versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.3 São Paulo 2019 Epub 18-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019rw4628
A osteonecrose dos maxilares associada a medicamentos (OMAM) é caracterizada pela exposição de osso necrótico na cavidade oral que não cicatriza em um período de 8 semanas em pacientes que não foram submetidos à radioterapia. Segundo a American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons (AAOMS), para ser diagnosticado com OMAM, o paciente deve apresentar características como tratamento prévio/atual com bisfosfonatos, antirreabsortivos ou agentes antiangiogênicos.(1–7)
A angiogênese é responsável pela formação de vasos sanguíneos, o que possibilita o crescimento e a invasão tumoral nos vasos, favorecendo as metástases tumorais.(7) Os agentes antiangiogênicos são indicados nos tratamentos de doenças que dependem da neoformação vascular para seu crescimento e metastização.(7) A osteonecrose dos maxilares associada a agentes antiangiogênicos (OMAA) ocorre pela interferência na angiogênese do processo de reparo ósseo, levando à diminuição do fluxo sanguíneo nos ossos maxilares e resultando em contaminação bacteriana do osso exposto.(1,2,4,5,7,8)
A OMAA é uma complicação relativamente atual, visto que esses medicamentos estão sendo usados em larga escala.(7) Desta forma, ainda não foram realizados estudos longitudinais para verificar os principais fatores de risco odontológicos específicos dessa classe de medicamentos.
Traçar o perfil dos pacientes acometidos por osteonecrose dos maxilares associada a medicamentos e identificar os principais fatores de risco por meio de uma revisão integrativa.
Foi realizada uma busca nas bases de dados PubMed®/Medline® e Scopus com os descritores “osteonecrosis AND antiangiogenic therapy”. Os critérios de inclusão foram artigos publicados em inglês, de relato e/ou série de casos, disponíveis on-line e período ilimitado. Os critérios de exclusão foram pacientes tratados com bisfosfonatos e/ou antirreabsortivos, pacientes irradiados na região acometida pela osteonecrose, osteonecrose não envolvendo os ossos maxilares e estudos realizados em animais.
Foram encontrados 209 artigos nas bases de dados, sendo selecionados 18 artigos para a amostra final, em um total de 19 casos relatados, visto que um dos artigos apresentou dois casos que se enquadravam nos critérios de inclusão.
Na figura 1, observa-se o fluxograma com o resultado dos artigos encontrados. Os dados obtidos nos artigos selecionados foram registrados nas tabelas 1 e 2, tendo sido relacionados em ordem cronológica.
Tabela 1 Características de diagnóstico da osteonecrose dos maxilares associada a antiangiogênicos, tipos de agentes antiangiogênicos e seu mecanismo de ação nos artigos selecionados
Artigo (país) | Sexo, idade | Localização | Sinais e sintomas | Manifestação imaginológica | Características histológicas | Droga/dose |
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Estilo et al.(1) (Estados Unidos) Caso 1 | Feminino, 51 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE (1×1mm), TM normal, sem evidência de infecção, desconforto | NR | Osso desvitalizado, bactérias (Actinomyces) e células inflamatórias | Bevacizumabe (anti-VEGF), 15mg/kg, 3 semanas, total de 8 doses |
