versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.35 no.2 Rio de Janeiro 2019 Epub 18-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00016418
El objetivo de este trabajo fue verificar si la percepción de desórdenes físicos y sociales en el vecindario está asociada a una mayor presión arterial sistólica (PAS) y diastólica (PAD), así como examinar la influencia del nivel socioeconómico del sector censal de residencia sobre esta asociación. Se trata de un estudio transversal, que incluyó una muestra representativa de 1.720 adultos de 20 a 59 años, residentes en Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Se realizaron dos medidas de presión arterial y se recogió información referente a la percepción de desórdenes en el barrio de residencia. La variable contextual utilizada fue la media de años de escolaridad del jefe de familia en los sectores censales investigados. El análisis estadístico incluyó modelos multiniveles, con un primer nivel representado por individuos y, el segundo, por los sectores censales. Se examinaron los términos de interacción entre los terciles de escolaridad del sector censal y los terciles de percepción de desórdenes en el vecindario sobre la presión arterial. No se identificaron asociaciones estadísticamente significativas globales entre los desórdenes en el barrio y la PAS o PAD. No obstante, se identificó una media de PAS de 7,88mmHg (IC95%: 1,38; 14,40) mayor entre quienes respondían que percibían más desórdenes en el vecindario y residían en un sector con menor escolaridad, si se comparan con la categoría de referencia. Las políticas públicas que tienen como fin reducir o tener impacto sobre los niveles de presión sistólico y diastólico en la población, también deben considerar las características del contexto en el que la población está ubicada, específicamente aquellos espacios marcados por sus menores niveles de escolaridad.
Palabras-clave: Presión Arterial; Salud Urbana; Análisis Multinivel
O aumento nos níveis de pressão arterial se constitui como um dos fatores de risco mais relevantes para a morbimortalidade relacionada às doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio, insuficiência renal crônica e acidente vascular cerebral, e múltiplos são os fatores biológicos, comportamentais e sociodemográficos individuais (e.g., renda e escolaridade) relacionados à sua gênese 1. Dentre os fatores nutricionais associados, estão o elevado consumo de sódio, álcool e o excesso de peso 2,3,4. Para além disso, pesquisas recentes também demonstram que alterações nos valores de pressão arterial podem estar relacionadas a outros fatores, que não exclusivamente de ordem individual, tais como características contextuais ou ambientais, incluindo a percepção de desordens sociais e físicas da vizinhança 5,6.
Os mecanismos potenciais para o efeito das desordens sociais e físicas sobre a saúde incluem o acesso restrito a recursos propícios à atividade física e à alimentação saudável, além do desestímulo à atividade física e o estresse crônico. Evidências sugerem que a exposição a desordens sociais no bairro, como vandalismo, roubos, assaltos, assassinatos e sequestros, pode originar uma percepção nos indivíduos de que o ambiente representa uma ameaça constante, desencadeando respostas fisiológicas vinculadas ao aumento nos níveis de pressão arterial. Entre essas respostas, estão a modificação do sistema nervoso simpático e o aumento na produção de hormônios, como o cortisol 7,8. Dessa maneira, a exposição a fontes de estresse, aliada ao menor número de oportunidades e recursos para seu tratamento, pode resultar em um aumento da pressão arterial.
Investigações prévias têm demonstrado uma associação entre ausência de segurança nos bairros e aumento da pressão arterial. Malambo et al. 5, ao realizarem um estudo transversal com 671 adultos sul-africanos acima de 35 anos, identificaram que aqueles que perceberam o ambiente ao seu entorno em risco pela criminalidade apresentaram maiores chances de apresentar hipertensão arterial (OR = 1,44; IC95%: 1,03; 2,02). Estudo realizado por Kaiser et al. 9, com 3.382 adultos entre 45 e 84 anos em seis diferentes locais dos Estados Unidos durante dez anos (2000-2011), identificou que aqueles que desenvolveram hipertensão viviam em áreas menos propícias à atividade física e com menor presença de alimentos saudáveis. Em particular, após ajuste para variáveis sociodemográficas, um ambiente alimentar saudável, que propicia a adoção de comportamentos alimentares e de práticas de atividades físicas adequadas, esteve inversamente associado ao desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica - HAS (HR = 0,95; IC95%: 0,89; 1,00). Uma explicação possível para esse achado é que a presença de rotas alternativas, ciclovias ou parques, bem como a presença de estabelecimentos de venda de alimentos nos bairros, possibilita a prática de atividade física e o consumo de alimentos considerados saudáveis, com redução do risco de HAS.
Compreender de que maneira o contexto afeta a pressão arterial é uma questão relevante para o desenvolvimento de políticas públicas que atuem na prevenção da hipertensão arterial. As iniciativas existentes têm contemplado especialmente as características individuais envolvidas nesse processo, o que é necessário, porém insuficiente para o enfrentamento do problema. Por exemplo, em 2001, o Ministério da Saúde do Brasil 10 propôs o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus, disponibilizando para estados e municípios um sistema informatizado denominado HiperDia. A proposta, que tem como objetivo a garantia do diagnóstico e da vinculação do paciente às unidades básicas de saúde (UBS), contempla essencialmente educação, modificação dos hábitos de vida e fármacos como estratégias de tratamento para a enfermidade.
