versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.20 no.4 São Paulo out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2014-1533
A perda auditiva é uma doença ocupacional e, apesar de ser passível de prevenção, é considerada um problema de saúde importante em nossa sociedade. Embora a maior prevalência seja em países industrializados, no Brasil, a perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) está entre os principais problemas de saúde dos trabalhadores(1).
Os trabalhadores acometidos por perda de audição estão sujeitos ao isolamento social, resultando no prejuízo da comunicação com familiares e amigos, na diminuição na habilidade para monitorar o ambiente de trabalho (sinais de advertência), no risco mais alto de acidentes no local de trabalho e na redução da qualidade de vida, em função do zumbido inflexível(2).
Neste sentido, o Ministério do Trabalho(3) e a Portaria SSST/MTb nº 5, publicada em 25 de fevereiro de 1997(4), estabeleceram diretrizes e parâmetros mínimos para a avaliação e acompanhamento da audição dos trabalhadores expostos a níveis de pressão sonora elevados. A PAIR foi definida como a alteração dos limiares auditivos, do tipo neurossensorial, decorrente da exposição ao ruído ocupacional, apresentando como características principais, a irreversibilidade e a progressão gradual, com o tempo de exposição.
É sabido que, além do ruído, alguns agentes químicos utilizados em diversas áreas do meio industrial também podem levar à perda auditiva, e que, quando existe o fator coexposição - agente químico associado ao ruído -, a perda auditiva pode ser potencializada(5,6). A interação sinérgica entre ruído e solventes foi descrita em alguns estudos(7,8), enquanto outros demonstraram que o ruído se faz dominante, quando pensamos na perda auditiva ocupacional(9,10). De acordo com o National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH)(11), três grupos são considerados de alta prioridade para pesquisa: solventes, asfixiantes e metais, e, mais recentemente, os agrotóxicos organofosforados(12).
No presente estudo, foram destacados os efeitos da exposição combinada dos hidrocarbonetos e ruído. Investigações sobre os efeitos do hidrocarboneto no sistema auditivo, bem como os efeitos deletérios da exposição simultânea a mais de um agente, como o ruído, ainda são escassas.
Os achados audiológicos da perda auditiva por exposição ocupacional a substâncias químicas não diferem muito da PAIR, no que diz respeito à configuração audiométrica. Em geral, essa perda se caracteriza por ser coclear, bilateral, simétrica, progressiva e irreversível, com início nas frequências altas, tendo a configuração praticamente idêntica à da PAIR(13). A ação tóxica dos agentes químicos sobre o sistema auditivo pode ser periférica ou central, variando de lesões das células ciliadas externas a lesões do VIII par craniano, alterações no sistema vestibular e no sistema nervoso central(14).
O petróleo é uma mistura complexa que contém vários compostos, sendo que os hidrocarbonetos representam a fração majoritária. De acordo com a sua origem e suas composições químicas e propriedades físicas, há variação de um campo petrolífero para outro. Os compostos de interesse que exigem maior preocupação ambiental são: benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno. Esses compostos, conhecidos também como BTEX, são definidos como hidrocarbonetos monoaromáticos, cujas estruturas moleculares possuem como característica principal a presença do anel benzênico. São usados, principalmente, em solventes e em combustíveis, sendo os constituintes mais solúveis na fração da gasolina. Esses compostos são tóxicos tanto para o meio ambiente, quanto para o ser humano, atuando como depressores do sistema nervoso central e apresentando toxicidade crônica(15).
Estudos demonstraram que o local da lesão, os mecanismos e a extensão do problema causado por essas toxinas, podem variar de acordo com os fatores de risco, que incluem: o tipo de contaminante, as interações com outros agentes ototóxicos, a concentração e o tempo de exposição(16).
Achados de ototoxicidade decorrente da exposição a produtos químicos demonstraram a necessidade de ampliar a discussão sobre a avaliação do risco auditivo e de adotar medidas de prevenção a serem aplicadas em trabalhadores expostos, simultaneamente, a determinados agentes.
