versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.2 Rio de Janeiro fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017222.17282015
The objective of this study was to analyze the perception of food handlers in relation to hygiene practices in the workplace and to correlate the findings with the results of bacteriological analyses and systematic observations in a University Restaurant in Rio de Janeiro. The perception of hygiene practices was assessed using a questionnaire with objective questions. Operational practices were analyzed through systematic observational research. The bacteriological investigation was divided into two steps to detect the presence of Coliforms at 45ºC, Sulphite-Reducing Clostridia, Coagulase-Positive Staphylococcus and Aerobic Mesophilic Heterotrophic Bacteria on hands, personal protective equipment and utensils. The results of the perceptions of handlers regarding personal hygiene, environmental hygiene and hygiene in the preparation of foods obtained mean scores of 86.11, 96.73 and 83.76, respectively. In the bacteriological investigation of hands and protective equipment, 61.36% of samples produced positive results for the bacteria surveyed. For utensils, 25% of samples gave positive results. The conclusion is that the service has flaws that pose health hazards to consumers.
Key words: Food contamination; Foodborne diseases; Food safety; Food microbiology
As doenças de transmissões alimentares têm sido causas de investigações e pesquisas para que agentes etiológicos e fatores correlatos sejam identificados e analisados. O conhecimento dos fatores envolvidos no processo é importante para estabelecer os mecanismos de prevenção e controle.
O manipulador é fundamental quando se trata da segurança dos alimentos, pois, em contato com os mesmos, da origem até o momento da comercialização, pode se tornar um transmissor viável de agentes patogênicos de doenças alimentares, quando falhas e erros são cometidos. O ser humano também possui potente capacidade para veicular patógenos de pessoa a pessoa, com graves riscos à saúde1.
No Centers for Disease Control and Prevention (CDC)2 foram publicados os resultados de pesquisas sobre surtos de gastroenterite com transmissão pessoa a pessoa, em que mortes e internações foram registradas, constituindo um grave problema de saúde pública nos Estados Unidos da América, no período de 2009 a 2010.
Pesquisadores, em trabalhos sobre esta temática, apontaram a via fecal oral como uma das mais comuns na contaminação dos alimentos e do ambiente. Contudo, espirros, lesões de pele, acessórios pessoais utilizados, Equipamentos de Proteção Individual (EPI), entre outros, também podem ser veiculadores de agentes patogênicos3.
A contaminação dos alimentos durante a manipulação é um fato quando medidas higiênico-sanitárias não são adotadas e as condições ambientais são insatisfatórias para sua manipulação. Entretanto, a formação e a capacitação dos trabalhadores têm papel primordial, pois é através da prática de corretos hábitos de higiene no local de trabalho que os riscos serão minimizados.
Pesquisadores, por meio de estudos realizados, apontaram problemas na qualificação desta mão de obra, em função da formação profissional deficiente, decorrente da pouca escolaridade e dos baixos salários. Este fato constitui-se num grave problema social e de saúde pública, pois a falta de qualificação profissional para atuar neste segmento de mercado cria obstáculos à implantação de processos produtivos seguros e na aplicação de ferramentas de controle de qualidade4.
Em relação aos locais, nos registros epidemiológicos, os restaurantes foram incriminados como importantes estabelecimentos de ocorrência de veiculação de agentes etiológicos de doenças alimentares. Na CDC5 foi publicado relatório analítico sobre os surtos de doenças alimentares nos Estados Unidos da América, entre os anos de 2009 e 2010, em que os restaurantes corresponderam a 48% dos locais implicados em 766 ocorrências, com locais identificados. No Brasil6, os restaurantes, as instituições de ensino e os refeitórios corresponderam a 37,8% dos locais identificados de ocorrência de surtos de doenças alimentares, entre os anos de 1999 e 2008.
Sendo assim, as Boas Práticas de Fabricação são requisitos importantes a fim de garantir a segurança e a qualidade dos alimentos, com reflexos na saúde do consumidor7.
