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Percepções de pacientes em hemodiálise sobre as restrições alimentares

Percepções de pacientes em hemodiálise sobre as restrições alimentares

Autores:

Fabiana Baggio Nerbass,
Dyane Correa,
Rafaela G. dos Santos,
Tatiana S. Kruger,
Andrea C. Sczip,
Marcos A. Vieira,
Jyana G. Morais

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.2 São Paulo abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170031

Introdução

A hemodiálise crônica (HD) exige significativo envolvimento de pacientes e familiares em uma mudança extensa de estilo de vida devido a um esquema de tratamento médico complexo e exigente.1,2 O autocuidado inclui a adesão aos medicamentos prescritos, cuidar do acesso vascular e, tão importante quanto, recomendações para uma dieta que inclua alimentos com baixo teor de sódio, potássio e fósforo, mantendo adequada ingestão proteica, e limitando a ingestão diária de líquidos.2 A falta de adesão a essas recomendações alimentares pode levar ao acúmulo de produtos metabólicos e excesso de fluido no sistema circulatório, aumento de morbidade e mortalidade em pacientes com insuficiência renal.3 Além disso, reduz os benefícios dos tratamentos de rotina, exacerba os sintomas, reduz a qualidade de vida do paciente e aumenta os custos tanto para o paciente quanto para o sistema de saúde.4,5

Para pacientes crônicos em HD, a adesão aos esquemas alimentares é um desafio devido à necessidade de constantes restrições em termos de alimentos e bebidas, adaptação a padrões alimentares complexos, práticas culturais existentes e as demandas concorrentes entre essa doença crônica e doenças relacionadas.6-8

De fato, a falta de adesão a este complexo esquema alimentar tem sido observada tanto por pesquisadores que investigaram os relatos de pacientes em HD,2,9 como por aqueles que encontraram alta prevalência de suas consequências, como ganho excessivo de peso interdialítico (%GPID), hipercalemia e Hiperfosfatemia.10,11

Embora nossos pacientes em HD tenham suporte intensivo de nutricionistas especializados para fornecer aconselhamento nutricional individualizado em nossa clínica de diálise, a prevalência de pacientes com alta % de GPID (> 4,5% do peso seco) e hipercalemia é de cerca de 30%; enquanto daqueles com hiperfosfatemia é ainda maior (cerca de 45%). Em estudos anteriores, encontramos uma amostra de pacientes em HD na qual quase 58% tinham ingestão de sal acima da quantidade recomendada,12 e em um estudo com pacientes apenas hiperfosfatêmicos, embora os participantes demonstrassem um bom conhecimento sobre o tratamento para hiperfosfatemia, 61% relataram falta de adesão para com as recomendações alimentares sobre a ingestão adequada de fosfato.11

Estas e outras investigações em todo o mundo mostraram que o conhecimento adequado sobre qualquer tratamento é, sem dúvida, importante para aumentar as chances de adesão a um esquema de tratamento, mas não é suficiente para todos os pacientes, principalmente aqueles com doenças crônicas. Estudos descobriram que a adesão ao tratamento de pacientes em HD é influenciada por características pessoais como idade, gênero, duração da HD e comorbidades,1,12,13 fatores como crenças relacionadas à saúde,14 aspectos culturais, estresse, depressão, apoio social e satisfação com os profissionais de saúde, assim como a percepção do controle sobre a doença e o tratamento.15-17

Uma vez que os determinantes de tal adesão podem variar em diferentes populações, Clark-Cutaia et al.18 afirmaram que antes da aplicação de intervenções direcionadas, é necessário identificar as características das pessoas com mais probabilidade de terem dificuldade em aderir às restrições alimentares associadas à hemodiálise.

Neste estudo, objetivou-se quantificar as percepções dos pacientes em HD sobre as restrições alimentares e de fluidos, sua relação com as características demográficas, nutricionais e clínicas e também reconhecer as razões individuais que facilitam ou complicam sua adesão.

Métodos

Participantes e recrutamento

Os participantes foram recrutados a partir de 5 unidades de diálise do mesmo grupo, localizadas em 4 cidades do estado de Santa Catarina, sul do Brasil. De um total de aproximadamente 400 pacientes em HD de todas as unidades, foram incluídos apenas aqueles com idade superior a 18 anos, em tratamento por HD por pelo menos 6 meses, prescrição de HD 3 vezes por semana, sem comprometimento cognitivo e que puderam assinar o consentimento informado. Os dados foram coletados entre janeiro e fevereiro de 2015. Todas as unidades de diálise têm um nutricionista renal que fornece aconselhamento nutricional para todos os pacientes, a fim de manter ou alcançar um estado nutricional adequado, bem como parâmetros importantes relacionados aos hábitos alimentares como GPID, potássio e fósforo séricos.