Legislações internacionais não exigem o monitoramento da audição dos trabalhadores expostos a produtos químicos, exceto nos casos em que a exposição seja em níveis de ruído acima dos limites permitidos. No Brasil, não há na legislação trabalhista, recomendação para a prática de audiometrias periódicas em trabalhadores expostos a produtos químicos, exceto para aqueles expostos ao ruído, de acordo com os anexos I e II da NR-15(17). O Decreto 3048 da Previdência Social(18) reconhece o benzeno e seus homólogos tóxicos (tolueno e xileno) e os hidrocarbonetos alifáticos ou aromáticos (seus derivados halogenados tóxicos) como agentes etiológicos, ou fatores de risco de natureza ocupacional para a perda auditiva. Esse decreto indica que as exposições a esses agentes devem ser consideradas ao se examinar uma perda auditiva e as condições do ambiente de trabalho. Porém, o decreto apenas reconhece o nexo causal, não estabelecendo condições de prevenção
Assim, o objetivo desta pesquisa foi analisar o perfil audiológico de motoristas agrícolas expostos, simultaneamente, a ruído e hidrocarbonetos.
O presente estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo (parecer número 488.758), bem como a aquiescência da empresa estudada.
Trata-se de um estudo analítico, de coorte, com seguimento prospectivo, caracterizado por uma amostra não probabilística, que teve como base a coleta de dados de prontuários de trabalhadores de uma empresa do ramo agrícola do interior do Estado de São Paulo, a partir do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA).
Os critérios de inclusão adotados para a composição da amostra foram: apresentar exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos, além da presença de queixas auditivas.
Foram selecionados, no período de novembro a dezembro de 2013, prontuários de 25 motoristas que atenderam aos critérios de seleção. A idade dos trabalhadores avaliados variou de 21 a 54 anos, com média de idade de 37,8 anos (±9,81). Já o tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarboneto foi de 6 a 20 anos, com média de exposição de 8,5 anos (±7,04).
Foram coletados os dados dos trabalhadores referentes à idade, tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos e os resultados de audiometrias tonais liminares de referência.
Em virtude da ocorrência de grande número de empates dos limiares auditivos em valores múltiplos de cinco, o modelo estatístico adequado para esse tipo de experimento foi o de sobrevivência para dados agrupados(19). Além disso, foram avaliados os limiares auditivos nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, para classificação do grau da perda auditiva. Compreende-se a importância de se analisar, em estudos que envolvam exposição a agentes ototóxicos, os limiares nas frequências de 6000 Hz, que são frequentemente acometidos nesse tipo de perda auditiva (ruído e/ou agentes químicos), e de 8000 Hz, que pode sofrer a influência da idade (presbiacusia). Contudo, visando contemplar o critério internacionalmente padronizado para a classificação do grau da perda auditiva(20), as referidas frequências não foram consideradas na análise estatística. Os resultados do presente estudo podem, inclusive, suscitar a reflexão sobre o uso da classificação do grau da perda auditiva nos casos de exposição a agentes ototóxicos. Considerando que a proporção de empates expressivos foi igual a 0,80, então o modelo adequado para a determinação do limiar auditivo foi o modelo discreto. Além disso, devido à baixa frequência em alguns intervalos, os limiares auditivos foram agrupados em intervalos de (0,15], (15,20], (20,25] e (25,45], para ambas as orelhas. Os modelos ajustados foram os modelos discretos clássicos de riscos proporcionais e logístico de Colosimo(19), que modelam a probabilidade condicional de não detectar o estímulo em determinado intervalo de tempo, dado que o indivíduo o detectou nos intervalos anteriores. Os modelos consideram, ainda, as covariáveis idade e tempo de exposição e a interação entre ambas. Para o ajuste do modelo de riscos proporcionais, utilizou-se a linearização da probabilidade condicional, em função das covariáveis. Na estimação do modelo logístico, trabalhou-se com a transformação logito, que é o logaritmo da razão das probabilidades condicionais. Ambos os ajustes podem ser feitos somente numericamente e com o auxílio de pacotes computacionais.
