versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.25 no.2 São Paulo abr./jun. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/17014825022018
CrossFit es un nuevo método de entrenamiento físico y ha ganado popularidad desde su creación. El objetivo de este estudio fue analizar el perfil de lesiones en practicantes de CrossFit a través de una revisión sistemática. La Declaración PRISMA fue utilizada para la preparación de esta revisión. Se realizó una búsqueda bibliográfica en las siguientes bases de datos: CINAHL, SciELO, Science Direct, SCOPUS, LILACS, PEDro, PubMed, SPORTDiscus y Web of Science. Se evaluó la calidad metodológica de los estudios, entre los cuales diez estudios fueron considerados elegibles. La prevalencia de lesiones en los practicantes de CrossFit tuvo una variación del 5 al 73,5%, y la tasa de lesiones de 1,94 a 3,1 lesiones a cada 1000 horas de entrenamiento. La región corporal más lesionada fueran los hombros, seguido por las espaldas y rodillas. En relación a los factores asociados a las lesiones, se destacan el tipo de ejercicio fue realizado y el tiempo de práctica del CrossFit. En relación al género, los hombres presentaron más lesiones. La edad no estuvo asociada a las lesiones. Se concluye que la región corporal más comúnmente acometida entre los practicantes de CrossFit fueron los hombros, en individuos masculinos y con lesiones previas, muchas veces obtenidas en otras modalidades. Además, el CrossFit puede ser practicado con seguridad por individuos de 18 a 69 años.
Palabras clave: Ejercicio; Entrenamiento de Intervalos de Alta Intensidad; Heridas y Lesiones; Revisión.
É notável o recente interesse de pesquisadores e da população em atividades físicas nas quais que predomina a elevada intensidade1. Estudos mostram que o treinamento de alta intensidade promove mais benefícios na aptidão física e na saúde com menor tempo de duração, quando comparado aos métodos de treinamento tradicionais1), (2.
Nesse sentido o CrossFit® apresenta-se como um novo método de treinamento físico que vem ganhando popularidade desde sua criação e implementação no início dos anos 20003. Tem o objetivo de promover aptidão física por meio do desenvolvimento de componentes como capacidade aeróbia, força e resistência muscular, velocidade, coordenação, agilidade e equilíbrio4, através da realização de exercícios esportivos e funcionais, contemplando exercícios de levantamento olímpico, movimentos ginásticos e de condicionamento aeróbio, os quais podem ser executados em alta intensidade5.
No mundo existem aproximadamente 12 mil centros de fitness e academias certificados e registrados que oferecem a prática de CrossFit3, destes cerca de 440 estabelecimentos estão no Brasil, envolvendo aproximadamente 40 mil praticantes e atletas6. Pesquisas mostram um crescimento expressivo no número de praticantes dessa modalidade em diferentes populações como indivíduos saudáveis, com obesidade e atletas, devido ao seu caráter desafiador e motivacional7), (8), (9. Evidências mostram que cerca de 5% dos praticantes da modalidade apresentam relação de dependência com a mesma, o que está significativamente associado a incidência/frequência de lesões4.
O Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM) sugere potenciais benefícios do CrossFit, porém destaca significativos riscos de lesão em programas de condicionamento extremo como este10. Tais programas envolvem a execução de alguns exercícios que, se realizados incorretamente ou de maneira excessiva, podem ocasionar lesões musculoesqueléticas, lesões ligamentares e até rabdomiólise10. Dessa maneira, preocupações em relação ao potencial risco de lesões associadas à natureza intensa e repetitiva do CrossFit e aos requisitos técnicos necessários para realização dos exercícios com segurança têm crescido no meio científico e na prática da modalidade11.
Reunir informações a partir de estudos disponíveis na literatura sobre lesões de praticantes de CrossFit permite-nos conhecer dados relacionados à prevalência, taxas de lesões por horas de treinamento, regiões do corpo mais lesionadas e fatores associados às lesões, visando desenvolver e implementar ações preventivas na prática da modalidade, tendo em vista o aumento do número de praticantes e, consequentemente, de ambientes que possuem a prática de CrossFit. Além disso, é reconhecido o valor de uma revisão sistemática com análise de tais aspectos para a tomada de decisões clínicas nas áreas da medicina e fisioterapia. Uma vez que os estudos publicados de revisão sobre lesões no CrossFit12), (13 limitaram-se a investigar a taxa de lesões comparando-a com outros tipos de exercícios físicos e esportes, não foram observados estudos abordando os diversos aspectos que as lesões apresentam, como taxa e prevalência, regiões corporais mais acometidas e fatores associados, caracterizando um perfil de lesões14), (15. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil de lesões em praticantes de CrossFit por meio de uma revisão sistemática da literatura.
