versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.3 Rio de Janeiro mar. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018243.02152017
A terapia intensiva pediátrica surgiu há cerca de 50 anos1, mas só a partir da década de 1980, com os avanços técnicos, terapêuticos e científicos, passou a expandir-se, com a implantação de unidades específicas para tratamento de crianças em estado crítico de saúde em várias partes do mundo2, inclusive no Brasil1. As unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP), com atenção profissional especializada de forma contínua, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e tratamento3, têm contribuído para modificações significativas na evolução e prognóstico de crianças com quadros graves4, salvando e prolongando vidas5. Por outro lado, representam um dos principais setores consumidores do orçamento hospitalar6.
No Brasil, apesar do avanço da terapia intensiva nas últimas décadas, persistem desigualdades na distribuição dos leitos e na qualidade da assistência prestada7. A distribuição e estrutura das UTIP, as principais causas de admissão, os custos despendidos e a forma como se presta assistência intensiva no país ainda são pouco conhecidos1. Além disso, entre os estudos que abordam as características de internações em UTIP, a maioria envolve um único centro terciário de referência, tanto na literatura científica nacional2,4,5,8-10, como na internacional11-14.
Para gestão da rede de atenção à saúde da criança é essencial a caracterização do conjunto de UTIP e da assistência nelas prestada. Nesse sentido, o Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS)15 possibilita a análise de vários aspectos da terapia intensiva pediátrica praticada na rede do SUS, apesar de ainda ser pouco utilizado para essa finalidade. Este estudo, a partir das internações em UTIP constantes no SIH/SUS, pode contribuir com o planejamento e a gestão da rede de cuidados intensivos pediátricos do SUS e, consequentemente, com a organização dos serviços e a qualificação da assistência a pacientes criticamente enfermos. Dessa forma, teve-se como objetivo descrever o perfil das internações no conjunto das UTIP da rede do SUS do estado de Pernambuco, ocorridas em 2010, quanto a características sociodemográficas, do acesso geográfico à assistência, da admissão e as causas de internação e óbito, verificando-se diferenças entre as faixas etárias dos usuários.
Realizou-se um estudo transversal sobre as internações em UTIP ocorridas em Pernambuco, no ano de 2010. Em 2010, a rede do SUS de Pernambuco (SUS-PE) contava com seis UTIP, todas localizadas no município do Recife, capital do estado. Duas pertencentes à rede filantrópica conveniada e quatro à rede própria do SUS, totalizando 55 leitos. Essas UTIP admitem pacientes pediátricos em estado crítico de saúde residentes nos 184 municípios do estado, no distrito de Fernando de Noronha e também em estados vizinhos.
No estudo, foram incluídas todas as internações ocorridas no conjunto de UTIP da rede assistencial do SUS-PE, constantes nos bancos de dados do SIH-SUS, em 2010, independente da faixa etária ou de qualquer outra característica. A internação em UTIP do SUS necessita, além da Autorização de Internação Hospitalar (AIH), de um laudo de procedimento especial, cujos dados compõem o banco do SIH/SUS. Como internações, o SIH/SUS considera o quantitativo de AIH pagas, excluindo as de prorrogação, emitidas para pacientes com longa permanência. Esse quantitativo foi utilizado como uma aproximação do número de pacientes internados, pois as transferências e reinternações geram novas AIH16. Os bancos mensais do SIH/SUS foram coletados na página do Departamento de Informática do SUS - Datasus (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area = 0901).
Do total de internações em hospitais do SUS-PE ocorridas em 2010 (n = 543.720), foram selecionadas as internações com diárias de UTI (n = 14.965) e em seguida as que ocorreram em UTIP (n = 1.915). Foram estudadas variáveis referentes às características sociodemográficas dos pacientes (sexo, faixa etária, local de residência), ao acesso geográfico à assistência intensiva, à natureza e tipo da UTIP, custos, tempo de permanência, procedimentos assistenciais realizados e às causas de admissão e óbito. Utilizou-se a classificação das UTIP em três tipos (I, II e III), em ordem crescente de complexidade, conforme preconiza o Ministério da Saúde17, de acordo com a disponibilidade de serviços no hospital, recursos humanos, materiais e equipamentos na unidade.
