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Perfil audiológico de pacientes tratados de câncer na infância,

Perfil audiológico de pacientes tratados de câncer na infância,

Autores:

Patricia Helena Pecora Liberman,
Maria Valéria Schmidt Goffi-Gomez,
Christiane Schultz,
Paulo Eduardo Novaes,
Luiz Fernando Lopes

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.6 São Paulo out./dez. 2016

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.11.021

Introdução

Nas duas últimas décadas, a mortalidade do câncer da infância tem diminuído significativamente, porém, ainda representam a segunda causa de morte no Brasil.1 Atualmente, com os avanços no diagnóstico, melhora dos tratamentos e suporte clínico apropriado é possível um aumento na taxa de cura das neoplasias malignas na infância.2 Com o crescimento da taxa de sobreviventes, esses indivíduos são acompanhados por vários anos. Sendo assim, é possível observar o impacto dos efeitos tardios relacionados ao tratamento, na qualidade de vida destes adultos jovens.

As diferentes modalidades de tratamento (cirurgia, radioterapia e quimioterapia) e a combinação entre elas contribuem para melhorar os resultados, tanto no controle da doença como na melhora das taxas de sobrevida.3

Dentre as drogas ototóxicas, a cisplatina é um antineoplásico com atividade antitumoral comprovada, mas que pode apresentar como efeito colateral a ototoxicidade, sendo descrita como a dosagem de risco 400 mg/m.2,4,5

A radioterapia em cabeça e pescoço concomitante ao uso de CDDP aumenta a probabilidade de perda auditiva severa.6,7 Contudo, quando utilizada isolada e em doses inferiores de 50 a 60 Gy, os pacientes não apresentam perda auditiva clinicamente significante.8,9

A ototoxicidade é o efeito conhecido pela lesão do órgão periférico da audição, sendo caracterizada quando da ocorrência de perda auditiva neurossensorial descendente bilateral e irreversível.10,11 A incidência de perda auditiva é bastante variada, devido ao modo da administração da droga, localização do tumor, função renal, idade do paciente, medicamentos associados, irradiação prévia, preexistência de perda auditiva, dose cumulativa, dose total do tratamento ou susceptibilidade individual.12,13

O presente trabalho foi realizado com objetivo de caracterizar o perfil audiológico dos pacientes que tiveram câncer na infância, estando fora de tratamento oncológico há pelo menos oito anos, relacionar as alterações auditivas encontradas segundo o tipo de tratamento e idade, e identificar fatores preditivos de perda auditiva.

Método

No período de 2000 a 2004, foram avaliados prospectivamente pacientes que tiveram câncer na infância, tratados no período de 1961-1996, e que encontravam-se fora de tratamento oncológico, no mínimo, há oito anos, em acompanhamento no grupo de estudos pediátricos sobre os efeitos tardios do tratamento oncológico. Foram excluídos pacientes que apresentavam passado otológico ou que tinham história de cirurgia que envolvesse o sistema auditivo. O estudo foi aprovado pela comissão de ética em pesquisa da instituição sob protocolo 549/03. Os pacientes elegíveis, ou seus responsáveis legais, foram consultados sobre a possibilidade de participar, e foram convidados a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os pacientes foram submetidos a anamnese no ambulatório de Pediatria com o objetivo de investigar a presença de queixa auditiva e encaminhados para avaliação auditiva no serviço de Audiologia, independentemente da existência ou não da queixa. A meatoscopia foi realizada antes do exame e, caso o paciente apresentasse cerumem ou qualquer suspeita e/ou obstrução que impedisse a realização do teste, era encaminhado para o otorrinolaringologista antes da avaliação.

Para avaliação da audição foram usados testes de quantificação da audição (audiometria tonal limiar e audiometria vocal) e testes de avaliação do sistema tímpano-ossicular (imitanciometria). Para tanto foram usados audiômetro Madsen Orbiter 922 e imitanciômetro Madsen Zodiac 901.

