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Perfil das exposições a medicamentos por mulheres em idade reprodutiva atendidas por um Centro de Informações Toxicológicas

Perfil das exposições a medicamentos por mulheres em idade reprodutiva atendidas por um Centro de Informações Toxicológicas

Autores:

Carina Harumi Takahama,
Conceição Aparecida Turini,
Edmarlon Girotto

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.4 Rio de Janeiro abr. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014194.00512013

ABSTRACT

The scope of this article is to analyze the epidemiological data relating to exposure to medication among women of reproductive age attended at a Toxicology Information Center. A study was conducted among women of reproductive age exposed to medication between 2007 and 2011. The variables relating to the patients, the occurrence and the medication involved were studied in a total of 777 notified cases. Data was collected from Aggravated Injury Notification System forms and processed on Epi Info for Windows software. The majority of the occurrences (90.5%) was intentional, 33.7% of theses incidents involved the intake of 2 or 3 types of drugs by the patients and the percentile of hospitalization was 35.6%. Drugs acting on the central nervous system were responsible for 59.9% of the incidents, and antidepressants (21.3%) and anti-epileptics (21.2%) were most commonly involved. The main factors associated with hospitalization were: delayed medical rescue after exposure, patients with higher education, ingestion of 2 or 3 types of drugs and exposure to anti-epileptics and antidepressants. Data from this study showed that exposure to medication is a serious health problem for women of reproductive age and it contributes to the increase in the number of hospitalizations.

Key words: Women; Reproductive age; Intoxication; Hospitalization; Information systems

Introdução

Os medicamentos exercem um importante papel nos sistemas sanitários por constituírem a ferramenta terapêutica mais empregada para a manutenção e a recuperação das condições de saúde, sendo responsáveis por parte significativa da melhora da qualidade e expectativa de vida da população1-5.

Entretanto, seu uso irracional, indevido ou abusivo pode torná-los potentes causadores de danos à saúde e de óbitos3,6-8. Segundo a Organiza ção Mundial da Saúde (OMS)9, os hospitais gastam de 10 a 40% de seus orçamentos em complicações causadas pelo mau uso de medicamentos.

No Brasil, merecem destaque a facilidade de aquisição de medicamentos sob prescrição médica, a propaganda de medicamentos, o padrão do consumo de medicamentos pela população, caracterizado pela automedicação, polifarmácia e o uso indevido e indiscriminado de determinados fármacos como antibióticos e psicotrópicos1,3,8,10. Estes aspectos contribuem para que os medicamentos sejam os principais agentes responsáveis por intoxicações, com consequente aumento do número de atendimentos nas unidades de urgência e emergência, hospitalizações e óbitos registrados em nosso país6,8,11-13.

Segundo as estatísticas divulgadas pelo Sistema Nacional de Informações Toxico-Farmacológicas (Sinitox), os medicamentos ocupam, desde 1994, o primeiro lugar no conjunto dos agentes responsáveis por intoxicações, respondendo por, aproximadamente, 27% dos casos registrados no Brasil14-16.

Entre 2007 e 2011 os medicamentos foram os principais agentes desencadeadores em 37,4% dos casos de intoxicação notificados (209.356 casos) e responsáveis pela segunda causa de óbito por intoxicação (23,9%)17. Dentre estes casos, 62,9% eram pacientes do sexo feminino, com a grande maioria (96,0%) pertencente à faixa etária reprodutiva17.

Os medicamentos preocupam também, há algum tempo, as autoridades e os profissionais de saúde de outros países, pelo aumento do volume dos casos de intoxicação e óbitos que este agente provoca, colocando-os em destaque nas estatísticas mundiais7,18-21. Na maioria dos países, e em especial no Brasil, as estatísticas divulgadas pelos sistemas oficiais de notificação não refletem a real magnitude do problema, devido à subnotificação e à tendência de registro apenas dos casos mais agudos, com sinais clínicos mais exuberantes. A falta de estratégias para o controle e prevenção das intoxicações tem levado a um número crescente e negligenciado dessas ocorrências, tanto pela sociedade quanto pelas autoridades competentes21,22.

No Brasil, as mulheres em idade reprodutiva (14 a 49 anos) representam 65% do total da população feminina e constituem um segmento social importante para a elaboração das políticas de saúde23. Como os medicamentos são os principais agentes determinantes de intoxicações agudas e, em mulheres, uma das causas mais frequentes de lesões e intoxicações autoinfligidas, tornam-se importantes estudos que avaliem as intoxicações neste grupo populacional. Desta forma, esta investigação objetivou descrever os dados epidemiológicos referentes à exposição de mulheres em idade fértil a medicamentos que foram atendidas por um Centro de Informações Toxicológicas.