Este trabalho se justifica por analisar a percepção dos trabalhadores sobre as práticas de higiene no local de trabalho e relacionar esses dados com as análises microbiológicas realizadas em mãos, EPI e utensílios em diferentes etapas do processamento de alimentos, a fim de identificar e aprofundar a discussão sobre as variáveis que envolvem a produção de refeições seguras. Esta pesquisa é considerada relevante em estudos relacionados aos agentes patogênicos de doenças alimentares e aos fatores relacionados com as formas de veiculação.
A metodologia adotada foi aplicada, exploratória, descritiva e analítica8. A pesquisa foi realizada, entre abril de 2012 e janeiro de 2013, no Restaurante Universitário (RU) de uma Universidade Federal, localizada no estado do Rio de Janeiro. O RU produz em média 6000 refeições por dia. Os setores da produção envolvidos na pesquisa foram as áreas de pré-preparo e cocção de carnes e uma área de distribuição de refeições, denominado Restaurante da Praia Vermelha. Esses setores possuem um total de 12 manipuladores de alimentos envolvidos no processo de trabalho.
Foram utilizados como instrumentos da pesquisa de campo, questionários com perguntas objetivas sobre higiene pessoal, ambiental e na manipulação de alimentos; roteiro para pesquisa observacional direta e análises bacteriológicas das mãos, dos Equipamentos de Proteção Individual dos manipuladores de alimentos e dos utensílios utilizados nesses setores.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Faculdade de Medicina do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense.
O questionário elaborado com perguntas objetivas sobre higiene pessoal, na manipulação dos alimentos e do local de trabalho, teve por objetivo avaliar atitudes e opiniões sobre o tema pesquisado. Por meio desse instrumento, os entrevistados puderam emitir um julgamento através de escala de intensidade que variou de sempre a nunca. A escala utilizada foi a de Lickert9.
O questionário foi subdividido em três grandes blocos. O primeiro foi denominado Higiene Pessoal (HP) e compreendeu as questões relativas aos cuidados com a higiene do uniforme, o asseio corporal, a higiene das mãos, o uso de adornos, entre outras; o segundo foi denominado de Higiene Ambiental (HA) e compreendeu questões relativas à organização e à higiene dos utensílios, dos equipamentos e da área de trabalho; o terceiro denominado de Higiene na Manipulação dos Alimentos (HMA) foi composto pelas questões relativas aos cuidados e às atitudes no processamento dos alimentos, tais como: cantar e assobiar durante o trabalho, falar durante a manipulação dos alimentos, comer no setor de trabalho, acondicionar o alimento de forma correta, entre outras.
Participaram da pesquisa três colaboradores das áreas de pré-preparo de carnes, três da área de cocção de carnes e quatro da área de distribuição, totalizando dez pessoas. A seleção, dos manipuladores dessas áreas, foi aleatória. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os resultados foram analisados em blocos de forma comparativa. Os dados foram tratados conforme a escala de Lickert, tanto para os indivíduos que fizeram parte da pesquisa, quanto para as variáveis analisadas, que foram agrupadas por categoria. Foi realizada a análise de correlação, usando o Coeficiente de Correlação de Pearson, entre os blocos, e o teste de significância. Em todas as análises o nível de significância considerado foi de 5%10.
Na pesquisa observacional sistemática objetivou-se coletar e examinar dados da realidade do cotidiano do trabalho dos manipuladores de alimentos envolvidos no estudo. Foi utilizado um roteiro pré-definido pelos pesquisadores com questões relativas ao tema. A análise dos dados foi realizada mediante classificação baseada na presença ou na ausência de atitudes e de ações, coerentes com a atividade laboral previstas na literatura e na legislação pertinentes, além da descrição dos fatos observados9.
A pesquisa bacteriológica foi dividida em duas etapas. A primeira (etapa 1) compreendeu a coleta de todas as amostras sem interferência do pesquisador. A segunda (etapa 2) ocorreu após a apresentação dos resultados das análises realizadas na primeira etapa, aos gestores e aos manipuladores participantes, com posterior implantação das modificações no processo de trabalho.
Foram coletadas amostras das mãos e dos EPI utilizados pelos manipuladores das áreas de pré-preparo de carnes, cocção de carnes e distribuição, para realização de análises bacteriológicas, sendo: 06 das mãos e 16 dos EPI: avental (06), luva de borracha (04), luva de silicone (02), luva de malha de aço (02), máscara (02), totalizando 22 amostras, nas duas etapas da pesquisa. As amostras dos EPI foram coletadas após o uso pelos manipuladores.