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura que seguiu os critérios recomendados pela Declaração PRISMA - Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses16.
Representando significativa parte da produção científica mundial, a busca pelos estudos foi feita nas bases de dados eletrônicas relacionadas às Ciências do Esporte e Exercício Físico e Fisioterapia: CINAHL via EBSCO, SciELO (Scientific Electronic Library Online), Science Direct, SCOPUS (Elsevier), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), PEDro (Physiotherapy Evidence Database), PubMed (National Library of Medicine and National Institutes of Health), SPORTDiscus via EBSCO e Web of Science- Coleção Principal (Thomson Reuters Scientific).
A busca dos estudos ocorreu no mês de maio de 2017 e foi encerrada no dia 11 de maio do mesmo ano. Para incluir toda a produção realizada sobre o tema nas bases de dados selecionadas, e devido à recente criação e desenvolvimento do CrossFit, o único termo utilizado para busca dos artigos foi “Crossfit”, da mesma forma como conduzido no estudo de Meyer et al. (13.
A busca na base de dados Web of Science foi realizada na Principal Coleção, no campo pesquisa básica com o termo “Crossfit”, selecionado o item tópico e o tempo estipulado como todos os anos.
Foram considerados para análise somente artigos originais sobre lesões com amostra de atletas e praticantes de CrossFit, incluindo estudos com abordagem quantitativa, qualitativa ou mista, com resumos e textos completos disponíveis na íntegra pelo meio on-line até o dia 11 de maio de 2017. Não foi estabelecido limite temporal. Foram excluídos artigos de revisão, estudos de caso, resumos de congresso, editoriais e cartas.
A elegibilidade dos estudos ocorreu por meio dos critérios PICOS e estão detalhados na Tabela 1.
Tabela 1 Critérios de inclusão e exclusão dos estudos selecionados para a revisão
Inclusão | Exclusão | ||
---|---|---|---|
P | Participate | Qualquer indivíduo praticante de CrossFit | Indivíduos praticantes de outras formas de exercício físico |
I | Intervention | CrossFit | Massagens, terapia manual, alongamentos, terapias alternativas, musculação, caminhada ou corrida, High Intensity Interval Training (HIIT) |
C | Comparision | Com indivíduos saudáveis ou não, com grupos de outros exercícios físicos ou Grupo Controle sem intervenção | - |
O | Outcome | Lesões, traumas | - |
S | Study | Estudo controlado randomizado e não randomizado | Estudos de caso, revisão, revisão com metanálise |
Os estudos foram selecionados por três revisores (FHD, TCS, TTS), de forma independente. Iniciou-se pela análise dos títulos dos artigos identificados por meio da estratégia de busca, seguida pelo exame dos resumos. Posteriormente foi realizada a análise do texto na íntegra dos artigos selecionados nas etapas anteriores. As discordâncias entre os revisores foram resolvidas por consenso.
Para estabelecer o perfil de lesões no CrossFit, realizou-se uma análise de dados em que foram consideradas as seguintes categorias: prevalência e tipo de lesões, região do corpo acometida pela lesão, taxa de lesão por tempo de treinamento e fatores associados e não associados às lesões.
Para avaliar a qualidade metodológica dos estudos utilizaram-se as recomendações do STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology), por meio do STROBE Statement -Checklist of items that should be included in reports of cross-sectional studies17), (18. Essa escala possui 22 itens que receberam uma pontuação de 0 (não atende) a 1 (atende), sendo que a pontuação total foi obtida a partir da soma da pontuação dos itens e, de acordo com o escore final do estudo, foi estabelecida uma classificação conforme Mataratzis et al. (19; a) quando o estudo preenchesse mais de 80% dos critérios estabelecidos no STROBE, indicando maior qualidade dos estudos; b) - quando 50%−80% dos critérios do STROBE fossem alcançados; e c) quando menos de 50% dos critérios fossem preenchidos.