Apenas em 2008, quando o Ministério da Saúde propôs as diretrizes e recomendações para o cuidado integral de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) 11, foi mencionado que os fatores de risco comportamentais são potencializados pelos condicionantes ambientais. Porém, não foram explicitados quais seriam esses fatores e, tampouco, foram propostas intervenções que levassem em consideração os efeitos do contexto de moradia sobre a HAS. Isso reforça a necessidade da condução de estudos que destaquem o papel do ambiente na pressão arterial para que, posteriormente, sejam desenvolvidas ações de enfrentamento desse problema de saúde.
Para além das políticas e ações governamentais de combate à HAS, a literatura científica sobre o assunto, ainda incipiente sobre a relação entre desordens de vizinhança e hipertensão, apresenta uma limitação importante 5,9,12. De maneira geral, a maioria dos estudos investigados na literatura científica foi conduzida em países de alta renda, e os resultados podem ser distintos daqueles produzidos em países de renda média e baixa, devido às características contextuais variadas. Em particular, pode haver uma interferência na percepção das pessoas sobre as questões de vizinhança, tendo em vista a composição étnica, bem como a cultura e as condições socioeconômicas do bairro, tornando necessária a investigação de diferentes comunidades 13. Deve-se levar em consideração o pressuposto de que a infraestrutura para prática de atividade física, segurança, apoio social e poluição em países de alta renda é diferente daquela de países de renda média, como o Brasil que, além disso, possui desigualdades sociais marcantes 14.
Nesse sentido, a escolaridade do contexto, um dos marcadores de condição socioeconômica, revela-se como um importante aspecto que pode aumentar de forma independente a magnitude do efeito negativo sobre a saúde, por meio de desordens físicas e sociais, além de outros fatores econômicos da vizinhança e do nível individual. Isso ocorre porque os moradores de bairros pertencentes a regiões caracterizadas por menor escolaridade do setor censitário geralmente estão mais expostos a fatores estressantes como, por exemplo, criminalidade e pior estrutura física/social 15,16.
Por outro lado, o elevado nível de escolaridade do setor censitário pode representar um maior conhecimento dos moradores sobre a importância de se investir em recursos para melhoria de recreação, segurança e infraestrutura do bairro, além de favorecer a mobilização coletiva dos residentes em prol de benefícios comuns. Assim, esse movimento conjunto poderia influenciar a saúde dos residentes de maneira positiva 17.
Estudos realizados em diferentes contextos e com métodos comparáveis são úteis e necessários porque permitem monitorar e identificar as diferenças e semelhanças relevantes entre cidades e/ou países, informando também a futura efetividade de intervenções específicas nos bairros. Além disso, os resultados desta pesquisa podem contribuir para a identificação da população em risco de desenvolver hipertensão. Nesse sentido, propõe-se verificar se a percepção das desordens físicas e sociais da vizinhança está associada a uma maior pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), bem como examinar a influência do nível socioeconômico do setor censitário de residência sobre essa associação em uma cidade do Sul do Brasil.
Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, vinculado a pesquisa longitudinal, intitulado Estudo EpiFloripa Adulto, cuja linha de base foi realizada de setembro de 2009 a junho de 2010. Esse estudo incluiu uma amostra representativa de adultos de 20 a 59 anos de idade, residentes na zona urbana de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. A cidade tem uma população de cerca de 485 mil habitantes, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2017 (Panorama de Florianópolis, 2017. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/florianopolis/panorama, acessado em Mar/2018).
A amostra do EpiFloripa foi determinada, considerando os seguintes parâmetros: prevalência desconhecida para o desfecho (50%), nível de 95% de confiança, erro amostral de 3,5 pontos percentuais, efeito do desenho de 2,0 (devido à amostragem por conglomerados) e acréscimo de 10% para possíveis perdas e/ou recusas. Considerou-se, ainda, acréscimo de 15% ao tamanho final da amostra, para permitir o controle de fatores de confusão em análises multivariadas, resultando em um tamanho amostral de 2.016 adultos 18. Foram selecionados 60 dos 420 setores censitários urbanos da cidade, ordenados de acordo com os decis de renda do chefe de família (R$ 192,80 a R$ 13.209,50) 19. Utilizou-se uma amostra sistemática, com seis setores censitários em cada decil de renda. Todos os setores censitários selecionados foram visitados pela equipe de trabalho de campo, tendo sido numerados os quarteirões domiciliares. Para diminuir o coeficiente de variação entre o número de domicílios das unidades setoriais, realizou-se fusão e nova divisão dos setores. Esse processo resultou em 63 setores censitários com 16.755 domicílios elegíveis. Foram sorteados sistematicamente 18 domicílios em cada setor, totalizando 1.134 e, em média, 32 adultos foram selecionados em cada setor censitário.
