versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.30 no.4 São Paulo 2018 Epub 23-Jul-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017046
A voz tem um papel fundamental na comunicação humana e em suas relações sociais. Através da voz, é possível representar o falante quanto a características como idade, gênero, raça, orientação sexual, fatores de personalidade e de condição emocional(1). Por isso, as alterações das características vocais podem levar ao comprometimento da identidade do indivíduo, já que podem confundir o ouvinte quanto aos aspectos básicos relacionados ao falante(2).
O edema de Reinke conceitua-se por ser uma lesão laríngea difusa com acúmulo de fluido na camada superficial da lâmina própria da prega vocal (PV), de extensão variada, geralmente bilateral(3). Sua etiologia é atribuída ao tabagismo em longo período associado com o abuso vocal(4,5). Embora outros fatores possam estar envolvidos, como questões hormonais e o processo de envelhecimento, o cigarro é o principal fator etiológico (6,7). O uso do tabaco modifica a camada protetora da PV, alterando os ciclos vibratórios e a qualidade vocal do indivíduo(7).
As principais características perceptivo-auditivas da voz associadas ao Edema de Reinke são: rugosidade, pitch grave, voz fluida, crepitação e monoaltura(2,8,9). No que se refere aos dados acústicos, a literatura descreve redução da frequência fundamental (F0), alterações nas medidas de ruído relacionadas à F0, como jitter e shimmer, proporção harmônico/ruído, além de redução dos tempos máximos de fonação (TMF) (10-13).
A procura por atendimento se dá, na maioria das vezes, quando existe um comprometimento significativo na identidade do indivíduo, no caso das mulheres, ou comprometimento respiratório. Quanto aos homens, o agravamento da voz geralmente não ocasiona desconforto ou incômodo. Talvez seja este o motivo pelo qual as mulheres procuram mais por assistência médica e fonoaudiológica. Porém, é rara a procura por tratamento em mulheres com idade inferior a 45 anos(2).
Em fonoterapia, é comum ouvir queixa de pacientes mulheres com Edema de Reinke em situações embaraçosas em que são confundidas com homens ao telefone, embora poucos sejam os estudos sobre este tema(9,14). Recentemente, um estudo mostrou que as mulheres com Edema de Reinke , em geral, autoavaliam suas vozes como masculinas. O mesmo estudo concluiu, ainda, que mulheres com Edema de Reinke têm suas vozes julgadas como masculinas e que esta alteração na percepção do gênero está relacionada principalmente aos valores da F0, mas também há outros parâmetros da análise acústica da voz, como os picos cepstrais (que nas mulheres identificadas como homens são mais baixos)(14).
Acredita-se que compreender melhor a queixa de ambiguidade de gênero relacionada à voz trazida pelas mulheres com Edema de Reinke, bem como a relação desta possível ambiguidade a dados laringológicos e vocais, possa contribuir para reflexões acerca de condutas clínicas e/ou preventivas junto a esse grupo. Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo investigar a percepção auditiva de juízes leigos quanto ao gênero de mulheres com edema de Reinke e associá-la às variáveis grau do edema e média da frequência fundamental (F0) da voz.
Trata-se de estudo observacional, analítico, transversal, aprovado pelo Comitê de Ética do Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná sob o número 221.401/ 2012. A pesquisa foi dividida em duas etapas, sendo a primeira a coleta das vozes e a segunda a análise dessas vozes por juízes leigos.
Participaram 48 indivíduos, 36 mulheres e 12 homens, que foram divididos em dois grupos: Grupo Edema de Reinke (GER) – composto por 24 mulheres com diagnóstico laríngeo de Edema de Reinke e Grupo Controle (GC) – composto por 12 homens e 12 mulheres com diagnósticos laríngeos variados.
Todos os indivíduos da pesquisa pertenciam ao Ambulatório de Laringe e Voz do Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Estes foram abordados em dias de consultas otorrinolaringológicas devido a queixas vocais. Após esclarecimento sobre o objetivo do estudo, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e iniciaram a coleta de dados.