O critério Bayesiano de Schwars (BIC) foi utilizado para a seleção entre os dois modelos (riscos proporcionais e logístico). Esse critério pressupõe um modelo verdadeiro, que descreve a relação entre o limiar de audição e as variáveis independentes (idade e tempo de exposição), entre os dois modelos propostos. Dessa forma, o critério baseia-se na estatística que maximiza a probabilidade de identificar esse modelo verdadeiro, mais especificamente, BIC=-2L + 2 k ln (n), onde L é logaritmo natural da função da verossimilhança avaliada no máximo, k é o número de parâmetros e n o número de observações. O modelo com o menor valor de BIC é aquele com melhor ajuste(21).
Para a determinação do grau de perda auditiva, foi utilizada a classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde(20), que utiliza a média das frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz (Quadro 1).
Quadro 1 Classificação do grau da perda auditiva de acordo com a OMS(23)
Grau de comprometimento | Valor de média ISO |
---|---|
Normal | 0 a 25 dBNA |
Leve | 26 a 40 dBNA |
Moderado | 41 a 60 dBNA |
Severo | 61 a 80 dBNA |
Profundo | ≥ 81 dBNA |
Para o processamento e análise dos dados, foram utilizados o programa Microsoft Office Professional Plus 2013 e o software R, versão 2.12.2.
A caracterização da amostra quanto aos limiares auditivos para as frequências de 500 a 4000 Hz, para as orelhas direita e esquerda, respectivamente, está demonstrada nas Tabelas 1 e 2.
Tabela 1 Caracterização da amostra quanto aos limiares auditivos para as frequências de 500 a 4000 Hz, na orelha direita
Limiar auditivo (dB) | 500 Hz | 1000 Hz | 2000 Hz | 4000 Hz |
---|---|---|---|---|
0 a 15 | 10 | 16 | 15 | 9 |
15 a 20 | 4 | 4 | 5 | 4 |
20 a 25 | 4 | 3 | 2 | 5 |
25 a 45 | 3 | 2 | 3 | 7 |
Total de indivíduos | 25 | 25 | 25 | 25 |
Tabela 2 Caracterização da amostra quanto aos limiares auditivos para as frequências de 500 a 4000 Hz, na orelha esquerda
Limiar auditivo (dB) | 500 Hz | 1000 Hz | 2000 Hz | 4000 Hz |
---|---|---|---|---|
0 a 15 | 11 | 18 | 16 | 8 |
15 a 20 | 7 | 6 | 7 | 6 |
20 a 25 | 5 | 1 | 1 | 4 |
25 a 45 | 2 | 0 | 1 | 7 |
Total de indivíduos | 25 | 25 | 25 | 25 |
Foram analisados os modelos logísticos e de riscos proporcionais para os limiares auditivos da orelha direita, não havendo interação significativa do tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos e idade (p=0,882) (Tabela 3), e da orelha esquerda que demonstrou interação significativa entre o tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos e a idade do trabalhador (p=0,043) (Tabela 4).