A dose de CDDP recebida pelos pacientes foi calculada e ajustada para superfície corpórea de 1 m2, pelo oncologista pediátrico. As fichas dos pacientes que realizaram radioterapia em região de cabeça e pescoço foram analisadas segundo o lado em que foi realizada a radioterapia e inclusão do sistema auditivo no campo de radiação. A dose total e a dose estimada de radiação que atingia o sistema auditivo foram calculadas por orelha, por um radioterapeuta e com base na ficha de planejamento. A variável radioterapia que atingiu o sistema auditivo foi categorizada em: sem Rxt, Rxt ≤ 4000 cGy e Rxt > 4000 cGy.9,14

Os pacientes foram estudados de acordo com o tipo de tratamento realizado, baseado no uso de quimioterapia com cisplatina (CDDP) ou radioterapia na região de cabeça e pescoço.

O critério de perda auditiva utilizado foi baseado no Bureau International d'Audio Phonologie - BIAP,15 que considera perda auditiva os limiares tonais maiores que 20 dB nas frequências de 0,5 a 4 kHz.

Análise estatística

Para identificação dos fatores preditivos de perda auditiva foi criada uma variável dicotômica (sim/não), sendo considerada perda auditiva somente alterações nas frequências de 0,25 a 4 kHz. A perda auditiva em 6 e 8 kHz não foi incluída na análise estatística, devido ao pequeno prejuízo que essas perdas causam na vida diária destes indivíduos.16,17

A variável idade ao diagnóstico foi categorizada em ≤ 6 anos e > 6 anos, baseada na mediana dos valores encontrados.

Foram calculadas as medidas de tendência central e dispersão para as variáveis quantitativas, assim como frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. Para verificar a associação entre as variáveis independentes e a perda auditiva, foi empregado o teste de associação do Qui-quadrado ou teste exato de Fisher (quando pelo menos uma das frequências esperadas foi menor do que 5). Para identificar os fatores de risco independentes para a ocorrência de perda auditiva, foi utilizada a regressão logística, com cálculo das odds ratios brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Para todos os testes estatísticos, foi estabelecido um erro a = 5%, isto é, os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p < 0,05.

Resultados

A amostra selecionada contou com 200 pacientes tratados por câncer na infância, que se encontravam fora de tratamento na época do estudo. A tabela 1 mostra a distribuição segundo a neoplasia primária e o tipo de tratamento empregado. Nesta casuística, 51 não realizaram radioterapia em região de cabeça e pescoço e nem usaram CDDP; 64 receberam quimioterapia com CDDP e não realizaram radioterapia em região de cabeça e pescoço; 75 foram submetidos a tratamento radioterápico em região de cabeça e pescoço sem quimioterapia com CDDP; e 10 pacientes submetidos a radioterapia em região de cabeça e pescoço e quimioterapia com CDDP. As crianças tratadas por radioterapia (Rxt) sem cisplatina (CDDP) tinham diagnóstico, em sua maioria, de leucemia ou de retinoblastoma, e foram tratadas com radiação de megavoltagem. Nos pacientes que receberam CDDP+Rxt, a dosagem total de radioterapia foi maior (4214,0 ± 678,9 cGy) do que nos pacientes que receberam somente Rxt (2996,8 ± 1427,8 cGy) (tabela 2).

Tabela 1 Distribuição dos pacientes de acordo com o tipo de neoplasia primária ao diagnóstico e tipo de tratamento (GEPETTO 2000-2004) 

Neoplasia maligna Sem Rxt sem CDDP CDDP Rxt Rxt+CDDP Total
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Tumores ósseos 8 (15,7) 39 (60,9) 1 (1,3) 0 (0,0) 48 (24,0)
Leucemias 1 (2,0) 0 (0,0) 43 (57,3) 0 (0,0) 44 (22,0)
Linfomas (LNH,LH) 14 (27,5) 0 (0,0) 10 (13,3) 0 (0,0) 24 (12,0)
Retinoblastoma 8 (15,7) 1 (1,6) 10 (13,3) 5 (50,0) 24 (12,0)
Tumor de células germinativas 2 (3,9) 12 (18,7) 0 (0,0) 0 (0,0) 14 (7,0)
Tumores renais 12 (23,5) 1 (1,6) 0 (0,0) 0 (0,0) 13 (6,5)
Sarcomas de partes moles 3 (5,8) 3 (4,6) 3 (4,0) 2 (20,0) 11 (5,5)
Tumor do SNC 0 (0,0) 0 (0,0) 4 (5,3) 2 (20,0) 6 (3,0)
Tumor SNS (neuroblastoma) 1 (2,0) 4 (6,3) 0 (0,0) 1 (10,0) 6 (3,0)
Não especificados 0 (0,0) 1 (1,6) 4 (5,3) 0 (0,0) 5 (2,5)
Carcinomas 2 (3,9) 1 (1,6) 0 (0,0) 0 (0,0) 3 (1,5)
Tumores hepáticos 0 (0,0) 2 (3,1) 0 (0,0) 0 (0,0) 2 (1,0)
TOTAL 51 (100) 64 (100) 75 (100) 10 (100) 200 (100)