Para o GER, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: gênero feminino, diagnóstico laríngeo de edema de Reinke, uni ou bilateral, de graus 1, 2 ou 3 e idade superior a 18 anos. Para o GC: ambos os gêneros, com idade igual ou superior a 18 anos e diagnósticos laríngeos variados.
Foram critérios de exclusão para o GER: histórico de uso de esteroides anabolizantes, no presente ou passado, devido à possibilidade de agravamento vocal e problemas neurológicos que impedissem a compreensão ou execução das tarefas solicitadas. Para o GC, foram adotados os mesmos critérios e ainda: homens com muda vocal incompleta que pudesse ser confundida com a do gênero feminino. Os procedimentos da coleta de dados para o GER e GC foram:
Anamnese: aplicação de questionário elaborado pelos pesquisadores para a obtenção de dados de identificação e informações sobre a saúde geral e a voz;
Laringoscopia ou Nasofibrolaringoscopia: por meio do laringoscópio 8.0 mm - 70º autoclavável Storz® ou do Nasofibrolaringoscópio - Pentax® - FNL-10RP3 (em indivíduos que não toleraram o exame per oral). Foram coletadas as seguintes informações: presença ou ausência de lesão e/ou alteração laríngea e tipo de lesão/alteração. Os diagnósticos médicos foram feitos, por consenso, por uma equipe composta por dois médicos residentes, um médico responsável pelo serviço e um professor responsável pelo serviço. Para as mulheres do GER, além dos dados mencionados acima, foi avaliado o grau do edema de Reinke - Grau 1, Grau 2 ou Grau 3. Os critérios para a graduação foram determinados na inspiração, com as aritenoides em abdução. Grau 1 - o contato das pregas vocais confinado ao terço anterior; Grau 2 - o contato das pregas vocais está confinado aos dois terços anteriores; Grau 3 - contato das pregas vocais até o terço posterior(15);
Gravação da voz: emissão sustentada do /ε/ e contagem de números de um a dez. As amostras foram gravadas diretamente em notebook com interface/placa de som da marca Andrea Pure Audio® e microfone unidirecional de cabeça da marca Karsect®, posicionado a 45° da boca. As gravações foram feitas em ambiente silencioso, com nível de ruído inferior a 50 dB. O ruído foi aferido por meio do programa de análise acústica VOXMETRIA, modo avaliação da intensidade, sem a presença da voz, em microfone omnidirecional, para captação apenas do som do ambiente;
Análise acústica vocal: realizada por meio do programa Voxmetria® (CTS Informática, versão 2.5), foi avaliada a frequência fundamental média da emissão sustentada do /ε/ e desprezados os segundos iniciais e finais da emissão, correspondentes aos trechos de maior instabilidade.
Quanto à caracterização dos grupos, o GER compreendia as idades entre 44 e 77 anos (média de 56,5 anos) e o GC, as idades entre 18 e 78 anos (média de idade 54 anos), sem diferença entre eles (p>0,05). Esclarece-se que, quanto ao número de indivíduos idosos em cada grupo, o GER tinha 9 indivíduos (todas mulheres) e o GC tinha 8 indivíduos (seis mulheres e dois homens) com idade superior a 60 anos, sem diferença estatisticamente significante entre eles (p = 1,00). Considerou-se, portanto, que, se houvesse fatores de confusão referentes à identificação do gênero decorrentes da idade, os dois grupos teriam as mesmas chances deste tipo de ocorrência.
Quanto ao detalhamento referente aos indivíduos do GC, os dados laríngeos e vocais se encontram no quadro 1 .