Os EPI são dispositivos de uso individual e obrigatório, destinados à segurança e à saúde no trabalho11.
Dos utensílios foram coletadas 08 amostras, nas duas etapas da pesquisa, a saber: tampo de polietileno (02), cuba de aço inoxidável (02), tampa de aço inoxidável (02) e espátula (08). Os itens analisados foram escolhidos por serem estes utilizados pelos manipuladores durante o processamento dos alimentos, nas áreas pesquisadas.
As bactérias pesquisadas, em todas as amostras, foram Coliformes a 45°C12, Clostridium Sulfito Redutor13, Staphylococcus coagulase positiva14 e Contagem de Bactérias Heterotróficas Mesófilas e Aeróbias (BHAM)13.
O número de amostras foi calculado segundo método proposto por Martin et al.15. A coleta das amostras seguiu a metodologia proposta pelo LACEN. Foram utilizados swabs para as coletas das amostras16.
As análises foram baseadas na “American Public Health Association” (APHA)17 e na Instrução Normativa nº 62 de agosto de 200313 e realizadas no Laboratório de Controle Microbiológico de Produtos de Origem Animal do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para a análise de Coliformes a 45°C, foi retirado 1 mL da amostra diluída em solução salina peptonada a 0,1% e inoculado em tubos com diluição de 10-1 a 10-6 da mesma solução. Posteriormente, alíquotas foram inoculadas em tubos de três séries contendo 10 mL de Rapid Hicoliform Broth (Himedia), os quais foram homogeneizados e acondicionados em estufa a 35-37°C por 24hs. Após a incubação, os tubos positivos foram analisados através de fluorescência e receberam de três a cinco gotas do Reativo de Kovacs (MERCK) para confirmação da espécie E. coli.
Na análise de Clostridium Sulfito Redutor a 46°C, o mesmo procedimento inicial foi realizado. A seguir foi retirado 1 mL da amostra para fins de diluição de 10-2 a 10-6. Após a homogeneização, 1 mL de cada diluição foi semeado em placa com Ágar SPS (MERCK) e acondicionada em jarra de anaerobiose, invertida, a 46°C por 24h. Foram selecionadas placas positivas, com formação de 20 a 200 colônias pretas típicas. Colônias típicas foram selecionadas e inoculadas em meio tioglicolato e incubadas a 45°C por 24h. A seguir, preparou-se o esfregaço para realização da coloração pelo método de Gram.
Para análise de Staphylococcus coagulase positiva, o mesmo procedimento inicial foi realizado. A seguir, foi retirado 1 mL da amostra para fins de diluição de 10-2 a 10-6. Após a homogeneização, foi retirado 1 μl de cada tubo e semeado em placa com Àgar Baird-Park (MERCK). Nas placas positivas, foram selecionadas colônias de cor preta, brilhantes, com anel opaco e halo transparente. As colônias típicas foram inoculadas em BHI Broth (MERCK) e os tubos com formação de coágulo do tipo 2 a 4 foram considerados positivos. Entretanto, a fim de confirmar o resultado, foram realizados a prova de catalase (MERCK) e o esfregaço para verificação das características morfo-tintoriais.
Na análise de BHAM , após diluição de 10-2 a 10-6, foi adicionado 1 mL de cada diluição, em placas cobertas com APC (Ágar Padrão para Contagem) (Himedia) e incubadas a 35°C por 24h. Foram selecionadas as placas com 50 a 300 UFC (unidade formadora de colônia) de colônias.
Para a análise estatística foram usados o Coeficiente de Correlação de Pearson, o teste t de Student e o teste F de Fisher-Snedecor. Em todas as análises o nível de significância considerado foi de 5%10.
A metodologia utilizada na apresentação, na análise e na discussão dos resultados foi baseada nas ferramentas de qualidade, sendo elas o Ciclo de Deming e o Diagrama de Causa e Efeito. Participaram desta etapa da pesquisa os manipuladores de alimentos e os gestores. Nesta fase os manipuladores foram estimulados a pensar e a debater em grupo sobre os fluxos e as técnicas operacionais previstas na produção segura dos alimentos. Ao final, foram estabelecidos novos fluxos operacionais a serem implantados antes do início da segunda etapa da pesquisa.