A busca resultou em 684 registros. Após exclusão dos duplicados (n=75) e leitura do título, foram selecionados 100 artigos para o resumo. Nessa etapa, excluíram-se outros 79, restando 21 para leitura na íntegra. Por fim, 10 estudos fizeram parte da revisão final (Figura 1).
O tamanho da amostra nos estudos selecionados variou de 34 a 1.393, totalizando 3.307 sujeitos de pesquisa, sendo 2.244 do sexo masculino e 871 do sexo feminino (o sexo não foi reportado para 192 sujeitos). Os sujeitos foram caracterizados como praticantes de CrossFit em seis estudos, atletas em três estudos e soldados em um. A média de idade dos sujeitos de pesquisa variou de 26,8 a 38,9 anos, e a faixa etária de 18 a 69 anos.
A prevalência de lesões nos estudos variou de 5 a 73,5%. A taxa de lesões a cada 1.000 horas de treinamento de CrossFit variou de 1,94 a 3,1 lesões (Quadro 1).
Quadro 1 Lesões no CrossFit: Autor, amostra e principais resultados relacionados às lesões
Autor | Amostra | Resultados - Lesões | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Sexo | Idademédia (anos) | População | Prevalência (n/%) | Tipo de Lesão | Taxa de lesão (a cada 1.000 horas de treinamento) | ||
Homens | Mulheres | |||||||
Grier et al.20 | 1393 | 1248 | 145 | 26,8 | Soldados | 5% | - | - |
Hak et al. 21 | 132 | 93 | 39 | 32,3 | Atletas | 97 (73,5%) | - | 3,10 lesões |
Weisenthal et al.22 | 386 | 231 | 150 | 18 a 69 | Praticantes | 75 (19,4%) | Inflamação, entorse e luxação | - |
Chachula, Cameron, Svoboda23 | 54 | 40 | 14 | 17 a 50 | Praticantes | 24 (44%) | Articulares | - |
Huynh et al.24 | 34 | 25 | 9 | 35,5 | Praticantes | 12 (35%) | Rabdomiólise | - |
Sprey et al. 6 | 566 | 323 | 243 | 31,4 | Praticantes | 176 (31%) | - | - |
Summitt et al.25 | 187 | - | - | - | Praticantes | 44 (23,7%) | - | 1,94 lesões |
Aune, Powers26 | 247 | 139 | 108 | 38,9 | Atletas | 85 (34%) | - | 2,71 lesões |
Montalvo et al.27 | 191 | 94 | 97 | 31 | Atletas | 50 (26,17%) | Maioria agudas do que crônicas | 2,3 lesões |
Moran et al.3 | 117 | 51 | 66 | 35 | Praticantes | - | Agudas e de Início gradual | 2,10 lesões |
Legenda: (-): Não informa
Figura 2 Regiões corporais acometida pelas lesões nos estudos sobre CrossFit (número de estudos por região)
A região corporal mais acometida por lesões nos estudos selecionados foram os ombros (7 estudos). As costas e joelhos foram regiões lesionadas em praticantes de 4 estudos cada, seguido pela região lombar em 3 estudos e braços/cotovelos em 2 estudos. Regiões do corpo como cabeça/pescoço, punhos, coxas, pernas e pés foram citadas como regiões lesionadas em 1 estudo (Figura 2).
Foram observados diversos fatores associados às lesões em praticantes e atletas de CrossFit. Os que estiveram mais presentes nos estudos foram o tipo de exercício realizado, em 5 estudos3), (22)- (25) e o tempo de prática de CrossFit, em 3 estudos6), (26), (27. Além disso, o sexo apresentou associação com a prevalência de lesões, sendo que os homens apresentaram maior número de lesões em relação às mulheres, assim como a presença de lesões prévias esteve associada a novas lesões. Em 5 estudos, a idade esteve entre os fatores que não estiveram associados às lesões (Quadro 2).