Metodologia

Realizou-se um estudo retrospectivo, descritivo e exploratório com dados secundários obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Avaliaram-se os registros de pacientes do sexo feminino, em idade reprodutiva, e expostas a medicamentos e atendidas direta ou indiretamente pelo Centro de Informações Toxicológicas de Londrina (CIT-Londrina), Paraná.

Os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATs) são unidades públicas de referência em Toxicologia Clínica, de abrangência estadual ou regional, com atendimento em regime de plantão permanente, por meio telefônico e/ou presencial, das intoxicações e envenenamentos. O CIT-Londrina atende 81 municípios pertencentes a quatro Regionais de Saúde que compõem a macrorregião norte do estado do Paraná, e abrange uma população estimada de 1.723.029 habitantes.

Os casos atendidos e registrados no CIT-Londrina no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2011 foram analisados. O período inicial de análise deve-se ao fato de em janeiro de 2007 as notificações deste CIT passarem a ser realizadas nas fichas de notificação do SINAN para Intoxicações.

No período de estudo o CIT-Londrina registrou 7.682 atendimentos decorrentes da exposição a diversos agentes tóxicos e circunstâncias, com 24,5% (1882) de casos relacionados a medicamentos. Destes, as mulheres em idade fértil representaram 41,3% dos pacientes expostos, totalizando 778 atendimentos. Um caso foi excluído por apresentar dados inconsistentes, gerando um total de 777 casos.

As fichas utilizadas no estudo foram localizadas e analisadas individualmente, considerando-se as seguintes variáveis independentes: idade (10 a 14 anos, 15 a 19 anos, 20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos), gestação (sim ou não), período gestacional (1º, 2º e 3º trimestres), grau de escolaridade (ensino fundamental, médio ou superior), intenção (intencional ou não intencional), circunstância, tempo decorrido entre a exposição e o atendimento (até uma hora, de duas a cinco horas, seis horas ou mais), evolução clínica, quantidade de medicamentos envolvidos, associação com outros agentes tóxicos, tipo de controle na aquisição do medicamento (isento de prescrição, sob prescrição médica ou venda com retenção de receita) e classe farmacológica.

A variável dependente (desfecho) analisada foi a ocorrência ou não de hospitalização decorrente da exposição e/ou intoxicação a medicamentos. Como sistema de classificação dos fármacos responsáveis pelas exposições adotou-se o terceiro nível da Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) da Organização Mundial de Saúde24.

As informações coletadas foram transcritas em banco de dados criado no programa Epi Info para Windows versão 3.5.1. e processadas e analisadas com o uso do mesmo programa. As associações entre variáveis foram analisadas com o teste de qui-quadrado, sendo considerados significativos os testes que apresentaram valores de p < 0,05.

Resultados

Dos 777 casos analisados, a idade média das pacientes foi de 26,5 anos (Desvio-Padrão = 9,95), com uma maior frequência na faixa etária de 20 a 29 anos (33,6%). Em 39% dos casos, as pacientes possuíam escolaridade até o ensino médio, porém, observou-se falta de informações para esta categoria em grande parte das fichas de notificação (51,6%).

As pacientes gestantes totalizaram 27 (3,5%) dos casos, com 12 (44,4%) no primeiro trimestre de gestação. Em 309 fichas analisadas (39,8%) esta variável (gestação) foi notificada como ignorada (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição dos casos de exposição por mulheres em idade fértil de acordo com as variáveis relacionadas às pacientes e à exposição, CIT-Londrina, 2007-2011. 

Casos registrados
Características N %
Faixa etária
10 a 14 70 9,0
15 a 19 168 21,6
20 a 29 261 33,6
30 a 39 168 21,6
40 a 49 110 14,2
Escolaridade
Ensino fundamental 127 16,3
Ensino médio 176 22,7
Ensino superior 73 9,4
Ignorado 401 51,6
Gestante
Sim 27 3,5
Não 441 56,8
Ignorado 309 39,8
Intenção
Intencional 703 90,5
Não intencional 58 7,5
Indeterminada 16 2,1
Associação não medicamentosa
Sim 59 7,6
Não 717 92,7
Tempo decorrido entre a exposição e o atendimento*
Até uma hora 289 40,4
De duas a cinco horas 269 37,6
Seis horas ou mais 157 22,0

* 62 pacientes com tempo de história indeterminado.

