versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.27 no.3 São Paulo maio/jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014193
A leitura é uma habilidade complexa composta por múltiplos processos interdependentes e envolve a integração de diferentes habilidades linguístico-cognitivas( 1 - 3 ). Trata-se de uma habilidade importante que marca a trajetória de desenvolvimento do indivíduo, pois possibilita a ele a ampliação de conhecimento de mundo e vocabulário, uma vez que, na sociedade atual, grande parte da informação é adquirida por meio da leitura, seja na internet ou por meio de aplicativos nos diferentes aparelhos eletrônicos.
No Brasil, um dos países com alto índice de mau desempenho em leitura, conforme registrado na última avaliação do Programme for International Student Assessment (PISA)( 4 ), a investigação mais aprofundada sobre os parâmetros de fluência de leitura são de extrema importância a fim de prover subsídios para que esta realidade seja modificada a médio e a longo prazo. Dentre os parâmetros de fluência de leitura mais estudados está a acurácia, e vários estudos têm demonstrado a sua importância e contribuição para a construção de estratégias para ao desenvolvimento da fluência de leitura( 5 - 7 ).
Nos últimos anos, diversos estudos internacionais( 8 - 10 ) vêm ressaltando a importância da avaliação do desenvolvimento da acurácia de leitura para o monitoramento da evolução das crianças, bem como da efetividade de programas terapêuticos em leitura. Entretanto, uma questão ainda em discussão na literatura diz respeito à forma de avaliar a acurácia de leitura, bem como os critérios de análise que devem ser considerados. Para o Português Brasileiro (PB), há algumas propostas de avaliação e de critérios de análise da acurácia de leitura que consideram a quantidade de palavras lidas corretamente e o número de palavras corretas lidas por minuto( 5 , 11 , 12 ). Nessas propostas( 5 , 11 , 12 ), os critérios de análise são baseados nas regras de codificação ortográfica( 13 ).
Apesar de ter promovido avanços no entendimento das dificuldades apresentadas por crianças na acurácia da leitura, a análise por meio das regras de codificação é detalhada e específica, o que pode dificultar a sua aplicação por profissionais da educação. Portanto, analisar a acurácia de leitura considerando a extensão das palavras e a sua estrutura silábica pode trazer contribuições para uma melhor caracterização do padrão de aquisição e desenvolvimento da leitura acurada.
Outra vantagem desse tipo de análise é fornecer subsídios mais consistentes para a intervenção nos problemas de leitura e levar a ações que possam reduzir os maus índices comumente apresentados pelos leitores brasileiros em avalições internacionais de leitura( 5 , 11 , 12 , 14 , 15 ).
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi caracterizar o perfil de acurácia de leitura de crianças do ensino fundamental I, considerando a extensão e a estrutura silábica das palavras.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Instituição sob o nº 149/11. Participaram deste estudo 29 crianças do terceiro ano (GP1) e 28 do quarto ano do ensino fundamental (GP2) de uma escola pública da zona oeste de São Paulo, num total de 57 sujeitos. A média de idade para o GP1 foi de 8:5 e para o GP2, 9:3 anos.
Para participação no estudo, foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ausência de queixas relacionadas ou indicadores de alterações da audição e/ou visão e de indicadores de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos, bem como de alterações de linguagem oral; dificuldades ou transtornos do aprendizado da leitura e ausência de retenção no histórico escolar; desempenho dentro do esperado para idade na prova de Fonologia do ABFW( 16 ) e desempenho classificado como médio ou superior para a escolaridade na pontuação total do Teste de Desempenho Escolar (TDE)( 17 ).
Após a autorização dos dirigentes da escola pública, foi enviado aos pais ou responsáveis o termo de consentimento livre e esclarecido para autorização da participação de seus filhos no estudo.