Foram considerados elegíveis todos os adultos de 20 a 59 anos, residentes nos domicílios selecionados em cada setor. Excluíram-se os indivíduos que apresentavam deficiências físicas ou cognitivas que impossibilitassem a resposta ao questionário. Gestantes ou mulheres que tiveram filho nos seis meses que antecederam o estudo não foram submetidas às medidas de pressão arterial. As recusas foram constituídas por aqueles indivíduos que não aceitaram participar da entrevista. Por sua vez, foram consideradas perdas os indivíduos não encontrados nos domicílios sorteados após quatro visitas, sendo, pelo menos, uma no final de semana e uma no período noturno.
A coleta dos dados foi realizada por 35 entrevistadores/examinadores que passaram por processo de treinamento e padronização, antes de realizar o trabalho de campo. Previamente ao início da coleta de dados, foi realizado um estudo-piloto com cerca de 100 indivíduos adultos, residentes em dois setores censitários, selecionados de forma intencional, que não foram incluídos na linha de base da coorte.
As variáveis de desfecho do estudo são os níveis de PAS e PAD, obtidos por meio de duas medidas de pressão arterial durante a visita. O tempo de repouso que antecedeu as aferições foi de, no mínimo, 30 minutos, ao passo que o tempo de intervalo entre elas foi de, aproximadamente, 15 minutos. Os valores de PAS e PAD (em mmHg) foram obtidos por meio de esfigmomanômetros eletrônicos de pulso com sistema de leitura digital (Techline, São Paulo, Brasil), previamente calibrados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). Durante as aferições de pressão arterial, cada participante permaneceu sentado, com os pés plantados no chão, tendo o braço apoiado sobre uma mesa, na altura do coração, e com a palma da mão virada para cima 20. Para a análise estatística, optou-se por explorar o desfecho de forma contínua, tendo como referência a média das duas aferições 1,21.
A percepção de problemas com desordens na vizinhança foi investigada por meio das respostas a uma lista com 16 itens, adaptada de Ellaway et al. 22. O processo completo de adaptação transcultural para o português e a construção das escalas de percepção a desordens de vizinhança estão detalhados no artigo de Höfelmann et al. 23. As variáveis foram agrupadas em duas dimensões: (1) desordens sociais (vandalismo, roubos, assaltos, assassinatos, sequestros, uso de drogas, caminhar na região depois do anoitecer, má reputação e problemas com a polícia) e (2) desordens físicas (presença de lixo, calçamentos irregulares, velocidade do tráfego e de transporte urbano) 24. O conjunto de itens foi operacionalizado de três formas distintas: (a) somatório global dos itens de desordens físicas e sociais; (b) somatório dos itens de desordens físicas; e (c) somatório dos itens de desordens sociais. Modelos multiníveis (de três níveis) foram utilizados no desenvolvimento das escalas, que deram origem a estimativas bayesianas, empregadas para tornar as percepções dos indivíduos sobre os locais em variáveis do nível de grupo 23,25. O nível 1 referia-se aos itens no indivíduo; o nível 2, às pessoas agrupadas dentro das vizinhanças; o nível 3, às vizinhanças. Para as análises, as escalas de percepção foram divididas em tercis: tercil inferior (menos problemas no bairro); tercil intermediário e terceiro superior (mais problemas no bairro) 23.
As covariáveis de nível individual incluíram sexo, idade (20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59 anos), escolaridade (até 4 anos de estudo, de 5 a 8 anos, de 9 a 11 anos e 12 ou mais anos de estudo), renda familiar total do domicílio (dividida em tercis: primeiro tercil - R$ 0,00-2.000,00; segundo tercil - R$ 2.050,00-R$ 4.000,00; terceiro tercil - R$ 4.018,00-R$ 100.000,00) - e uso de medicação para hipertensão nos trinta dias anteriores à data da coleta de dados (sim ou não). Todas as covariáveis foram coletadas durante as entrevistas. O sexo foi observado e anotado pelo entrevistador, e a idade foi calculada a partir da data de nascimento, ao passo que a renda familiar total domiciliar foi obtida durante a aplicação do questionário no momento da coleta.
A variável contextual utilizada foi a média de anos de escolaridade do chefe da família em cada um dos setores censitários 19. Tal variável foi dividida em tercis. Os dados foram coletados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE. http://www.ibge.gov.br) para cada um dos 63 setores censitários.
O pacote estatístico Stata, versão 13.1 (https://www.stata.com), foi utilizado nas análises. Inicialmente, foi realizada a estatística descritiva da amostra segundo características individuais e do contexto. As variáveis foram gradualmente incluídas em grupos, em uma sequência de modelos multiníveis de regressão linear, com o primeiro nível representado pelos indivíduos e o segundo, pelos setores censitários. Tais modelos foram ajustados para testar a associação entre percepção de desordens de vizinhança e PAS e PAD, em conjunto com as covariáveis selecionadas, incluindo aquele referente ao contexto (escolaridade média do chefe da família). As análises foram corrigidas por efeito do delineamento e plano amostral do estudo para as estimativas das prevalências, e os modelos multiníveis consideraram o delineamento complexo de amostragem (pesos e clusters) no cálculo de erros-padrão, intervalos de confiança e valores de probabilidade.