Quadro 1 Distrubuição de diagnósticos de distúrbios vocais com ou sem a presença de alterações laríngeas dos sujeitos do GC
Homens (n = 12) | Mulheres (n = 12) | ||
---|---|---|---|
n | Diagnóstico | n | Diagnóstico |
3 | Disfonia funcional sem alteração laríngea | 3 | Cisto Epidermoide |
2 | Edema de Reinke | 3 | Presbifonia |
1 | Ataxia cerebelar sem alteração laríngea | 2 | Paralisia unilateral de PPVV |
1 | Cisto epidermoide | 2 | Disfonia psicogênica |
1 | Rigidez de prega vocal pós-radioterapia | 1 | Cicatriz de prega vocal |
1 | Pós-operatório de papiloma supraglótico | 1 | Fenda triangular médio-posterior |
1 | Paralisia unilateral de prega vocal | ||
1 | Presbifonia | ||
1 | Disfonia psicogênica |
Legenda: GC = grupo controle; n = número
Foram convidados a participar, voluntariamente, 50 juízes leigos, sendo 16 homens e 34 mulheres, com idades entre 18 e 52 anos. Estes não foram informados sobre as características da população do estudo. No entanto, ao final desta etapa, os objetivos do trabalho foram explicados a cada um deles.
Após o contato inicial, os juízes que aceitaram participar foram diretamente para a avaliação das vozes. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ocorreu após a análise das vozes.
Foram adotados como critério de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; não ter nenhuma relação com a Fonoaudiologia ou atuação em áreas relacionadas ao estudo da voz e da comunicação. Foram adotados como critérios de exclusão: queixa de dificuldade auditiva e dificuldade de compreensão da tarefa solicitada.
As amostras vocais analisadas foram a contagem de números de um a 10, pertencentes aos 48 indivíduos da etapa 1 (24 do GER e 24 do GC), apresentadas a cada juiz de forma individual. As vozes dos indivíduos do GER e do GC foram apresentadas aleatoriamente.
As respostas foram marcadas em protocolo específico que continha as seguintes orientações para cada uma das vozes:
1. Identifique o gênero do indivíduo por meio da voz apresentada: sendo as respostas disponíveis: homem ou mulher;
2. Quanto à resposta anterior: tem-se certeza ou dúvida.
Cada voz foi apresentada três vezes. Foram repetidas 20% das amostras para a realização da concordância interna do juiz, sendo cinco do GER e cinco do GC.
Após a avaliação de todos os juízes (n = 50), foi realizado o teste de Kappa para análise da concordância interna, analisando-se as amostras com suas respectivas repetições. Levando-se em consideração que não se tratava de uma análise perceptivo-auditiva feita por especialistas, aceitaram-se como confiáveis todos os juízes que apresentavam Kappa de pelo menos 0,6. De acordo com os critérios adotados, quatro juízes apresentaram valor de Kappa inferior a 0,6 e, por isso, foram excluídos do estudo. Assim, a amostra final de juízes foi composta por 46 indivíduos. A variação de Kappa no grupo total (n = 50) foi de 0,33 a 1,00 e a variação de Kappa no grupo dos juízes incluídos (n = 46) foi de 0,66 a 1,00, com média de 0,7.
As avaliações dos juízes foram tabuladas em planilha do Excel. Os 46 juízes analisaram 48 vozes, obtendo-se um total de 2.208 análises.
A análise estatística compreendeu os seguintes testes: para a análise da identificação do gênero, atribuição de certeza ou dúvida, associação com o grau do edema e comparação das faixas etárias (idosos e não idosos) do GER: Teste Quiquadrado de Pearson (associação de duas variáveis categóricas). E para a associação entre a identificação do gênero, atribuição de certeza ou dúvida pelos juízes e a variável F0 da voz e comparação das frequências fundamentais entre os grupos de idosos e não idosos: Teste T de Student (comparação de duas médias em caso de distribuição simétrica). Para todas as análises, utilizou-se nível de significância de 0,05.
Na Tabela 1 , está apresentada a análise dos juízes quanto à identificação do gênero dos indivíduos do GER e do GC.
Tabela 1 Análise dos juízes quanto ao gênero dos sujeitos do GER e do GC
Identificação | Grupo | p | |||
---|---|---|---|---|---|
GC | GER | ||||
n | % | n | % | ||
Acertos | 1078 | 97,6 | 832 | 75,4 | 0,000 |
Erros | 26 | 2,4 | 272 | 24,6 | |
Certeza | 983 | 89,0 | 67,9 | 75,0 | 0,000 |
Dúvida | 121 | 11,0 | 354 | 32,1 |
Teste Qui-Quadrado de Pearson com Yates; p<0,05
Legenda: GER = grupo edema de Reinke; GC = grupo controle; n = número
Nota-se que o número de erros dos juízes em relação ao gênero do indivíduo foi superior no GER (24,6%) em relação ao GC (2,4%), com diferença estatisticamente significante entre eles (p = 0,000). O mesmo ocorreu quando se comparou a certeza ou dúvida do juiz em relação ao gênero do indivíduo (p=0,000).