Na pesquisa objetiva, a percepção por parte dos manipuladores sobre procedimentos e comportamentos relativos à higiene pessoal, ambiental e na manipulação dos alimentos (Tabela 1) foram coerentes com as Boas Práticas de Fabricação18. Entretanto, é importante perceber se o discurso coincide com a prática, pois quando se trata da manipulação de alimentos é necessário que as Boas Práticas de Fabricação sejam atuadas, a fim de assegurar que as preparações alimentares e ou refeições possuam as qualidades requeridas nos aspectos nutricional, sensorial e microbiológico.
Tabela 1 Média do conceito atribuído ao ponto de vista dos indivíduos, em relação aos aspectos avaliados, por bloco.
Variáveis | Médias (%) |
---|---|
Higiene Pessoal (HP) | |
Uniforme limpo | 87,50 |
Higieniza as mãos antes de iniciar as atividades | 77,78 |
Higieniza as mãos após as mudanças de tarefas | 75,00 |
Higieniza as mãos após o manuseio de objetos diversos | 81,25 |
Trabalha com as unhas aparadas | 96,88 |
Trabalha sem barba e sem bigode | 96,88 |
Trabalha sem adorno: anel, pulseira, brinco, relógio e colar | 87,50 |
Média do bloco | 86,11 |
Higiene Ambiental (HA) | |
Higieniza a bancada antes do início do trabalho | 100,00 |
Higieniza os utensílios antes do início do trabalho | 96,87 |
Usa os produtos saneantes de forma correta | 97,22 |
Organiza a área de trabalho | 97,50 |
Higieniza os utensílios ao final do trabalho | 94,44 |
Higieniza a área física ao final do trabalho | 100,00 |
Guarda os equipamentos e utensílios após o uso de forma correta | 92,50 |
Média do bloco | 96,73 |
Higiene na manipulação dos alimentos (HMA) | |
Fala em cima dos alimentos | 66,66 |
Canta e assobia no setor de trabalho | 75,00 |
Espirra e tosse no setor de trabalho | 85,00 |
Come no setor de trabalho | 77,77 |
Pratica outros atos que possam contaminar os alimentos | 100,00 |
Executa o trabalho de acordo com as boas práticas de fabricação | 97,22 |
Acondiciona a matéria prima de forma correta | 84,37 |
Média do bloco | 83,76 |
Na análise de correlação, observou-se que apesar dos manipuladores demonstrarem conhecimento sobre os procedimentos adequados ou inadequados, nos aspectos pesquisados não existe correlação entre esses conhecimentos.
Esta análise torna-se mais interessante quando associada aos resultados da pesquisa observacional e bacteriológica, por agregarem elementos a esta discussão.
O elevado conceito atribuído à percepção sobre a higiene pessoal, tanto individualmente quanto em grupo, não são condizentes com os resultados das análises bacteriológicas das mãos e dos EPI, pois indicaram a presença de Coliformes a 45°C, Staphylococcus coagulase positiva, Contagem de BHAM e Clostridium Sulfito Redutor nas áreas de pré-preparo, cocção e distribuição (Tabelas 2 e 3).
Tabela 2 Total de amostras positivas para as bactérias pesquisadas, por categoria de amostra, nas etapas um e dois, no Restaurante Universitário, RJ, 2012 e 2013.
Amostras | Total (N) | Amostras positivas *etapa 1 | Amostras positivas**etapa 2 | Amostras positivas nas etapas 1 e 2 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
N | N | % | N | % | N | % | |
Mãos | 24 | 08 | 33,33 | 09 | 37,5 | 17 | 70,83 |
EPI | 64 | 22 | 34,37 | 15 | 23,43 | 37 | 57,81 |
Utensílios | 32 | 06 | 18,75 | 02 | 6,25 | 08 | 25 |
Total | 120 | 36 | 30 | 26 | 21,66 | 62 | 51,66 |
* Etapa 1 – Amostras coletadas sem a interferência dos pesquisadores. ** Etapa 2 – Amostras coletadas após a implantação das mudanças técnico-operacionais.