A partir do modelo vazio com o intercepto, as variáveis foram incluídas em blocos na análise, sendo três modelos para cada desfecho, no total. O modelo 1 foi ajustado para variáveis demográficas (sexo, idade), ao passo que, no modelo 2, o ajuste foi por renda familiar e escolaridade, além de sexo e idade. Por fim, o modelo 3 incluiu uma variável do estado de saúde (uso de medicação para hipertensão), juntamente com as variáveis citadas no modelo 2. Todos os modelos incluíram a exposição principal (percepção de desordens físicas e sociais no bairro) na análise.
Os critérios de informação de Akaike (AIC) e bayesiano (BIC) foram empregados para avaliar o ajuste dos modelos, e a correlação intraclasse (ICC) da regressão linear multinível foi calculada para cada modelo da seguinte forma: variância do nível 2/(variância do nível 2 + variância do nível 1). Essa medida fornece uma estimativa da variância total na pressão arterial atribuída ao nível do setor censitário e é explicada por cada modelo. Os efeitos fixos, com seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), bem como os efeitos aleatórios, também foram calculados e apresentados para cada modelo. Todas as associações do estudo foram examinadas no contexto de modelos de regressão multinível e, especificamente, foi testado o efeito modificador da escolaridade do setor censitário sobre a associação de interesse principal, por meio da inserção de termos de interação na análise. Em particular, os valores de p dos testes de interação foram ajustados pelo algoritmo de Bonferroni, considerando p < 0,001 como indicativo de interação estatisticamente significativa.
Todos os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que informa os eventuais riscos e objetivos da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o protocolo de número 351/08, em 15 de dezembro de 2008.
A amostra final consistiu em 1.720 adultos, o que representou 85,3% da amostra calculada inicialmente (2.016 adultos). A maioria dos participantes foi do sexo feminino (55,3%) e relatou 12 anos ou mais de estudo (44,2%). A idade média foi de 38,0 anos (desvio padrão - DP = 11,6 anos). A descrição de toda a amostra encontra-se na Tabela 1. A média de PAS e PAD foi de 133,0mmHg (DP = 19,7) e 85,0mmHg (DP = 14,1), respectivamente (informação não apresentada na tabela).
Tabela 1 Características descritivas dos participantes do estudo. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2009/2010.
Variáveis | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 734 | 44,7 | 42,5; 46,9 |
Feminino | 909 | 55,3 | 53,1; 57,4 |
Idade (anos) | |||
20-29 | 524 | 31,9 | 27,9; 36,1 |
30-39 | 378 | 23,0 | 20,4; 25,8 |
40-49 | 422 | 25,7 | 22,7; 28,9 |
50-59 | 319 | 19,4 | 17,2; 21,9 |
Escolaridade (anos) | |||
0-4 | 148 | 9,0 | 6,8; 11,7 |
5-8 | 228 | 13,9 | 11,3; 17,0 |
9-11 | 541 | 32,9 | 28,5; 37,6 |
≥ 12 | 726 | 44,2 | 37,3; 51,3 |
Renda familiar | |||
Primeiro tercil (R$ 0,00-R$ 2.000,00) | 623 | 37,9 | 31,8; 44,5 |
Segundo tercil (R$ 2.050,00-R$ 4.000,00) | 498 | 30,3 | 26,9; 34,0 |
Terceiro tercil (R$ 4.018,00-R$ 100.000,00) | 522 | 31,8 | 25,8; 38,4 |
Uso de medicação para hipertensão | |||
Não | 1.548 | 94,2 | 92,8; 95,3 |
Sim | 95 | 5,8 | 4,6; 7,2 |
Total | 1.643 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Na Tabela 2, demonstra-se o efeito global de cada variável independente principal sobre a pressão arterial. Em relação à PAS, comparada ao modelo nulo, a correlação intraclasse reduziu 1,5%, tanto para escala global quanto para desordens físicas e sociais, ao passo que houve um aumento de 2,2% na correlação intraclasse para PAD, quando analisado o efeito das desordens físicas. Foi observado também que, no tercil superior de desordens sociais, a PAS e PAD era 0,53mmHg (IC95%: -3,18; 2,09) e 0,25mmHg (IC95%: -1,57; 2,07) maior do que no tercil inferior, respectivamente, embora ambas as diferenças não tenham atingido significância estatística (p < 0,05).
Tabela 2 Efeito global das desordens de vizinhança sobre a pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2009/2010 (N = 1.643).