Dişel et al.(2) (Turquia) | Masculino, 51 | Mandíbula direita | OE (3×3mm), TM ulcerado e necrótico, sem evidência de infecção, fístula e abcesso, dor, dificuldade para mastigar | RP e TC: lesão óssea esclerótica | Osteonecrose, bactérias (Actinomyces) | Bevacizumabe (anti-VEGF) 5mg/kg, 6 ciclos/2 semanas |
Brunamoti Binello et al.(3) (Itália) | Masculino, 47 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE, edema com moderado exsudato na mucosa, trismo, dor, parestesia do lábio inferior lado esquerdo | RP: imagem insignificante; TC: perda óssea; CT: hipercaptação | NR | Bevacizumabe (anti-VEGF), 15mg/kg/6 meses/8 doses |
Erovigni et al.(4) (Itália) Caso 1 | Masculino, 79 | Mandíbula esquerda (linha milo-hióidea) | OE (3×1mm), TM ulcerado e necrótico, fístula, assintomática | TCFC: lesão óssea esclerótica na cortical e resíduo do alvéolo sem imagens de sequestro ósseo | NR | Bevacizumabe (anti-VEGF), dose NR |
Erovigni et.(4) (Itália) Caso 2 | Masculino, 60 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE (1cm), dor e lesão gengival | RP: sem sinais de osteólise, apenas o perfil do alvéolo; TC: lesão cortical óssea de 7mm×4mm | NR | Bevacizumabe (anti-VEGF), 5mg/kg/dia/14 dias (8 ciclos/4 meses) |
Ponzetti et al.(5) (Itália) | Feminino, 64 | Mandíbula direita | Avulsão não traumática de dois dentes com secreção purulenta, sintomas NR | RP e TC: múltiplos focos de osteonecrose na mandíbula | NR | Aflibercepte (anti-VEGF), dose NR |
Jung(6) (Coreia) | Feminino, 62 | Mandíbula direita e esquerda | OE ao redor dos implantes nos lados direito e esquerdo, com drenagem de pus, sangramento gengival e edema, dor | RP e TC: linhas de fratura/sequestro ósseo ambas regiões; CT: captação bilateral compatível com osteomielite | Osteomielite aguda | Pazopanibe (ITQ), 6 meses |
Pakosch et al.(8) (Alemanha) | Feminino, 53 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE (15×3mm), fístula por V e L, TM inflamado e ulcerado, abcesso, dor e edema | RP e TCFC: osteólise com duas áreas puntiformes de radiodensidade, composto de corpos estranhos, enfisema em TM, osso esponjoso fragmentado, opacidade no seio maxilar direito | Osteomielite crônica com fibrose da medula óssea e osso necrótico | Bevacizumabe (anti-VEGF) e sorafenibe (IMK), dose NR |
Greuter et al.(9) (Suíça) | Feminino, 63 | Maxila esquerda | Fístula, dor, nevralgia do trigêmeo | RP e TC: sinusite e osteonecrose | Osteonecrose | Bevacizumabe (anti-VEGF), dose NR |
Serra et al.(10) (Itália) | Masculino, 64 | Mandíbula esquerda | OE na região alveolar, dor | RP e TC: área de necrose óssea | Osso necrótico, bactérias e células inflamatórias | Bevacizumabe (anti-VEGF), 7,5mg/kg, 8g |
Koch et al.(11) (Suécia) | Masculino, 59 | Mandíbula esquerda | OE (10mm), TM normal, dor | TDV: área de osso hipodenso sem sequestro | Osso necrótico, bactérias (Actinomyces) | sorafenibe (ITQ), sunitinibe (ITQ) 50mg/dia |
Bettini et al.(12) (Itália) | Feminino, 57 | Mandíbula esquerda | OE (6×3cm) até osso basal, doença periodontal grave, abcesso periodontal na região posterior direita, dor e halitose | CT: captação focal e persistente sugestiva de infecção óssea. TC: sequestro ósseo | Osteonecrose, infiltrado inflamatório e poucos vasos sanguíneos | Bevacizumabe (anti-VEGF), 945mg EV/21 dias |