No detalhamento das informações relacionadas à exposição, também descritas na Tabela 1, verificou-se que a maioria das ocorrências (90,5%) foi intencional, principalmente pelas tentativas de suicídio (90,0%). Identificou-se o uso dos medicamentos com outras substâncias químicas em 59 (7,6%) ocorrências, sendo a maior parte com bebida alcoólica (69,5%). A grande maioria (78,0%) das pacientes recebeu atendimento médico em até cinco horas após a exposição.

Observou-se o uso de apenas um medicamento por 60,6% das pacientes, total de 1290 medicamentos (média = 1,66), com o máximo de nove medicamentos. Quanto ao tipo de controle necessário aos medicamentos utilizados, de 1289 identificados, constatou-se um elevado percentual de uso de fármacos que requerem maior rigor na sua dispensação (62,5%) (Figura 1).

Figura 1 Distribuição das ocorrências de exposição por mulheres em idade fértil de acordo com os medicamentos envolvidos, CIT-Londrina, 2007-2011. * Um medicamento não identificado. 

A frequência de hospitalização foi de 35,6% (n = 277), sendo que destas, 62,1% ficaram hospitalizadas dois dias ou mais. A classificação final dos casos mostrou que 79,9% tiveram intoxicação confirmada. Em relação à evolução clínica, a cura sem sequela representou 97,3% dos casos, registrando-se apenas dois (0,3%) óbitos (Tabela 2).

Tabela 2 Evolução das ocorrências de exposição a medicamentos por mulheres em idade fértil, CIT-Londrina, 2007-2011. 

Casos registrados
Características N %
Hospitalização
Sim 277 35,6
Um dia 105 37,9
Dois a três dias 125 45,1
Quatro dias ou mais 47 17,0
Não 500 64,4
Classificação final
Intoxicação confirmada 621 79,9
Somente exposição 155 19,9
Reação adversa ao medicamento 1 0,1
Evolução do caso
Cura sem sequela 756 97,3
Óbito por intoxicação 2 0,3
Perda de seguimento 15 1,9
Ignorado 4 0,5

Os medicamentos com atuação no Sistema Nervoso Central (SNC) foram responsáveis por 59,9% das ocorrências. Neste, destacaram-se os seguintes grupos farmacológicos: antiepilépticos-N03A (21,2%), antidepressivos-N06A (20,7%), ansiolíticos-N05B (8,1%), analgésicos e antipiréticos-N02B (7,4%) e antipsicóticos-N05A (7,2%). Também apresentaram importante incidência os anti-inflamatórios não-esteroidais-M01A (5,1%). Os princípios ativos mais envolvidos nas exposições/intoxicações foram: clonazepan (10,5%), amitriptilina (7,8%), fluoxetina (5,7%), carbamazepina (4,9%), diazepam (4,2%), paracetamol (3,3%), fenobarbital (2,9%), dipirona (2,1%) e haloperidol (2,0%).

Na Tabela 3 apresentam-se os fatores associa dos à hospitalização. Nota-se que a demora no atendimento após ocorrência da intoxicação/exposição, pacientes com maior escolaridade e exposição a mais de um medicamento mostraram-se associados ao maior risco de hospitalização. Também se mostrou significativa a exposição a antidepressivos e antipilépticos.

Tabela 3 Frequência de hospitalização de acordo com as variáveis relacionadas às pacientes e aos medicamentos em mulheres em idade fértil, CIT-Londrina, 2007-2011. 

Hospitalização (%)
Variáveis independentes Sim Não Valor p
Características relacionadas à exposição e paciente
Tempo de atendimento
Em até uma hora 29,1 70,9 < 0,05
A partir de duas horas 39,5 60,5
Gestante
Sim 44,4 55,6 0,440
Não 35,1 64,9
Ensino superior
Sim 53,4 46,6 < 0,05
Não 35,3 64,7
Associação não medicamentosa
Sim 37,3 62,7 0,884
Não 35,4 64,6
Associação com bebidas alcoólicas
Sim 19 46,3 0,142
Não 258 35,1
Tentativa de suicídio
Sim 36,8 63,2 0,069
Não 25,6 74,4
Características relacionadas aos medicamentos
Número de medicamentos
Um 31,4 68,6 < 0,05
Dois ou mais 42,2 57,8 < 0,001
Antiepilépticos – N03A
Sim 110 44,7 < 0,05
Não 167 31,5 0,559
Antidepressivos – N06A
Sim 107 42,3 0,715
Não 170 32,4 0,120
Ansiolíticos – N05B
Sim 39 38,2 0,088
Não 238 35,3
Analgésicos e antipiréticos – N02B
Sim 30 37,5
Não 247 35,4
Antipsicóticos – N05A
Sim 36 43,4
Não 241 34,7
Anti-inflamatórios não esteroidais – M01A
Sim 15 25,4
Não 262 36,5

Discussão

Considerando os dados registrados pelos sistemas oficiais de informação em saúde, apesar da elevada subnotificação, e os resultados apresentados em vários estudos, nacionais e internacionais, observa-se uma preocupação crescente com as intoxicações medicamentosas, tanto em relação à demanda dos serviços, como com o custo financeiro para o poder público. Esses dados evidenciam ainda a predominância deste tipo de intoxicação no gênero feminino, que representa também a maioria das hospitalizações por essas causas13,25-29.

