versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.4 São Paulo jul./ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.008
Mucoceles são formações císticas revestidas por epitélio respiratório contendo líquido mucoide ou mucopurulento. Apesar de benignas, são localmente expansivas, devido à produção e acúmulo constante do muco, resultando em erosão e remodelação do osso subjacente, podendo com isso acometer órbita, base de crânio ou partes moles da face. As localizações mais comuns são frontal, etmoidal e frontoetmoidal, com os seios maxilares e esfenoidais sendo acometidos em menor frequência. Mucoceles do seio maxilar são raras, correspondendo a menos de 10% das mucoceles nos EUA e Europa.1
Sintomas orbitários são relativamente frequentes nas mucoceles, devido à expansão em direção à órbita.1Geralmente, são causados por mucoceles etmoidais, esfenoidais e frontais, sendo raras as repercussões oftalmológicas das mucoceles maxilares. Dos sintomas orbitários, edema e dor periorbitária são os mais comuns. Amaurose é a complicação mais temida, mas, felizmente, sua frequência não é alta,2 sendo extremamente rara sua ocorrência nas mucoceles maxilares.1 - 5
O objetivo deste trabalho é relatar um raro caso de mucocele maxilar levando à amaurose.
Paciente masculino, 67 anos, com abaulamento progressivo em região malar esquerda e proptose, associado à obstrução nasal contínua e rinorreia anterior clara ipsilaterais de longa data. Há cinco meses, iniciou quadro de diminuição da acuidade visual e dor ocular à esquerda de caráter progressivo. Antecedente de trauma de face há 18 anos, hipertensão arterial e diabetes mellitus. Ao exame, apresentava deformidade em região malar esquerda, dolorosa à palpação, associada à proptose ipsilateral. Endoscopia nasal evidenciava medialização da parede lateral nasal esquerda, ocluindo-a completamente. Avaliação oftalmológica evidenciou reflexos pupilares, acuidade visual e motricidade ocular extrínseca diminuídos à esquerda. Tomografia computadorizada de seios paranasais evidenciou lesão expansiva em seio maxilar esquerdo, com densidade de partes moles, sem realce ao contraste, com remodelação do arcabouço ósseo adjacente, sugestivo de mucocele maxilar (fig. 1).
Figura 1. A, Tomografia computadorizada (TC) em corte axial, mostrando lesão expansiva ocupando todo o seio maxilar esquerdo, promovendo remodelação dos limites ósseos. B, TC em corte coronal, mostrando extensão da lesão até cone orbitário. C, Foto pré-operatória, mostrando abaulamento de região malar e proptose esquerdas. D, Foto pós-operatória, mostrando melhora evidente do abaulamento e proptose.
Foi submetido à marsupialização da mucocele maxilar por via endoscópica nasal, com realização de antrostomia média maxilar ampla e saída de grande quantidade de líquido de coloração amarelo-citrino. Evoluiu já no pós-operatório imediato (POI) com diminuição importante da deformidade facial e resolução das queixas visuais. Ao exame oftalmológico, houve recuperação total da acuidade visual e motricidade ocular extrínseca no POI, com melhora do reflexo pupilar em alguns dias. Segue assintomático após um ano, mantendo leve assimetria de face residual, sem outras queixas.
Amaurose é o comprometimento orbitário mais grave das mucoceles. A maior série publicada de casos de mucocele com comprometimento orbitário mostrou incidência de 18,8% de amaurose, quando considerados apenas os pacientes com comprometimento orbitário.2Séries menores mostraram variação de 6,7% a 40% de amaurose, sempre considerando apenas pacientes com comprometimento orbitário.2 - 5 Quando considerados todos os casos de mucocele, nota-se que a ocorrência de amaurose é baixa, em torno de 5%.2
Quase 30% das mucoceles podem apresentar erosão em direção à órbita, sendo que as mucoceles frontoetmoidais são as principais responsáveis por esta extensão, seguidas das frontais e etmoidais.1 Mucoceles maxilares, além de raras, dificilmente invadem a órbita,1 - 5 e mesmo com invasão, os sintomas orbitários costumam ser dor ocular,3 , 5 proptose3 ou diplopia.3 Um relato de amaurose por mucocele maxilar ocorreu em paciente submetido à cirurgia esquelética (Le Fort III), em cujo procedimento prévio, por fraturar o assoalho da órbita e seio, poderia ter facilitado tanto o desenvolvimento da mucocele quanto sua extensão à órbita.4 A mucocele maxilar do presente relato não apresentou cirurgia prévia, evidenciando um caso de evolução atípica de uma doença relativamente rara.
Relatamos um paciente com mucocele maxilar de evolução atípica, envolvendo a órbita e levando à perda visual. O diagnóstico precoce com tratamento adequado e rápido pôde levar à pronta recuperação da capacidade visual.