PAS | PAD | |
---|---|---|
Coeficiente (IC95%) | Coeficiente (IC95%) | |
Modelo nulo | ||
AIC | 415.925,0 | 385.062,9 |
BIC | 415.941,2 | 385.079,1 |
Intercepto | 133,0 (131,5; 134,6) | 85,0 (84,0; 86,0) |
ICC (%) | 6,8 | 4,6 |
Variância nível-1 | 24,1 | 8,3 |
Variância nível-2 | 363,2 | 191,4 |
Escala global de desordens | ||
Tercil baixo | Referência | Referência |
Tercil intermediário | -0,35 (-3,03; 2,32) | -0,16 (-1,95; 1,92) |
Tercil superior | -0,75 (-3,57; 2,06) | -0,13 (-2,00; 1,74) |
AIC | 415.919,0 | 385.066,3 |
BIC | 415.946,0 | 385.093,3 |
Intercepto | 133,4 (131,2; 135,6) | 85,0 (83,5; 86,6) |
ICC (%) | 6,9 | 4,6 |
Variância nível-1 | 24,3 | 8,3 |
Variância nível-2 | 363,5 | 191,4 |
Desordens físicas | ||
Tercil baixo | Referência | Referência |
Tercil intermediário | 0,69 (-1,95; 3,34) | -0,10 (-2,13; 1,93) |
Tercil superior | -0,37 (-2,96;2,21) | -0,23 (-1,97; 1,52) |
AIC | 415.905,1 | 385.065,3 |
BIC | 415.932,2 | 385.092,3 |
Intercepto | 132,9 (131,0; 134,8) | 85,1 (83,6; 86,6) |
ICC (%) | 6,9 | 4,7 |
Variância nível-1 | 24,2 | 8,3 |
Variância nível-2 | 363,4 | 191,4 |
Desordens sociais | ||
Tercil baixo | Referência | Referência |
Tercil intermediário | -0,39 (-2,59; 1,80) | -0,84 (-2,53; 0,85) |
Tercil superior | 0,54 (-3,18; 2,09) | 0,25 (-1,57; 2,07) |
AIC | 415.923,3 | 385.015,1 |
BIC | 415.950,4 | 385.042,2 |
Intercepto | 133,3 (131,4; 135,3) | 85,2 (83,7; 86,7) |
ICC (%) | 6,9 | 4,6 |
Variância nível-1 | 24,2 | 8,2 |
Variância nível-2 | 363,6 | 191,2 |
AIC: critério de informação de Akaike; BIC: critério de informação bayesiano; ICC: correlação intraclasse; IC95%: intervalo de 95% de confiança.
No que se refere ao efeito das desordens físicas, verifica-se que os níveis de PAS no tercil intermediário e superior foram, respectivamente, 1,76mmHg (IC95%: 0,58; 4,11) e 1,26mmHg (IC95%: -1,00; 3,53) maiores que os observados no tercil baixo no modelo 3, com o destaque de que esses resultados não foram estatisticamente significativos. A correlação intraclasse foi de 8,5 para o modelo 1 (ajustado para sexo e idade), e houve uma redução de 15,3% quando o uso de medicação foi incluído no modelo 3 (Tabela 3). Também foi demonstrado um aumento na PAD entre os participantes inseridos no tercil intermediário e superior de desordens, bem como redução de 9,8% na correlação intraclasse, quando o uso de medicação foi incluído no modelo 3 (Tabela 4).
Em relação à escala global e de desordens sociais, também não foram encontrados resultados estatisticamente significativos nos modelos de regressão linear multinível (Tabelas 3 e 4 ). Contudo, após aplicação do comando de comparações múltiplas, com ajuste para Bonferroni, foi possível observar que as pessoas pertencentes ao tercil superior na escala global de desordens e que residiam em um setor censitário caracterizado por menor escolaridade apresentavam uma média de PAS 7,88mmHg (IC95%: 1,38; 14,40, p = 0,004) maior que à das pessoas que percebiam um nível intermediário na escala global de desordens e moravam no bairro com escolaridade superior do setor censitário. Esse resultado sugere uma possível interação da escolaridade do setor censitário com a percepção de desordens sociais no bairro.
Tabela 3 Modelos de regressão linear multinível para associação entre percepção de desordens na vizinhança e pressão arterial sistólica (PAS), ajustado para covariáveis. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2009/2010 (N = 1.643).
Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 | |
---|---|---|---|
Coeficiente (IC95%) | Coeficiente (IC95%) | Coeficiente (IC95%) | |
Escala global de desordens | |||
Tercil baixo | Referência | Referência | Referência |
Tercil intermediário | 0,60 (-1,99; 3,19) | 0,59 (-2,07; 3,25) | 0,51 (-1,94; 2,96) |
Tercil superior | 0,69 (-1,96; 3,33) | 0,77 (-1,85; 3,37) | 0,92 (-1,67; 3,52) |
AIC | 408.630,7 | 408.072,0 | 406.231,6 |
BIC | 408.679,3 | 408.147,7 | 406.312,6 |
Intercepto | 148,5 (145,0; 152,0) | 151,2 (146,6; 155,9) | 151,1 (146,5; 155,6) |
ICC (%) | 8,6 | 7,2 | 7,3 |
Variância nível-1 | 25,4 | 22,0 | 21,0 |
Variância nível-2 | 307,0 | 304,0 | 293,0 |
Desordens físicas | |||
Tercil baixo | Referência | Referência | Referência |
Tercil intermediário | 1,55 (-0,84; 3,94) | 1,82 (-0,59; 4,24) | 1,76 (-0,58; 4,11) |
Tercil superior | 0,91 (-1,37; 3,19) | 1,16 (-1,12; 3,44) | 1,26 (-1,00; 3,53) |
AIC | 408.591,1 | 408.013,8 | 406.180,2 |
BIC | 408.639,8 | 408.089,4 | 406.261,3 |
Intercepto | 147,9 (144,3; 151,4) | 150,8 (145,9; 155,6) | 150,6 (145,8; 155,4) |
ICC (%) | 8,5 | 7,0 | 7,2 |
Variância nível-1 | 25,2 | 21,7 | 20,7 |
Variância nível-2 | 306,4 | 303,7 | 292,2 |
Desordens sociais | |||
Tercil baixo | Referência | Referência | Referência |
Tercil intermediário | 0,37 (-1,71; 2,46) | 0,22 (-1,85; 2,29) | 0,50 (-1,47; 2,48) |
Tercil superior | 0,28 (-2,18; 2,75) | 0,18 (-2,18; 2,54) | 0,49 (-1,96; 2,93) |
AIC | 408.164,7 | 407.604,4 | 405.763,2 |
BIC | 408.213,3 | 407.680,1 | 405.844,3 |
Intercepto | 148,4 (145,3; 151,4) | 151,5 (146,9; 156,2) | 151,2 (146,6; 155,8) |
ICC (%) | 8,7 | 7,3 | 7,4 |
Variância nível-1 | 25,6 | 22,2 | 21,2 |
Variância nível-2 | 307,0 | 304,3 | 292,8 |
AIC: critério de informação de Akaike; BIC: critério de informação bayesiano; ICC: correlação intraclasse; IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Nota: modelo 1: ajustado para sexo, idade; modelo 2: ajustado para sexo, idade, renda familiar, escolaridade; modelo 3: ajustado para sexo, idade, renda familiar, escolaridade e uso de medicação para hipertensão.
4 Modelos de regressão linear multinível para associação entre percepção de desordens na vizinhança e pressão arterial diastólica (PAD), ajustado para covariáveis. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil 2009/2010 (N = 1.643).
Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 | |
---|---|---|---|
Coeficiente (IC95%) | Coeficiente (IC95%) | Coeficiente (IC95%) | |
Escala global de desordens | |||
Tercil baixo | Referência | Referência | Referência |
Tercil intermediário | 0,64 (-1,19; 2,46) | 0,61 (-1,31; 2,53) | 0,56 (-1,23; 2,35) |
Tercil superior | 0,62 (-1,06; 2,33) | 0,62 (-1,02; 2,27) | 0,74 (-0,91; 2,39) |
AIC | 379.872,5 | 379.405,9 | 377.905,9 |
BIC | 379.921,2 | 379.481,5 | 377.986,9 |
Intercepto | 91,8 (89,2; 94,4) | 92,3 (88,8; 95,9) | 92,2 (88,7; 95,7) |
ICC (%) | 6,1 | 5,2 | 5,4 |
Variância nível-1 | 9,9 | 8,8 | 8,6 |
Variância nível-2 | 168,7 | 167,4 | 162,1 |
Desordens físicas | |||
Tercil baixo | Referência | Referência | Referência |
Tercil intermediário | 0,40 (-1,48; 2,27) | 0,52 (-1,40; 2,44) | 0,48 (-1,42; 2,39) |
Tercil superior | 0,43 (-1,22 ;2,08) | 0,50 (-1,13; 2,14) | 0,57 (-1,03; 2,18) |
AIC | 379.885,2 | 379.413,3 | 377.915,9 |
BIC | 379.933,8 | 379.489,0 | 377.997,0 |
Intercepto | 91,9 (89,2; 94,6) | 92,4 (88,5; 96,3) | 92,3 (88,5; 96,1) |
ICC (%) | 6,1 | 5,3 | 5,5 |
Variância nível-1 | 9,9 | 8,9 | 8,7 |
Variância nível-2 | 168,7 | 167,4 | 162,1 |
Desordens sociais | |||
Tercil baixo | Referência | Referência | Referência |
Tercil intermediário | -0,30 (-1,80; 1,19) | -0,44 (-1,94; 1,06) | -0,24 (-1,71; 1,23) |
Tercil superior | 0,67 (-1,03; 2,37) | 0,60 (-1,03; 2,24) | 0,81 (-0,86; 2,48) |
AIC | 379.391,5 | 378.928,1 | 377.429,7 |
BIC | 379.440,1 | 379.003,7 | 377.510,7 |
Intercepto | 92,1 (89,8; 94,5) | 92,7 (89,2; 96,2) | 92,4 (89,0; 95,9) |
ICC (%) | 6,0 | 5,3 | 5,4 |
Variância nível-1 | 9,8 | 8,8 | 8,6 |
Variância nível-2 | 168,8 | 167,4 | 162,2 |
AIC: critério de informação de Akaike; BIC: critério de informação bayesiano; ICC: correlação intraclasse; IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Nota: modelo 1: ajustado para sexo, idade; modelo 2: ajustado para sexo, idade, renda familiar, escolaridade; modelo 3: ajustado para sexo, idade, renda familiar, escolaridade e uso de medicação para hipertensão.