No presente estudo constatou-se uma importante participação de fármacos com atuação no SNC, totalizando quase 60% das exposições. Vários estudos evidenciam que esses fármacos representam a parcela mais significativa no total geral das intoxicações medicamentosas no Brasil13,26,27. Numa análise mais pormenorizada feita a este grupo, destacaram-se os antidepressivos, antiepiléticos e antipsicóticos. Em estudo de base populacional, McClure et al.28 evidenciaram que 22,9%, 19,9% e 17,4% das intoxicações em mulheres em idade reprodutiva envolveram analgésicos, tranquilizantes benzodiazepínicos e antidepressivos, respectivamente.

O fato de pacientes depressivos, muitas vezes, tentarem suicídio aponta para que a prescrição de medicamentos, principalmente para esses casos, seja racionalizada, com quantidades adequadas para a sua correta utilização30. Ainda que vários estudos sustentem uma relação direta entre o abuso de substâncias psicoativas e comportamentos suicidas, principalmente entre jovens, a natureza desta relação não está claramente estabelecida, e requer mais investigações27,31.

O Brasil apresenta um elevado consumo de psicofármacos5,32 e, apesar da elevada frequência de ocorrências de intoxicações por este grupo, estas substâncias não são necessariamente mais tóxicas. Entretanto, o fato dos benzodiazepínicos e antidepressivos serem classes de produtos muito prescritos faz com que esta alta acessibilidade gere um maior risco para ingestões excessivas e sobredosagem. Do ponto de vista toxicológico, é importante ressaltar que nestas duas classes de fármacos existem várias substâncias que, na sua maioria, são extensamente metabolizadas no organismo, originando compostos farmacologicamente ativos que contribuem para o desenvolvimento de intoxicações.

Estudo realizado por Fernandes et al.26 detectou o predomínio do uso de tranquilizantes e antidepressivos em relação a outros grupos de medicamentos nas intoxicações analisadas, com destaque para a ingestão de amitriptilina, o que concorda com a presente investigação. Este agente foi responsável pelo maior número de óbitos e dias de hospitalização ocorridos neste período, e verificou-se tratar-se de um fármaco de fácil acesso, baixo custo, e também distribuído gratuitamente pelo sistema público de saúde.

Pacientes com transtornos mentais representam um grupo altamente propenso às tentativas de suicídio33, sendo a depressão o distúrbio mais comum. Desta forma, é importante o frequente monitoramento deste paciente, incluindo o apoio familiar, de cuidadores e de equipes de saúde da família34, as quais podem identificar possíveis problemas no tratamento, como a adesão, bem como tendências suicidas dos mesmos.

Além disso, um fator a ser considerado no manejo de pacientes psiquiátricos são as consultas médicas. Segundo levantamento feito por Auchwski et al.35, a maioria dos pacientes entrevistados não se lembrava das orientações recebidas pelos médicos, e também demonstravam não valorizá-las, ou então que estas mostraram-se insuficientes, o que pode favorecer recorrências e recaídas durante o tratamento da depressão e outros distúrbios psiquiátricos.

De acordo com a legislação relacionada aos medicamentos sujeitos a controle especial36, a quantidade de psicofármacos que pode ser adquirida com um receituário é para 60 dias de tratamento, de forma que o paciente pode ter acesso a uma grande quantidade dos mesmos. Portanto, pacientes psiquiátricos constituem um grupo de alto risco e uma das estratégias para prevenir qualquer ocorrências toxicológicas seria, além do apoio dos envolvidos, alterações na legislação, reduzindo o acesso a um número excessivo destes produtos.

Os analgésicos também representaram uma parcela bastante significativa nas intoxicações medicamentosas. Dentre estes, merece destaque o paracetamol por tratar-se de um fármaco de uso frequente e bem tolerado, mas, em casos de sobredose pode desencadear hepatotoxicidade com evolução fatal se o tratamento for negligenciado37. Embora sejam raros os casos de exposição graves no Brasil, há um grande potencial de aumento dessas ocorrências, considerando o maior do consumo desse fármaco decorrente da epidemia nacional de dengue, demonstrando a importância de se realizar uma dispensação ativa deste fármaco, ainda que seja um medicamento isento de prescrição.