Todas as variáveis estudadas, com exceção das referentes à distribuição geográfica das internações, foram descritas para quatro faixas etárias, obtendo-se frequências absolutas e relativas e verificando-se a hipótese de homogeneidade das proporções pelo teste qui-quadrado de Pearson, com nível de significância de 5%. Foram obtidas: média mensal de internações, permanência média (em dias), valores pagos pelo SUS (custos em R$) e taxa de letalidade (número de óbitos por 100 internações).
Para distribuição geográfica das internações, segundo local de residência dos pacientes, foram excluídas 131 admissões de moradores em municípios de outros estados ou no distrito de Fernando de Noronha. Elaborou-se mapa coroplético das internações por município e mesorregião de residência. Para cada mesorregião do estado (Sertão, Agreste, Mata e Região Metropolitana do Recife-RMR), calculou-se a distância euclidiana média entre as sedes dos municípios de residência e de internação (Recife). Essa distância (em km) foi utilizada como indicativo do acesso geográfico à assistência em UTIP pelos usuários do SUS residentes no estado.
As causas de internação e óbito foram agrupadas de acordo com os capítulos de morbidade e mortalidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10)18, especificando-se aqueles com maior magnitude. Como causa de internação, utilizou-se o diagnóstico principal que justificou a admissão, definido após a saída da UTIP, conforme normatização do SIH-SUS16. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição principal a qual o trabalho está vinculado.O estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários, sem informações que pudessem identificar os indivíduos, respeitando-se os princípios éticos constantes na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Em 2010, ocorreram 1.915 internações em UTIP da rede do SUS do estado de Pernambuco, correspondendo a uma média mensal de 160 admissões (Tabela 1). A faixa etária de 1-4 anos apresentou a maior proporção de internações, seguida pelo grupo de menores de um ano. Nessas duas faixas, ocorreram 58,4% das internações em UTIP, com uma média mensal de 52 e 41 admissões, respectivamente. Para as faixas etárias de 5-9 anos e ≥ 10 anos, a média mensal de internações foi de 34 e 32 admissões. O tempo médio de permanência nas UTIP para o total das internações foi de 14,4 dias, variando entre 18,7 dias, em menores de um ano, e 11,7 dias, no grupo ≥ 10 anos. Nas faixas de 1-4 anos e 5-9 anos, a média de permanência foi de 14,3 e 11,9 dias, respectivamente.
Tabela 1 Distribuição de internações, tempo médio de permanência, custos e óbitos em UTIP por faixa etária. Pernambuco, 2010.
Internações | Faixa etária | ||||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
< 1 ano | 1 – 4 anos | 5 – 9 anos | > 10 anos | Total | |
Admissões | |||||
Número (%) | 496 (25,9) | 622 (32,5) | 411 (21,5) | 386 (20,2) | 1915 (100,0) |
Número médio mensal | 41 | 52 | 34 | 32 | 160 |
Permanência média (em dias) | 18,7 | 14,3 | 11,9 | 11,7 | 14,4 |
Custo médio (em R$) | 8.361,50 | 7.089,23 | 5.563,79 | 5.022,60 | 6.674,80 |
Óbitos | |||||
Nº (%) | 83 (40,1) | 53 (25,6) | 29 (14,0) | 42 (20,3) | 207 (100,0) |
Nº médio mensal | 7 | 4 | 2 | 4 | 17 |
Taxa de letalidade (%)* | 16,7 | 8,5 | 7,1 | 10,9 | 10,8 |
* Taxa de letalidade: número de óbitos por 100 internações.
Para o total das internações, o custo foi de 12,8 milhões de reais, correspondendo a um valor médio pago pelo SUS por internação de R$ 6.674,80 (Tabela 1). O custo diminuiu com o avançar da idade, correspondendo a R$ 8.361,50 nos menores de um ano e a R$ 7.089,23, R$ 5.563,79 e R$ 5.022,60 nos grupos de 1-4 anos, 5-9 anos e ≥ 10 anos, respectivamente. Ocorreram 207 óbitos, correspondendo a uma média mensal de 17 mortes. A maior ocorrência de óbitos foi observada no grupo de menores de um ano (40,1%) e a menor na faixa de 5-9 anos (14,0%). Quanto à taxa de letalidade, em cada 100 internações, 10,8 evoluíram para o óbito. Porém, houve diferenças em relação aos grupos etários: a letalidade em menores de um ano (16,7/100 internações) foi 2,4 vezes superior a menor taxa observada (7,1/100 internações), na faixa de 5-9 anos.