Quadro 2 Resultados dos estudos sobre CrossFit em relação aos fatores associados e não associados às lesões
Autor | Fatores associados às lesões | Resultados | Fatores não associados às lesões |
---|---|---|---|
Grier et al.20 | a) Sexo e índice de massa corporal | a) Risco de lesão maior para os homens com IMC classificado como sobrepeso ou obesidade | - |
b) Fumo | b) Risco de lesão maior nos fumantes em relação aos não fumantes. | ||
Weisenthal et al.22 | a) Sexo | a) Homens apresentaram maior número de lesões do que as mulheres (53 contra 21) | Idade, tempo de participação, tempo da sessão de treinamento, dias de treinamento por semana |
b) Tipo de exercício | b) O ombro foi mais lesionado nos movimentos ginásticos e a lombar nos movimentos de powerlifting | ||
c) Supervisão de profissional | c) A taxa de lesão foi significativamente diminuída com o envolvimento do instrutor | ||
Chachula, Cameron, Svoboda23 | a) Lesões prévias | a) Praticantes com lesão articular prévia tem 3,75 vezes maior probabilidade de sofrer uma lesão relacionada ao CrossFit | Idade |
b) Tipo de exercício | b) Participantes percebem que exercícios como levantamento terra e kettlebell swing agravam lesões na lombar, os saltos intensificam a dor nos joelhos, e dores nos ombros e cotovelo são acentuados devido aos ring dips | experiência no CrossFit | |
Participação em aulas com supervisão de profissional | |||
Sprey et al.6 | a) Tempo de prática | a) Praticantes de CrossFit há mais de 6 meses (35%) mostraram maior taxa de lesão, com 70% em relação aos praticantes com menor tempo de prática | Sexo e faixa etária |
Summitt et al.25 | a) Tipo de exercício | a) Os praticantes atribuíram exercícios de ginástica como principal causa de lesão (25 lesões das 46 totais). | Idade, número de dias de descanso |
Aune e Powers26 | a) Tempo de prática | a) A taxa de incidência de lesões entre atletas com menos de 6 meses de experiência foi 2,5 vezes maior do que a de atletas com mais de 6 meses de experiência | - |
b) Tipo de exercício | b) Squat cleans, ring dips, overhead squats e push presses foram exercícios mais propensos a causar lesões | ||
c) Tipo de equipamento | c) Exercícios realizados com barras foram os que implicaram em mais lesões | ||
d) Lesão prévia | d) Atletas com lesão prévia de ombro possuem 8,1 vezes mais chances de lesionar o ombro em relação a atletas com ombros saudáveis | ||
b) Esforço excessivo e técnica inadequada | e) Atletas relataram que 35% das lesões ocorreu devido a esforço excessivo e 20% devido a técnica inadequada na execução dos exercícios | ||
Montalvo et al.27 | a) Tempo de participação e tempo de prática | a) Os atletas lesionados apresentaram mais tempo de participação (em anos) e tempo semanal de prática de CrossFit, em relação aos não lesionados | Idade, sexo, tamanho da turma de CrossFit, número de treinadores, anos de atividade física estruturada e participar de competição |
b) Atividade Física além do CrossFit | b) Atletas com prática de atividade física além do CrossFit têm 2,3 maior probabilidade de lesionar-se | ||
c) Estatura | c) Os atletas lesionados apresentaram maior estatura em relação aos não lesionados | ||
Moran et al.3 | a) Sexo | a) Maior taxa de lesão encontrada nos homens, que tiveram lesão nos últimos 6 meses | - |
b) Tipo de exercício | b) Exercícios de levantamento de peso foram os mais citados como causadores de lesão: agachamento, levantamento terra, overhead press e Snatch. |
Legenda: (-): Não informa
No que se refere à avaliação da qualidade metodológica pelos critérios do STROBE, a aderência aos critérios variou entre 50% e 81,8%, sendo a maioria dos estudos classificados como B e apenas um estudo classificado como A, possuindo acima de 80% dos critérios cumpridos (Tabela 2).