Na Tabela 2 , está apresentada a associação entre o grau de edema e os resultados de identificação do gênero do GER ( Tabela 2 ).
Tabela 2 Associação entre o grau de edema e os resultados de identificação do gênero do GER
Identificação | Grau do Edema | p | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | |||||
n | % | n | % | n | % | ||
Acertos | 544 | 84,5 | 118 | 64,1 | 170 | 61,6 | 0,000 |
Erros | 100 | 15,5 | 66 | 35,9 | 106 | 38,4 | |
Certeza | 487 | 75,6 | 117 | 63,6 | 146 | 52,9 | 0,000 |
Dúvida | 157 | 24,4 | 67 | 36,4 | 130 | 47,1 |
Teste Qui-Quadrado de Pearson com Yates; p<0,05. Valores de p acertos e erros aos pares: grau 1 X grau 2 = 0,000; grau 2 X grau 3 = 0,65. Valores de p certeza ou dúvida aos pares: grau 1 X grau 2 = 0,01; grau 2 X grau 3 = 0,02
Legenda: GER = grupo edema de Reinke; n = número
Quanto à associação entre o grau de edema dos indivíduos do GER e os resultados da identificação do gênero, observou-se que as mulheres com graus 2 e 3 são mais facilmente confundidas com indivíduos do gênero oposto do que as mulheres com Edema de Reinke grau 1. Isso pode ser observado tanto na associação com os acertos e erros (p = 0,000) quanto no relato de certeza ou dúvida (p = 0,000). Quando os cruzamentos da Tabela 2 foram feitos aos pares, observou-se que não houve diferença (p= 0,65) entre o grau 2 quando comparado com o grau 3.
Na Tabela 3 , está apresentada a associação entre a F0 e dados referentes ao acerto ou erro quanto ao gênero dos indivíduos do GER ( Tabela 3 ).
Tabela 3 Associação entre F0 e dados referentes ao acerto ou erro quanto ao gênero dos sujeitos do GER
Acertou | Errou | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | Média F0 | DP | n | Média F0 | DP | |
832 | 149 | 20,11 | 272 | 141 | 14,65 | 0,000 |
Certeza | Dúvida | p | ||||
n | Média F0 | DP | n | Média F0 | DP | |
750 | 148 | 20,25 | 354 | 144 | 16,47 | 0,000 |
Teste T de Student; p<0,05
Legenda: GER = grupo edema de Reinke; F0 = frequência fundamental; n = número; DP = desvio padrão
Observou-se que a média da F0 (141 Hz) dos indivíduos cujos juízes erraram o gênero foi menor do que a média (149 Hz) dos indivíduos cujos juízes acertaram (p = 0,000). Da mesma forma, a média da F0 (144 Hz) dos indivíduos cujos juízes referiram dúvidas foi menor do que a média (148 Hz) dos indivíduos cujos juízes referiram certeza quanto ao gênero julgado (p = 0,000).
Uma vez que ambos os grupos incluíram indivíduos idosos com idade igual ou superior a 60 anos (n = 9 no GC e n = 8 no GER), optou-se por realizar análise adicional, investigando possível associação entre a idade e a distribuição de acertos e erros em relação ao gênero ( Tabela 4 ). Os resultados mostraram que não houve diferença entre o grupo de idosos e não idosos tanto para a variável acertos/erros (0,239) quanto dúvida/certeza (0,183) e que, portanto, a variável idade parece não ter influenciado a percepção dos juízes leigos em relação ao gênero.