Tabela 3 Modelos de riscos proporcionais e logísticos para os limiares auditivos da orelha direita
CV | GL | Riscos proporcionais | Logístico | ||
---|---|---|---|---|---|
TRV | Valor de p | TRV | Valor de p | ||
0 a 15 | 1 | 7,59 | 0,536 | 0,72 | 0,810 |
15 a 20 | 1 | 1,64 | 0,328 | 12,20 | 0,119 |
20 a 25 | 1 | 17,07 | 0,062 | 41,78 | 0,016* |
25 a 45 | 1 | 24,43 | 0,046* | 54,09 | 0,011* |
Idade | 1 | 0,12 | 0,576 | 0,33 | 0,576 |
Exposição | 1 | 0,02 | 0,642 | 0,07 | 0,948 |
Idade exposição | 1 | 0,28 | 0,609 | 0,02 | 0,882 |
*Valores significativos (p<0,05) – teste de Razão de Verossimilhança
Legenda: CV = causas de variação; GL = graus de liberdade; TRV = Teste de Razão de Verossimilhança
Tabela 4 Modelos de riscos proporcionais e logísticos para os limiares auditivos da orelha esquerda
CV | GL | Riscos proporcionais | Logístico | ||
---|---|---|---|---|---|
TRV | Valor de p | TRV | Valor de p | ||
0 a 15 | 1 | 9,33 | 0,046* | 1,24 | 0,004* |
15 a 20 | 1 | 0,41 | <0,001* | 8,83 | <0,001* |
20 a 25 | 1 | 26,98 | <0,001* | 56,80 | <0,001* |
25 a 45 | 1 | 36,84 | <0,001* | 72,44 | <0,001* |
Idade | 1 | 5,78 | <0,001* | 6,36 | <0,001* |
Exposição | 1 | 0,58 | 0,085 | 3,44 | 0,135 |
Idade exposição | 1 | 4,76 | 0,028* | 4,26 | 0,043* |
*Valores significativos (p<0,05) – teste de Razão de Verossimilhança
Legenda: CV = causas de variação; GL = graus de liberdade; TRV = Teste de Razão de Verossimilhança
As estimativas dos coeficientes dos modelos logísticos e de riscos proporcionais foram realizadas para cada orelha. Observou-se que a variação dos erros padrão das estimativas foi pequena, indicativo de que a convergência foi alcançada e o ajuste dos modelos foi adequado para análise. Além disso, com o cálculo do critério de seleção BIC (utilizado, neste caso, devido ao grande tamanho amostral), observou-se pouca variação nos valores obtidos e, desse modo, ambos os modelos puderam ser aplicados na determinação do limiar auditivo (Tabela 5).
Tabela 5 Estimativas e erro padrão dos parâmetros dos intervalos e das idades e tempo de exposição para cada uma das orelhas
Parâmetros | Orelha direita | Orelha esquerda | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Riscos proporcionais | Logístico | Riscos proporcionais | Logístico | |||||
Est. | EP | Est. | EP | Est. | EP | Est. | EP | |
0 a15 | −0,297 | 0,481 | 0,204 | 0,852 | 0,995 | 0,498 | 2,620 | 0,903 |
15 a 20 | 0,442 | 0,451 | 1,311 | 0,840 | 1,752 | 0,491 | 3,780 | 0,938 |
20 a 25 | 0,894 | 0,449 | 2,07 | 0,857 | 2,470 | 0,513 | 5,186 | 1,014 |
25 a 45 | 0,894 | 0,448 | 2,180 | 0,856 | 2,530 | 0,515 | 5,427 | 1,023 |
Idade | −0,007 | 0,013 | −0,013 | 0,023 | −0,050 | 0,014 | −0,094 | 0,026 |
Exposição | −0,002 | 0,004 | −0,005 | 0,007 | −0,007 | 0,004 | −0,013 | 0,008 |
Idade exposição | <0,001 | <0,001 | <0,001 | 0,0001 | 0,0002 | 0,0001 | 0,0004 | 0,0002 |
Legenda: Est = estimativa; EP = erro padrão
As curvas de sobrevivência estimadas estiveram próximas aos limiares obtidos na orelha direita. Por outro lado, na orelha esquerda, observou-se uma grande diferença no limiar auditivo para os indivíduos com diferentes tempos de exposição.
Como o limiar auditivo é definido como a menor intensidade sonora em que o indivíduo detecta a presença do estímulo em 50% das apresentações, as altas probabilidades de sobrevivência indicam piores desempenhos nos testes audiométricos, verificados, neste trabalho, para trabalhadores com maiores tempos de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos (Figura 1).