Tabela 3 Resultados das análises bacteriológicas das mãos e dos equipamentos de proteção individual, dos manipuladores da área de pré-preparo, cocção e distribuição nas etapas um e dois, no Restaurante Universitário, RJ, 2012 e 2013.
Pré-preparo | Coliformes a 45°C/g | Staphylococcus | Contagem de BHAM | Clostridium Sulfito Redutor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
(Amostra n°) | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 |
| ||||||||
Mão (02) | 4,3 x 10 | ausente | 5,0x 103 | 2,7x103 | 1,3x 107 | 4,6 x104 | ausente | ausente |
Avental (02) | ausente | ausente | 1,2 x 103 | 3,1x103 | 7,5x 102 | 3,8x 104 | 0,2x102 | ausente |
Luva borracha (02) | 2,4 x 104 | 1,5 x 102 | 6,7 x 103 | 2,1x103 | 5,6x 103 | 5,8x 104 | 1,8x102 | ausente |
Luva malha aço (02) | 0,9 x 10 | 7,0x 10 | 5,5x 103 | 8,6x103 | 4,1x 103 | 4,4x 104 | ausente | ausente |
Média | 6,0 x 103 | 5,5x 10 | 4,6 x 103 | 4,1x103 | 3,3x 106 | 4,6x104 | 5,0 x 10 | ausente |
| ||||||||
| ||||||||
Cocção | Coliformes a 45°C/g | Staphylococcus | Contagem de BHAM | Clostridium Sulfito Redutor | ||||
| ||||||||
(Amostra n°) | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 |
| ||||||||
Luva borracha a (01) | ausente | - | 1,54x104 | - | 1,5 x 105 | - | ausente | - |
Luva borracha b (01) | 0,3 x 10 | - | 5,4 x 102 | - | 2,1 x 102 | - | ausente | - |
Luva silicone a (01) | - | 2,4 x 103 | - | ausente | - | ausente | - | ausente |
Luva silicone b (01) | - | 1,5 x 102 | - | ausente | - | ausente | - | ausente |
Avental (02) | ausente | ausente | 3,0 x 10 | 2,8 x 10 | 1,8x102 | 1,6x103 | ausente | ausente |
Média | 0,1 x 10 | 8,5x 102 | 5,2x103 | 0,9x10 | 5,0x102 | 5,3x102 | ausente | ausente |
| ||||||||
| ||||||||
Distribuição | Coliformes a 45°C/g | Staphylococcus | Contagem de BHAM | Clostridium Sulfito Redutor | ||||
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(Amostra) | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 |
| ||||||||
Mão a (02) | 0,9 x 10 | 0,3 x 102 | 1,0 x 103 | 1,3 x 10 | 2,2 x 10 2 | 2,2 x 103 | ausente | ausente |
Mão b (02) | 0,4 x 10 | 2,4 x 103 | ausente | 0,1 x 10 | 4,6 x 102 | 3,0 x 104 | ausente | 9,7 x 105 |
Avental (02) | ausente | 2,5 x 102 | 0,5 x 102 | ausente | 1,8 x 102 | 8,1 x 103 | ausente | ausente |
Máscara (02) | 2,4 x 104 | Negativo | 1,5 x 105 | ausente | 2,5 x103 | 2,9 x 102 | ausente | ausente |
Média | 6,0 x 103 | 6,7 x 102 | 3,8x104 | 3,5 x10 | 8,4x102 | 1,1x104 | ausente | 2,4x105 |
O Brasil não dispõe de uma legislação que estabeleça um padrão microbiológico para este tipo de análise, entretanto a presença dessas bactérias indicam falhas na higiene e sanitização das mãos, com riscos à saúde do usuário.
A presença dos patógenos pesquisados nas mãos dos manipuladores, mesmo após a discussão dos resultados obtidos na primeira etapa do estudo com os profissionais envolvidos, indicou que as medidas propostas para a correção dos problemas identificados (Quadro 1) nos procedimentos de higiene e sanitização foram ineficazes (Tabelas 2 e 3). Durante a análise observacional, tanto na etapa um quanto na dois, ficou registrado que os manipuladores muitas vezes não higienizam as mãos conforme os procedimentos recomendados; não higienizam as mãos quando trocam de tarefas e quando saem de uma área considerada contaminada, como a área de pré-preparo de carnes, e se dirigem a outro setor. A área de produção também não dispõe de lavatórios para a higiene das mãos em número suficiente e dispensadores com solução sanitizante.