Entre os pacientes residentes em Pernambuco (Figura 1), não houve nenhuma internação de moradores em 23 municípios (12,4%). Por outro lado, 75 municípios (40,5% do total) contribuíram com uma a quatro internações, 45 (24,3%) e 42 municípios (22,8%) com cinco a nove e 10 ou mais internações, respectivamente. Quanto às mesorregiões, 44,7% das internações foram de residentes em municípios da RMR, seguidos por moradores no Agreste (24,6%), na Mata (16,3%) e no Sertão (14,0%). Como todas as UTIP localizavam-se na capital do estado, os pacientes residentes na RMR foram os que apresentaram menor deslocamento, com uma distância euclidiana média entre a sede do município de residência e o da UTIP de 8,7 km. Em outro extremo, essa distância foi de 486,5 km entre os moradores no Sertão. Ocupando posição intermediária, a distância entre os residentes no Agreste e na Mata foi de 152,4 km e de 77,0 km, respectivamente.
Foram excluídas 129 internações de residentes em municípios de outros estados e duas internações de residentes no território de Fernando de Noronha. * Distância euclidiana média entre as sedes dos municípios de residência e de localização da UTIP (Recife).
† Região Metropolitana do Recife.
Figura 1 Características da distribuição geográfica das internações em UTIP por município e mesorregião de residência. Pernambuco, 2010
A maioria dos pacientes admitidos em UTIP era do sexo masculino (58,1%), porém não houve diferença estatisticamente significante (p = 0,967) entre as faixas etárias estudadas (Tabela 2). Predominaram internações em unidades da rede filantrópica (64,1%) e em UTIP do tipo III (59,2%). Somente em menores de um ano, ocorreu maior frequência de internações em UTIP da rede própria do SUS e do tipo II. A distribuição das internações segundo natureza e tipo de UTIP apresentou diferenças entre as faixas etárias (p < 0,001). Quando se categorizou o tempo de permanência, observou-se que 68,7% das internações duraram até 14 dias, com diferenças entre as faixas etárias (p < 0,001).
Tabela 2 Características das internações em UTIP segundo sexo e variáveis relacionadas ao serviço e à assistência prestada por faixa etária. Pernambuco, 2010.
Variáveis | < 1 ano | 1 - 4 anos | 5 - 9 anos | > 10 anos | p* | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | ||
| |||||||||||
(496) | (100,0) | (622) | (100,0) | (411) | (100,0) | (386) | (100,0) | (1915) | (100,0) | ||
Sexo | |||||||||||
Masculino | 290 | 58,5 | 365 | 58,7 | 237 | 57,7 | 221 | 57,3 | 0,967 | 1113 | 58,1 |
Feminino | 206 | 41,5 | 257 | 41,3 | 174 | 42,3 | 165 | 42,7 | 802 | 41,9 | |
Natureza da UTIP | |||||||||||
Rede própria do SUS | 257 | 51,8 | 203 | 32,6 | 99 | 24,1 | 128 | 33,2 | <0,001 | 687 | 35,9 |
Rede filantrópica | 239 | 48,2 | 419 | 67,4 | 312 | 75,9 | 258 | 66,8 | 1228 | 64,1 | |
Tipo de UTIP | |||||||||||
UTI Infantil II | 288 | 58,1 | 239 | 38,4 | 115 | 28,0 | 139 | 36,0 | <0,001 | 781 | 40,8 |
UTI Infantil III | 208 | 41,9 | 383 | 61,6 | 296 | 72,0 | 247 | 64,0 | 1134 | 59,2 | |
Dias de permanência | |||||||||||
< 3 dias | 63 | 12,7 | 76 | 12,2 | 67 | 16,3 | 44 | 11,4 | <0,001 | 250 | 13,1 |
4 - 7dias | 89 | 17,9 | 168 | 27,0 | 114 | 27,7 | 107 | 27,7 | 478 | 25,0 | |
8 - 14 dias | 133 | 26,8 | 195 | 31,4 | 125 | 30,4 | 133 | 34,5 | 586 | 30,6 | |