Nos ambientes de trabalho, existem inúmeros agentes físicos e químicos que, combinados com estressores sociais e organizacionais, tornam-se riscos à saúde e comprometem o bem-estar dos indivíduos expostos. Tais agentes representam fatores de risco à audição: o ruído intenso, as vibrações e as substâncias químicas(22). Mesmo em empresas onde o ruído é o principal agente de risco para a perda auditiva, podem existir outros que, por sua ação independente, ou, principalmente, pela interação com altos níveis de pressão sonora, podem acarretar alterações dos limiares auditivos(23).
Neste sentido, confirma-se a relevância e a necessidade de se desenvolver estudos e pesquisas sobre as condições dos ambientes de trabalho que apresentam riscos à saúde e ao bem-estar dos trabalhadores do agronegócio.
No presente estudo, foi possível verificar, para a orelha esquerda, uma nítida relação entre o tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos, a perda auditiva e a idade do trabalhador. Houve uma associação, com significância estatística, entre o tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos e a idade dos indivíduos (Tabela 4), o que torna a relação entre o limiar auditivo e a idade distinta e dependente do tempo de exposição do indivíduo.
Na literatura, poucos estudos epidemiológicos demonstram o desencadeamento da perda auditiva, em relação ao tempo de exposição a agentes químicos. Um estudo realizado com agricultores no Rio Grande do Sul, expostos a agentes químicos, encontrou perda auditiva em 60% dos indivíduos expostos aos praguicidas e ao ruído. Em contrapartida, apenas 7% do seu grupo controle (sem exposição aos elementos insalubres) apresentou limiares alterados(24).
Um estudo(25) encontrou diferença significativa quanto à idade e tempo de exposição, demonstrando que as perdas auditivas sensorioneurais em indivíduos expostos, simultaneamente, ao ruído e a solventes, ocorreram mais precocemente, em comparação com o grupo exposto somente ao ruído ocupacional, o que confirma os resultados obtidos no presente estudo.
Analisando os limiares auditivos e a relação entre o tempo de exposição, a idade e a perda de audição, foi observada associação com significância estatística apenas para a orelha esquerda. Uma pesquisa no setor industrial petroquímico(26) analisou o perfil audiológico de 63 trabalhadores de ambos os gêneros, com idade entre 18 e 60 anos, todos expostos a ruído e hidrocarbonetos derivados do petróleo. Foi observado rebaixamento nos limiares, predominantemente nas frequências altas, a partir de 4000 Hz, em ambas as orelhas, associando a evolução da perda com o aumento da idade. No presente estudo, foi demonstrada a mesma característica no rebaixamento dos limiares, relacionado ao aumento da idade.
É possível observar a relação entre o tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos e a perda de audição. Alguns estudos referem não ter encontrado associação entre o agravo da perda auditiva, quando ocorre com a exposição combinada a ruído e agentes químicos, enquanto outros demonstram fortemente o efeito dessa coexposição.
Um estudo realizado em trabalhadores de uma indústria de fibras de vidro, na Suécia(27), demonstrou maior prevalência de perda auditiva em altas frequências no grupo exposto, simultaneamente, a ruído e estireno (48%), seguido pelo grupo exposto a estireno isoladamente (47%) e pelo grupo exposto a ruído (42%). Entretanto, a diferença entre as prevalências não foi significativa. Idade, exposição ao ruído e marcador biológico de exposição ao estireno foram as únicas variáveis consideradas significativas.
Uma pesquisa realizada com trabalhadores expostos a ruído e produtos químicos(14), em uma usina de açúcar e álcool do interior de São Paulo, analisou o perfil audiológico desses funcionários. Eles foram divididos em três grupos: (1) exposição a ruído; (2) exposição a produtos químicos e (3) exposição combinada (ruído e produtos químicos). Ao classificar os achados audiológicos, verificou-se que 40% dos trabalhadores do grupo 2 apresentaram grau de perda 1 (rebaixamento auditivo nas frequências de 4 kHz e 6 kHz), com a maior porcentagem de perdas. Em 10% dos trabalhadores do grupo 3, foi verificada a ocorrência de grau de perda 1 e 20% apresentaram grau de perda 2 (rebaixamento auditivo nas frequências de 3, 4 e 6 kHz). Esses resultados demonstraram menor número de perdas, mas com agravamento em relação ao grau, indicando a nocividade ampliada dos agentes associados. No setor de exposição a ruído, 20% dos trabalhadores apresentaram grau de perda 1. Concluiu-se, portanto, que há existência do risco de perda auditiva não apenas na exposição ao ruído, mas também na exposição a produtos químicos, indicando maior gravidade quando a exposição é associada (ruído e produtos químicos).