Tabela 4 Associação entre idade e os resultados de identificação de sexo pelos juízes
Identificação | Idoso | p | |||
---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | ||||
n | % | n | % | ||
Acertos | 686 | 87,72% | 1224 | 85,83 | 0,239 |
Erros | 96 | 12,28% | 202 | 14,17 | |
Certeza | 601 | 76,85% | 1132 | 79,38 | 0,183 |
Dúvida | 181 | 23,15% | 294 | 20,62 |
Teste Qui-Quadrado de Pearson com Yates; p<0,05
Legenda: n = número
Ainda em relação à análise adicional, foi realizada comparação entre idosos e não idosos quanto aos dados de F0 ( Tabela 5 ). Os resultados indicaram que no GER mulheres não idosas apresentaram valores médios de F0 mais baixos em relação às mulheres idosas (p = 0,018). No GC, a diferença ocorreu apenas para o gênero masculino, em que idosos apresentaram valores médios mais altos em relação aos não idosos (p = 0,01).
Tabela 5 Associação entre frequência fundamental e idade no GC e no GER
Grupo | Frequência Fundamental | p | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Idosos | Não idosos | ||||||
Média | DP | n | Média | DP | n | ||
GER | 159,25 | 21,53 | 9 | 140,27 | 15,01 | 15 | * 0,018 |
GC mulheres | 185,04 | 31,63 | 6 | 174,78 | 14,92 | 6 | 0,51 |
GC homens | 154,35 | 24,64 | 2 | 115,5244 | 17,12 | 10 | * 0,01 |
Teste T de Student;
*p<0,05
Legenda: GC = grupo controle; GER = grupo edema de Reinke; DP = Desvio-padrão; n = número
Os gêneros são definidos historicamente por características físicas, psicológicas e sociais, e a voz também contribui para a distinção entre homens e mulheres(14). Assim sendo, patologias laríngeas e distúrbios vocais podem ser causadores de confusões em relação à identificação do gênero do falante, principalmente quando tal julgamento é feito exclusivamente pela voz.
De acordo com a Tabela 1 , o número de erros dos juízes quanto ao gênero dos indivíduos do GER foi superior ao GC, o que mostrou que as mulheres com edema de Reinke são mais confundidas com pessoas do gênero oposto quando comparadas com os demais diagnósticos laríngeos. Tal achado corrobora os dados da literatura quanto às queixas de mulheres que procuram atendimento especializado referindo serem confundidas com homens ao telefone(2).
Em estudo recente, um grupo de mulheres com Edema de Reinke deveria autoavaliar suas vozes por meio de uma escala de masculinidade e feminilidade, com pontuações que variavam de 0 (totalmente masculina) a 9 (totalmente feminina). A média obtida pelo grupo foi 3.6 (DP = 1.9), enquanto um grupo controle de mulheres vocalmente saudáveis obteve média de 6.9 (DP = 1.8), mostrando que as mulheres com Edema de Reinke autoavaliam suas vozes como masculinas(14).
Uma das justificativas para esta autopercepção de voz masculina é o aumento de massa nas PPVV, que modifica a F0 e torna o picth mais grave(8). A depender do quão alterados passam a ser os parâmetros vocais, a autopercepção vocal quanto ao gênero, portanto, pode ser influenciada.
A distinção vocal entre homens e mulheres em situações de vozes saudáveis é muito clara e se dá pelo desenvolvimento e crescimento da laringe, que apresenta características próprias e produz diferentes valores da F0 de acordo com o gênero do falante(16). Anatomicamente o homem possui a laringe e o trato vocal maiores e com as pregas mais longas que produzem frequências vocais mais baixas, produzindo a sensação auditiva de tom grave(17). Além disso, a massa nas PPVV é maior que a das mulheres, o que torna a vibração da prega vocal mais lenta e ocasiona menos ciclos glóticos por segundos(2). No caso do edema de Reinke avançado, a F0 é reduzida devido ao peso da massa do edema, o que pode gerar na mulher características vocais masculinas(14).
