versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.23532015
No Brasil, o grupo populacional entre 13 e 19 anos continua apresentando taxas crescentes de incidência de AIDS. A dinâmica atual da epidemia em adolescentes indica uma feminização mais intensa que nas outras faixas etárias, bem como o aumento entre homens jovens que fazem sexo com homens (JHSH)1,2.
O aconselhamento para a realização do exame anti-HIV é preconizado pelo Ministério da Saúde3 e se trata de um procedimento de escuta ativa, individualizado e centrado no cliente. Tem por objetivos principais promover a reflexão que possibilite a percepção dos próprios riscos, a adoção de práticas mais seguras e a adesão ao tratamento. O processo de aconselhamento contém três componentes: apoio emocional, apoio educativo e avaliação de riscos. O apoio educativo trata das trocas de informações sobre DST e HIV/AIDS, suas formas de transmissão, prevenção e tratamento. A avaliação de riscos propicia a refexão sobre valores, atitudes e condutas, incluindo o planejamento de estratégias de redução de risco. Contribui também para uma relação de confiança entre profissional de saúde e usuário, e torna o indivíduo sujeito no processo de prevenção e no cuidado de si, sendo referência importante para o controle da doença.
Em se tratando de adolescentes o aconselhamento adquire um valor ampliado, por ser uma fase da vida de aquisição de novas competências e habilidades que vão contribuir para a garantia do autocuidado à saúde na idade adulta. O diagnóstico de uma doença crônica e incurável como a Aids na adolescência é fato impactante, pois pode provocar variadas mudanças no cotidiano, na vida estudantil, no processo de socialização fora do ambiente familiar, entre outras, impostos pelos sinais e sintomas da enfermidade e também por seu tratamento4. A prioridade da vida muda, passa a ser o cuidado da doença. Do ponto de vista psíquico, a adolescência compreende uma fase de perdas e lutos, do corpo e da identidade infantis, dos pais da infância5. Quando um adolescente apresenta uma doença grave neste período, estas perdas e lutos serão muito mais dolorosos e difíceis de serem superados e a vivência da doença se dá com maior sofrimento. Neste sentido, o aconselhamento pré e pós-teste HIV da forma como for realizado pode aumentar ou reduzir o impacto do diagnóstico e a adesão ao tratamento.
O presente estudo teve por objetivo conhecer como o aconselhamento pré e pós-teste HIV foi realizado e o impacto do diagnóstico, na perspectiva de pacientes que tomaram ciência da soropositividade na adolescência, para oferecer subsídios às políticas públicas de saúde de enfrentamento da epidemia.
Escolhemos o método qualitativo, dada a natureza do objeto em questão. O público alvo do estudo foi composto por pacientes soropositivos cujo diagnóstico ocorreu na adolescência e estavam em tratamento no município do Rio de Janeiro. As informações foram colhidas em ambiente de intersubjetividade, por meio de entrevistas semiabertas. A entrevista permite conhecer, através da fala dos interlocutores, o sistema de valores de seu grupo social; além disso, é reveladora das condições estruturais do grupo e transmite as representações grupais, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas6.
O Ministério da Saúde do Brasil oferece acesso gratuito e universal ao tratamento com antirretrovirais para pacientes com Aids. O município do Rio de Janeiro conta com 43 serviços públicos de saúde para atendimento a essas pessoas e hospitais gerais. Estes últimos prestam assistência a um volume maior e variado de pacientes, advindos de diversos bairros. Por essa pluralidade de pacientes, optamos por recrutar as possíveis participantes da pesquisa nas seguintes unidades hospitalares: Hospital Universitário Pedro Ernesto (bairro de Vila Isabel), Hospital Gaffrée Guinle (bairro da Tijuca), Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Ilha do Fundão) e Hospital Federal dos Servidores do Estado (bairro da Saúde). Esses estabelecimentos de saúde são públicos e aten dem população de variadas classes sociais, porém majoritariamente de nível socioeconômico inferior. Os serviços foram contatados pela equipe de pesquisadores e, após aprovação do comitê de ética e anuência dos responsáveis, foi iniciada a coleta de dados.