15 - 21 dias | 82 | 16,5 | 61 | 9,8 | 45 | 10,9 | 58 | 15,0 | 246 | 12,8 | |
22 - 28 dias | 35 | 7,1 | 37 | 5,9 | 15 | 3,6 | 22 | 5,7 | 109 | 5,7 | |
29 dias e mais | 94 | 19,0 | 85 | 13,7 | 45 | 10,9 | 22 | 5,7 | 246 | 12,8 | |
Procedimentos realizados † | |||||||||||
Procedimentos clínicos | 234 | 47,2 | 352 | 56,6 | 273 | 66,4 | 236 | 61,1 | <0,001 | 1095 | 57,2 |
Procedimentos cirúrgicos | 262 | 52,8 | 270 | 43,4 | 135 | 32,8 | 142 | 36,8 | 809 | 42,2 | |
Transplantes de orgãos, tecidos e células | - | - | - | - | 3 | 0,7 | 8 | 2,1 | 11 | 0,6 |
* Referente ao χ2 de Pearson. † χ2 referente ao total de procedimentos clínicos e ao total de procedimentos cirúrgicos por faixa etária.
Quanto aos procedimentos realizados nas internações (Tabela 2), também foram observadas diferenças entre as faixas etárias (p < 0,001). Houve predomínio de procedimentos clínicos, com exceção dos menores de um ano, nos quais 52,8% dos procedimentos foram cirúrgicos. Entre as 1.095 internações em que se realizaram procedimentos clínicos, a terapêutica oncológica foi a mais frequente (40,1%). No caso das 809 internações com procedimentos cirúrgicos, a maior frequência foi de cirurgias do aparelho circulatório (37,7%).
Em relação às causas de internação e óbito (Tabela 3), foram verificadas diferenças entre as faixas etárias (p < 0,001). Para o total de internações, a principal causa de hospitalização (capítulo CID-10) foi constituída pelas neoplasias (28,9%), seguidas pelas malformações congênitas (19%) e doenças infectoparasitárias (13,7%), do aparelho respiratório (13,7%) e do aparelho digestivo (9,4%). A partir de um ano, não se observou diferença entre as faixas etárias quanto à posição ocupada pelas três primeiras causas. Nos menores de um ano, as malformações congênitas constituíram a causa de internação mais frequente e as neoplasias, a sexta.
Tabela 3 Causas de internação e de óbito em UTIP por faixa etária. Pernambuco, 2010.
Variáveis | < 1 ano | 1 - 4 anos | 5 - 9 anos | > 10 anos | p* | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Causa principal de internação (Capítulo CID-10) | |||||||||||
Neoplasias | 37 | 7,5 | 201 | 32,3 | 173 | 42,1 | 142 | 36,8 | <0,001 | 553 | 28,9 |
Malformações congênitas | 118 | 23,8 | 127 | 20,4 | 60 | 14,6 | 59 | 15,3 | 364 | 19,0 | |
Doenças infecciosas e parasitárias | 88 | 17,7 | 80 | 12,9 | 50 | 12,2 | 45 | 11,7 | 263 | 13,7 | |
Doenças do aparelho respiratório | 66 | 13,3 | 68 | 10,9 | 18 | 4,4 | 28 | 7,3 | 180 | 9,4 | |
Doenças do aparelho digestivo | 74 | 14,9 | 26 | 4,2 | 8 | 1,9 | 10 | 2,6 | 118 | 6,2 | |
Doenças do sistema nervoso | 17 | 3,4 | 49 | 7,9 | 29 | 7,1 | 9 | 2,3 | 104 | 5,4 | |
Doenças do aparelho circulatório | 18 | 3,6 | 15 | 2,4 | 17 | 4,1 | 15 | 3,9 | 65 | 3,4 | |
Doenças do aparelho geniturinário | 3 | 0,6 | 14 | 2,3 | 14 | 3,4 | 25 | 6,5 | 56 | 2,9 | |
Causas externas | 1 | 0,2 | 13 | 2,1 | 16 | 3,9 | 22 | 5,7 | 52 | 2,7 | |
Outros capítulos † | 74 | 14,9 | 29 | 4,7 | 26 | 6,3 | 31 | 8,0 | 160 | 8,4 | |
Total | 496 | 100,0 | 622 | 100,0 | 411 | 100,0 | 386 | 100,0 | 1915 | 100,0 | |
Causa de óbito (Capítulo CID-10) | |||||||||||
Doenças infecciosas e parasitárias | 22 | 26,5 | 15 | 28,3 | 10 | 34,5 | 15 | 35,7 | <0,001 | 62 | 30,0 |
Neoplasias | 2 | 2,4 | 4 | 7,5 | 11 | 37,9 | 12 | 28,6 | 29 | 14,0 | |