Tabela 2 Avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos
Critério STROBE | Título e Resumo | Introdução | Métodos | Resultados | Discussão | Outras informações | Escore Total (%) | Classificação |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Estudos | ||||||||
Grier20 | 0/1 | 1/2 | 4/9 | 4/5 | 3/4 | 0/1 | 12 (54,5) | B |
Hak et al.21 | 1/1 | 1/2 | 4/9 | 5/5 | 4/4 | 0/1 | 15 (68,1) | B |
Weisenthal et al.22 | 1/1 | 2/2 | 7/9 | 4/5 | 4/4 | 0/1 | 18 (81,8) | A |
Chachula, Cameron, Svoboda23 | 0/1 | 2/2 | 6/9 | 3,5/5 | 4/4 | 0/1 | 15,5 (70,4) | B |
Huynh et al.24 | 1/1 | 1/2 | 3/9 | 3/5 | 3/4 | 0/1 | 11(50) | B |
Sprey et al.6 | 1/1 | 2/2 | 6/9 | 4/5 | 4/4 | 0/1 | 17 (77,2) | B |
Summitt et al.25 | 1/1 | 1/2 | 3/9 | 3/5 | 3/4 | 0/1 | 11 (50) | B |
Aune, Powers26 | 1/1 | 1,5/2 | 6,5/9 | 4,5/5 | 2/4 | 0/1 | 15,5 (70,4) | B |
Montalvo et al.27 | 0/1 | 2/2 | 6/9 | 4/5 | 3/4 | 0/1 | 13(59) | B |
Moran et al.3 | 0/1 | 1/2 | 8/9 | 2/5 | 3/4 | 0/1 | 14 (63,6) | B |
Este estudo objetivou analisar o perfil de lesões em praticantes de CrossFit por meio de uma revisão sistemática da literatura. A fim de estabelecer o perfil de lesões, dados como prevalência, tipo de lesões, região do corpo acometida, taxa de lesão por tempo de treinamento e fatores associados e não associados às lesões como sexo, idade e tipo de exercício foram analisados e serão discutidos em tópicos a seguir.
A prevalência de lesões foi distribuída de forma desigual entre os estudos, o que pode ser explicado pela grande amplitude nos tamanhos amostrais, além de diferenças entre as populações investigadas e características de treinamento.
Embora um dos estudos tenha mostrado elevada prevalência de lesões com 73.5%21, este foi realizado por meio de um questionário divulgado em fóruns online, sendo uma limitação metodológica, pois não se sabe quantos indivíduos viram a pesquisa e optaram por não responder. Além disso, Hak et al. (21 realizaram o estudo com praticantes de todos os níveis de participação no CrossFit, por outro lado a experiência prévia de treinamento, ou seja, a prática anterior dos participantes das pesquisas de Weisenthal et al. (22 e Grier et al. (20 pode ter colaborado para a menor prevalência de lesões quando comparada ao estudo de Hak et al. (21, porém essa relação ainda não está clara na literatura.
Quando comparada a outras modalidades de exercício físico ou esporte, a taxa de lesões no CrossFit não é considerada elevada. Foi observada a taxa de 3.1 lesões a cada 1.000 horas de treinamento como valor máximo encontrado nos estudos21. Nos esportes foram encontradas taxas de 2,3 a 33 lesões na corrida de rua, 2,5 no handebol, 5,4 no triatlo, 5,45 na ginástica, 9,6 no futebol e 26,7 no rugby, a cada 1.000 horas de treinamento28), (29), (30), (31), (32), (33.
Infere-se que tal resultado pode ocorrer devido à ausência de determinantes como contato físico e prática do exercício em solos irregulares, os quais já se mostraram associados a lesões nos esportes34), (35), (36.
Foi observado maior índice de lesão no sexo masculino, resultado que pode estar relacionado à menor procura dos homens por treinadores para que possam ser supervisionados, em relação às mulheres. Evidências mostram que as mulheres consultam mais seus treinadores para dúvidas e supervisão quando comparado aos homens22. As publicações sobre lesões comparando homens e mulheres têm mostrado também maior prevalência no sexo masculino, em esportes como basquetebol, judô e corrida de rua37), (38), (39.
Diversas populações têm procurado a prática de CrossFit, muitas já praticantes de outras modalidades de exercício físico ou esporte e, em alguns casos, compostas por portadores de lesões prévias. Foi observado que esse é um fator associado importante, pois indivíduos com lesões prévias possuem 3,75 vezes maior probabilidade de adquiri-las novamente no CrossFit23, especificamente em relação ao ombro, foi visto que atletas com lesão prévia possuem oito vezes mais chance de lesionar o local comparado a atletas com ombros saudáveis26. Por conseguinte, destaca-se a necessidade de atenção para a anamnese dos novos praticantes nos locais que oferecem a prática de CrossFit, a fim de conhecer lesões antecedentes destes e prevenir a reincidência dessas lesões.