Os modelos foram testados também para o desfecho classificado em pressão alta e baixa, tendo como recomendação as diretrizes brasileiras 21 que estabelecem hipertensão como valores acima de 140mmHg para PAS e/ou ≥ 90mmHg para PAD. Adicionalmente, também foram explorados os modelos com a nova classificação de hipertensão proposta por Whelton et al. 26: hipertensão no estágio 1 (PAS: 130-139mmHg ou PAD: 80-89mmHg) e hipertensão no estágio 2 (PAS: ≥ 140mmHg ou ≥ 90mmHg). Nenhum efeito do contexto ou resultado significativo foi observado para quaisquer estratégias de operacionalização do desfecho.
Na amostra avaliada, não foram identificadas associações estatisticamente significativas entre desordens de vizinhança e PAS ou PAD, mesmo após a inclusão do uso de medicamento para hipertensão na análise. Uma possível explicação pode ser atribuída à qualidade da informação coletada. Embora a pressão arterial tenha sido aferida por examinadores treinados com equipamentos calibrados, o uso de medicação anti-hipertensiva, por sua vez, foi referido pelos participantes do estudo. Estudos indicam que essa medida deve ser utilizada com cautela, visto que pode haver subestimação do uso 27,28.
Esse fato pode ter ocorrido no presente estudo, em que houve uma baixa prevalência de participantes que relataram utilizar medicação para hipertensão (5,8%). Nesse sentido, o uso de medicamentos anti-hipertensivos visa a auxiliar o controle da PAS e PAD, mantendo-a dentro dos níveis considerados adequados para a manutenção da saúde. Parte da amostra que não relatou o uso do medicamento, quando de fato o fazia, pode ter apresentado valores normais de pressão arterial durante a aferição do estudo, atenuando as estimativas de efeito das desordens de bairro sobre os desfechos de interesse.
Em países de alta renda, outras investigações prévias encontraram resultados que demonstraram uma associação, por um lado, entre ausência de segurança e pior infraestrutura nos bairros e, por outro, aumento da pressão arterial. Estudo conduzido na Holanda, com 1.322 participantes (turcos, holandeses e marroquinos) de 18 a 65 anos, identificou que, após ajuste para idade, sexo, escolaridade e índice de massa corporal, entre os turcos, a alta criminalidade no bairro e o incômodo do tráfego motorizado foram associados a uma maior PAD (β = 2,96; IC95%: 0,71; 5,20 e β = 2,83; IC95%: 0,60; 5,06, respectivamente) 29. Outra pesquisa, conduzida nos Estados Unidos com 2.612 indivíduos de 45 a 85 anos de idade, revelou que residentes de bairros com maior segurança percebida eram menos propensos a ser hipertensos (OR = 0,74; IC95%: 0,63; 0,86) 30. Por outro lado, estudos também mencionaram o potencial efeito protetor de um ambiente que favoreça o acesso a recursos propícios a atividade física. Malambo et al. 5, em investigação com 671 adultos da África do Sul, observou que as probabilidades de hipertensão foram significativamente menores em pessoas que perceberam a infraestrutura do bairro como propícia para caminhar e andar de bicicleta (OR = 0,65; IC95%: 0,46; 0,90). De modo semelhante, Li et al. 12 registraram uma diminuição da PAS e PAD em residentes em bairros com condições favoráveis a caminhadas.
A ausência de associação entre percepção de desordens do bairro e aumento da pressão arterial no estudo EpiFloripa, em parte, pode ser atribuída ao fato de que Florianópolis é um típico município brasileiro, caracterizado pelo contraste entre áreas empobrecidas adjacentes a áreas ricas. Tal condição pode influenciar as respostas individuais, fazendo com que a percepção do bairro seja semelhante entre os respondentes, ainda que estes residam em locais sensivelmente distintos do ponto de vista econômico, social, geográfico etc. 31. Outro aspecto que pode ter contribuído para a ausência de associação se refere aos participantes terem sido questionados sobre o bairro, sem ter recebido orientações específicas sobre a definição desse conceito. Uma menor uniformidade na interpretação do significado do termo bairro pode, assim, ter se expressado sob a forma de viés de informação não diferencial, que tende a atenuar as associações investigadas no estudo.
Além disso, um ponto a ser considerado são as características urbanísticas em torno dos domicílios de Florianópolis. De acordo com os dados divulgados pelo censo do IBGE de 2010 (http://www.ibge.gov.br), em um total de 141.956 domicílios particulares permanentes, 2.398 tinham lixo acumulado nos logradouros e 3.281 apresentavam esgoto a céu aberto, ao passo que a grande maioria contava com iluminação pública e ruas pavimentadas. Em outras palavras, uma baixa variabilidade dessas características pode ter contribuído, igualmente, para a ausência de associação em questão.
Um importante achado do presente estudo refere-se à escolaridade do setor, a qual foi identificada como um possível modificador de efeito da relação entre percepção de desordens de vizinhança e pressão arterial. Bairros que apresentam altos níveis de criminalidade, desemprego e violência geralmente estão localizados em regiões caracterizadas por menor escolaridade e renda do setor censitário, o que representa uma fonte de estresse constante 15,16. Além disso, os moradores também podem estar mais expostos a estressores ambientais, como produtos químicos nocivos e poluição, que podem ter implicações para a saúde 32. Dessa maneira, os residentes em bairros mais desfavorecidos economicamente tendem a ter uma saúde pior, quando comparados àqueles que moram em regiões mais abastadas, uma vez que o contexto pode tornar indivíduos mais vulneráveis à percepção as desordens de vizinhança e estes, por sua vez, podem encontrar relativamente menos recursos ambientais, financeiros e sociais para ajudá-los a lidar com suas aflições.