Os critérios de inclusão foram: diagnóstico entre 10 e 19 anos de idade e há não mais que 5 anos, para garantir certa homogeneidade no grupo quanto ao tempo de adoecimento e evitar vieses na lembrança dos fatos por ocasião da infecção pelo HIV. Os pacientes que preenchiam esse perfil eram encaminhados às entrevistadoras pelos profissionais de saúde que as atenderam nos serviços. Os pacientes recrutados receberam informações sobre o conteúdo da pesquisa e, estando de acordo, foram entrevistados sozinhos em ambiente com garantia de privacidade. Para compor a amostra, a equipe frequentou os hospitais em média duas vezes por semana durante 18 meses. Encerramos a coleta de dados quando avaliamos ter ocorrido saturação das informações colhidas.
As entrevistas realizadas obedeceram a um roteiro com questões sobre informações demográficas, familiares, histórico sexual e da infecção/diagnóstico da doença, perguntas sobre aconselhamento pré e pós-teste HIV e o impacto provocado no paciente e na família. As autoras gravaram em áudio e transcreveram na íntegra as entrevistas. Desde o início, e no decorrer do estudo, procedemos à análise dos dados textuais oriundos das transcrições. Essa análise compreendeu os seguintes passos: leitura e releitura dos textos para produzir uma visão singular de cada entrevista; e leitura transversal de todas para identificação das semelhanças e divergências nas narrativas, para compreensão dos conteúdos mais relevantes. Em seguida, buscamos identificar os sentidos atribuídos pelos sujeitos às questões levantadas, procurando entender a lógica interna desse grupo através de um diálogo comparativo com a literatura. Ao final, elaboramos categorias classificatórias que representaram uma síntese interpretativa dos achados para responder os questionamentos do estudo.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro em 2009. Todos os entrevistados ou, quando menores de 18 anos, os seus responsáveis, assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido.
Coletamos os dados entre julho de 2010 e dezembro de 2011. A amostra foi composta por 39 pacientes, sendo 23 do sexo feminino e 16 do masculino. Foi feita uma entrevista com cada paciente, o que rendeu 1904 horas de gravação com média de duração de 48 minutos. Destacamos as seguintes características dos entrevistados: baixo nível socioeconômico, com renda familiar média variando de 1/2 a 10 salários mínimos (82% tinha renda menor ou igual a 5 salários mínimos); a principal via de exposição foi sexual, sendo que entre as mulheres foi a heterossexual, exceto em dois casos (em um a via de exposição foi sanguínea e em outro desconhecida) e, nos homens, em 75% dos casos foi homossexual e em 25% heterossexual; raça autorreferida como não branca por 66,6% os interlocutores (metade preta e metade parda) e branca por 33,4% (nenhum se autorreferiu como indígena ou amarelo); e o atraso escolar maior que dois anos foi verificado em mais da metade deles.
Os pacientes tiveram dificuldade de lembrar sobre o diálogo estabelecido e/ou as orientações recebidas na ocasião da solicitação do teste do HIV e seu resultado. Este dado pode indicar que o aconselhamento não foi realizado ou não foi significativo. Menos de um terço dos entrevistados (12 pacientes – 30,8%) afirmou ter percebido recomendações no pré-teste que se resumiram no esclarecimento sobre a motivação do exame. No pós-teste, no momento do diagnóstico, o aconselhamento foi reconhecido por 20 (51,2%) interlocutores. O pequeno percentual de pacientes que informou ter recebido o aconselhamento também foi verificado em pesquisa transversal realizada por Goldani et al.7 em Porto Alegre – RS, com 1603 mulheres testadas durante a gestação, em que apenas 39,2% das gestantes informaram ter sido aconselhadas sobre o teste. Os autores constataram que houve maior chance de não receber aconselhamento nas gestantes de baixa renda e que iniciaram o pré-natal tardiamente. Resultados semelhantes foram encontrados por Passos et al.8 em estudo com 955 mães em alojamento conjunto que fizeram teste rápido HIV onde apenas 26,9% receberam aconselhamento. Estiveram associados ao não aconselhamento a escolaridade materna menor que oito anos de estudo e o número reduzido de consultas pré-natal. Outro estudo brasileiro realizado com 435 gestantes acompanhadas em serviço de pré-natal no Paraná evidenciou percentual ainda inferior de aconselhamento pré-teste, somente 13,6%9.
