sim 70 89,0 (77-101) 90,0 (75-100)
Dormir de boca aberta
Não 42 88,7 (77-106) 0,510 90,0 (80-112) 0,676
Sim 81 87,6 (71-100) 90,0 (75-100)
Obstrução nasal
Não 59 92,4 (80-104) 0,027a 92,0 (80-110) 0,023a
Sim 64 84,8 (67-99) 80,0 (70-100)
Rinorreia
Não 81 92,7 (79-107) 0,004a 95,0 (80-110) 0,012a
Sim 42 82,3 (67-92) 80,0 (65-100)
Prurido nasal
Não 62 92,7 (78-104) 0,074 91,0 (80-110) 0,052
Sim 61 85,0 (68-97) 82,0 (70-100)
Espirros
Não 39 93,0 (78-111) 0,165 95,0 (80-110) 0,382
Sim 84 87,3 (69-99) 90,0 (70-101)
Tonsilas faríngeasb
Não obstrutivas 46 87,5 (78-103) 0,789 91,0 (75-102) 0,928
Obstrutivas 28 89,9 (80-110) 95,0 (77-105)
Tonsilas palatinas
Não obstrutivas 109 87,5 (77-103) 0,490 90,0 (75-105) 0,371
Obstrutivas 14 90,0 (66-95) 85,0 (65-100)
Hipertrofia de conchas inferiores
Não 61 85,0 (69-97) 0,051 82,0 (70-100) 0,171
Sim 62 92,0 (80-108) 96,5 (78-105)
Concha inferior pálida
Não 30 91,4 (82-111) 0,190 100,0 (82-118) 0,040a
Sim 93 87,1 (71-101) 85,0 (70-100)
Secreção hialina
Não 42 89,3 (76-101) 0,940 95,0 (78-105) 0,530
Sim 81 87,5 (71-103) 90,0 (70-100)
Frequência da rinite
Não 16 83,8 (70-100) 0,866 88,5 (72-110) 0,689
Intermitente 56 89,7 (73-101) 85,0 (72-100)
Persistente 51 87,5 (78-104) 98,0 (75-102)
Intensidade da rinite
Não 16 83,8 (70-100) 0,244 88,5 (72-110) 0,692
Leve 60 90,8 (77-108) 90,0 (79-110)
Moderada/grave 47 87,1 (65-97) 90,0 (70-100)

Valores expressos como mediana e intervalo interquartil.%PFIN, Pico de Fluxo Inspiratório nasal estimado; PFIN, Pico de Fluxo Inspiratório nasal (L/min).

aAnova com Kruskal-Wallis; teste de Mann-Whitney; p < 0,05.

bDados faltantes: 49.

A tabela 2 descreve os valores de PFIN e %PFIN, compara-os com as variáveis estomatognáticas relacionadas às estruturas avaliadas através do protocolo MBGR, com diferença significativa no formato do lábio inferior e largura da língua e do palato duro.

Tabela 2 PFIN (valores estimados e absolutos) e estruturas estomatognáticas (protocolo MBGR) 