Aos pais que assinaram o termo de consentimento, encaminhou-se um questionário referente ao desenvolvimento das linguagens oral e escrita de seus filhos, conforme aquele utilizado em estudo recente( 15 ). Além disso, foi solicitado aos professores que preenchessem um questionário informativo sobre o desempenho acadêmico e as características comportamentais de cada criança da amostra( 15 ). Apenas realizaram a etapa seguinte da seleção dos sujeitos as crianças cujos pais e/ou professores não tivessem registrado nenhum tipo de queixa nos questionários. Nos casos em que foram detectadas alterações de linguagem e/ou fala, os pais foram orientados e encaminhados ao serviço de Fonoaudiologia mais próximo de suas residências.
Em seguida, as crianças selecionadas foram submetidas à avaliação fonoaudiológica quanto aos aspectos fonológicos da linguagem oral e avaliação da linguagem escrita. No que diz respeito à investigação com relação aos aspectos fonológicos, foi aplicada a prova de imitação da parte de fonologia do teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática do ABFW( 16 ). Em relação à avaliação da linguagem escrita, utilizou-se o TDE, de acordo com as descrições do manual para sua aplicação e interpretação( 17 ). O teste é composto de três subtestes: escrita, leitura e aritmética. A aplicação do TDE teve duração aproximada de 20 a 30 minutos com cada criança, fornecendo um resultado geral do desempenho acadêmico de cada uma delas.
Para caracterizar a acurácia de leitura, selecionou-se um texto para o GP1 e outro para o GP2, conforme o ano escolar dos sujeitos, sendo que ambos os textos pertencem ao Teste de Avaliação da Compreensão Leitora de Textos Expositivos( 18 ). As crianças foram solicitadas a ler o texto em voz alta e da forma como estavam habituadas a fazê-lo. As leituras foram filmadas pelo avaliador e transcritas para posterior análise.
É importante ressaltar que diversos autores afirmaram que os textos utilizados para a obtenção dos parâmetros de fluência de leitura devem estar de acordo com o grau de escolaridade do indivíduo, seu nível sociocultural e suas práticas de letramento( 3 , 19 - 21 ). Em função de tais fatores, neste estudo, optou-se pela utilização de textos diferentes, respeitando-se os perfis leitores dos estudantes de diferentes níveis de escolaridade.
Para melhor analisar a acurácia de leitura, os dois textos para avaliação foram caracterizados tanto quanto ao número de monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos quanto como em relação à frequência do tipo de estrutura silábica. Assim, foi possível observar um maior número de palavras de todas as extensões no texto do GP2, com maior quantidade de trissílabos e polissílabos e maior concentração de palavras com estrutura silábica mais complexa (por exemplo CCV), conforme Tabela 1.
Tabela 1. Análise da extensão e estrutura silábica das palavras dos textos
GP1 n (%) |
GP2 n (%) |
|
---|---|---|
Extensão da palavra | ||
Número de monossílabos | 40 (43,4) | 65 (38,4) |
Número de dissílabos | 31 (33,6) | 54 (31,9) |
Número de trissílabos | 14 (15,2) | 35 (20,7) |
Número de polissílabos | 5 (5,4) | 11 (6,5) |
Número de polissílabos (5 ou mais sílabas) |
2 (2,1) | 4 (2,3) |
Estrutura silábica | ||
Sílabas V | 21 (12,5) | 48 (14,1) |
Sílabas VV | 8 (4,7) | 3 (0,8) |
Sílabas VC | 7 (4,1) | 21 (6,1) |
Sílabas CV | 77 (46,1) | 159 (46,9) |
Sílabas CVV | 9 (5,3) | 28 (8,2) |
Sílabas CCV | 14 (8,3) | 12 (3,5) |
Sílabas CVC | 32 (19,1) | 68 (20) |
Número total de palavras | 92 | 169 |
Legenda: V = vogal; VC = vogal/consoante; CVV = consoante/vogal/vogal; CCV = consoante/consoante/vogal; CVC = consoante/vogal/consoante; CV = consoante/vogal.
