versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.11 Rio de Janeiro nov. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152011.00972015
A adolescência representa uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, marcada por significativas mudanças nas dimensões biológica, psicológica e social1. Este período é extremamente importante para que os adolescentes optem por um estilo de vida saudável, pois proporciona a formação de hábitos e atitudes, inclusive alimentares2.
A monitorização da qualidade dos alimentos consumidos durante a infância e adolescência tornam-se importantes por pouco se conhecer sobre os fatores promotores de mudanças no comportamento alimentar e ser frequente a prática de jejum, dietas irregulares e restritas, consumo compulsivo ou frequente de alimentos altamente energéticos, ricos em açúcares e gorduras, em substituição de alimentos saudáveis durante esta fase3-5. Tais práticas correspondem aos principais fatores responsáveis pela expressão do atual quadro epidemiológico de sobrepeso, obesidade, carências nutricionais, doenças crônicas não transmissíveis e comportamentos de risco para transtornos alimentares durante a infância e adolescência6,7.
As práticas educativas alimentares podem servir de meio para conscientizar as crianças e adolescentes sobre como e porque se alimentar de forma adequada, tendo em vista que a alimentação e a nutrição correspondem a requisitos básicos para a promoção de boas condições de saúde8. A realização de ações de saúde direcionadas para crianças e adolescentes deve se constituir como prioridade por todos os setores sociais, destacando-se o ambiente escolar9,10.
O ambiente escolar representa um espaço adequado para a realização de práticas educativas alimentares destinadas a crianças e adolescentes por congregar diariamente a maioria destes sujeitos9, reunir educadores, educandos, merendeiras, porteiros, pais, mães, avós, entre outros sujeitos, assumir a responsabilidade pela educação, fornecer parte da alimentação diária e influenciar diretamente os educandos no alcance da autonomia, construção de valores pessoais, crenças, conceitos e maneiras de conhecer o mundo2,9.
O Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Saúde regulamentou a Portaria Interministerial nº 1.010, de 8 de maio de 2006, que institui em âmbito nacional as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de Educação Infantil, Fundamental e Nível Médio das redes públicas e privadas9. Assim como, instaura, por meio do Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007, o Programa Saúde na Escola (PSE)2,11. Este programa realiza ao longo do ano letivo atividades voltadas à prevenção, promoção e assistência à saúde dos educandos, utilizando-se de uma proposta de ação inter setorial e gestão compartilhada entre profissionais da saúde e da educação2.
A estratégia interministerial adotada pelo PSE tem por filosofia minimizar a fragmentação entre os setores da saúde e educação, viabilizando grandes transformações dentro da escola, por reduzir a visão compartimentada da realidade, fortalecendo a possibilidade de aplicação de conhecimentos escolares na vida extraescolar, no entendimento de que a escola não existe apenas como espaço de reprodução de conhecimento, mas também de transformação deste12.
A avaliação dos resultados das práticas educativas alimentares através do acompanhamento, identificação dos conhecimentos, habilidades e práticas construídas ao longo do seu desenvolvimento, representa um aspecto favorável no alcance de resultados efetivos7. Isto permite o planejamento, ajuste do processo de aprendizagem dos participantes e oferece a oportunidade de identificar a necessidade de aprimoramento para que estas práticas educativas alcancem os objetivos esperados13.
Na literatura, os estudos abordando a percepção de adolescentes sobre alimentação saudável ainda encontram-se focados em locais próximos dos grandes centros urbanos e com elevados índices de desenvolvimento humano, devido ao maior consumo de alimentos industrializados. No entanto, os distúrbios nutricionais também têm acometido adolescentes de áreas distantes dos grandes centros urbanos, e estudos com esta abordagem ainda são escassos nestes lugares, apesar de serem necessários para o aumento do incentivo às práticas alimentares adequadas, por estimular a capacidade crítica e reflexiva destes sujeitos acerca de suas escolhas alimentares14. Nesta perspectiva, o presente estudo objetiva analisar a percepção de alimentação saudável de adolescentes em uma escola do interior de Pernambuco.
A presente investigação apoiou-se no referencial teórico das práticas alimentares na adolescência, e educação alimentar e nutricional, ou seja, um enfoque no adolescente e escola como lugar de promoção à alimentação.
Delineou-se um estudo do tipo descritivo e exploratório, conduzido pelo método qualitativo, para investigar a maneira como os fenômenos se manifestam, bem como outros fatores relacionados15.