Variáveis N %PFIN p PFIN p
Tipo facial
Médio 57 87,1 (74-100) 0,730 85 (70-110) 0,254
Longo 27 90 (77-101) 95,7 (80-110)
Curto 39 87,4 (68-107) 86,0 (70-100)
Padrão facial lateral
Reto 58 86,9 (68-101) 0,364 82 (70-100) 0,227
Convexo 61 90,5 (79-101) 95 (80-102)
Côncavo 4 93,2 (75-108) 100 (75-122)
Ângulo nasolabial
Aprox. 90º-110º 82 87,3 (71-104) 0,971 90,0 (70-110) 0,769
Agudo (< 90º) 16 90,3 (65-106) 91 (67-106)
Obtuso (> 110º) 25 87,6 (84-94) 95 (80-100)
Posição labial
Fechada 71 90,5 (77-107) 0,345 90,0 (78-110) 0,637
Fechada com tensão 13 87,5 (80-100) 90,0 (80-100)
Entreaberta/aberta 39 86,4 (63-101) 95,0 (60-100)
Formato do lábio superior
Normal 88 87,3 (71-101) 0,408 85 (70-100) 0,093
Em "asa de gaivota" 35 90 (77-106) 100 (80-110)
Tônus do lábio superior
Normal 86 89,3 (78-101) 0,463 90 (75-102) 0,474
Reduzido 36 86,1 (64-110) 93,5 (72-105)
Aumentado 1 67,8 (-) 65 (-)
Formato do lábio inferior
Normal 52 82 (69-93)a 0,008a 80 (70-90)b 0,000a
Levemente evertido 60 93 (78-112)b 100 (80-115)b
Evertido 11 92 (85-100) 100 (80-102)
Tônus do lábio inferior
Normal 69 90,5 (77-103) 0,514 90 (75-110) 0,938
Reduzido 54 87,1 (68-101) 96,5 (75-100)
Aumentado 0 - -
Posição da língua
Não visível 86 90,2 (79-104) 0,131 90,0 (78-110) 0,301
No assoalho da boca 22 86,1 (53-97) 90,0 (60-100)
Entre os dentes 15 82,0 (65-107) 80,0 (60-110)
Largura da língua
Normal 89 86 (70-101) 0,075 85 (70-100)b 0,027a
Reduzida 1 125,5 (-) 130 (-)
Aumentada 33 92 (81-103) 98 (80-120)b
Tônus da língua
Normal 66 90,7 (77-104) 0,270 95 (75-110) 0,276
Reduzido 57 85,9 (69-101) 82,0 (70-100)
Aumentada 0 - -
Profundidade do palato duro
Adequada 52 86,9 (72-106) 0,962 90 (70-105) 0,750
Reduzida (rasa) 2 90,1 (67-112) 82,5 (65-100)
Aumentada (profunda) 69 89,3 (78-101) 90,0 (80-102)
Largura do palato duro
Adequada 77 90,7 (79-107) 0,080 95,0 (80-100)b 0,037a
Aumentada (larga) 2 90,1 (67-112) 82,5 (65-100)
Reduzida (estreita) 44 84,5 (67-96) 80 (67-100)b

Valores expressos em medianas e intervalo interquartil.%PFIN, Pico de Fluxo Inspiratório nasal estimado; PFIN, Pico de Fluxo Inspiratório nasal (L/min).

aAnova e teste de Kruskal-Wallis; teste de Mann-Whitney; p< 0,05.

bCategorias com diferença estatística.

A comparação entre os valores de PFIN e %PFIN com as variáveis relacionadas às funções estomatognáticas, avaliadas através do protocolo MBGR, é mostrada na tabela 3 . Foram encontrados valores significativamente diferentes na mastigação, deglutição de alimentos sólidos e funções da fala.

Tabela 3 PFIN (valores estimados e absolutos) e funções estomatognáticas (protocolo MBGR) 

Variáveis n %PFIN p PFIN p
Modo respiratório
Nasal 53 87,8 (71-103) 0,699 88,9 (70-110) 0,646
Oral 70 89,0 (78-101) 95,0 (75-100)
Padrão mastigatório
Bilateral alternado/unilateral preferencial 98 89,0 (74-101) 0,838 90,0 (70-110) 0,932
Unilateral crônico/bilateral simultâneo 25 87,1 (76-103) 90,0 (78-100)
Fechamento labial à mastigação
Sistemático 90 91,0 (77-106)b 0,040a 93,5 (78-110)b 0,026a
Não sistemático 30 85,0 (68-95)b 80,0 (65-100)b
Ausente 3 67,0 (51-85) 65,0 (55-80)
Velocidade mastigatória
Normal 88 87,5 (77-102)b 0,021a 90,0 (76-101)b 0,016a
Aumentada 30 96,1 (78-103)b 0,006a 99,0 (75-110)b 0,008a
Reduzida 5 53 (51-74)b 55,0 (50-70)b
Deglutição de alimentos sólidos (DAS)
Normal 108 91,0 (77-106) 0,006a 95,0 (78-110) 0,001a
Alterada 15 82,0 (67-87) 80,0 (65-80)
Posição da língua (DAS)
Não visualizado 104 90,2 (75-105) 0,063 91,0 (75-110)b 0,023a
Atrás dos dentes 4 92,0 (86-103) 98,0 (89-104)
Entre os dentes/ interdental 15 84,0 (51-87) 80,0 (55-90)b
Deglutição de água (DA)
Normal 83 89,4 (78-103) 0,172 90 (80-110) 0,097
Alterada 40 86,5 (66-102) 80,0 (70-100)
Posição da língua (DA)
Não visualizada 22 91,3 (63-101) 0,268 92,5 (70-110) 0,171
Atrás dos dentes 61 87,6 (80-104) 90,0 (80-110)
Entre os dentes/interdental 40 86,5 (66-102) 80,0 (70-100)
Fala
Normal 76 89,3 (80-102) 0,092 98,0 (80-110) 0,004a
Alterada 47 82,6 (67-103) 80,0 (65-100)