Malformações congênitas | 19 | 22,9 | 5 | 9,4 | 2 | 6,9 | 2 | 4,8 | 28 | 13,5 | |
Doenças do aparelho respiratório | 9 | 10,8 | 10 | 18,9 | 1 | 3,4 | 6 | 14,3 | 26 | 12,6 | |
Outros capítulos ‡ | 31 | 37,3 | 19 | 35,8 | 5 | 17,2 | 7 | 16,7 | 62 | 30,0 | |
Total | 83 | 100,0 | 53 | 100,0 | 29 | 100,0 | 42 | 100,0 | 207 | 100,0 |
* Referente ao χ2 de Pearson. † Em menores de um ano, as afecções perinatais superaram as neoplasias, constituindo a quinta causa de internação. As doenças endócrinas, metabólicas e nutricionais representaram a nona causa mais freqüente na faixa de 5-9 anos, superando as doenças do aparelho digestivo, e a sétima causa a partir de 10 anos, à frente das doenças do aparelho circulatório. ‡ Em menores de um ano, as doenças do aparelho digestivo superaram as doenças do aparelho respiratório como causa de óbito. A partir de 10 anos, as causas externas superaram as malformações congênitas.
Como causas de óbito (Tabela 3), predominaram as doenças infecciosas e parasitárias (30%), seguidas pelas neoplasias (14%), malformações congênitas (13,5%) e doenças do aparelho respiratório (12,6%). Em todas as faixas etárias, as doenças infectoparasitárias também representaram a principal causa de óbito, com exceção do grupo de 5-9 anos, no qual ocuparam o segundo lugar, superadas pelas neoplasias.
Este estudo identificou a magnitude das internações e mortes na totalidade das UTIP do SUS de Pernambuco, evidenciando, entre as faixas etárias, diferenças relacionadas às suas características. Revelou-se, ainda, a concentração espacial das UTIP em hospitais localizados na capital do estado, indicando a desigualdade de acesso geográfico a cuidados intensivos pela população pediátrica residente em áreas mais afastadas.
Informações sobre o universo de UTIP de determinada região são escassos1,19,20, não se identificando, até então, estudos dessa natureza referentes aos estados da região Nordeste do Brasil. Nesse aspecto, ressalta-se que a inclusão de todas as UTIP da rede do SUS-PE no estudo foi possível devido a disponibilidade de informações no SIH/SUS a respeito das características dos usuários e da assistência prestada. O uso desse sistema como fonte para diversas investigações é crescente, devido à produção ágil e melhoria da qualidade da sua base de dados, além da facilidade de acesso21. Ressalva é feita ao diagnóstico principal de admissão e de óbito, com menor confiabilidade, principalmente quando a causa é mais especificada22,23. A esse respeito, para minimizar a possibilidade de viés, recomenda-se que o diagnóstico principal seja agrupado em capítulos da CID-1024, estratégia que foi utilizada neste estudo.
A comparação dos achados observados em diversos estudos sobre as internações em UTIP apresenta limitações, pois unidades diferentes possuem características distintas, como idade dos pacientes admitidos, causas de admissão, disponibilidade de recursos no hospital e atributos próprios da população local. Ainda assim, é descrito que a maioria das admissões em UTIP é de lactentes2,4-6,8,11,13,25-27, devido a características inerentes a essa faixa etária, na qual o sistema imunológico ainda não está completamente desenvolvido, tornando-os mais susceptíveis a doenças e complicações que necessitam de cuidados intensivos4,5.