Outros estudos concordam com os achados acima. Um exemplo é um estudo transversal, realizado com 99 trabalhadores de uma indústria petroquímica, expostos a uma mistura de solventes orgânicos e ruído(28). Foi revelado que indivíduos com duração média de trabalho de 3,7 anos, expostos a uma mistura de solventes aromáticos em teores superiores aos níveis admissíveis, sem exposição ao ruído, não tiveram o limiar auditivo afetado. Outros estudos(29) investigaram que a associação entre a exposição em curto prazo (≤4 anos) e uma mistura de baixa concentração de produtos químicos (<10 ppm) não aumentou o risco de perda auditiva. No entanto, as concentrações dos produtos químicos intermediários aumentaram o risco de perda de audição. Estudo realizado(30) com 190 trabalhadores brasileiros da indústria gráfica revelou que a exposição simultânea a ruído e a níveis excessivos de tolueno aumenta em 11 vezes a probabilidade de desencadeamento da perda auditiva. Quando se comparou trabalhadores expostos apenas ao ruído, essa probabilidade chegou a quatro vezes e, com trabalhadores expostos apenas ao tolueno, o risco foi cinco vezes maior. Dessa forma, concluíram que a mistura de solventes (tolueno, xileno, metil-etil-cetona, metil-isobutil-cetona) associada ao ruído aumenta o risco da perda auditiva, sendo este risco relativamente maior do que aquele obtido no grupo exposto apenas ao ruído.
Essa íntima relação já foi discutida por um estudo(7) que, por meio de extensa revisão bibliográfica, analisou a interação entre solventes e o ruído ocupacional e o comprometimento do sistema auditivo. Foi demonstrado que a incidência de perda auditiva sensorioneural foi maior que a esperada, em trabalhadores expostos ao ruído associado à exposição a solventes.
Os solventes são conhecidos por seus efeitos neurotóxicos, tanto para o sistema nervoso central, quanto para o sistema periférico, podendo causar lesões em níveis cocleares, ou seja, lesar células ciliadas externas, ou lesar nervo auditivo e vias auditivas(8). Os cenários de exposição aos agentes químicos, em sua maioria, apresentam essa exposição concomitante ao ruído. As perdas auditivas, quando observadas nessas situações, são frequentemente atribuídas à exposição ao ruído, porém, apenas com análise do audiograma não se pode determinar sua etiologia. A configuração audiométrica em casos de perda auditiva induzida por ruído e ototoxicidade pode ser idêntica. Assim, é necessária a realização de exames audiológicos complementares, para conclusão do diagnóstico.
O presente estudo buscou analisar o perfil audiológico de motoristas agrícolas expostos, simultaneamente, a ruído e hidrocarbonetos. Embora os resultados tenham demonstrado associações importantes entre a perda auditiva, o tempo de exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos e a idade dos trabalhadores, a possível generalização dos mesmos para outras realidades deve ser analisada, em virtude do tamanho da amostra e do delineamento metodológico estabelecido.
A exposição combinada a ruído e hidrocarbonetos, considerando-se as variáveis tempo de exposição e idade do trabalhador, pode ser um fator agravante para as perdas auditivas ocupacionais. Assim, as estratégias voltadas para prevenção e promoção da saúde auditiva devem estabelecer um olhar mais crítico, para além dos fatores ambientais, como o ruído.