Nicolatou-Galitis et al.(13) (Grécia) Caso 2 | Feminino, 64 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE, TM inflamado, incisivos centrais superiores presentes com doença periodontal, dor | RP: não mostrou alterações radiológicas óbvias ou patologia óssea | NR | Sunitinibe (ITQ), 50 mg/dia |
Hopp et al.(14) (Brasil) | Masculino, 58 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE (5×5mm), TM normal, dentes da região sem alteração pulpar/periodontal, dor | EX: ausência de afecções periapicais/periodontais | Osso necrótico e bactérias | Bevacizumabe (anti-VEGF), 2,5mg (intravítreo) |
Fleissig et al.(15) (Israel) | Masculino, 58 | Mandíbula direita | OE (área pequena), TM inflamado, pouca drenagem de pus, linfonodos submandibulares aumentados, dor e abertura da cavidade oral limitada | RP: incompleta remodelação óssea na região do alvéolo; TC: irregularidade da margem cortical alveolar do 38 | Osso necrótico e bactérias | Sunitinibe (ITQ), 50mg, 1 vez/dia/4 semanas seguidas de 2 semanas sem drogas |
Magremanne et al.(16) (Bélgica) | Masculino, 49 | Mandíbula esquerda | OE do ângulo da mandíbula até linha média, edema submandibular até clavícula, necrose de parte do nervo mentual e artéria facial, dor | RP: ausência de lesões periapicais/periodontais; TC: infiltração; TM, sem evidência de necrose | Tecidos necróticos, infiltrado inflamatório, necrose hemorrágica e trombose local | Bevacizumabe (anti-VEGF), 10mg/kg, dose única |
Santos-Silva et al.(17) (Brasil) | Masculino, 61 | Mandíbula esquerda (lingual) | OE (1×1cm), TM normal, dor | RP: área de destruição óssea com descontinuidade da linha oblíqua externa; TC: perda de integridade e erosão do osso cortical subjacente associado à lesão | NR | Bevacizumabe (anti-VEGF) EV (10mg/kg a cada 2 semanas) |
Marino et al.(18) (Itália) | Feminino, 51 | Mandíbula esquerda | Inflamação, infecção com drenagem de pus, assintomática | RP: remodelamento ósseo incompleto; TC: irregularidade cortical e reação esclerótica | Necrose óssea atípica | Cabozantinibe (ITQ), 175mg/dia |
Garuti et al.(19) (Itália) | Masculino, 74 | Mandíbula direita (região do corpo) | OE sem infecção/sequestro ósseo, lesão gengival | TCFC: área lítica do corpo mandibular contralateral (direito), no local de uma extração dentária prévia (outubro de 2014) | NR | Sorafenibe (ITQ), 400mg/dia |
OE: osso exposto; TM: tecido mole; NR: não relatado; VEGF: fator de crescimento endotelial vascular; RP: radiografia panorâmica; TC: tomografia computadorizada; CT: cintilografia; TCFC: tomografia computadorizada de feixe cônico; ITQ: inibidor de tirosina-quinase; V: vestibular; L: lingual; IMK: inibidor de multiquinase; TDV: tomografia digital volumétrica; EV: via endovenosa; EX: exame radiográfico não especificado.
Tabela 2 Fatores locais, sistêmicos e conduta da osteonecrose dos maxilares associada a antiangiogênicos
Artigo (país) | Tempo de aparecimento da lesão | Doença de base | Fator desencadeante | Tratamento | Tratamentos associados | Comorbidades | Desfecho |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Estilo et al.(1) (Estados Unidos) Caso 1 | 1 semana | Câncer de mama, metástase TM | Espontâneo | Alisamento do OE, BCLX 0,12%, interrupção bevacizumabe e capecitabina | Doxorrubicina, ciclofosfamida, letrozol, paclitaxel, RT tórax e capecitabina | NR | Após algumas semanas: FC |