Quadro 1 Problemas observados com implicações nas análises microbiológicas e soluções sugeridas e implantadas pelos gestores e manipuladores de alimentos do RU.
Áreas | Problemas identificados | Soluções sugeridas e implantadas |
---|---|---|
* PP | Erros no fluxo operacional | Estabelecimento de novos fluxos operacionais a fim de evitar cruzamentos e retrocessos |
PP | Problemas na estrutura físico-funcional | Realização de obras para correção dos problemas físicos |
**CÇ | Uso de luva de borracha na cocção | Não será mais permitido o uso deste EPI neste setor, somente a luva descartável poderá ser utilizada |
CÇ | Inadequação EPI e utensílios | Aquisição de luvas de silicone e de utensílios para o setor |
CÇ | Erros no fluxo operacional | Estabelecimento de novos fluxos operacionais a fim de evitar cruzamentos e retrocessos |
PP/ CÇ/***DT | Falha na higiene das mãos | Treinamento sobre o correto procedimento |
PP/ CÇ/DT | Falhas nos procedimentos de higiene e sanitização da área físca, utensílios e equipamentos | Elaboração programa operacional padronizado para a higiene e sanitização Aquisição de equipamentos e produtos adequados a higiene e sanitização |
PP/ CÇ/DT | Circulação de pessoas estranhas ao setor | A circulação de pessoas estranhas ao setor deve ser restrita |
PP/ CÇ/DT | Falhas na setorização dos utensílios, tais como facas, canecões entre outros | Aquisição e identificação dos utensílios por setor |
* PP - Pré-preparo, ** CÇ – Cocção, *** DT – Distribuição.
Fonte: Medeiros et al.24.
Tartler e Fortuna19, em pesquisa que avaliou a qualidade microbiológica de mãos e luvas de manipuladores de alimentos, também obtiveram elevado índice de contaminação por coliformes totais e termotolerantes. Ribeiro et al.20, também obtiveram resultados inadequados na análise da qualidade bacteriológica das mãos de manipuladores de alimentos em restaurante comercial, para a presença das bactérias pesquisadas, coliformes totais, 1,1 x 103 NMP/ mão a 2,4 x 105 NMP/mão, coliformes fecais, variando de 2,3 x 101 NMP/mão a 4,6 x 104 NMP/mão e Staphylococcus coagulase positiva, 1,3 x 104 UFC/mão a 2,6 x 104 UFC/mão.
A contaminação dos alimentos por agentes etiológicos de doenças alimentares pode provocar quadros diarreicos isolados a sintomatologias mais graves. Na CDC 2 foi alertado o cuidado com as mãos, por serem consideradas um dos principais veículos de contaminação dentro da área de produção de alimentos. Sumner et al.21 e Todd et al.3, ressaltaram a importância dos cuidados com a higiene das mãos no processo de eliminação e redução da transmissão de agentes patogênicos de doenças alimentares, tendo em vista o risco para a saúde dos usuários.
Cruz et al.22 analisaram a problemática que envolve a higiene da mãos, por se tratar de um hábito resultante de uma intenção que poderá gerar uma adesão ou não a esta ação.
Os resultados microbiológicos positivos para os EPI, nas duas etapas da pesquisa, foram característicos de falhas nos procedimentos de higiene e sanitização, por não ocasionarem a eliminação das bactérias pesquisadas, com exceção do Clostridium Sulfito Redutor, mesmo após a apresentação e discussão dos resultados da etapa um, que resultou no estabelecimento de procedimentos operacionais padronizados para a higiene e sanitização dos EPI. A presença de agentes patogênicos nestes equipamentos pode favorecer a contaminação cruzada (Tabelas 2 e 3).