A associação entre lesões e tempo de prática mostrou-se não estar clara, pois alguns estudos mostraram que os praticantes com maior tempo de prática sofrem mais lesões em relação aos com menor tempo6), (27. Por outro lado, um estudo encontrou uma taxa de incidência de lesões entre atletas com menos de seis meses de experiência 2,5 vezes maior do que a de atletas com mais de seis meses de experiência, fator que pode ser explicado pela não execução da técnica correta dos movimentos26. Apesar do tempo de prática e frequência semanal de treino estarem associados à maior experiência nos exercícios, há o aumento da exposição do praticante à movimentação repetida, o que aumenta as chances de lesão27. Ademais, uma das características presentes na prática nos boxes de CrossFit é o estabelecimento de recordes pessoais, principalmente nos exercícios relacionados ao levantamento de peso, os chamados personal record (PR), em que o indivíduo busca executar o movimento com a maior carga possível. Tal característica estimula os praticantes a elevarem a carga à medida que aumenta seu tempo de prática, objetivando melhorar seus recordes, porém aumentando também o risco de lesão. Hak et al. (21 sugerem foco na técnica de execução apropriada, sendo característica mais importante do que a velocidade e número de repetições realizadas.
O fato de a maioria dos estudos não ter encontrado associação entre a presença de lesões e idade/faixa etária reforça o proposto por Weisenthal et al. (22, que afirmam que o CrossFit é um programa de treinamento físico que pode ser praticado com segurança por indivíduos de uma ampla faixa etária - 18 a 69 anos, desde que realizados em ambiente seguro.
O ombro foi a principal articulação acometida por lesões devido aos treinamentos de CrossFit. Segundo os estudos, esse resultado está relacionado à execução de alguns exercícios que vêm sendo considerados lesivos - como overhead squat, push press, kettlebel swing e snatch26 - por possuírem uma elevada amplitude de movimento do complexo do ombro, característica que pode aumentar o risco de lesão, visto que movimentos acima da linha articular do ombro predispõem a lesões devido à redução do espaço subacromial40.
O estudo de Weisenthal et al. (22 mostrou que, para os movimentos da ginástica olímpica presentes na modalidade, houve diferença significativa entre as regiões corporais que sofreram lesões, sendo o ombro a mais lesionada, correspondendo a mais de 41% das lesões de ombro nos praticantes analisados. A causa desse tipo de lesão geralmente está associada a uma diminuição da estabilização da articulação escapulo torácica. A discinese escapular afeta a excursão de movimento dessa articulação, sobrecarregando a articulação glenoumeral41), (42, esta geralmente está associada a um desequilíbrio muscular, principalmente pela fraqueza de serrátil anterior e trapézio fibras inferiores43), (44. O estudo de Summit et al. (25 mostrou que entre os movimentos ginásticos causadores de lesão (25 de 46) reportados pelos praticantes, estão o kipping pull-up, ring muscle-up, push-up e ring dips.
Além dos exercícios derivados da ginástica, os exercícios característicos do levantamento de peso olímpico que compõe o CrossFit, como overhead squat, exigem a colocação da articulação do ombro em posições de flexão extrema, abdução e rotação interna, as quais aumentam o risco de lesão45. Devido à elevada incidência de lesões no ombro encontrada nos estudos, sugere-se maior cautela sobre os exercícios ginásticos e de levantamento de peso olímpico por parte dos praticantes e dos profissionais que supervisionam a execução desses movimentos, com foco em fatores como esforço excessivo e técnica inadequada, fatores apontados pelos atletas como causadores de lesões em 35 e 20% dos casos respectivamente26.
Anteriormente citado na literatura como um risco durante a prática de CrossFit10, casos de rabdomiólise foram reportados em apenas um estudo relacionado24. Segundo Hak et al.21, isso pode ter ocorrido devido à inclusão de praticantes de diversos níveis de aptidão, sendo a rabdomiólise esperada naqueles que se exercitam em níveis extremamente elevados no fator intensidade. Rabdomiólise é um quadro não exclusivo do CrossFit, uma vez que outros esportes, se realizados de forma extenuante, também podem desencadeá-la. Ocorre, geralmente, devido à má prescrição de exercícios ou realização destes sem supervisão adequada46, fator este que também esteve associado a lesões no CrossFit como verificado no estudo de Weisenthal et al. (22, em que a taxa de lesão foi significativamente diminuída com o envolvimento do instrutor.