O estudo foi realizado na Escola Abdias João Inácio, situada em Cupira - Pernambuco, município localizado na mesorregião Agreste do estado, ocupando uma área municipal de 106 km2, com uma população correspondente a 23.390 habitantes. O município encontra-se distante dos grandes centros urbanos, apresenta baixo Índice de Desenvolvimento Humano e tem a agropecuária como uma das atividades econômicas de destaque. A referida escola participa do Programa Saúde na Escola, desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação16.
Foram realizadas 40 entrevistas com adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 10 e 14 anos, matriculados no Ensino Fundamental I e II e que participaram do encontro de nutrição desenvolvido pelo Programa Saúde na Escola. A coleta de informações foi precedida por um contato prévio da pesquisadora principal com os adolescentes da escola para a execução de atividades educativas com abordagens temáticas referentes à promoção da saúde. Não foram contemplados temas relacionados às questões alimentares para não causar indução de resposta no momento da coleta de informações. A partir das atividades educativas, utilizou-se o critério de amostragem do tipo intencional17.
Os pais ou responsáveis dos adolescentes participaram de uma reunião na escola, momento no qual foram fornecidas as orientações acerca dos objetivos, riscos e benefícios do estudo. Após as orientações, os pais ou responsáveis, que consentiram com a participação dos adolescentes sob sua responsabilidade, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Utilizou-se um roteiro semiestruturado para a entrevista com dados gerais referentes à caracterização dos adolescentes (idade, sexo, série e tempo de permanência na escola) e as seguintes questões: Como você se alimenta diariamente? Quais as informações que você tem recebido sobre a alimentação saudável no ambiente escolar? O que você entende por alimentação saudável? O que ajuda você manter uma alimentação saudável? O que dificulta você manter uma alimentação saudável?
As entrevistas com os adolescentes foram realizadas mediante agendamento prévio, em uma sala na escola, para não interferir em suas atividades escolares, onde apenas se encontravam presentes o pesquisador e o sujeito participante, a fim de garantir a privacidade. Estas foram registradas em gravador digital, mediante consentimento dos responsáveis legais/adolescentes e foram transcritas pela pesquisadora.
A análise das entrevistas foi realizada pelo software Análise Lexical por Contexto de um Conjunto de Segmentos de Texto (Alceste), versão 201018. Esse software realiza análise lexical quantitativa, através da captação de trechos do discurso, aparentemente diferentes em seu enunciado, mas próximos em uma relação de significado para um determinado grupo social. Em outros termos, realiza a classificação hierárquica descendente, que possibilita a construção de um discurso consensual, por meio do uso da relação entre as palavras, as frequências em que aparecem e suas associações em classes de palavras (cálculo do Khi2)19.
O trabalho de campo transcorreu no período de maio a julho de 2013. O projeto atendeu a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco. A fim de garantir o anonimato, os adolescentes participantes tiveram seus nomes substituídos pela letra P, seguido do número de ordem da entrevista, (de P1 a P40).
Em relação à caracterização dos sujeitos entrevistados, 82,5% tinham idade entre 12 e 14 anos, 37,5% eram do sexo masculino e 85% apresentavam renda mensal de um a dois salários mínimos. Quanto à escolaridade, 57,5% cursavam o Ensino Fundamental II e 17,5% estudavam na referida escola há cerca de oito anos.
A análise lexical utilizando o Alceste identificou 40 unidades de contextos iniciais (UCI), equivalentes ao número de entrevistas incluídas no corpus. Este conjunto foi dividido em 503 unidades de contexto elementar (UCE), dimensionadas a partir da pontuação do discurso. Foram classificadas 393 UCE, representando 78% de aproveitamento do material analisado. A riqueza do vocabulário foi de 97,03%. As UCE foram divididas em classes que apontaram os seguintes eixos temáticos (Figura 1).
Figura 1 Classificação hierárquica descendente (dendrograma) da análise das entrevistas aos adolescentes participantes do Programa Saúde na Escola. Cupira-PE, 2013.