No avental plástico, na máscara descartável e nas luvas térmicas foi encontrado alto grau de contaminação pelos agentes patogênicos pesquisados. Este achado pode estar relacionado a falhas nos processos e nas técnicas de higiene, a ineficiência dos produtos utilizados, ao uso inadequado dos produtos sanitizantes e a própria contaminação cruzada, em função dos atos inseguros. A contaminação desses EPI, sobretudo na área de cocção e distribuição, representa um risco para a saúde, pois nesta etapa o alimento está pronto para consumo, aumentando a possibilidade de ocorrerem surtos de origem alimentar.
Na CDC 5, publicaram-se resultados de análises estatísticas sobre surtos de doenças alimentares entre 2009 -2010. Um total de 1527 surtos foi notificado, resultando em 29444 casos de doenças, com 1184 hospitalizações e 23 mortes. De 766 surtos com locais identificados, 48% foram causados por alimentos consumidos em restaurantes ou lanchonetes e 21% por alimentos consumidos em casa.
Na pesquisa observacional, foram verificadas falhas no uso dos EPI, como o uso inadequado das máscaras por longos períodos; uso da luva térmica para outras tarefas e contato da luva térmica com outros EPI, inclusive os utilizados na área de pré-preparo, no qual o alimento ainda não recebeu tratamento térmico, podendo acarretar a contaminação cruzada.
Mesmo após a discussão e o estabelecimento de novos procedimentos entre as etapas da pesquisa, os erros persistiram, este fato pode ser um indicador de que as mudanças não foram assimiladas (Quadro 1).
Resultado similar foi obtido por Silva e Kottwitz23, em estudo realizado para pesquisa de coliformes totais, Escherichia coli, microrganismos aeróbios facultativos e contagem de Staphylococcus aureus; das análises realizadas, 68,7% dos resultados positivos foram obtidos de amostras oriundas das mãos dos manipuladores de alimentos protegidas por luvas e 31,3% foram obtidas das mãos dos profissionais sem proteção.
Em relação à higiene ambiental, apesar do elevado conceito na percepção dos manipuladores, em alguns utensílios analisados (tampo de altileno, espátula de cocção e cuba de aço inoxidável), foram encontrados resultados positivos para os patógenos pesquisados, com exceção do Clostridium Sulfito Redutor (Tabela 4).
Tabela 4 Resultados das análises bacteriológicas nos utensílios pesquisados, nas etapas um e dois, no Restaurante Universitário, RJ, 2012 e 2013.
Utensílios | Coliformes a 45°C/g | Staphylococcus | Contagem de BHAM | Clostridium Sulfito Redutor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
|
||||||||
Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | Etapa 1 | Etapa 2 | |
Tampo de altileno (pré-preparo) (02) | 0,9 x 10 | ausente | 0,7x101 | 0,8x 10 | 1,8x105 | 0,4x104 | ausente | ausente |
Cuba de inox (02) | ausente | ausente | ausente | ausente | 4,3x102 | ausente | ausente | ausente |
Tampa da cuba de inox (02) | ausente | ausente | ausente | ausente | ausente | ausente | ausente | ausente |
Espátula (cocção) (02) | ausente | ausente | 4,4x102 | ausente | 3,7x103 | ausente | ausente | ausente |
Média | 0,4x10 | ausente | 1,3x102 | 0,2x10 | 4,6x104 | 0,1x10 | ausente | ausente |
Esses resultados caracterizam a ineficácia dos procedimentos de higiene e sanitização ou falhas no manuseio destes utensílios. Na pesquisa observacional, foi possível verificar algumas falhas, tais como o manuseio desses itens sem que as mãos tivessem sido devidamente higienizadas, armazenamento inadequado deste material e proximidade desses itens com o alimento in natura.
É importante pontuar que na etapa dois houve uma significativa redução da carga bacteriana nos utensílios, após as medidas corretivas implantadas (Tabelas 2 e 4).
A contaminação cruzada, proveniente dos atos inseguros, pode ser responsável pela contaminação do alimento in natura ou pronto para consumo, dos equipamentos e utensílios e de outros manipuladores. Tood et al.3 analisaram vários trabalhos que trataram desta questão, com fortes evidências da transmissão de agentes patogênicos de doenças alimentares pelo alimento, por manipuladores, por utensílios, por equipamentos e pelo próprio ambiente quando os mesmos encontram-se contaminados. No estudo, foi apontado que a falta de entendimento sobre este risco pode facilitar essa transmissão, o que poderia gerar um surto de origem alimentar.