Menos da metade dos diagnósticos foi dada na presença de acompanhantes (18 pacientes – 46,1%), sendo mais frequentemente a mãe ou algum parente próximo (tia, prima, madrinha). Em 3 casos (7,7%) do sexo feminino esteve presente o parceiro. Apenas 4 pacientes do sexo masculino estavam acompanhados no diagnóstico, todos com a mãe. A presença de acompanhante no momento do diagnóstico ocorreu mais entre as moças (14 em 23) do que os rapazes (4 em 16).
Os dados percentuais sobre o aconselhamento podem ser visualizados na Tabela 1 (entrevistados do sexo masculino) e na Tabela 2 (entrevistadas do sexo feminino).
Tabela 1 Distribuição dos rapazes em relação à realização do aconselhamento e à presença de acompanhante na ocasião do diagnóstico.
Aconselhamento | Sim | % | Não | % | Total | % |
---|---|---|---|---|---|---|
Pré-teste | 7 | 43,8 | 9 | 56,2 | 16 | 100 |
Pós-teste | 10 | 62,5 | 6 | 37,5 | 16 | 100 |
Acompanhante | 4 | 25 | 12 | 75 | 16 | 100 |
Tabela 2 Distribuição das moças em relação à realização do aconselhamento e à presença de acompanhante na ocasião do diagnóstico.
Aconselhamento | Sim | % | Não | % | Total | % |
---|---|---|---|---|---|---|
Pré-teste | 5 | 21,7 | 18 | 78,2 | 23 | 100 |
Pós-teste | 10 | 43,5 | 13 | 56,5 | 23 | 100 |
Acompanhante | 14 | 60,9 | 9 | 39,1 | 23 | 100 |
O estatuto da criança e do adolescente – ECA10 e as normas éticas de atendimento a adolescentes garantem o direito à autonomia, à confidencialidade e ao sigilo das consultas, sem a participação dos responsáveis11,12. Porém, determinadas situações em que se considera que a saúde do adolescente está colocada em risco, a manutenção do sigilo é questionada13 e quase sempre não recomendada, para proteção do paciente. O profissional de saúde deve avaliar até que ponto o adolescente está apto a exercer o autocuidado. A divulgação do resultado de exame HIV positivo é uma destas situações. Portanto, é aconselhável que esta notícia seja dada na presença de algum familiar que possa dar o suporte afetivo e o amparo neste difícil momento de vida14. Trata-se de situação delicada de atuação profissional, problematizada por alguns autores, que oferecem guias para auxiliar profissionais nesta tarefa15,16. Verificamos que na maioria dos casos o diagnóstico foi dado para o adolescente sozinho, principalmente aos rapazes.
Em alguns casos evidenciou-se que apesar da insistência pelo profissional de saúde da presença do responsável, os adolescentes resistiram em aceitar e deram sinais de que abandonariam o serviço caso fosse obrigatória a vinda dos pais. Em outros, o profissional de saúde colocou nas mãos do adolescente a decisão de vir acompanhado ou não no dia da entrega do resultado do exame. Por último, ainda teve aqueles em que ocorreu o contrário, revelou-se o diagnóstico somente para os pais, desconsiderando o direito à autonomia do adolescente que somente em data posterior foi informado da soropositividade.