SNC, sistema nervoso central; SNS, sistema nervoso simpático; CDDP, cisplatina; Rxt, radioterapia; LNH, linfoma não Hodgkin; LH, linfoma de Hodgkin.

Tabela 2 Médias e desvios padrão da dosagem de radioterapia (Rxt) e cisplatina (CDDP) utilizadas segundo o tipo de tratamento para as orelhas direita (OD) e esquerda (OE) (GEPETTO 2000-2004) 

Tipo de tratamento n Dose total Rxt (cGy) Dose Rxt OD (cGy) Dose Rxt OE (cGy) Dose CDDP (mg/m2)
Sem Rxt e sem CDDP 51 - - - -
CDDP 64 - - - 647,4 ± 326,5
Rxt 75 2996,8 ± 1427,8 1894,8 ± 1544,3 1821,5 ± 1540,8 -
Rxt+CDDP 10 4214,0 ± 678,9 2292,0 ± 1744,2 1524,0 ± 1692,7 668,1 ± 260,7

A tabela 3 revela que 104 (52%) pacientes da amostra eram do sexo masculino e 96 (48%) do sexo feminino.

Tabela 3 Distribuição de pacientes que atingiram o critério de perda auditiva em relação aos fatores estudados, sexo, idade, radioterapia e quimioterapia com uso de CDDP (GEPETTO 2000-2004) 

OD Total pa OE Total pa
Sem perda Com perda n Sem perda Com perda n
n (%) n (%) n (%) n (%)
Sexo 0,525 0,062
Masc 86 (82,7) 18 (17,3) 104 88 (84,6) 16 (15,4) 104
Fem 76 (79,2) 20 (20,8) 96 71 (74,0) 25 (26,0) 96
Idade 0,001 0,001
≤ 6 anos 100 (90,1) 11 (9,9) 111 98 (88,3) 13 (11,7) 105
> 6 anos 62 (69,7) 27 (30,3) 89 61 (68,5) 28 (31,5) 95
RxT 0,025 0,020
sem RxT 103 (76,9) 31 (23,1) 134 103 (74,6) 35 (25,4) 138
≤ 4000 52 (92,9) 4 (7,1) 56 50 (92,6) 4 (7,4) 54
> 4000 7 (70,0) 3 (30,0) 10 6 (75,0) 2 (25,0) 8
QT < 0,001 < 0,001
Sem CDDP 119 (94,4) 7 (5,6) 126 120 (95,2) 6 (4,8) 126
Com CDDP 43 (58,1) 31 (41,9) 74 39 (52,7) 35 (47,3) 74
Total 162 (81,0) 38 (19,0) 200 159 (79,5) 41 (20,5) 200

Os valores em negrito referem-se ao nivel de significância estatística (p < 0,05).

aEstatística segundo o teste do Qui-quadrado.

Caracterização da perda auditiva

Os pacientes que receberam CDDP e CDDP+Rxt apresentaram perda auditiva neurossensorial bilateral simétrica nas frequências de 4, 6 e 8 kHz, e não foi observada perda auditiva nos pacientes oncológicos que não receberam tratamento de risco para a audição ou Rxt em cabeça e pescoço como tratamento isolado (fig. 1).

Figura 1 Configuração audiométrica média dos limiares auditivos segundo o tipo de tratamento. CDDP, cisdiamenodicloroplatina; Rxt, radioterapia; OD, orelha direita; OE, orelha esqueda. 