Valores expressos em medianas e intervalo interquartil.%PFIN, Pico de Fluxo Inspiratório nasal estimado; PFIN, Pico de Fluxo Inspiratório nasal (L/min).

aAnova com teste de Kruskal-Wallis; teste de Mann-Whitney; p < 0,05.

bCategorias com diferença estatística.

Discussão

A literatura não é bem clara em relação ao uso de ferramentas objetivas capazes de quantificar a patência nasal em crianças. A rinomanometria, a rinometria acústica e alguns exames de imagem mais sofisticados são métodos usados na avaliação da função nasal, embora os procedimentos de avaliação não invasivos e fáceis de usar ainda sejam um desafio constante para a prática clínica. Atualmente, o PFIN é usado na avaliação das vias aéreas superiores, 8,21,22 mas na literatura revisada não foram encontrados estudos sobre patência nasal relacionada aos sinais e sintomas de rinite, bem como aspectos orofaciais em crianças.

Valores reduzidos de %PFIN e PFIN foram encontrados em crianças com sono agitado, relato de obstrução nasal e palidez de concha nasal inferior. A diminuição da patência nasal pode sugerir a existência de problemas respiratórios, que consequentemente se refletem no sono. Um estudo que usou análise cefalométrica encontrou um espaço faríngeo reduzido nas crianças com alto risco de distúrbios do sono, em comparação com aquelas com baixo risco.23 Foi encontrada uma taxa de 43% de sintomas de distúrbios respiratórios do sono em 65 crianças com sintomas obstrutivos nasais.24

Esta amostra evidencia que as crianças com obstrução nasal apresentaram redução de 7,6 L/min no valor de PFIN. Esses resultados demonstram uma associação entre o sintoma e a medida objetiva da patência nasal. A obstrução nasal é o principal sintoma da rinite e pode ser atribuído à inflamação da mucosa nasal e ao aumento da secreção.8 O PFIN tem sido fortemente associado à rinite, diagnosticada pelos sintomas clínicos e pela rinoscopia anterior.25 Além disso, vários autores demonstraram boa correlação entre o PFIN e os escores clínicos de obstrução nasal. 8,20,26 Deve-se enfatizar que apenas a avaliação clínica pode ser insuficiente na detecção de obstrução nasal, uma vez que a obstrução detectada através de um exame objetivo pode ser diferente daquela relatada pelas crianças, ou seja, sua percepção pode ser subestimada ou superestimada. 8,24,26 Além disso, as informações fornecidas pelo PFIN são diferentes dos relatos de sintomas qualitativos.25 Portanto, é sugerida uma combinação de métodos objetivos e subjetivos para avaliação de patência nasal. 20,25,27

Os indivíduos com rinite são propensos a apresentar valores reduzidos de PFIN.8 Em um estudo recente, as crianças com rinite apresentaram, respectivamente, valores médios de %PFIN de 64,1% e 90,7% antes e após o tratamento.1 No presente estudo, os valores de PFIN e %PFIN em crianças com sinais e sintomas nasais foram, respectivamente, 80 L/min e 80%. Crianças brasileiras saudáveis, de oito a 15 anos, apresentaram valores absolutos de PFIN de 111,6 L/min em meninos e 99,2 L/min em meninas.7 Observou-se que as crianças neste estudo apresentaram valores semelhantes a crianças saudáveis.

As consequências do modo de respiração oral têm sido amplamente estudadas nos últimos anos, 4,28-31 embora as consequências específicas da diminuição da patência nasal ainda permaneçam inconsistentes. Os resultados referente às estruturas do sistema estomatognático foram bastante variados. Surpreendentemente, valores maiores de PFIN foram encontrados em crianças com leve eversão do lábio inferior e aumento da largura da língua. Valores de PFIN diminuídos foram encontrados em crianças com palato mais estreito. Não houve diferenças nos valores de PFIN relacionados às estruturas do sistema estomatognático.