Disel et al.(2) (Turquia) | 2 semanas | Câncer de cólon sigmoide, metástase | Espontâneo | Curetagem e curativo | Fluorouracil, leucovorina e oxaliplatina | NR | NR |
Brunamonti Binello et al.(3) (Itália) | 10 meses | Câncer de parótida, metástase óssea | Erupção | Remoção OE, antibiótico (amoxicilina + clavulanato) | Epirrubicina e cisplatina | NR | Óbito |
Erovigni et al.(4) (Itália) Caso 1 | 3 anos | Câncer de cólon, metástase pulmonar | Exodontia | LTBP, antibiótico (amoxicilina + clavulanato e meropenem) e BCLX 0,2% | Capecitabina, oxaliplatina, leucovorin, oxaliplatina, RT região pulmonar, mitomicina e bisfosfonatos (depois da OMAB) | HAS e hiperplasia prostática | Após 6 meses: FC |
Erovigni et al.(4) (Itália) Caso 2 | 8 meses | Câncer renal, metástase pulmonar e cerebral | Exodontia | Antibiótico (amoxicilina + clavulanato e meropenem) e BCLX 0,12% | Leucovorin, oxaliplatina e RT pélvica | NR | Óbito |
Ponzetti et al.(5) (Itália) | Após 11° ciclo | Câncer de cólon, metástase hepática | Avulsão atraumática de 2 dentes | LTBP e interrupção da QT | Cetuximabe, capecitabina, oxaliplatina, raltitrexede e leucovorin | HAS e periodontite crônica | Óbito |
Jung(6) (Coreia) | 7 semanas | Câncer renal | NR | Remoção dos implantes e sequestros ósseos, instalação de placa de fixação, antibiótico (cefalexina de terceira geração), interrupção do everolimus (terapia com pazopanibe já havia terminado) | Everolimus | NR | Acompanhamento descontinuado |
Pakosch et al.(8) (Alemanha) | Durante o tratamento de 3 meses | Câncer de pâncreas | Abscesso | Remoção do OE, drenagem abcesso, antibiótico (amoxicilina + clavulanato), interrupção da QT, BCLX 0,12%. SNG para evitar trauma | Gemcitabina, erlotinibe, ácido folínico, 5-FU, oxaliplatina e paclitaxel | NR | Após 2 meses: FC |
Greuter et al.(9) (Suiça) | 1 mês | Câncer de mama | Exodontia | Remoção do OE, drenagem do seio maxilar | Doxorrubicina lipossomal | NR | Após 3 semanas: FC |
Serra et al.(10) (Itália) | 1 semana | Câncer de pulmão, metástase óssea | Exodontia | Remoção do OE, antibiótico (amoxicilina + clavulanato), BCLX 0,2% | Cisplatina e gemcitabina | NR | Após 2 semanas: iniciou terapia com ácido zoledrônico. FP |
Koch et al.(11) (Suécia) | 1 ano e meio | Câncer renal, metástase TM | Exodontia | Remoção do OE | Interferon, viblastina, ramipril, HCT, metoprolol e hyroxin | HAS e hipertireoidismo | Fechamento |
Bettini et al.(12) Itália | 1 mês | Câncer de pulmão, metástase linfonodos | Avulsão atraumática de dois dentes | Remoção prótese, Antibiótico (amoxicilina + clavulanato, lincomicina) | Gemcitabina, cisplatina e corticoterapia | Sem comorbidades | Após 2 semanas: fechamento |
Nicolatou-Galitis et al.(13) (Grécia) Caso 2 | 4 anos | Câncer renal, metástase pulmonar | Possível trauma da prótese dentária inferior | Antibiótico: amoxicilina, BCLX, interrupção do sunitinibe | Prednisolona | Hipotireoidismo e vasculite cutânea | Após 3 meses: FC |
Hopp et al.(14) (Brasil) | 2 anos | Trombose venosa na retina | Espontâneo | Curetagem óssea, antibiótico (clindamicina), BCLX 0,12% | NR | HAS, gota e trombose vascular retina | Após 3 semanas: FC |
Fleissig et al.(15) (Israel) | 6 meses | Câncer renal | Exodontia | Antibiótico (amoxicilina + clavulanato), interrupção temporária do sunitinibe | NR | Hipotireoidismo e osteoporose | Após 6 semanas: FP |