O dendrograma apresenta as UCE, os eixos temáticos principais e as divisões. Assim, as classes um e dois possuem significados comuns que as diferenciam das classes três, quatro, cinco e seis, uma vez que são originadas dos dois grupos resultantes da primeira segmentação das UCE. Ao mesmo tempo, as classes três e cinco também apresentam significados comuns, embora sentidos e ideias específicas que justificam a separação em classes distintas, uma vez que se dividiram em etapas subsequentes da classificação hierárquica. Observam-se as palavras com maior qui-quadrado, maior representatividade a cada classe pela maior força de associação entre si (Figura 1).
Esta classe retrata que a alimentação de rotina entre os adolescentes é feita por meio do café da manhã, almoço, jantar, merenda e lanche. As palavras com maior qui-quadrado foram os substantivos merenda, lanche, pão, maçã e os verbos comer e comprar.
Os adolescentes consideraram o café da manhã como a principal refeição do dia, necessitando ser variado, contendo além de alimentos calóricos, os proteicos e vitamínicos. Apesar disto, emergiu no discurso destes sujeitos a não realização desta refeição por não gostar, não ter tempo, não ter apetite e despertar altas horas da manhã, deixando para fazer a próxima refeição. Vale salientar que, inclusive, a omissão desta refeição pode estar atrelada a realização de trabalho doméstico, como constatado no seguinte depoimento:de manhã, tem vez que eu já não tomo café porque não dá tempo, tenho que arrumar a casa. (P. 24). A elevada adesão dos adolescentes à prática de jejum, dietas irregulares e restritas podem gerar monotonia alimentar e maior risco de carências nutricionais, porque os alimentos mais saudáveis são ingeridos em pouca variedade e baixa quantidade5,20.
O almoço teve representação significativa nos relatos, sendo realizado de forma assídua, mesmo entre os adolescentes que revelaram não realizar as demais refeições. Esta refeição mostrou-se como um momento oportuno para ingestão de alimentos saudáveis, como verbalizado: A melhor comida para comer é o que você come meio-dia, porque têm vegetal, legumes, essas coisas que são mais saudáveis. (P. 2). Apesar disto, no presente estudo evidencia-se a pouca variedade de verduras e legumes consumidos pelos adolescentes em virtude do seu maior custo e do seu gosto ser considerado como desagradável, exigindo maior dedicação no seu preparo para se tornarem mais palatáveis e aceitos.
O jantar também representou uma das principais refeições diárias dos adolescentes. Embora seja frequente a omissão da sua realização, principalmente devido à falta de apetite à noite. Os alimentos calóricos foram mais citados que os proteicos, embora os adolescentes tenham conhecimento que esses alimentos devem ser menos ingeridos durante esta refeição, em virtude do menor gasto energético à noite.
O lanche correspondeu à refeição predileta, mesmo entre os adolescentes que referiram odiar comer, reforçando-se a substituição das principais refeições: Eu odeio comer, só de vez em quando mesmo, só quando eu estou com fome, só à tarde mesmo que eu gosto de comer muito. (P. 20). O aumento do consumo de lanches favoreceu o consumo de alimentos ricos em açúcares e gorduras: À tarde eu lancho às vezes como biscoito, raramente fruta, que eu não gosto muito. Eu gosto mesmo de comer biscoito, chocolate. (P. 15). A explicação para estes resultados pode estar ligada à cultura alimentar da sociedade atual, em que as famílias tendem a optar por alimentos não nutritivos e de fácil acesso, em substituição ao consumo de frutas, legumes e verduras21.
Ressalta-se que o consumo de frutas também foi mencionado pelos adolescentes, principalmente entre aqueles que traziam de casa o lanche da escola ou realizavam esta refeição em domicílio, como constatado no depoimento:À tarde, depois do almoço, eu gosto bastante de comer fruta, geralmente maçã, goiaba e uva. (P. 28). O ambiente domiciliar representa um fator de proteção à adesão de dietas saudáveis e controle de peso entre adolescentes, por envolver a maior participação dos familiares no controle das escolhas, compra e preparo dos alimentos22.
Esta classe demonstra a mudança de hábitos alimentares dos adolescentes durante o final de semana, ao constatar o aumento na ingestão de alimentos hipercalóricos e nutricionalmente inadequados: No final de semana, às vezes, minha irmã faz lasanha, macarronada, comida diferente. (P. 26). As palavras de maior qui-quadrado foram substantivos como lasanha, final de semana, suco, macarronada, além dos verbos lanchar, mudar e comer.