Além do aconselhamento nutricional inicial que ocorre na primeira ou segunda semana no tratamento em HD, todos os pacientes são visitados pelo nutricionista renal pelo menos uma vez por mês para verificar o estado nutricional (apetite, alterações no peso seco), GPID atual e exames de sangue (principalmente potássio e fósforo séricos). Os pareceres nutricionais são revisados e reforçados com base nos resultados atuais e nos hábitos alimentares relatados pelos pacientes.

Nossos objetivos são manter a % GPID, potássio e fósforo séricos quando adequados ou melhorar a % GPID se > 4,5% do peso seco, potássio sérico se > 5,5 mEq/L e fósforo sérico se > 5,5 mg/DL. Durante a visita, os pacientes são informados verbalmente e também recebem um pequeno cartão colorido preenchido com os resultados dos exames. Uma vez que nossa população tem em geral baixa alfabetização, quatro cores diferentes de cartões são usadas de acordo com os resultados dos exames para aumentar a sua compreensão. Um cartão verde é dado se o potássio e o fósforo séricos estiverem adequados. Outros pontos de corte foram determinados e cada um corresponde a outras cores de cartão (amarelo, laranja e vermelho). Toda a equipe médica está envolvida, e atualmente reforça o aconselhamento alimentar, visando melhorar o conhecimento e a adesão do paciente.

Em relação a % GPID, o aconselhamento alimentar tem sido focado em melhorar o sabor de preparações com ervas naturais e diminuir o sal de cozinha ou condimentos com sal adicionado a alimentos, bem como evitar ou diminuir a ingestão de alimentos processados ricos em sódio. Outras dicas para diminuir a sede e ingestão de líquidos também são fornecidas, como, preferir água pura em vez de bebidas açucaradas.

Em relação ao potássio, os pacientes são informados sobre os alimentos que contêm uma quantidade significativa de potássio, e também quanto eles devem consumir para diminuir o risco de hipercalemia.

Sobre o consumo de fósforo, os nutricionistas renais investigam a ingestão habitual de proteína e fósforo, e de acordo com a necessidade individual de proteína fornecem um conselho para conseguir uma ingestão proteica adequada com base em alimentos com menor proporção de fósforo e proteína, bem como evitar ou diminuir a ingestão de alimentos ricos neste mineral. Fosfato aglutinante também é prescrito pela equipe médica quando necessário, e a dosagem é ajustada de acordo com a ingestão de fosfato.

Coleta de dados

Os pacientes foram abordados durante a sessão de hemodiálise pelo nutricionista renal e foram encorajados a pontuar em uma escala de 0 a 10 sua percepção do grau de dificuldade em aderir ao aconselhamento nutricional no que se refere ao controle da ingestão de sódio, fluido, potássio e fósforo. Quanto maior a pontuação, maior a dificuldade percebida. Os pacientes que relataram uma pontuação ≥ 6 foram considerados como tendo maior dificuldade.

Além de pontuar sua percepção, os participantes também foram estimulados a relatar a principal razão para a escolha daquela pontuação e as respostas foram registradas.

Os participantes também foram questionados sobre sua escolaridade, que foi avaliada em anos a partir do primeiro ano do ensino fundamental, diurese residual e uso de anti-hipertensivos. O peso seco e a estatura foram obtidos para calcular o índice de massa corporal (IMC). A média de um mês de % de GPID e a média de três meses de potássio e fósforo séricos também foram obtidas a partir de dados de registros médicos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição participante.

Análise estatística

As variáveis são relatadas em termos de média e desvio padrão ou mediana e interquartil, ou como porcentagens quando apropriado. Para a análise de correlação, utilizamos o teste de Pearson ou Spearman de acordo com a distribuição das variáveis. Utilizamos o teste t para comparar os grupos onde as variáveis tiveram distribuição normal, caso contrário utilizamos o teste de Mann-Whitney. Utilizamos o SPSS Statistics para Windows versão 21 da IBM para analisar os dados. Um valor p < 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

As principais características dos participantes (n = 147) são apresentadas na Tabela 1. O gênero foi distribuído quase igualmente, a idade variou de 24 a 79 anos e a média de tratamento em HD foi de 4 anos. O fosfato sérico médio estava acima dos níveis adequados.