Para fins de análise, considerou-se como leitura correta dos estímulos alvos aquela que respeitou as relações grafofonêmicas e as regras ortográficas. Verificou-se ainda o desempenho dos sujeitos na leitura conforme a porcentagem de acerto tanto em relação à extensão da palavra (monossílabo, dissílabo, trissílabo, polissílabo) quanto como da estrutura silábica (V, VV, VC, CV, CVV, CCV, CVC).
Após coleta e tabulação, os dados foram submetidos à análise estatística. Para comparar a acurácia de leitura em função dos tipos de palavras intra e intergrupo, bem como na comparação da acurácia nas diferentes estruturas de palavras entre si e nos dois grupos, foi aplicada a técnica de análise de variância com medidas repetidas. Para verificar as diferenças apontadas na análise de variância com medidas repetidas, os valores de p foram corrigidos pelo procedimento de Bonferroni. Nos testes de hipótese, um nível de significância de 0,05 foi estabelecido.
Nesta seção, serão apresentados os resultados do desempenho das crianças em relação à acurácia de leitura quanto à extensão da palavra e às estruturas silábicas.
A análise descritiva da porcentagem de acertos de acordo com a extensão da palavra pode ser observada na Tabela 2.
Tabela 2. Desempenho das crianças de GP1 e GP2 na acurácia de leitura conforme a extensão da palavra
Estrutura silábica | GP1 (n=29) | GP2 (n=28) | ||
---|---|---|---|---|
Média (DP) | Mediana (Mín–Máx) | Média (DP) | Mediana (Mín–Máx) | |
Monossílabas | 95,7 (5,8) | 97,5 (80,0–100,0) | 98,8 (1,4) | 98,5 (95,4–100,0) |
Dissílabas | 89,9 (11,9) | 92,9 (57,1–100,0) | 98,7 (1,7) | 100,0 (94,3–100,0) |
Trissílabas | 74,9 (19,8) | 78,6 (28,6–100,0) | 92,2 (5,4) | 94,3 (80,0–100,0) |
Polissílabas | 81,4 (23,9) | 80,0 (20,0–100,0) | 91,6 (8,2) | 90,9 (72,7–100,0) |
Polissílabas (5+) | 53,5 (37,6) | 50,0 (0,0–100,0) | 75,0 (9,6) | 75,0 (50,0–100,0) |
Os perfis individuais da acurácia de leitura por extensão da palavra estão representados na Figura 1. Nota-se que a variabilidade das porcentagens de acertos varia conforme o aumento do número de sílabas, com maior crescimento em GP1.
A análise de variância com medidas repetidas apontou que há efeito de interação entre grupo e extensão da palavra (p=0,008). Isto significa que as diferenças entre os tipos de palavras dependem do grupo (Tabela 3), e que a variação entre os grupos depende da extensão da palavra (Tabela 4).
Tabela 3. Valores de p obtidos na comparação dois a dois entre as médias da acurácia de leitura de acordo com a extensão das palavras
Comparação | GP1 | GP2 |
---|---|---|
MONO x DI | >0,999 | >0,999 |
MONO x TRI | <0,001 | 0,001 |
MONO x POLI | 0,021 | <0,001 |
MONO x POLI (5+) | <0,001 | <0,001 |
DI x TRI | 0,013 | 0,001 |
DI x POLI | 0,639 | <0,001 |
DI x POLI (5+) | <0,001 | <0,001 |
TRI x POLI | >0,999 | >0,999 |
TRI x POLI (5+) | <0,001 | <0,001 |
POLI x POLI (5+) | <0,001 | <0,001 |
Legenda: MONO = palavras monossílabas; DI = palavras dissílabas; TRI = palavras trissílabas; POLI = palavras polissílabas; POLI (5+) = palavras polissílabas com cinco ou mais sílabas
Tabela 4. Valores de p obtidos na comparação entre as médias das porcentagens de acertos entre GP1 e GP2
Tipo | Valor de p |
---|---|
MONO | 0,023 |
DI | <0,001 |
TRI | <0,001 |
POLI | 0,093 |
POLI (5+) | 0,013 |
Legenda: MONO = palavras monossílabas; DI = palavras dissílabas; TRI = palavras trissílabas; POLI = palavras polissílabas; POLI (5+) = palavras polissílabas com cinco ou mais sílabas
A comparação dois a dois indicou várias diferenças entre as porcentagens de acerto de acordo com a extensão nos dois grupos. A média da porcentagem de acertos em palavras polissílabas, com cinco ou mais sílabas, é menor que nos demais tipos de palavras nos dois anos e, portanto, este é o tipo de palavra no qual ocorre a maior porcentagem de erros (Tabela 3).