Por outro lado, indivíduos que residem em um bairro com maior nível médio de educação, além de também possuírem maior renda, podem ser mais inclinados ao trabalho coletivo, com a mobilização de recursos para melhorar a segurança, a recreação, a educação e a saúde no bairro 17. Todos esses esforços coletivos geram a percepção de um ambiente seguro, conveniente e amigável, o que consequentemente repercute em melhora na saúde física e mental dos residentes. É importante ressaltar que a escolaridade do contexto representa uma medida de condição socioeconômica, sendo mais estável do que a renda, que está sujeita a flutuações importantes quando registrada em um período de referência relativamente curto 33. Isso se dá porque a renda depende da economia do país e pode variar substancialmente entre as estações ou os anos. Além disso, dependendo da situação, o trabalho sazonal pode ser mais comum do que o emprego formal. Do mesmo modo, o uso da variável ocupação nos estudos se mostra limitado, visto que as pessoas podem sujeitar-se a trabalhos temporários.
Como sugerem alguns estudos empíricos, os efeitos da alta escolaridade de residentes em uma vizinhança poderiam influenciar beneficamente todos os residentes, independente dos efeitos prejudiciais da desigualdade de renda 17,34,35. Utilizando o Inquérito de Saúde do Havaí 2007-2008, Zhang et al. 35 defendem que a educação em nível de vizinhança tem efeitos independentes sobre a autoavaliação da saúde e medeia parcialmente a associação entre etnia e desfechos de saúde.
Outro aspecto importante é que indivíduos adultos podem gastar boa parte de seus dias em atividades laborais, o que pode favorecer o fato de que não apenas a vizinhança de residência, mas outras vizinhanças como trabalho/estudo, sejam importantes para sua saúde. Em outras palavras, indivíduos com melhores condições financeiras podem apresentar mais recursos para procurar alternativas em outros espaços, que não suas vizinhanças de residência 36.
Dentre as limitações que podem ter exercido influência sobre os resultados, destaca-se a construção das escalas de desordens na vizinhança, uma vez que foram construídas com base em respostas individuais, que são influenciadas pela realidade objetiva, mas também por fatores e percepções pessoais 23,25. Embora a amostra seja representativa para a cidade como um todo, não foi representativa de cada setor censitário, o que pode ter afetado a medida de percepção do bairro gerada no contexto das análises e possivelmente influenciado a ausência de associação entre percepção de desordens do bairro e aumento da pressão arterial. Entretanto, reitera-se que o estudo foi realizado com uma amostra representativa dos adultos e atingiu 85,3% do tamanho amostral inicialmente calculado, bem como seguiu um rigor metodológico por meio do treinamento prévio da equipe e utilização de instrumentos validados para coleta de dados. Além disso, poucos são os artigos conduzidos no Brasil e publicados que utilizaram modelos analíticos mais robustos como, por exemplo, modelos multiníveis. A utilização de dados do censo de 2000, coletados nove anos antes deste estudo, não foi considerada uma limitação, pois o impacto da vizinhança sobre os desfechos da saúde ocorre de forma crônica. Existe um período mínimo de latência entre as características do bairro e seus efeitos sobre a pressão arterial, algo que não poderia ter sido medido, caso tivessem sido utilizados os dados do censo brasileiro de 2010, por exemplo 37.
De qualquer modo, recomenda-se que políticas públicas que visam a reduzir ou que tenham impacto sobre a hipertensão na população, além das características individuais, considerem e incorporem estratégias para transformar os bairros, no que diz respeito às desordens físicas e sociais, especialmente nos que estão localizados em regiões caracterizadas por menor escolaridade do setor censitário. Assim, o desafio é a mudança ambiental, por meio da criação de mais espaços de convivência para a realização de atividades do dia a dia, bem como a melhoria das condições de transporte, iluminação nos bairros, reforço da segurança em locais com maior predomínio de violência e outros fatores que ampliem as possibilidades de interação social. Outro ponto se refere a ampliar o acesso à saúde em regiões que ainda não possuem cobertura suficiente, visando a auxiliar ou tratar as pessoas que estão mais expostas a fatores estressantes.
Nesse sentido, o presente estudo configurou-se como um importante ponto de partida para o desenvolvimento e a execução de programas de intervenção ambientais, uma vez que permitiu a análise e identificação de uma população aparentemente mais vulnerável aos efeitos da percepção a desordens físicas e sociais. Estudos longitudinais são necessários para confirmar o efeito das desordens físicas e sociais sobre a pressão arterial ao longo do tempo. Também são necessárias análises sobre o papel da escolaridade do setor censitário, que devem ser conduzidas, visando a elucidar os possíveis mecanismos envolvidos nessa relação.