Tabela 1 Principais características dos participantes (n = 147) 

Masculinos (%) 48
Idade (anos) 51,3 ± 13,6
Escolaridade (anos) 8 (4-11)
HD (em meses) 48 (23-75)
Diabetes (%) 24
IMC (kg/m2) 25,3 ± 4,9
% GPID* 3,4 ± 1,1
Potássio sérico (mEq/L)** 5,2 ± 0,6
Fósforo sérico (mg/dL)** 6,0 ± 1,4

HD: hemodiálise; IMC: índice de massa corporal; % GPID: porcentagem de ganho de peso interdialítico.

*Média mensal

**Média de 3 meses.

Os escores de percepção mediana e interquartil para os quatro itens dietéticos são mostrados na Tabela 2. Em toda a população, o sódio e o potássio apresentaram menor pontuação que os líquidos e o fósforo. Além disso, a porcentagem de pacientes que perceberam uma maior dificuldade de controle de fluidos e ingestão de fosfato foi superior a 50%, enquanto para sódio e potássio foi de cerca de 30%.

Tabela 2 Escores de percepção dos pacientes para itens alimentares (n = 147) 

Item alimentar Escore Escore ≥ 6 (% pacientes)
Sódio 4 (1-7) 33
Fluidos 6 (3-8) 56
Potássio 4 (2-6) 27
Fósforo 6 (3-8) 52

Quanto às razões para a escolha dos escores, algumas das respostas relatadas pelos participantes foram listadas na Tabela 3.

Tabela 3 Algumas respostas obtidas de pacientes sobre as quais escolheram pontuações entre 0-5 (menor dificuldade) ou 6-10 (maior dificuldade) 

Sódio 0-5 "Estou acostumado a comer com menos sal."
"Não é difícil, mas você realmente tem que querer."
"Alguns alimentos eu consigo comer sem sal, mas para outros eu tenho que acrescentá-lo."
Sódio 6-10 "Eu gosto de alimentos salgados"
"Eu geralmente faço minhas refeições em restaurantes."
"Comida fica sem gosto quando não tem sal."
Fluido 0-5 "Eu não sinto muita sede."
"Eu urino bastante, não há necessidade de controlar."
"Eu uso um copo pequeno, o que me ajuda a controlar."
Fluido 6-10 "Eu sinto muita sede."
"É mais difícil quando o clima está quente."
"Eu sempre gostei de água e sopa."
Potássio 0-5 "Eu sei o que é rico em potássio e o que não é."
"Eu não gosto de frutas e legumes."
"Eu gosto de frutas, mas evito aquelas com mais potássio"
Potássio 6-10 "Eu não gosto de cozinhar tudo antes de comer."
"Eu presto atenção ao que como, mas é difícil porque eu adoro verduras cruas."
"Eu sinto muita vontade de comer mais frutas."
Fósforo 0-5 "Não é difícil, porque não gosto muito de carne."
"Eu eliminei algumas das fontes alimentares de fosfato da minha dieta"
"Se eu sei que faz mal prá mim, eu não como."
Fósforo 6-10 "Porque tudo tem fosfato."
"Eu gosto muito de alimentos ricos em fosfato."
"É difícil controlar a ingestão de carne e queijo. Eu era viciado em queijo. Eu costumava comprar pedaços menores, para comer menos."

Comparamos as pontuações dos itens dietéticos entre alguns grupos e verificamos que maiores pontuações para a ingestão de sódio foram observadas entre os pacientes que estavam em HD a menos de 4 anos [5 (2-7) versus 3 (0-6); p < 0,05] e naqueles com menor nível de escolaridade (até 8 anos de educação formal), em comparação com os participantes com educação superior [5 (5-7) versus 3 (0-5); p < 0,01]. As mulheres perceberam mais dificuldade no controle da ingestão de potássio do que os homens [5 (2-7) versus 3 (1-5); p < 0,01], bem como os participantes com diabetes em comparação com os outros [5 (2,2-7,0) versus 3 (1-5); p < 0,01].