Identificamos que na percepção de nossos entrevistados, o diálogo que se estabelece na consulta sobre o pedido do exame se restringe à motivação da solicitação do mesmo com ou sem avaliação de risco. Porém, para a maioria deles, nada foi falado sobre a justificativa da solicitação do teste. O fundamento externado para a demanda do teste HIV foi: para alguns, sinais e sintomas de DST ou de doenças oportunistas; para outros, a atividade sexual de risco que inclui o não uso de preservativo ou parcerias HIV positivos. Houve também solicitações de exame durante período de internação em que o paciente só ficou sabendo que tinha realizado quando o resultado foi positivo.
Vejamos alguns exemplos:
Não falaram que estavam pedindo (o exame HIV). Ela (a médica) me deu uma lista de exames para fazer… No dia que eu fui buscar o resultado eu não tinha noção de que estava fazendo esse exame. Em nenhum momento passou pela minha cabeça que poderia dar alguma coisa. (E 28)
O médico pediu exame para saber o inchaço das minhas glândulas… Explicou, disse que poderia estar acontecendo alguma coisa com o meu organismo. (E 04).
Não falaram o motivo do pedido, só falaram que eu estava com a imunidade baixa. (E 10)
Falou que era normal, qualquer pessoa que hoje em dia tem doença sexual pede esse exame. (E 38)
Falaram que eu tinha um grande risco de ter contraído porque eu não estava usando preservativo com ele. (E 25)
Alguns pacientes pediram para fazer o teste por vontade própria e outros foram informados se tratar de um exame de rotina, principalmente as adolescentes do sexo feminino quando submetidas ao exame ginecológico preventivo ou no pré-natal. Uma de nossas entrevistadas relatou que o teste foi pedido pela ginecologista no exame preventivo. Ela estava grávida na ocasião e não sabia. O resultado só foi comunicado após o nascimento do bebê, quando então foi aconselhada a não amamentar.
Ninguém me pediu, eu fui e quis fazer porque eu tive situações desprotegidas. (E 027)
Fiz por vontade própria. (E 07)
A enfermeira disse que todo pré-natal tem que fazer esse exame. (E 33)
O teste HIV é preconizado para todas as gestantes durante o pré-natal, faz parte da rotina. Entretanto, ele não é obrigatório e o aconselhamento deve ser feito. Mas o que tem sido observado nos estudos com gestantes é que esta prática já está incorporada à clínica e o aconselhamento tem sido esquecido17,18.
Para nossos entrevistados, a maneira como o processo de testagem foi conduzido demonstra a predominância no foco biomédico. Pode ser que o profissional tenha a percepção de que os jovens não conseguem entender informações complexas sobre HIV, pois mesmo nos Centros de Testagem e Aconselhamento para o HIV (CTA), o aconselhamento pré e pós-teste tem sido negligenciado. Grangeiro et al.19, em estudo realizado em 83,6% dos CTA no Brasil, observaram desenvolvimento insuficiente de ações de prevenção e controle sorodiagnóstico de Aids.
Esses dados demonstram certo autoritarismo na postura do profissional de saúde, que se sente possuidor de arbítrio sobre o paciente, da prerrogativa de decidir o que é melhor para ele, pois detém o saber. Alguns autores evidenciam a necessidade de mudança de postura na condução do aconselhamento20. Ao problematizar a formação dos aconselhadores, Galindo et al. observam dois modos de aconselhar. O primeiro se refere à postura tradicional das práticas em saúde, autoritária, protocolar e instrutiva. A segunda postura profissional é baseada na simetria da relação, com foco no protagonismo do usuário, que representa maior possibilidade de compreensão e do autocuidado. Esta visão é corroborada por Souza et al.21 em estudo qualitativo sobre o olhar dos usuários de um Centro de Testagem sobre o aconselhamento em prevenção ao HIV.