A ausência de vedação labial, interposição da língua entre dentes e atresia do palato duro foram encontrados em crianças com hipertrofia adenotonsilar.30 Entretanto, essas mudanças que caracterizam RO podem não estar relacionadas ao aumento da resistência nasal ou redução do fluxo de ar nasal,32 mas ser causadas por hábitos orais.

No presente estudo, crianças com ou sem alterações nas estruturas orofaciais apresentaram valores de PFIN semelhantes a crianças saudáveis.7 Esses achados podem ser explicados considerando a RO como consequência de hábitos orais 10,33 ou edema transiente da mucosa nasal.34

Em relação às funções estomatognáticas, os valores de %PFIN e PFIN foram estatisticamente menores em crianças com fechamento labial não sistemático durante a mastigação e redução da velocidade mastigatória. Tais valores de %PFIN e PFIN foram, respectivamente, 53% e 55 L/min, inferiores aos encontrados em crianças saudáveis.7 Um estudo detectou o modo de RO e alterações nas funções de mastigação e deglutição em 30 crianças com rinite alérgica.13 Os autores também encontraram correlações significativas entre o aumento dos escores de sinais e sintomas de obstrução nasal e a presença de disfunções mastigatórias e de deglutição.

A coordenação entre a respiração e a mastigação é um processo complexo e, como a respiração é uma função mais vital, o movimento mastigatório pode ser interrompido durante a RO.35 No presente estudo, observou-se fechamento labial não sistemático, bem como em outro estudo, com crianças que apresentavam hipertrofia adenotonsilar.4 Além disso, tensão nos músculos mentual e orbicular e a interposição da língua entre os dentes durante a deglutição podem ocorrer como um mecanismo compensatório necessário para manter os alimentos dentro da boca.4

Uma redução dos valores de %PFIN e PFIN também foi observada em crianças com alteração na deglutição de alimentos sólidos. Foi identificado menor espaço da via aérea faríngea por meio de telerradiografias, em crianças de sete a 11 anos, com deglutição atípica, em comparação com o grupo controle, considerando as variáveis idade e sexo.36

Crianças com distúrbios de fala apresentaram valores significativamente mais baixos de PFIN do que aquelas com função normal de fala. Os distúrbios de fala mais comuns descritos em RO são: língua para a frente durante a emissão do fonema linguodental; imprecisão em fonemas bilabiais e fricativos e ceceio frontal e lateral.37 Uma menor velocidade do movimento mandibular durante a fala foi encontrada em crianças com rinite, em comparação com o grupo controle, mas sem significância estatística.38 De acordo com os autores, a obstrução nasal estaria relacionada a alterações na mobilidade, tônus e posição dos órgãos fonoarticulatórios.

Parece que as funções estomatognáticas são alteradas primeiro e isso poderia causar alterações estruturais ao longo do tempo. As alterações associadas à diminuição da patência nasal são também aquelas associadas à respiração oral. Isso reforça a necessidade de tratar a obstrução nasal juntamente com as funções estomatognáticas. Entretanto, pelo fato de a amostra incluir um grande número de crianças com sinais e sintomas de rinite alérgica e isso estar associado à diminuição da patência nasal, os resultados devem ser considerados com cuidado.

Apesar de a avaliação orofacial ter uma natureza observacional e qualitativa, alguns protocolos sistemáticos e padronizados têm sido usados, permitem a comparação entre os estudos. 16,30 Outro fato a ser considerado refere-se ao caráter volitivo do exame de PFIN, principalmente em crianças. Portanto, sugerem-se pesquisas adicionais com análise quantitativa da motricidade orofacial e os aspectos metodológicos do teste de PFIN.

É relevante considerar que a obstrução nasal pode causar alterações estomatognáticas estruturais e funcionais, a fim de compensar o comprometimento do fluxo de ar, já que uma menor permeabilidade foi encontrada em crianças com disfunção mastigatória e de deglutição. Para não serem negligenciadas, essas funções exigem mais atenção, uma vez que elas não são facilmente feitas por crianças, nem observadas por pais e profissionais.

Conclusão

A patência nasal foi menor em crianças com sono agitado, sinais e sintomas de rinite, redução da largura do palato duro e alterações nas funções de mastigação, deglutição e fala. Também é enfatizado o fato de que a maioria das crianças apresentava sinais e sintomas de rinite alérgica.

REFERÊNCIAS

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