Neste estudo, predominaram as internações entre um e quatro anos de idade, o que está de acordo com o observado em uma unidade do Uruguai28 e em outra na capital do estado de São Paulo-Brasil9, onde as admissões, nessa faixa etária, foram superiores as observadas em menores de um ano. Ressalta-se que cerca de 60% das internações ocorreram em menores de cinco anos, com posterior queda com o avançar da idade. O que difere do perfil de uma UTIP na Etiópia, onde a faixa etária predominante foi de 10 a 14 anos29.
O tempo médio de permanência (14,4 dias) encontrado foi superior ao observado em outros estudos: 5,5 dias em Botucatu-São Paulo8; 7,3 dias em Maringá-Paraná5; de 6,6 a 8,9 dias em Porto Alegre-Rio Grande do Sul4; 9,7 dias em São Paulo (capital)9; 5,0 dias em Medellín-Colômbia13. Entretanto, tais estudos levaram em consideração somente uma unidade, cujas características da demanda e do serviço podem ter contribuído para o menor tempo de internação observado. Os menores de um ano apresentaram tempo de permanência e custos de internação maiores. Tal achado corrobora o descrito por Chalom et al.30, de que o tempo de permanência é a variável com maior correlação com os custos da internação, que, por conseguinte, vêm associados à maior gravidade das doenças e ao surgimento de complicações.
A taxa de letalidade descrita em UTIP2,4,5,8,11-14,20,28,31varia de 6,7%12 a 36,1%14, intervalo bastante amplo e no qual se encontra o valor observado no conjunto das UTIP de Pernambuco (10,8%). Essa taxa sofreu influência da UTIP que concentrou cerca de 60% das internações em Pernambuco, pois, em estudos anteriores, a letalidade dessa unidade foi de 9%32 e 10,2%33. A maior letalidade foi observada nos pacientes mais jovens4,5,13,diferente de estudo realizado em UTIP de Porto Alegre-Rio Grande do Sul10, onde a taxa de letalidade aumentou com o avançar da idade. A predominância de admissões no sexo masculino4,5,8-14,29, descritas por vários autores, também foi observada neste estudo em todas as faixas etárias, porém sem diferença significativa entre elas.
Quanto ao local de residência, aproximadamente 45% das admissões foram de moradores da Região Metropolitana do Recife. Essa mesorregião é composta por 14 municípios, concentra 42% da população do estado e todas as UTIP da rede do SUS-PE localizam-se em seu município-sede (Recife). Em 2010, em decorrência dessa concentração geográfica das unidades, usuários residentes em 147 dos 170 dos municípios das outras mesorregiões do estado percorreram distâncias consideráveis em busca de cuidados intensivos. Embora seja desejável a localização de UTIP em municípios com hospitais com maior estrutura, recursos e pessoal qualificado, no caso de Pernambuco, inclusive por conta de sua configuração geográfica, fica evidente que a localização exclusiva das UTIP na capital representa uma importante iniquidade no acesso ao tratamento intensivo.
Os pacientes residentes em municípios do Sertão deslocaram-se em média mais de 480 km e os do Agreste, mais de 150 km em busca de assistência intensiva. Caso a mensuração das distâncias percorridas tivesse considerado a malha viária, o que não foi possível com os dados secundários utilizados, esses valores seriam ainda maiores, a exemplo de um determinado município do Sertão, distante 730 km da capital do estado, que teve uma média mensal de três moradores admitidos em UTIP localizadas no município do Recife.
A regionalização da atenção terciária, mais especificamente da terapia intensiva pediátrica, portanto, requer avaliação, por parte do estado, para assegurar ao paciente acesso ao cuidado requerido, sem as barreiras representadas pelas grandes distâncias a serem percorridas. A falta de equidade na distribuição geográfica das UTIP limita o acesso de pacientes residentes em municípios mais distantes do Recife, penalizando uma grande parcela da população. No município de São Paulo, Souza et al.1 referem o transporte inadequado no setor público de crianças criticamente enfermas, com prejuízo de sua condição clínica. Embora essa questão não tenha sido investigada neste estudo, é provável que tal situação seja corriqueira em Pernambuco, potencializando os malefícios da desigualdade na distribuição geográfica de UTIP no estado. Ressalta-se, portanto, a importância de um sistema efetivo de controle de vagas e de transporte para a criança criticamente enferma, para minimizar os efeitos negativos da concentração geográfica das UTIP. Em outra frente, a implementação de programas de prevenção e gestão de doenças e acidentes na infância pode contribuir para redução da necessidade de internação em UTIP.