Pode-se verificar que houve diferença na acurácia de leitura entre os grupos, para todas as extensões analisadas, com exceção das polissílabas, em que ambos os grupos apresentaram grande variabilidade de resposta (Tabela 4).
Na comparação de acordo com a estrutura silábica das palavras, as maiores diferenças entre as médias e medianas nos dois grupos foram observadas nas estruturas CVV (por exemplo, 'que'), CCV (dígrafos como nho, lho) e CVC (com, los), como observado na Tabela 5. Além disso, no GP1, a média da porcentagem de acertos em VC (por exemplo, 'as') é maior que em CVV e CVC. Na comparação entre as médias de VC e CCV, obteve-se um valor marginal de p.
Tabela 5. Desempenho do GP1 e GP2 em acurácia de leitura de acordo com a estrutura silábica das palavras
Estrutura silábica | GP1 (n=29) | GP2 (n=28) | ||
---|---|---|---|---|
Média (DP) | Mediana (Mín–Máx) | Média (DP) | Mediana (Mín–Máx) | |
V (%) | 93,9 (8,3) | 100,0 (69,2–100,0) | 98,2 (2,3) | 97,8 (91,1–100,0) |
VC (%) | 98,7 (7,0) | 100,0 (62,5–100,0) | 98,7 (3,4) | 100,0 (85,7–100,0) |
CVV (%) | 91,1 (18,9) | 100,0 (28,6–100,0) | 98,2 (3,7) | 100,0 (85,0–100,0) |
CCV (%) | 91,6 (8,3) | 92,9 (71,4–100,0) | 98,6 (3,0) | 100,0 (92,3–100,0) |
CVC (%) | 90,2 (13,2) | 93,5 (48,4–100,0) | 99,0 (1,0) | 98,5 (97,0–100,0) |
CV (%) | 94,8 (7,7) | 97,4 (66,2–100,0) | 98,1 (1,3) | 98,7 (95,4–100,0) |
Legenda: V = vogal; VC = vogal/consoante; CVV = consoante/vogal/vogal; CCV = consoante/consoante/vogal; CVC = consoante/vogal/consoante; CV = consoante/vogal.
Na análise de variância com medidas repetidas, observou-se interação entre estrutura silábica das palavras e ano escolar (p<0,001). A comparação entre grupos mostrou também evidências que as crianças de GP2 têm maior acurácia do que as do GP1 nas estruturas V, CCV e CVC e um valor de p marginal para a estrutura CV (Tabela 6). Cabe ressaltar que os resultados não incluíram a estrutura VV, pois ambos os grupos apresentaram 100% de acertos.