Foi localizado na literatura um único estudo que buscou verificar a percepção de juízes leigos quanto ao gênero de mulheres com Edema de Reinke . Participaram 10 mulheres com Edema, 10 mulheres vocalmente saudáveis, 10 homens vocalmente saudáveis e 24 juízes leigos. Os autores concluíram que as vozes de mulheres com Edema de Reinke são percebidas como masculinas, principalmente por juízes do gênero feminino(14). O estudo se propôs, ainda, a associar a presença ou não de Edema de Reinke às características acústicas da voz e concluiu que, além de F0 menores do que em mulheres vocalmente saudáveis, as mulheres com edema de Reinke também têm redução nos valores dos picos cepstrais, mais alterações na análise de formantes e na medida de relação entre harmônico e ruído(14). No referido estudo, não foram feitas associações entre a percepção do juiz sobre masculinidade e feminilidade e os resultados da avaliação acústica da voz, o que poderia trazer dados ainda mais relevantes em relação ao assunto.
A F0 é citada por muitos autores como uns dos principais parâmetros na diferenciação entre o padrão vocal feminino e masculino(2,18). No entanto, hoje já se sabe que ela não é a única característica vocal que permite às pessoas serem identificadas quanto ao gênero, uma vez que outros marcadores da comunicação também são essenciais para tal diferenciação. Assim como referem estudos de terapia vocal com mulheres transgêneros, o equilíbrio da ressonância e o aprimoramento da competência comunicativa devem ser trabalhados para a elevação da F0(19). Para uma voz ser reconhecida como masculina ou feminina, são importantes também as características de entonação, modulação da voz, ressonância, gramática e vocabulário(18).
Nas possibilidades de certeza e dúvida, os números de certeza no GC foram maiores que no GER, confirmando que as respostas em relação aos demais diagnósticos laríngeos foram diferentes. Porém, apenas a modificação da F0 não é suficiente para que o ouvinte tenha certeza da resposta em relação ao gênero do falante. Assim, é possível termos vozes graves que, ainda assim, são identificadas como femininas e também o contrário, vozes mais agudas ainda identificadas como masculinas.
Vale ressaltar que quando o objetivo do trabalho foi explicado aos juízes ao final da coleta, observava-se um espanto em relação a quem era o grupo estudado. Alguns juízes, inclusive, chegaram a relatar que haviam confundido algumas das vozes do GER com vozes de homossexuais e/ou idosos, e não com vozes de mulheres fumantes.
Já em relação à associação das vozes com pessoas idosas, na literatura, é confirmado que existem modificações de F 0 na terceira idade, tanto para homens quanto para mulheres. No gênero masculino, ocorre o aumento da F0 devido à atrofia dos músculos e tecidos da prega vocal. No gênero feminino, ocorre à diminuição da F 0 tornando o pitch mais grave. Esta modificação ocorre devido a um edema na prega vocal da mulher, ocasionada por alterações hormonais em consequência à fase da menopausa(2). No entanto, sobre a percepção auditiva na identificação do gênero de homens e mulheres acima de 60 anos, em estudo realizado, não foram observadas confusões ou dúvidas em relação ao gênero dos indivíduos(20). No presente estudo, a variável idade também não influenciou as respostas dos juízes leigos quanto à percepção em relação ao gênero. Isso mostra que as características vocais geradas pelo edema de Reinke são bastante peculiares e muito mais suscetíveis a gerar dúvidas ao ouvinte do que outras alterações que teoricamente também gerariam redução da F0 por edemas diversos, como no caso das presbifonias em mulheres.
Acredita-se que um novo estudo possa ser desenvolvido, com um número maior de indivíduos idosos, tanto no GER quanto no GC, para que se faça uma análise mais detalhada sobre o quanto esta variável poderia contribuir para a dúvida do ouvinte em relação à identificação do gênero. Para tanto, seria interessante a distribuição homogênea quanto ao gênero dos indivíduos, considerando que homens e mulheres têm modificações opostas durante o envelhecimento. No presente trabalho, com apenas a presença de mulheres no GER e com a maioria de mulheres no grupo de idosos do GC (oito idosos, sendo seis mulheres), tivemos grupos homogêneos entre si, porém sem contemplar os idosos do gênero masculino e sem a possibilidade de separar adultos de idosos pela limitação do “n” neste segundo grupo.