A maioria das admissões foi realizada nas duas UTIP da rede filantrópica, uma das quais abriga o maior quantitativo de leitos e é a única unidade do tipo III no estado. O tipo de procedimentos realizados nas internações em UTIP depende das características dos hospitais e das unidades de terapia intensiva neles inseridos, o que influi no perfil da clientela admitida. Neste estudo, a maior frequência de procedimentos clínicos é compatível com o encontrado em algumas UTIP4,5,9,11. Mas, em outras existe a predominância de procedimentos cirúrgicos6,8,14,25. No conjunto das unidades estudadas, os procedimentos cirúrgicos só predominaram em menores de um ano, embora três UTIP estejam inseridas em hospitais com serviço de cirurgia pediátrica e outras três localizem-se em hospitais que realizam cirurgia cardíaca em crianças. Em menores de um ano, a maior frequência de procedimentos cirúrgicos, entre os quais predominam cirurgias do aparelho circulatório, decorre, provavelmente, das malformações congênitas constituírem a primeira causa de admissão em UTIP nesse grupo etário.
Entre as causas de admissão nas UTIP, as neoplasias ocuparam o primeiro lugar, no geral e em todas as faixas etárias a partir de um ano. Tal característica também foi observada em UTIP da Grécia11, mas difere do encontrado em outras unidades5,9,12,28, nas quais predominam causas respiratórias. A maior ocorrência de doenças de caráter crônico no conjunto das UTIP estudadas em Pernambuco pode estar relacionada com as características das próprias unidades e dos hospitais em que se inserem e também com a desigualdade de acesso geográfico que foi evidenciada. Deve ser investigada, portanto, a possibilidade de pacientes residentes no interior do estado com indicação de cuidados intensivos por doenças agudas não serem sequer transferidos para a capital, onde se localizam as UTIP.
As doenças infecciosas e parasitárias, com exceção dos pacientes entre cinco e nove anos, representaram a mais comum causa de óbito, o que difere do observado em Maringá-Paraná5 e em Botucatu-São Paulo8, onde as doenças respiratórias foram mais frequentes. Já em UTIP da capital de São Paulo9, as neoplasias constituíram a principal causa de óbito e, em unidade da Etiópia29, os traumatismos (causas externas).
De forma geral, quando o diagnóstico é precoce, a maioria das doenças infecciosas e respiratórias é de manejo mais fácil e não necessita de muitos recursos e tecnologia avançada quando comparadas com afecções de caráter crônico5. As doenças infecciosas e parasitárias como principal causa de morte em UTIP, por serem extremamente dependentes de melhores condições de vida e sensíveis à prevenção primária, sugerem, portanto, deficiências na rede de atenção à saúde e na estrutura social do estado.
Ressalta-se que os achados deste perfil podem contribuir com a gestão da rede de atenção à saúde de Pernambuco, visando à definição mais apropriada da localização e estrutura das UTIP, a alocação e qualificação de pessoal, além do fornecimento de equipamentos e insumos, possibilitando a melhoria do acesso e da qualidade da atenção prestada no estado.Para garantir uma boa qualidade em cuidados intensivos pediátricos, não basta apenas adequar a oferta de leitos e a estrutura das unidades (recursos físicos, materiais, humanos e financeiros). É necessário, também, aprimorar os processos assistenciais, com investimento sustentado tanto na formação e educação continuada de toda a equipe de saúde, como em linhas de pesquisa específicas para o setor.
Concluindo, em Pernambuco, as internações em UTIP predominam em unidades filantrópicas e do tipo III, no grupo de 1-4 anos e por neoplasias. Existem desigualdades no acesso geográfico à internação e nas características dos grupos etários. Os procedimentos clínicos superam os procedimentos cirúrgicos e as doenças infectoparasitárias representam a principal causa de óbito em UTIP.