Identificação dos fatores preditivos de perda auditiva

Observamos diferença estatisticamente significante ao comparar os três grupos sem Rxt, e com Rxt até 4.000 ou acima de 4.000 cGy, tanto para o lado direito (p = 0,025), quanto para o lado esquerdo (p = 0,020). Entretanto, não podemos afirmar que o fator Rxt tenha influenciado na perda auditiva, porque ao comparar a porcentagem de perda no grupo que não recebeu Rxt e o grupo que recebeu mais que 4000 cGy, estes valores são semelhantes, levando a crer que a significância estatística se deve à baixa porcentagem de perda no grupo que recebeu menos de 4.000 cGy, diferindo assim dos dois outros grupos, conforme observado na tabela 3.

Análise múltipla dos fatores preditivos de perda auditiva

Na análise múltipla, considerando os pacientes que não usaram CDDP como controles, o uso de CDDP e a idade ao diagnóstico foram fatores preditivos de perda auditiva. As crianças cujo tratamento incluiu o uso de CDDP apresentaram 11,7 vezes maior risco para perda auditiva na orelha direita e 17,6 na orelha esquerda (p < 0,001 para ambas as orelhas) do que as crianças que não usaram CDDP. A idade ao diagnóstico > 6 anos apresentou 2,7 vezes maior risco para a perda auditiva na orelha direita (p = 0,02), quando comparada com crianças com idade ≤ 6 anos (tabela 4).

Tabela 4 Análise múltipla dos fatores preditivos de perda auditiva nas orelhas direita (OD) e esquerda (OE) 

Orelha Variáveis Categorias OR bruta OR ajustada IC 95% p
OR ajustada
OD CDDP não 1,0 1,0 Referência
sim 12,2 11,7 4,2; 32,1 < 0,001a
Rxt Sem Rxt 1,0 1,0 Referência
≤ 4000cGy 0,3 0,9 0,2; 3,3 0,894
> 4000cGy 1,4 4,3 0,8; 24,1 0,196
Idade(anos) ≤ 6 1,0 1,0 Referência
> 6 3,9 2,7 1,1; 6,4 0,028
OE CDDP não 1,0 1,0 Referência
sim 17,9 17,6 6,0; 51,4 < 0,001b
Rxt Sem Rxt 1,0 1,0 Referência
≤ 4000cGy 0,2 0,9 0,2; 3,4 0,912
4000cGy 0,9 3,9 0,5; 31,2 0,192
Idade (anos) ≤ 6 1,0 1,0 Referência
> 6 3,5 2,1 0,9; 5,0 0,084

OR, odds ratio; CDDP, cisdiamenodicloroplatina; Rxt, radioterapia.

aTeste de Hosmer e Lemeshow (p = 0,856).

bTeste de Hosmer e Lemeshow (p = 0,459).

Na análise múltipla, a dose de radioterapia não foi fator de risco para perda auditiva quando utilizados como controle os pacientes que não receberam Rxt.

Discussão

Nosso estudo teve como objetivo relacionar as alterações auditivas encontradas segundo o tipo de tratamento e idade, e identificar fatores preditivos de perda auditiva em pacientes que tiveram câncer na infância e encontravam-se fora de tratamento oncológico. Para definirmos qual o tratamento de risco para a audição, foi necessária a separação entre as orelhas, considerando que a incidência da irradiação variou com o local do tumor.

Encontramos um predomínio de exames com limiares dentro dos padrões de normalidade para os pacientes que não realizaram tratamento com CDDP, enquanto que os pacientes que fizeram uso de CDDP ou CDDP+Rxt mostraram um predomínio de perda auditiva neurossensorial simétrica bilateral nas frequências de 4, 6 e 8 kHz.11,12,18-22 É possível inferirmos que a perda auditiva está relacionada ao tipo do tratamento oncológico, até mesmo em indivíduos avaliados muitos anos após o término do tratamento, uma vez que o grupo cujo tratamento não envolveu CDDP ou RxT, nas mesmas condições, não apresentou perda auditiva.