Na Tabela 2 , referente à associação entre o grau de edema e os resultados de identificação de gênero, mulheres com edema de Reinke de grau 1 geraram um menor número de erros em comparação às mulheres com edema de grau 2 e 3. Acredita-se que as mulheres com edema de Reinke têm características específicas que fazem com que os indivíduos apresentem uma emissão vocal que auditivamente confunda com o gênero oposto, principalmente com o avanço do grau do edema. Portanto, os resultados mostraram que para os edemas de Reinke graus 2 e 3, existe maior possibilidade de dúvida na avaliação perceptivo-auditiva dos ouvintes, edemas maiores acarretam maiores chances de confusão da voz da mulher com a do gênero oposto. Não foram localizadas na literatura pesquisas que tenham discutido tal relação.
A percepção do outro poderia justificar o fato de que muitos indivíduos com edema de Reinke só procuram por atendimento especializado em casos mais avançados. Além disso, nos estágios discretos, o edema geralmente está associado a uma voz grave, porém fluida, com consequente psicodinâmica de uma pessoa charmosa e sexy(21). É possível, portanto, que as mulheres possam optar por buscar atendimento somente quando passam a ser confundidas com homens, ou seja, quando já têm uma psicodinâmica bastante negativa, ou quando começam as questões respiratórias.
Na Tabela 3 , observa-se que a média da F0 dos indivíduos, cujos juízes erraram o gênero, foi menor (141 Hz) em comparação a dos que acertaram (149 Hz). Isso confirma que quanto mais reduzida é a F0 das mulheres, maior é a associação que se faz delas com o gênero oposto, no edema de Reinke. O mesmo ocorreu em relação à média da F0 (144 Hz) dos indivíduos cujos juízes tiveram dúvida em relação à dos que tiveram certeza (148 Hz).
Como mencionado anteriormente, a F0 é uns dos parâmetros centrais para as distinções entre os gêneros. Na literatura, a média da F0 encontrada em homens com a laringe normal gira em torno de 127 Hz(22,23). E, em mulheres, estudos apontaram médias entre 200 e 240 Hz(22,23). Desta forma, observa-se que as médias de F0 obtidas por mulheres cujos juízes erraram ou tiveram dúvidas quanto ao gênero são muito próximas às médias da F0 que a literatura aponta como masculinas. Assim sendo, os dados do presente estudo justificam a confusão quanto ao gênero das mulheres com edema de Reinke. E ainda, no GER, mulheres não idosas apresentaram valores médios de F0 mais baixos em relação aos das mulheres idosas, já no GC, a diferença ocorreu apenas para o gênero masculino, em que idosos apresentaram valores médios mais altos em relação aos dos não idosos.
As informações acerca da psicodinâmica vocal, envolvendo os resultados da presente pesquisa, podem auxiliar o fonoaudiólogo no manejo da paciente com edema de Reinke que apresenta dificuldade na interrupção do hábito de fumar, por meio do esclarecimento de que tal interrupção pode evitar problemas de comunicação e de saúde importantes. Tais informações ainda podem ser utilizadas em ações de prevenção, pois, além de todos os malefícios amplamente conhecidos do cigarro, podem ainda haver prejuízos importantes relacionados à qualidade de vida e às relações interpessoais.
No que se refere às limitações do estudo, consideramos que um número maior de indivíduos, principalmente com edemas maiores, tornaria as análises estatísticas ainda mais robustas. Além disso, a associação entre as avaliações dos juízes e outros dados da avaliação vocal, tanto perceptivo-auditivos quanto acústicos, poderia trazer contribuições sobre quais parâmetros têm maior relação com o julgamento da masculinidade ou da feminilidade vocal.
Apesar de os resultados do presente estudo não terem indicado associação entre a faixa etária (comparando adultos e idosos) e a percepção quanto ao gênero, considera-se importante o desenvolvimento de novas pesquisas que tenham um número maior de indivíduos (homens, mulheres, adultos e idosos) com edema de Reinke.
Mulheres com edema de Reinke são confundidas com homens durante a avaliação auditiva da voz feita por juízes leigos. O aumento do grau do edema e a redução da F0 estão relacionados à maior quantidade de erros e/ou dúvidas em relação à identificação do gênero de mulheres com edema de Reinke.