Falta de supervisão adequada e/ou má prescrição do treinamento pode resultar em componentes do treinamento como volume e carga inadequados ao praticante47, especialmente quando se trata de programas de condicionamento com elevada intensidade. Dessa forma o treinador deve possuir conhecimento sobre o pico de carga de cada atleta para prevenção de lesões. Halson48 sugere algumas variáveis que podem ser avaliadas para monitorar a carga de treinamento. Variáveis como frequência de treinamento, tempo, intensidade, esforço, repetições, volume, percepção de esforço ou fadiga, análise da técnica entre outras, devem ser levadas em consideração. O monitoramento dessas variáveis se faz importante para prevenir lesões, pois o desempenho não deve ser a única forma de verificar se a carga de treinamento está adequada ou não para o atleta48.
O quadro epidemiológico de lesões em algumas modalidades esportivas e de exercício físico ainda apresenta lacunas, carecendo de maiores investigações49. Nesse caso destaca-se o CrossFit, um tipo de treinamento físico novo que tem apresentado expressivo crescimento nos últimos anos. Consequentemente a produção científica sobre lesões nessa modalidade também é recente, dessa maneira sugere-se a investigação sobre lesões em futuros estudos, analisando praticantes e atletas após exposição ao CrossFit em longo prazo, caracterizando estudos longitudinais prospectivos, com melhores condições metodológicas e instrumentos específicos.
Todos os estudos selecionados na revisão cumpriram 50% ou mais dos critérios estabelecidos pelo STROBE. A maioria dos itens que não foram cumpridos esteve relacionada à descrição dos métodos, principalmente em relação ao viés, tamanho amostral e tratamento de variáveis quantitativas. Além disso nenhum estudo reportou outras informações como financiamento do estudo. Tais achados sugerem a necessidade de maior detalhamento na descrição na seção de métodos nos estudos futuros, para melhor qualidade metodológica.
Os estudos selecionados apresentam limitações, estes investigaram as lesões dos praticantes por meio do autorrelato, sendo assim, a acurácia de algumas respostas pode ter sido prejudicada, demonstrando a necessidade da utilização ou desenvolvimento e validação de instrumentos específicos para essa população. Além disso, a maioria dos estudos caracterizou-se como retrospectiva, ou seja, baseada em dados do passado e poucos estudos abordaram a questão do tratamento utilizado para as lesões, podendo ser um tema de futuras pesquisas.
A extrapolação dos achados deste estudo possibilita que os profissionais envolvidos com praticantes de CrossFit possam identificar fatores de risco associados às lesões, de forma a atuar preventivamente sobre estes. Conhecer a população, regiões corporais mais acometidas e proporcionar a devida supervisão na prática da modalidade, permite que o praticante seja orientado corretamente, minimizando o risco de lesões. Para conhecer sua população, é importante a realização de avaliações físicas e funcionais com o aluno da modalidade. Isso pode ser feito, por exemplo, com avaliações sobre os componentes mobilidade, equilíbrio e controle neuromuscular por meio de testes como o Y balance test e step down50), (51. Baixo desempenho nesses testes destaca a necessidade de maior cuidado sobre esses praticantes.
Aulas de CrossFit com pouca supervisão e/ou com elevado número de alunos também devem ser evitadas, afinal o controle dos profissionais sobre movimentos realizados de forma incorreta se torna mais difícil. Além disso, os trabalhos que antecedem o workout of the day (WOD), como aquecimento e atividades para desenvolvimento de uma habilidade específica devem ser realizados.
Conclui-se que os ombros são a região corporal mais comumente acometida de acordo com os estudos, seguidos pelas costas e pelos joelhos. As lesões foram relatadas com maior frequência em indivíduos do sexo masculino e com lesões prévias, muitas vezes obtidas em outras modalidades. Na maioria dos estudos não se evidenciou associação da idade com a presença de lesões, caracterizando o CrossFit como um programa de treinamento físico que pode ser praticado com segurança por indivíduos de 18 a 69 anos.