Pudemos observar que, na percepção de nossos interlocutores, o aconselhamento bem conduzido parece ter contribuído com a expressão de atitudes positivas em relação ao futuro e à convivência com doença crônica e incurável. Nestes casos o profissional acolheu e deu apoio emocional ao paciente, explicou sobre a doença e seu tratamento e desmistificou as fantasias que existem em relação à sua evolução. Como consequência eles se engajam mais responsavelmente no tratamento com autocuidado e percebem suas próprias vidas como normais.
Eles disseram que isso não era a última coisa do mundo. Era só se cuidar que eu ia viver normal, entendeu? Pra eu não me deixar abalar, me abater. (E 13)
… aí ela falou que eu estava com HIV. Chamaram meus pais, no caso, foi normal. Falaram que tinha que fazer o tratamento, tomar os remédios, essas coisas assim. (E 31)
Os médicos falam pra mim que não tem cura, mas tem tratamento, não vou morrer, tem remédio, que hoje em dia ninguém mais morre de Aids. (E 33)
Me falaram que era para eu fazer o tratamento direitinho, eu ia viver bem, tinha que tratar a doença. (E 32)
Essa doença pode até ser uma doença, mas ela não impede as pessoas de fazerem nada. (E 04).
Para outros, o resultado do exame foi apenas entregue, não tendo recebido nenhuma orientação sobre o diagnóstico, só a informação que eram soropositivos ou então lhes foram prescritas condutas e deveres sem sentido para eles, de difícil compreensão. Nestes casos nossos entrevistados se perceberam inseguros, amedrontados em relação ao futuro, com falta de perspectivas.
Me entregaram o papel dizendo que eu era soropositivo. Falaram nada, só entregaram o papel. Eu fiquei duas semanas gastando todo o dinheiro que eu tinha, porque eu ia me matar. (E 27)
Ele chegou, falou um punhado de coisas e eu não entendi nada. (E 29)
Foi como se alguém dissesse pra você que um ente muito querido tinha morrido. A primeira ideia é não acreditar, entendeu? … E agora, o que vai acontecer comigo? Eu vou morrer? Ainda mais uma adolescente, sozinha… (E 01)
Quando você descobre, acha que vai morrer, que não vai durar nem 5 anos. Hoje eu sei que não é bem assim, até porque vejo muita gente aqui sentada que tem a doença há mais de 20 anos. Mas no momento quando você não tem informação alguma você não consegue pensar positivo. (E 39).
Dar um diagnóstico de uma doença crônica e incurável não é uma tarefa fácil, além de implicar em dilemas éticos. Por outro lado, a formação médica na maioria das escolas ainda privilegia a tecnologia, não dando muito atenção a outras questões como as habilidades comunicacionais. Nosso estudo mostra que um procedimento de comunicação do diagnóstico feito de forma equivocada ou insuficiente pode ter consequências negativas que podem interferir na adesão ao tratamento. Estudo realizado por meio de entrevistas com médicos que atendem adolescentes portadores de doenças crônicas mostrou resultados semelhantes. Os entrevistados demonstram que a comunicação do diagnóstico ao paciente adolescente é a incumbência mais difícil, principalmente em relação às questões éticas22. Esta dificuldade de revelar um diagnóstico também foi observada em pesquisa com graduandos de enfermagem realizado por Cappi et al.23 em um CTA. Os autores salientam a falta de preparo para abordar aspectos da sexualidade e tempo exíguo para o estabelecimento de vínculos. O reconhecimento da falta de treinamento e a demanda por capacitação sobre a prática de aconselhamento foi também verificada por Filgueiras e Deslandes24 em pesquisa desenvolvida em Serviços de DST, SAE (Serviço de Atenção Especializada) e CTAs.