Tabela 6. Valores de p obtidos na comparação entre as médias da porcentagem de acertos nas estruturas de palavras duas a duas em cada ano
Comparação | Ano | |
---|---|---|
3º | 4º | |
V x VC | 0,770 | >0,999 |
V x CVV | >0,999 | >0,999 |
V x CCV | >0,999 | >0,999 |
V x CVC | >0,999 | >0,999 |
V x CV | >0,999 | >0,999 |
VC x CVV | 0,036 | >0,999 |
VC x CCV | 0,066 | >0,999 |
VC x CVC | 0,010 | >0,999 |
VC x CV | >0,999 | >0,999 |
CVV x CCV | >0,999 | >0,999 |
CVV x CVC | >0,999 | >0,999 |
CVV x CV | >0,999 | >0,999 |
CCV x CVC | >0,999 | >0,999 |
CCV x CV | >0,999 | >0,999 |
CVC x CV | >0,999 | >0,999 |
Legenda: V = vogal; VC = vogal/consoante; CVV = consoante/vogal/vogal; CCV = consoante/consoante/vogal; CVC = consoante/vogal/consoante; CV = consoante/vogal.
Na análise supracitada, porém sem incluir os resultados na estrutura VV, observou-se interação entre estrutura de palavra e ano escolar (p<0,001). Os resultados na Tabela 6 mostram que, no GP1, a média da porcentagem de acertos em VC é maior que em CVV e CVC. Na comparação entre as médias de VC e CCV, encontrou-se um valor marginal de p (entre 0,05 e 0,10). No GP2 não há diferença entre as médias da porcentagem de acertos nas seis estruturas relacionadas.
A comparação dois a dois indicou algumas diferenças entre as porcentagens de acerto, variando conforme a estrutura silábica das palavras. Os alunos do GP2 apresentaram maior média de porcentagem de acertos que os do GP1 nas estruturas V, CCV e CVC. Na análise da porcentagem de acertos na estrutura CV, foi obtido um valor de p entre 0,05 e 0,10 (Tabela 7).
Tabela 7. Valores de p obtidos na comparação entre as médias das porcentagens de acertos no terceiro e quarto ano em cada tipo de palavra
Estrutura | Valor de p |
---|---|
V | 0,036 |
VC | >0,999 |
CVV | 0,171 |
CCV | <0,001 |
CVC | 0,003 |
CV | 0,081 |
Legenda: V = vogal; VC = vogal/consoante; CVV = consoante/vogal/vogal; CCV = consoante/consoante/vogal; CVC = consoante/vogal/consoante; CV = consoante/vogal.
A contribuição do presente estudo foi indicar que a análise da porcentagem de acertos de acordo com a extensão da palavra e da estrutura silábica pode ser aplicada a qualquer prova de leitura ou texto, tanto em âmbito clínico quanto educacional. Outro destaque desta investigação foram as evidências obtidas por meio da comparação entre GP1 e GP2, indicando que as análises realizadas foram efetivas ao apontar que as crianças com maior tempo de escolarização apresentaram leitura mais acurada em palavras de maior extensão, assim como naquelas com os tipos silábicos mais complexos (CVV, CCV e CVC).
Especificamente a respeito da acurácia de leitura conforme o tipo de estrutura silábica, verificou-se resultado superior para GP2 em todos os tipos silábicos, com as maiores diferenças observadas em estruturas tipo CVV (como 'que'), CCV (os dígrafos nho, lho) e CVC (por exemplo, 'los' e 'com'). Ademais, a leitura de palavras formadas por dígrafos e encontros consonantais demonstrou um maior número de erros pelas crianças do GP1. Com base nesses resultados, evidencia-se que as palavras que apresentam estrutura silábica mais complexa que o padrão mais frequente da Língua Portuguesa (CV) parecem ser mais difíceis de serem lidas por crianças com menos tempo de escolarização.
Os dados permitem especular que os sujeitos do GP1 ainda não estão familiarizados com os padrões ortográficos da língua, realizando a leitura de todas as palavras de forma regular, sugerindo que utilizam prioritariamente a rota fonológica para a leitura, o que pode ter levado a um maior número de erros. Por outro lado o GP2, que cometeu menos erros, parece ter mais familiaridade com os padrões ortográficos, empregando mais frequentemente as representações ortográficas estocadas devido ao maior tempo de exposição à leitura e escrita. Dessa maneira, tendem a ler acuradamente tanto palavras regulares quanto irregulares, bem como aquelas com estrutura silábica mais complexa.