O recordatório da alimentação rotineira e os hábitos alimentares durante o final de semana mostraram frequente omissão das principais refeições, prática de dietas irregulares e restritas, elevado consumo de alimentos energéticos ricos em açúcares e gorduras. A elevação do consumo de alimentos hipercalóricos e nutricionalmente inadequados durante o final de semana esteve relacionada à frequente realização das refeições fora de casa durante este período. Segundo Fitzgerald et al.23, o ambiente extradomiciliar favorece a prática alimentar inadequada por facilitar o acesso a alimentos não nutritivos, aumentar a influência de amigos e da mídia.
Esta classe identifica os fatores interferentes e facilitadores na manutenção da alimentação saudável. Esse contexto fez com que as palavras de maior qui-quadrado fossem substantivos como verdura, mãe, fruta, legume, fritura e os verbos fazer e evitar.
As principais causas da prática alimentar inadequada entre os adolescentes investigados estiveram relacionadas à maior preferência por alimentos nutricionalmente inadequados, influência dos colegas, disponibilidade de dinheiro e facilidade de acesso a alimentos não saudáveis. Estes achados mostram que as escolhas alimentares, além de serem influenciadas por aspectos subjetivos relacionados ao conhecimento e percepções, recebem interferência de fatores econômicos, sociais e culturais, como constatado neste e em outros estudos21,23.
Entre os fatores interferentes na prática alimentar saudável dos adolescentes, identificou-se que o baixo nível econômico apresentado pela maioria destes sujeitos e o menor custo de alimentos nutricionalmente inadequados ricos em açúcares, gorduras e sal favoreceram o consumo destes alimentos mesmo em locais distantes dos grandes centros urbanos e que apresentam o cultivo de frutas e vegetais como parte de sua economia. Mendes e Catão21 identificam que as localidades que fazem o cultivo de frutas, legumes e verduras facilitam o acesso a estes alimentos e, consequentemente, o seu consumo. Entretanto, tais achados não foram obtidos no presente estudo.
Quanto aos fatores facilitadores da adesão dos adolescentes à alimentação saudável, estes se mantiveram relacionados com o gostar de alguns alimentos saudáveis, o acesso e disponibilidade a estes alimentos, o medo de engordar, a recepção de incentivos da mídia, ambiente familiar, bem como da escola por meio de práticas educativas alimentares.
A preocupação com a imagem corporal demonstrou interferir na prática alimentar dos sujeitos desse estudo, quando uma adolescente relatou que o medo de ficar gorda lhe auxiliava na manutenção de uma alimentação saudável. Este fato se justifica ao considerar que no mundo contemporâneo as imagens do corpo magro e esbelto são cada vez mais cultuadas pelos meios de comunicação de massa, geralmente associadas pelo marketing à obtenção de sucesso e prestígio24. Os indivíduos com excesso de peso, além de sofrerem uma série de agravos à saúde, são vítimas constantes debullying e exclusão social25.
A mídia foi referida por um adolescente como fonte de informações favoráveis à prática alimentar saudável, como evidenciado no discurso: O que ajuda a me alimentar bem é que passa na televisão que as pessoas estão acima do peso porque não se alimentam direito. Isso já ensina à pessoa que não deve estar comendo tudo que tem muita gordura, massa, porque pode fazer mal para saúde. (P. 10). Apesar desta associação positiva da mídia à prática alimentar saudável, diversos estudos identificam que quanto maior o tempo que crianças e adolescentes gastam assistindo televisão maior à adesão a práticas alimentares inadequadas. Pois, a mídia representa uma das principais ferramentas utilizadas pelo marketing para incentivar o consumo de produtos industrializados e nutricionalmente inadequados26,27.
A classe analisada torna evidente a representação da escola no processo de formação de hábitos alimentares saudáveis para os adolescentes, por meio do desenvolvimento de práticas educativas alimentares e nutricionais. Esse contexto fez com que as palavras de maior qui-quadrado fossem os substantivos pessoa, agente, aluno, escola e os verbos falar e lembrar.
A escola foi caracterizada pelos adolescentes do presente estudo como um espaço propício para o desenvolvimento de ações de promoção à alimentação saudável, como constatado no seguinte discurso: É importante falar de alimentação na escola porque algumas pessoas se alimentam mal, igual a mim mesmo, como muita besteira que não é alimentação saudável. E uma pessoa ajudando a entender isso fica melhor. (P. 40). A escola atua como ambiente facilitador da adesão dos adolescentes a comportamentos alimentares saudáveis, tendo em vista que representa um espaço favorável à realização de palestras educativas, avaliação clínica, avaliação nutricional e oferta de parte das refeições diárias desses sujeitos10,28.