Maior dificuldade de controle do consumo de líquido foi relatada por participantes com maior IMC (ponto de corte 23 kg/m2) [7 (5-9) versus 5 (2-8); p < 0,05), bem como naqueles pacientes com menos de 60 anos de idade [7 (4,5-9) versus 5 (2,7-8); p < 0,05]. Os últimos também demonstraram uma percepção pior no controle da ingestão de alimentos ricos em fosfato do que os participantes mais velhos [6 (3,5-8) versus 4 (2-7); p < 0,01). Não encontramos diferenças entre os pacientes com ou sem diurese residual, ou aqueles que tomaram ou não algum medicamento anti-hipertensivo.

As significativas correlações entre as variáveis estão demonstradas na Tabela 4. Em relação ao potássio e ao fósforo, foram encontradas correlações diretas entre os escores de percepção do paciente e entre seus níveis plasmáticos. Encontrou-se uma correlação direta entre o escore de fluidos com a % GPID, e os escores de potássio e fósforo com os níveis séricos correspondentes.

Tabela 4 Correlações entre variáveis do estudo (n = 147) 

R p
Escore de fluidos % GPID 0,35 < 0,001
Escore de fluidos Potassemia 0,22 < 0,01
Escore de fósforo Fosfatemia 0,33 < 0,001
Escore de sódio Escore de potássio 0,24 < 0,05
Escore de fluidos Escore de fósforo 0,37 < 0,01
Escore de potássio Escore de fósforo 0,41 0,001
Potassemia Fosfatemia 0,43 < 0,001

HD: hemodiálise; % GPID: porcentagem do ganho de peso interdialítico.

A relação entre as percepções dos participantes no controle da ingestão de itens dietéticos e a consequência clínica foi confirmada quando os escores de percepção foram comparados entre os participantes com níveis adequados e excessivos das variáveis estudadas. Os participantes com excesso de % GPID (> 4,5%) tiveram maior pontuação para fluidos [8,5 (5,7-10) versus 6 (3-8); p < 0,01]; Aqueles com potassemia inadequada relataram ser mais difícil controlar a ingestão de potássio do que outros [5 (2-8 versus 3 (1,25-5), p < 0,05], bem como os pacientes hiperfosfatêmicos comparados aos normofosfatêmicos [7 (4-8) versus 4 (2-6), p < 0,001].

Os escores de fluidos, potássio e fósforo foram comparados entre os participantes que perceberam uma maior (pontuação 6-10) ou menor (pontuação 0-5) dificuldade para controlar a ingestão de sódio (Figura 1). Observou-se que os indivíduos com maior dificuldade de controle da ingestão de sódio também perceberam maior dificuldade de controle da ingestão de fluidos, potássio e fosfato, uma vez que os escores foram maiores quando comparados com aqueles com menor dificuldade.

Figura 1 Comparação do escore de itens alimentícios entre participantes com menor (0-5) e maior (6-10) dificuldade de controlar a ingesta de sódio. 

Discussão

Nosso estudo mostrou que os pacientes em HD percebem maior dificuldade no controle da ingestão dietética de fluidos e fosfatos do que sódio e potássio; que a pior percepção esteve associada ao pior controle do estado de hidratação e dos marcadores séricos, e que os participantes com maior dificuldade de controle da ingestão de sódio também perceberam maior dificuldade no controle da ingestão de fluidos, potássio e fosfato.

Em geral, nossos pacientes responderam ser mais fácil controlar sódio e potássio do que fluidos e fosfato, e encontramos algumas características específicas relacionadas a uma maior dificuldade.

O controle da ingestão de sódio foi mais fácil para os participantes em HD por mais tempo. Isso pode ocorrer porque está bem estabelecido que o nível preferido de sal nos alimentos é dependente do nível de sal consumido, e esse nível preferido pode ser diminuído após uma redução na ingestão de sódio.19 De fato, muitos pacientes relataram que não era assim difícil de controlar, porque eles foram usados para consumir menos sódio e não mais sentem falta do sabor salgado. Além disso, os participantes com menor nível de alfabetização relataram maior dificuldade para controlar a ingestão de sódio. Isso está de acordo com nossa investigação anterior, que constatou que a única variável correlacionada com a ingestão total de sal foi a escolaridade (r = -0,29; p < 0,01),12 e também reflete resultados de pesquisas nacionais20 e internacionais.21

A maioria dos participantes também não encontrou dificuldade de controlar a ingestão de potássio, e acreditamos que isso seja consequência de duas razões principais. Primeiro, de acordo com a pesquisa nacional mais importante, os brasileiros consomem cerca de 2.500 mg de potássio diariamente,20 o que não é diferente da dose recomendada para pacientes em HD (1950 a 2730 mg/dia).22 De fato, alguns pacientes relataram que não tinham o hábito de consumir muitas frutas e legumes antes do diagnóstico da doença. Em segundo lugar, fornecemos uma orientação dietética abrangente, em que nenhum alimento é proibido (exceto carambola). Ela contém a quantidade adequada de ingestão acordo com o teor de potássio da maioria das frutas e legumes comuns, bem como técnicas de cozimento e outras dicas para diminuir sua quantidade.