A leitura pela rota fonológica, típica de leitores iniciantes, depende da utilização do conhecimento das regras de conversão entre grafema e fonema para que a construção da pronúncia da palavra possa ser efetuada, e mostra-se mais efetiva em palavras com grafemas transparentes e estrutura silábica simples. Contrariamente, a leitura pela rota lexical depende do reconhecimento de uma palavra previamente adquirida e memorizada no sistema de reconhecimento visual de palavras. A recuperação do significado e da pronúncia dessa palavra ocorre por meio do endereçamento direto ao léxico, sendo esta pronúncia obtida como um todo( 3 , 19 - 22 ).
Nesse sentido, os dados desta pesquisa apontam que os leitores mais maduros se utilizam das duas rotas de leitura simultaneamente, pois dessa forma podem ler palavras com ortografias regular ou arbitrária, com diferentes extensões e estrutura silábicas, de maneira mais rápida e acurada( 3 , 21 - 24 ).
Quanto à analise dos erros conforme a extensão das palavras, observou-se que quanto maior a palavra, tanto maior a variabilidade de resposta no GP2, com aumento progressivo dos erros a partir de palavras trissílabas. Por outro lado, o GP1 apresentou grande variabilidade em todas as extensões das palavras, indicando que crianças com menor tempo de escolarização tendem a ter a leitura menos acurada. Notou-se também maior interação estatística entre a média de acertos e a extensão das palavras do que em relação à estrutura silábica. Tais resultados sugerem que no desenvolvimento da leitura das crianças desta amostra, a extensão da palavra desempenhou um papel mais importante do que a estrutura silábica.
Portanto, este estudo traz evidências da importância da extensão das palavras a serem empregadas nas diferentes atividades de leitura desenvolvidas em programas de fonoaudiologia escolar, bem como naqueles de intervenção fonoaudiológica. Isso decorre da observação de que há o aumento da acurácia de leitura para palavras com maior número de sílabas em função do avanço da escolaridade. As medidas da extensão e da estrutura silábica das palavras demonstraram ser efetivas para indicar a acurácia de leitura em função do avanço da escolaridade. Outra vantagem dessas medidas é a sua fácil aplicação e adequação para monitorar a evolução do desenvolvimento da leitura.
As análises propostas são de fácil entendimento e podem ser utilizadas por diferentes profissionais da educação, como o professor ou o orientador pedagógico, para monitoramento da evolução do desenvolvimento da leitura. É importante salientar que este tipo de análise é fundamental, pois contribui para avanços no entendimento do desenvolvimento da acurácia de leitura e permite um melhor delineamento da evolução do desempenho dos escolares brasileiros nas tarefas de leitura.
Adicionalmente, os dados da presente pesquisa indicam a importância do gerenciamento de palavras que serão utilizadas tanto com crianças no início da alfabetização, quanto para o planejamento terapêutico de escolares que apresentam problemas de leitura. Tal reflexão baseia-se nas evidências mostradas de que a extensão das palavras e a sua estrutura silábica são variáveis importantes a serem consideradas para o desenvolvimento da leitura, seja em âmbito clínico ou educacional.
O presente estudo mostrou evidências de que a extensão da palavra é um fator determinante para a aquisição da acurácia de leitura no PB. Os dados indicaram ainda que a leitura de sílabas que fogem ao padrão CV é mais difícil por crianças com menos tempo de escolarização. Conforme o aumento da escolaridade, os estudantes tendem a apresentar número superior de acertos em ambas as variáveis estudadas.
Além disso, a presente pesquisa apontou a importância da escolha das palavras a serem utilizadas em programas de fonoaudiologia escolar, terapêuticos e até mesmo em métodos de alfabetização, pois, dessa forma, pode-se respeitar o perfil de aquisição da leitura correta das palavras, como observado ao longo deste trabalho.