Magremanne et al.(16) (Bélgica) | 2 semanas | Gliobastoma | Exodontia | Antibiótico (clindamicina, meropenem), BCLX, desbridamento de TM, ligadura de artéria facial; curativo: gaze com povidona. Uso de SNE para alimentação | Temozolomida, RT e corticoide | NR | Após 4 semanas: FC |
Santos-Silva et al.(17) (Brasil) | 55 semanas | Câncer renal, metástase linfonodos | Espontâneo | Interrupção temporária do bevacizumabe e tensirolimus, BCLX 0,12% | Tensirolimus EV (25 mg/semana) | HAS | Após 3 meses: FC |
Marino et al.(18) (Itália) | 3 meses | Câncer de tireoide, metástase no fígado | Exodontia | Ostectomia segmentar, desbridamento, antibiótico, BCLX 0,2%. | 5-FU, dacarbazina, RT, levotiroxina, calcitriol, vitamina D3, duloxetina, propranolol, lansoprazol e loperamida | NR | Controle de 4 anos: FC |
Garuti et al.(19) (Itália) | 1 mês | Câncer de fígado, recidiva | Exodontia | Interrupção do sorafenibe | Furosemida, canrenoato de potássio, bisoprolol, alopurinol, tansulosina, hidroxicloroquina, vitamina D e sertralina | Hepatite C e estenose artéria aorta | Óbito |
TM: tecido molde; OE: osso exposto; BCLX: bochecho com clorexidina; RT: radioterapia; NR: não relatado; FC: fechamento completo; LTBP: laserterapia de baixa potência; OMAB: osteonecrose dos maxilares associada a bisfosfonatos; HAS: hipertensão arterial sistêmica; QT: quimioterapia; SNG: sonda nasográstrica; 5-FU: irinotecano; HCT: hidroclorotiazida; FP: fechamento parcial; EV: via endovenosa; SNE: sonda nasoenteral.
A OMAM é uma doença incomum que pode resultar em redução significativa da qualidade de vida, caracterizada quando todas as seguintes características estão presentes: tratamento atual ou prévio com agentes antirreabsortivos ou antiangiogênicos; osso exposto ou osso que pode ser sondado por fístula intra- ou extraoral na região maxilofacial que persiste por mais de 8 semanas; ausência de histórico de radioterapia nos ossos afetados ou doença metastática evidente na região.(7)
Historicamente, os primeiros medicamentos associados foram os bisfosfonatos, resultando no termo “osteonecrose dos maxilares associada a bisfosfonatos” (OMAB). No entanto, observou-se a necessidade de incluir outros medicamentos na etiopatogenia da osteonecrose, como os antirreabsortivos e antiangiogênicos. Os casos relatados de osteonecrose associada ao uso de agentes antiangiogênicos têm se acumulado ao longo dos anos e, dessa forma, o termo mais adequado para essa doença é a OMAA.(2,7,20)
A OMAM foi relatada pela primeira vez por Marx, em 2003,(21) e, apesar de ser estudada há quase duas décadas, a fisiopatologia da doença ainda não foi totalmente esclarecida. Os processos de inibição da reabsorção e remodelação óssea osteoclástica, inflamação e infecção, e a inibição da angiogênese são as hipóteses mais aceitas.(7,20,22)
O processo de angiogênese permite o crescimento e a formação de novos vasos sanguíneos, sendo essas características essenciais para a progressão de doenças, principalmente as oncológicas. Essa etapa é mediada por sinais químicos do organismo, sendo o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) o mais relevante neste processo. Este sinal liga-se a receptores de células endoteliais, que revestem a parede interna dos vasos sanguíneos, estimulando a angiogênese e alterando o equilíbrio de neoformação vascular.(7,23,24)