Quanto ao controle da ingestão de fluidos, a dificuldade percebida foi importante, pois 56% atribuíram pontuação > 6 e quase 20% indicaram a mais alta pontuação. Como esperado, muitos participantes justificaram sua dificuldade devido à sede. De fato, como mencionado por Fitzsimons, "a sensação de sede é básica para nossa própria existência. Sua gratificação é universalmente considerada um dos prazeres da vida; não pode ser ignorada, e se falta água, a sensação chega a dominar nossos pensamentos e comportamento".23

Assim, lutar contra este instinto vital pode ser realmente difícil e estressante para pacientes em HD. Na nossa amostra, os participantes mais jovens e aqueles com IMC > 23 kg/m2 relataram ser ainda mais difícil controlar a ingestão de líquidos. Estes resultados estão de acordo com uma publicação recente que avaliou a sede e a xerostomia através de questionários validados em pacientes sob HD. Verificou-se que o escore do Dialysis Thirst Inventory estava diretamente correlacionado com o IMC e inversamente à idade.24

Sabe-se que há uma redução da sensação de sede com o envelhecimento, devido à disfunção cerebral e redução da sensibilidade dos osmoreceptores.25 Além disso, tem sido demonstrado que as pessoas mais jovens consomem mais sódio, bem como as que têm maior IMC.26,27 O controle da ingestão de sódio é necessário para controlar a ingestão de líquidos, pois é o principal gatilho da sede osmométrica, o que acontece quando o aumento da osmolaridade extracelular estimula os osmorreceptores hipotalâmicos28, desencadeando a sensação de sede e a resultante ingestão de líquidos. Estima-se que em pacientes anúricos, para cada 8 g de cloreto de sódio (sal) ingerido, eles precisariam de 1 litro de líquidos para manter a concentração de sódio sérico em níveis normais.22 Surpreendentemente, o estado da diurese não influenciou as percepções dos participantes sobre a ingestão de líquidos.

O controle da ingestão de fosfato também foi um desafio para a maioria dos pacientes. Embora a hiperfosfatemia seja multifatorial, uma vez que a diálise convencional é insuficiente para manter um balanço negativo de fósforo na maioria dos pacientes em diálise,29 ela é também influenciada pela disfunção hormonal, estando muitas vezes relacionada à ingestão desse mineral. Produtos à base de carne, laticínios, ovos e alimentos processados são as principais fontes de fosfato na alimentação.

Conforme descrito nos métodos, orientamos nossos pacientes a objetivar uma ingestão proteica adequada com base em alimentos com menor coeficiente de fósforo para proteína, bem como evitar ou diminuir a ingestão de alimentos processados. No entanto, uma vez que o fosfato está presente em uma enorme variedade de alimentos comuns e "saborosos", muitos pacientes justificaram a dificuldade em controlar a sua ingestão, porque eles simplesmente gostam muito destes alimentos. De fato, o sabor - obtido pelo conjunto de características sensoriais e responsável pelo prazer de comer - é um dos principais determinantes das escolhas alimentares individuais.30 Nós afirmamos que a maior dificuldade percebida por nossos participantes mais jovens pode ser explicada pela preferência deste grupo por alimentos e bebidas industrializados, devido ao seu sabor e conveniência, amplamente mostrado na literatura em diferentes populações.20,31,32

A influência da dificuldade individual no controle da ingestão de alimentos e líquidos, e suas consequências clínicas, foi confirmada pelas correlações diretas entre elas e também pelos maiores escores de percepção encontrados entre os participantes com menor controle de % de GPID, potássio e fósforo sérico. Em nossa opinião, esses resultados mostram que nossos pacientes estão bem informados sobre a dieta e os resultados clínicos relacionados a ela, e também que a dificuldade percebida no controle da ingestão está relacionada à falta de adesão ao aconselhamento alimentar.