As informações sobre alimentação saudável, recordadas pelos adolescentes como fornecidas na escola, mostraram-se restritas a exemplos de alimentos saudáveis, a importância da realização de escolhas alimentares saudáveis e em intervalos regulares, e a alguns benefícios da alimentação saudável para saúde. O conhecimento limitado dos adolescentes acerca destes temas identifica a necessidade de analisar os diversos fatores que podem interferir na efetividade das práticas de educação alimentar e nutricional, dentre os quais o envolvimento dos pais, fornecimento de frutas e verduras pelos serviços de alimentação da escola, especificidades culturais, regionais e locais em termos da disponibilidade de alimentos saudáveis7-9.
No presente estudo, outros adolescentes, mesmo tendo participado da prática educativa alimentar realizada pelo PSE, não recordaram ter recebido informações sobre este tema na escola, como descrito no seguinte discurso: A escola nunca falou nada de alimentação saudável não, para mim não. (P. 10). Isto evidencia que a realização de apenas encontro único sobre nutrição pelo PSE com os alunos do ensino infantil, fundamental I e II, no período de um ano, não é suficiente para que compreendam alimentação saudável.
A abordagem intersetorial na realização das atividades educativas também foi identificada no presente estudo, aos adolescentes mencionarem os profissionais da saúde e da educação como responsáveis pelo fornecimento de informações sobre alimentação na escola como constatado nos seguintes discursos: Quando o pessoal [enfermeira, nutricionista] vem falar que a alimentação é muito importante, que tem que comer alimentos saudáveis e esquecer um pouquinho coisas como salgadinho, refrigerante, gordura, que não fazem bem a saúde. (P.14). Eles (professores/ coordenadora/ diretora) também falam que não é bom comer besteira logo cedo porque tem muita gente que já chega à aula chupando chiclete, pirulito. (P. 12).
A intersetorialidade favorece a divulgação contínua do tema alimentação no espaço escolar, por favorecer a inserção deste tema no contexto curricular3. No entanto, a falta de habilidade dos professores em integrar o tema alimentação e nutrição nas disciplinas que lecionam, devido a sua formação não contemplar tais temas, dificulta a abordagem intersetorial. Em virtude disto, identifica-se a necessidade de qualificar estes profissionais para que possam atuar em ações de promoção a saúde, vigilância alimentar e nutricional13. A representação da escola no incentivo à alimentação saudável tornou-se ainda mais evidente entre os adolescentes com condições econômicas menos favoráveis, pois possivelmente os familiares destes sujeitos apresentam menor grau de escolaridade e menos conhecimento sobre este tema. Frente à ausência de conhecimento dos familiares acerca do tema alimentação e da capacidade da escola de educar por meio da construção de conhecimentos resultantes do confronto dos diferentes saberes advindos dos alunos, professores, familiares e sociedade, este e outros estudos identificam a necessidade de inserir os familiares nas práticas educativas alimentares e nutricionais desenvolvidas neste espaço29,30.
O ambiente escolar foi mencionado pelos adolescentes como principal local onde faziam parte de suas refeições. Observa-se, ainda, que poucos destes sujeitos referiram consumir a merenda escolar durante os cinco dias na semana. O consumo de outros tipos de alimentos na escola, além da alimentação escolar, seja trazendo lanches de casa ou comprando alimentos geralmente industrializados e nutricionalmente inadequados na própria escola, esteve associado aos adolescentes não gostarem do sabor de alguns dos alimentos ofertados na alimentação escolar e da repetitividade na oferta dos mesmos. Estes achados alertam para o fato de que, além da escola atuar como meio de divulgação de informações sobre alimentação saudável, a dimensão pedagógica da alimentação oferecida na escola, através da implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar e da lei das cantinas, precisa ser valorizada, a fim de favorecer aos sujeitos a escolha por alimentos saudáveis28,31.