Investigação realizada com mulheres norte-americanas corroboram nossos achados ao demonstrar que a maneira pela qual os resultados de exames para HIV são comunicados e se os usuários passam ou não pelo aconselhamento pré e pós-teste podem determinar a adesão ao tratamento e a prevenção da transmissão do vírus a outras pessoas25. Por outro lado, um aconselhamento insatisfatório pode ter consequências graves, a exemplo do verificado em pesquisa qualitativa conduzida por Fonseca e Iriart18 com gestantes. Uma das parturientes, após o aconselhamento pós-teste HIV positivo foi flagrada amamentando escondido seu filho, mesmo tendo sido teoricamente orientada a suspender o aleitamento ao seio. Os autores ainda salientam que o aconselhamento realizado sem que haja interação e que seja centrado no paciente pode prejudicar a adesão ao tratamento ou retardar sua procura.
Entre 240 jovens sul-africanos participantes de estudo em grupos focais sobre o teste voluntário de HIV ficou demonstrado que estes têm medo de saber se estão infectados, acham que o teste é só para quem está com sintomas da doença e receiam ser discriminados. Mais da metade dos jovens investigados mencionaram o suicídio em casos de confirmação da soropositividade. O estudo recomenda que os serviços de testagem voluntária sejam mais amigáveis aos jovens26. O risco de suicídio de pacientes HIV-positivos também foi verificado em outro estudo sul-africano realizado com 190 pacientes voluntários numa clínica de testagem para HIV em Durban. A ideação suicida foi mais frequente no sexo masculino e na faixa etária mais jovem, em menores de 30 anos. Os autores ressaltam que o aconselhamento pré e pós-teste HIV pode rastrear o risco de suicídio em pacientes com comportamentos depressivos e criar estratégias de intervenção para evitá-los27.
Vale ressaltar que muitas solicitações de teste HIV são feitas não nos CTAs, mas por médicos na atenção básica, durante atendimento de algum problema de saúde. Estes profissionais muitas vezes não são capacitados para o aconselhamento e às vezes até desconhecem as normas técnicas do Ministério da Saúde. Deve-se fazer um esforço para que estas diretrizes do Ministério sejam disseminadas e conhecidas por todos os profissionais que atuam diretamente na clínica e não só aqueles que trabalham em Centros de Testagem.
Em síntese, nossos resultados evidenciam que o aconselhamento do teste anti-HIV preconizado pelo Ministério da Saúde não está sendo realizado satisfatoriamente na percepção de pacientes cujo diagnóstico ocorreu na adolescência. São poucos os que reconhecem ter recebido aconselhamento e, no pós-teste, este foi realizado na maioria dos casos na ausência dos responsáveis, o que contraria as normas éticas do atendimento de adolescentes. Por outro lado, as narrativas evidenciaram que um aconselhamento bem feito contribui para a adesão ao tratamento e para a percepção de que é possível levar uma vida normal mesmo com o diagnóstico de uma doença crônica e incurável nesta etapa da vida.
Gostaríamos de destacar que a abordagem qualitativa utilizada em nosso estudo possibilitou conhecer elementos relevantes e singulares sobre o aconselhamento em HIV-Aids que na prática clínica são decisivos para a continuidade e a adesão ao tratamento. E, assim como a Aids, outras doenças crônicas em pacientes desta faixa etária também poderão ser melhor conduzidas por um aconselhamento aprimorado, amigável, ético e centrado na pessoa.
Nosso estudo deixa em aberto questões a serem investigadas, pois limitou-se à perspectiva do paciente soropositivo em tratamento, não considerando aqueles que não aderiram ou que foram negativos. Também não enfoca o outro lado desta relação, o profissional de saúde que o atende com suas dificuldades comunicacionais no processo de trabalho nas Unidades Públicas de Saúde. Contudo, nossos achados evidenciam que o treinamento daqueles que exercem a função de aconselhadores seja no CTA ou em serviços como unidades da Estratégia de Saúde da Família, Pré-natal e Ginecologia deverá proporcionar impactos positivos na dinâmica da epidemia.