Muito embora o resultado da pesquisa objetiva tenha demonstrado elevado conceito em relação à higiene pessoal e ambiental (Tabela 1) por parte dos profissionais, os resultados das análises bacteriológicas foram insatisfatórios nas duas etapas da pesquisa. A dificuldade em colocar em prática os conhecimentos teóricos sobre as questões relativas às práticas de higiene no local de trabalho pode estar associada a diversos fatores, tanto pessoais quanto relacionados à gestão operacional na cadeia produtiva.
Cruz et al.22 e Ababio e Adi25 assinalaram que mesmo de posse dos conhecimentos sobre higiene no local de trabalho, os trabalhadores muitas vezes não realizam as tarefas conforme as recomendações legais. Este fato pode estar vinculado ao nível de escolaridade, desconhecimento da técnica, falta de supervisão eficaz, falta de procedimentos operacionais, entre outros.
Na manipulação do alimento, alguns aspectos foram considerados inadequados na percepção dos manipuladores, tais como “falar sobre os alimentos”, “cantar e assobiar no setor de trabalho” e “comer no setor de trabalho”. Entretanto, apesar do entendimento sobre estas práticas como atitudes inadequadas, tais comportamentos foram observados na pesquisa de campo, no decorrer do trabalho, de forma sistemática.
Sobre o perfil dos manipuladores de alimentos, Cavally e Sally4 identificaram trabalhadores com baixo nível de escolaridade, baixa qualificação profissional e pouca formação profissional. Este problema é justificado pela carência de gestores e a falta de tempo para a realização dessa tarefa.
Existe um consenso no mercado de trabalho sobre a importância do investimento na capacitação e desenvolvimento humano de trabalhadores com vistas ao aumento e aprimoramento do capital intelectual. Entretanto, esse conceito e as ações relacionadas se aplicam somente aos níveis funcionais mais elevados capazes de realizar os investimentos necessários, principalmente os financeiros25.
Pereira e Trancoso26 e Miranda e Neta27, apontaram em trabalhos de pesquisa, situações de precariedade no conhecimento das práticas e exigências do trabalho, devido à falta, em geral, ou à inadequação dos métodos utilizados nos processos de educação, que se restringem, muitas vezes, a treinamentos rápidos, esporádicos e que não levam em consideração as características pessoais, a capacidade de aprendizagem e os hábitos na execução das tarefas.
Falhas recorrentes nas operações, falta de conhecimento sobre técnicas e métodos de trabalho, falta de motivação e desinteresse pelo novo são situações, pontuadas por Kraemer e Aguiar28 e Oliveira et al.29, que alertaram sobre os métodos aplicados nos programas de capacitação ou treinamento dos manipuladores, tão comuns nas Unidades de Alimentação Nutrição, mas que não têm sido eficientes para vencer essas dificuldades.
Muito embora algumas análises tenham apresentado resultados negativos na etapa dois, não é possível comemorar, pois são insignificantes diante do alto percentual de contaminação nas várias amostras analisadas, após a apresentação e a discussão dos resultados com os gestores e os manipuladores e do estabelecimento de novos métodos de trabalho, a fim de que falhas e erros fossem corrigidos ou evitados.
É preciso que as contradições apresentadas tornem-se objeto de interesse e de estudos interdisciplinares e que surja uma nova perspectiva nesta área, que tenha por base a realidade social, cultural, econômica e política desses trabalhadores.
A ocorrência de contaminação em mãos, EPI e utensílios, associada a uma percepção de qualidade de serviço, é reveladora de uma grave distorção entre um possível conhecimento sobre corretas práticas de higiene no local de trabalho, em relação aos hábitos e atitudes inadequadas do manipulador de alimentos.
Mediante os resultados obtidos, torna-se urgente um redirecionamento do serviço com vistas à melhoria dos resultados das análises bacteriológicas, objetivando a correção das graves falhas encontradas. Faz-se necessária também, a capacitação dos manipuladores, com vistas à melhoria das práticas de higiene pessoal e na manipulação dos alimentos, para que os erros observados sejam corrigidos ou minimizados.