Frente a essa diversidade de aspectos, que interferem na realização das práticas educativas alimentar e nutricional no ambiente escolar, o alcance de mudança de hábitos alimentares após ações de intervenção são os mais variados. Os achados do presente estudos identificam resultados favoráveis, em termos de redução no consumo de alimentos com alto valor calórico e aumento da ingestão de alimentos saudáveis, como constatado no seguinte discurso: Um aluno mesmo já disse na sala ao professor que está parando mais de comer essas coisas não saudáveis e esta comendo mais frutas, verduras depois dessas aulas(P. 38).
Por ser o desenvolvimento de práticas educativas alimentares na escola uma atividade complexa, identifica-se a necessidade de planejamento e avalição da realização destas ações, uma vez que a adesão a comportamento alimentar saudável em estágios de vida precoce favorece a manutenção de boa qualidade de saúde31.
A classe retrata o conhecimento dos adolescentes sobre o tema alimentação saudável. As informações relatadas pelos adolescentes estiveram associadas com a ingestão adequada de verduras, legumes e frutas; a exclusão do consumo de alimentos com excesso de gordura, açúcar e sal; a realização das refeições na hora certa e o consumo de alimentos variados contendo proteínas, ferro e cálcio. Esse conteúdo fez com que o dendrograma trouxesse no universo lexical dessa classe substantivos como legume, saúde, gordura, óleo, massa, sal e os verbos entender, prejudicar e causar.
Os adolescentes também relacionaram a adesão à prática alimentar saudável com o alcance de melhores condições de saúde por prevenir a instalação de uma série de agravos à saúde, como evidenciado no seguinte depoimento: A alimentação saudável evitaria várias doenças, muita gente tem colesterol alto, pressão alta por conta de comer muita fritura, sal. (P. 37). A rotina alimentar adotada durante a adolescência, além de interferir no crescimento e desenvolvimento dos adolescentes, permanece durante as demais fases da vida, podendo ocasionar diversas consequências na sua saúde atual e futura25.
Embora os adolescentes do estudo tenham apresentado conhecimento a respeito do tema alimentação, isto não consiste na aplicação de tais conhecimentos. A facilidade de acesso a alimentos nutricionalmente inadequados tem provocado um distanciamento entre o conceito e a prática alimentar dos adolescentes, por elevar o consumo de lanches não nutritivos como fast food e guloseimas, em substituição às principais refeições4.
Esta classe evidencia a importância da participação da família no incentivo dos adolescentes à alimentação saudável como constatado no seguinte discurso:Eu só me alimento bem quando alguém pega no meu pé, que é minha prima e minha tia, que pega muito no meu pé para eu me alimentar bem. (P. 14). As palavras de maior qui-quadrado foram os verbos acabar, ficar e parar, além dos pronomes meu e consigo.
A família representou papel fundamental no controle das escolhas, compra e preparo dos alimentos dos adolescentes. A mãe foi citada como a maior responsável pelo preparo dos alimentos, como constatado no discurso: O que me ajuda é minha mãe, porque ela sempre está me chamando para comer, sempre está falando as horas para se comer, o que comer, porque ela faz a comida. (P.20). O maior gasto de tempo que as mães destinam com situações familiares, envolvendo as questões alimentares favorece a prática alimentar saudável, por reduzir a autonomia dos adolescentes frente às suas escolhas alimentares.
Os adolescentes mencionam que fatores como a falta de tempo, dedicação excessiva ao trabalho correspondem a aspectos interferentes na participação da família no processo de incentivo à alimentação saudável. Consequentemente, isto favorece o aumento da realização das refeições fora do ambiente domiciliar, o consumo de alimentos nutricionalmente inadequados e à omissão das principais refeições, em virtude dos pais apresentarem uma postura mais negligente com questões alimentares32,33.
Ao considerar a mudança de comportamento alimentar como algo complexo que requer tempo e exige o planejamento e a implementação de programas contínuos, percebe-se a importância da realização de práticas educativas alimentares com maior tempo de seguimento no ambiente escolar. Por desenvolverem atividades diárias neste espaço, os profissionais da educação necessitam ser capacitados para tornarem-se aptos a atuar junto aos profissionais de saúde, na realização destas ações de promoção à alimentação saudável.
A escola, por representar um local favorável à realização de práticas educativas, deve fornecer alimentação nutricionalmente adequada, por meio da merenda, dos alimentos comercializados neste espaço e desenvolver práticas de educação alimentar e nutricional efetivas, que incentivem o consumo dos alimentos saudáveis produzidos na localidade onde se insere, envolvendo a participação de familiares.