Paulino et al. (2000),23 Johannesen et al. (2002),24 Low et al. (2006)8 e Dell'Aringa et al. (2010)9 relataram que dose entre 4.000 e 6.000 cGy foram dosagens de risco para audição, e sugeriram o acompanhamento audiológico. O tratamento de Rxt em tumores de cabeça e pescoço pode causar alterações de orelha média como otite externa, otite média serosa,25 necrose do conduto auditivo externo e osteorradionecrose do osso temporal.14,24,26 Em nossa casuística, as leucemias foram predominantes no grupo de pacientes que fizeram Rxt sem CDDP não apresentando perdas auditivas, estando de acordo com os resultados relatados no estudo de Thibadoux et al. (1980).27 De fato, a dosagem de radioterapia que atingiu a orelha direita (2.292,0 ± 1.744,2 cGy) e a orelha esquerda (1.524,0 ± 1.692,7 cGy) foi de baixo risco nos pacientes que realizaram Rxt. A tabela 3 mostra que 92,9% dos pacientes que receberam doses de radioterapia inferiores a 4.000 cGy não apresentaram perda auditiva, justificando a associação significante. Na análise múltipla dos fatores preditivos de perda auditiva, a Rxt não foi fator de risco para audição (tabela 4).

Os pacientes tratados com CDDP e CDDP+Rxt receberam dosagens de CDDP elevadas, superiores à considerada de risco para a perda auditiva (≥ 400 mg/m2). Nesta casuística, a dosagem média de CDDP nos pacientes que fizeram quimioterapia foi de 650 mg/m2, e nos indivíduos que receberam CDDP+Rxt foi de 670 mg/m2. Li et al. (2004)22 apontaram a relação entre dosagem de CDDP e perda auditiva, sendo que dosagens iguais ou superiores a 400mg/m2 apresentaram maior risco para perda auditiva. Os estudos que utilizaram as frequências convencionais (0,25-8 kHz) para avaliação auditiva revelam variação em relação à incidência de perdas auditivas entre 20 e 70%.28 Esta variação acontece por diversos fatores, entre eles: frequências avaliadas, faixa etária dos indivíduos, dosagem de CDDP, esquema de administração da droga e critério de perda auditiva adotado. Em nosso estudo, encontramos uma prevalência de 41,9% para OD e 47,3% para OE, com base no critério de perda auditiva nas frequências de 0,25 a 4 kHz.

Li et al. (2004)22 destacaram maior risco para perda auditiva em crianças menores de 5 anos. Brock et al. (1992),18 Simon (2002)29 e Gunn et al. (2015)30 não encontraram uma relação estatisticamente significante entre o uso de CDDP e idade.

Em nossa amostra, encontramos que idade maior que 6 anos ao diagnóstico do câncer apresentou 2,7 vezes maior risco para perda auditiva (p = 0,02), quando comparada com crianças com idade ≤ 6 anos ao diagnóstico somente para orelha direita e com tendência para orelha esquerda (OR = 2,1; p = 0,08). Esse fato pode dever-se ao fato de a nossa casuística de pacientes que apresentaram perda auditiva estar concentrada em diagnósticos de osteosarcoma, mais frequentes na adolescência (tabela 1).

Em nosso estudo, não houve relação estatisticamente significante para sexo; entretanto, Yancey et al. (2012)28 referiram que o sexo e a dose cumulativa são os marcadores clínicos mais importantes de ototoxicidade. A gravidade da ototoxicidade pode estar inversamente relacionada à idade na época do tratamento, sendo que as crianças mais jovens teriam graus maiores de perda auditiva após o tratamento.28 Ondrey et al. (2000)31 relataram que a combinação dos dois tratamentos (Rxt + QT) será o melhor tratamento oncológico no futuro, porém, ambos apresentam efeitos ototóxicos.

No presente estudo, a amostra de pacientes que realizaram tratamento combinado (Rxt + CDDP) foi reduzida (n = 10), porém encontramos o mesmo grau e tipo de perda auditiva verificada nos pacientes que realizaram quimioterapia com CDDP sem Rxt, mostrando que a Rxt, neste estudo, não foi fator de risco para perda auditiva, e sim a CDDP.

Considerando o impacto de perdas auditivas, ainda que subclínicas, no desenvolvimento linguístico, pedagógico e cognitivo das crianças tratadas por câncer na infância,32 e que ainda não há estudos que comprovem efeitos otoprotetores significantes,33 a monitorização se impõe como a ferramenta mais importante no acompanhamento desses pacientes.34

Conclusão

A característica da perda auditiva identificada nos pacientes oncológicos fora de tratamento foi senssorioneural, bilateral e simétrica, acometendo eminentemente as frequências de 4, 6 e 8 kHz.

O tratamento quimioterápico com cisplatina mostrou ser fator de risco para aquisição da perda auditiva, enquanto a radioterapia em cabeça e pescoço não foi determinante.

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