Correlações diretas entre os escores de percepção dos itens alimentares e o achado de que os participantes com maior dificuldade de controlar o consumo de sódio também percebem uma maior dificuldade no controle de fluidos, potássio e ingestão de fosfato, sugere que quando presente, o desconforto sobre as restrições alimentares não é específico de um aspecto, mas envolve a dieta como um todo.

Acreditamos que esse comportamento se deve ao fato de que a ingestão alimentar, determinada pelas escolhas individuais, é um processo complexo que envolve fatores biológicos, sociais, culturais, psicológicos e sua interação. Como nutricionistas, nossa abordagem é focada principalmente na alimentação como fonte de nutrientes, como uma decisão racional para satisfazer a exigência de nutrientes corporais, e geralmente ignoramos os outros componentes.33 Na verdade, as escolhas alimentares envolvem decisões racionais com base em informações externas, mas também são automáticas, usuais e subconscientes.34,35 O alimento é, ao mesmo tempo, fonte de energia, prazer e recompensa, bem como um vínculo social36 e, portanto, as escolhas refletem todas essas características.33

Levando esses pontos em consideração e a evidência na literatura de que "saber o que comer" é extremamente relevante e traz bons resultados em muitos casos, não é suficiente para diminuir a angústia dos pacientes em relação às restrições alimentares e aumentar sua adesão ao tratamento. Já foram utilizadas diferentes abordagens para identificar determinantes da não-adesão. Alguns exemplos são: auto-questionários que fornecem uma maneira prática de triagem de pacientes em HD em relação ao comportamento de não-adesão; determinantes psicológicos da adesão, como depressão, percepção de doenças e tratamentos, alto-eficácia (capacidade percebida do indivíduo para realizar um determinado comportamento) e apoio social.

Em relação às diferentes abordagens para melhorar a adesão, as intervenções psicológicas têm demonstrado serem capazes de melhorar a adesão do paciente em HD.18

Christensen et al. desenvolveram e testaram uma intervenção de autorregularão do comportamento para melhorar a adesão à adequada ingesta de fluido em pacientes em HD. Às 8 semanas de seguimento, após uma sessão semanal de uma hora de tratamento em grupo para facilitar a automonitorização, autoavaliação e auto reforço do comportamento concernente à ingestão de fluidos, o grupo de intervenção tinha significativamente menor GPID do que o grupo controle.36

Um ensaio clínico controlado randomizado de pacientes em HD testou uma intervenção de empoderamento na qual pacientes no grupo experimento completaram um programa de capacitação de seis semanas, que consistiu de quatro sessões individuais e duas sessões de aconselhamento em grupo. Além de outros benefícios, houve melhora na pressão arterial e no ganho de peso intradialítico.37

Uma revisão sistemática das intervenções destinadas a melhorar a adesão de pacientes em HD (n = 8 estudos) descobriu que seis dos estudos identificaram uma melhora significativa na adesão após uma intervenção, incluindo um componente cognitivo.38

Embora promissor, de acordo com Clark et al, estudos prospectivos em larga escala são necessários para investigar a associação entre fatores psicológicos e a não-adesão. Isso pode possibilitar o desenvolvimento de intervenções psicológicas para otimizar a adesão de pacientes com doença renal em estágio terminal, melhorar os resultados clínicos e a qualidade de vida.18

Nosso estudo tem algumas limitações. A nossa amostra era relativamente pequena, mas representativa da nossa população em HD. Nossos resultados podem não ser encontrados em outras populações, uma vez que os hábitos alimentares, bem como as percepções podem variar em diferentes culturas. Como ponto positivo, utilizamos um método inovador e simples, capaz de quantificar as percepções dos pacientes sobre as restrições alimentares.

Em resumo, a metodologia aplicada permitiu medir a percepção do paciente sobre as principais restrições alimentares, bem como compreender as razões individuais que facilitam ou complicam a adesão dos mesmos. Além disso, foi possível identificar grupos com maiores dificuldades específicas. Verificou-se também que os escores de maior percepção estavam associados a um pior controle dos parâmetros clínicos, e que os pacientes com maior dificuldade de controle de algum item alimentar também encontravam maior dificuldade em controlar os demais.

Acreditamos que, além de manter a educação contínua no tocante a hábitos alimentares adequados, é necessário implementar intervenções comportamentais para diminuir o sofrimento dos pacientes em HD em relação aos seus hábitos alimentares, e melhorar a adesão e o controle dos parâmetros clínicos que influenciam sua qualidade de vida.

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