A exposição a mais de um medicamento, em geral, relaciona-se a uma maior intenção em cometer o suicídio. Nas tentativas de suicídio houve a presença de mais de uma substância em 38,0% e 42,2% dos casos em pesquisas realizadas por Bentur et al.38 e Bernardes et al.27, respectivamente. Muitas vezes as doses isoladas dos fármacos utilizados não são tóxicas, mas, a associação com outros medicamentos e/ou com outras substâncias químicas (como o álcool, por exemplo) pode ocasionar, por interação, aumento da toxicidade decorrente da potenciação dos efeitos, com agravamento do quadro clínico e necessidade de maior período de hospitalização27. O uso de múltiplos agentes não se deve apenas à impulsividade do paciente em recorrer aos que estão mais acessíveis, mas também à determinação em obter maior efeito tóxico e atingir doses letais, especialmente nos casos de ingestão de psicofármacos39,40.

Em relação às internações hospitalares, estudos demonstram que uma parcela significativa deve-se ao uso inadequado de medicamentos41. Nos Estados Unidos, durante o período de 1998 e 2006, Cox et al.42 observaram que as hospitalizações causadas por intoxicações envolvendo mulheres em idade fértil (faixa etária entre 14 a 44 anos) representaram 6,0% do total de hospitalizações ocorridas neste período. No presente estudo, houve necessidade de internação de 35,6% das pacientes expostas a medicamentos, com uma média de permanência hospitalar de 2,5 dias. A maioria das hospitalizações foi decorrente de tentativas de suicídio e uso de psicofármacos, supondo-se nesses casos, que as pacientes foram acometidas por intoxicações mais graves e/ou que houve demora no atendimento após a ocorrência. A associação de dois ou mais fármacos relacionaram-se com maior tempo de internação, provavelmente, pelos efeitos sinérgicos entre as substâncias utilizadas.

Nesta pesquisa observou-se associação estatisticamente positiva entre a necessidade de internação de pacientes com nível superior. Talvez pacientes com maior escolaridade tenham mais acesso a medicamentos psicofármacos ou têm mais clareza de quais medicamentos geram maior risco de intoxicações, assim, nas exposições intencionais, estes apresentam condições mais graves, gerando a necessidade de internação.

A relação entre hospitalização e maior tempo entre a exposição e o atendimento reforça a necessidade de que os familiares ou os próprios pacientes, quando pertinente, devem ser orientados para que sob a mínima suspeita de intoxicação, os expostos devem ser imediatamente encaminhados aos serviços médicos de urgência e emergência. E estes preparados para prestar atendimento imediato aos pacientes em caso de suspeita de exposição a medicamentos, especialmente aos psicofármacos ou a mais de um medicamento, pois estes demonstraram gerar maior risco de internação.

A realização deste estudo fornece informações importantes para os profissionais de saúde, que poderão contribuir para aumentar a eficiência na triagem, intervenção e medidas de prevenção desses agravos na população feminina. A principal limitação desta pesquisa é inerente à utilização de dados retrospectivos e secundários, cujas informações em muitos campos das Fichas de Notificação apresentaram-se ignoradas.

As substâncias mais implicadas nas exposições analisadas foram os psicofármacos, os analgésicos e os anti-inflamatórios. Portanto, para reduzir as intoxicações agudas em mulheres nessa faixa etária suscetível, são necessários esforços que incluam orientação e conscientização dos profissionais prescritores e dos usuários sobre os possíveis riscos do uso indiscriminado desses fármacos, além de intervenções para reduzir os danos causados por lesões autoinfligidas.

Para uma maior compreensão dos fatores associados com intoxicações aguda em mulheres em idade fértil e em gestantes, e que possibilitem definir a população alvo e a elaboração de metas específicas para a intervenção, os estudos futuros devem incluir informações referentes à dose utilizada, para estabelecer a gravidade da intoxicação; à real intenção da ocorrência; ao tempo decorrido entre o conhecimento do estado gestacional e a exposição ao medicamento; história de transtorno mental ou abuso de substâncias psicoativas e, se a gravidez foi planejada ou não. Assim, esses estudos devem, além da análise dos sistemas de informação, realizar uma abordagem primária destes pacientes, familiares ou cuidadores, após as ocorrências.

Colaboradores

CH Takahama e CA Turini contribuíram na concepção do projeto, análise e interpretação dos dados e redação do artigo. E Girotto colaborou na análise e interpretação dos dados, revisão crítica e aprovação da versão final a ser publicada.

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