O mecanismo de ação dos antiangiogênicos resume-se em bloquear a ação direta ou indireta do VEGF. Algumas drogas atuam impedindo a ligação entre o VEGF e as células endoteliais, como o bevacizumabe, considerado um anticorpo monoclonal. Já o sunitinibe, outro agente antiangiogênico, atua de forma endógena, impedindo que receptores de VEGF enviem sinalização para as células endoteliais, sendo considerados inibidores da tirosina-quinase.(24,25)
Nesta revisão, pudemos constatar que os antiangiogênicos foram prescritos nos casos de câncer metastático em 63,2% (n=12),(1–5,10–13,17,18) sendo o câncer renal o diagnóstico mais prevalente (n=6; 31,6%),(4,6,11,13,15,17) seguido do câncer de cólon, com 15,8% (n=3).(2,4,5) A OMAA também foi descrita em um caso não oncológico de trombose venosa de retina.(14)
O antiangiogênico mais encontrado foi o bevacizumabe, com 58% dos relatos (n=11),(1–4,9,10,12,14,16,17) seguido do sunitinibe, com 11% (n=2),(13,15) e os demais 31% representados por aflibercepte (n=1),(5) sorafenibe (n=1),(20) cabozantinibe (n=1),(18) pazopanibe (n=1),(6) sorafenibe + sunitinibe (n=1)(11) e bevacizumabe + sorafenibe (n=1).(8)
Nos artigos selecionados, a Itália(3–6,10,12,18,19) foi o país de origem do maior número de artigos com 39% (n=7), seguida do Brasil,(14,17) com 11% (n=2), e Estados Unidos(1) (n=1), Suécia(11) (n=1), Turquia(2) (n=1), Grécia(13) (n=1), Israel(15) (n=1), Bélgica(16) (n=1), Alemanha(8) (n=1), Coreia(6) (n=1), Suíça(9) (n=1), representando, juntos, 50% (n=9) dos artigos. Por meio dessa evidência, sugere-se que não há influência geográfica e econômica em pacientes acometidos por OMAA.
A média de idade dos pacientes acometidos pela OMAA foi de 59,70 anos e a mediana foi de 60 anos, com idade mínima de 47 anos(3) e máxima de 79 anos.(4) Em relação ao sexo dos pacientes, pudemos observar o envolvimento de 11 homens (58%)(2–4,10,14–17,19) e 8 mulheres (42%);(1,5,6,8,9,12,13,16,18) dados discrepantes ao relatado pela AAOMS em 2014.(7) A raça dos pacientes estudados não foi nos artigos, sendo, por esse motivo, excluída a referida coluna da tabela final.
A região mais acometida foi a mandíbula em 95% dos casos, sendo o lado esquerdo envolvido em 69% dos casos (n=13),(1,3,4,8,10–14,16–18) o direito em 21% (n=4)(2,5,15,19) e os dois lados simultaneamente em 5%.(6) O seio maxilar esquerdo foi relatado em 5% dos casos.(9) Essa predileção pela região de mandíbula é explicada pelo fato de a mesma ser formada por osso compacto, o que significa menor aporte sanguíneo em sua estrutura quando comparada à maxila,(4,7,8) além de apresentar regiões com mucosa mais delgada, recobrindo áreas de proeminências ósseas, como, por exemplo, a linha milo-hióidea.(4,8)
Os sinais clínicos mais frequentes foram exposição de tecido ósseo em 84,2% dos casos (n=16),(1–4,6,8,10–17,19) seguida de: supuração (n=4)(5,6,15,18) e tecido mole inflamado (n=4)(8,13,15,18) (21% cada), fístula (n=3)(4,8,9) e úlcera (n=3),(2,4,8) (15,8% cada), necrose do tecido mole (n=2),(2,4) abscesso (n=2),(8,12) doença periodontal (n=2)(12,13) (10,5% cada) e avulsão atraumática (n=1),(5) trismo (n=1),(10) e linfadenopatia (n=1)(11) e necrose de nervo (n=1)(16) (5,3% cada). Os principais sintomas encontrados foram a dor em 73,7% dos casos (n=14),(2–4,6,8–17) seguida de edema (n=4),(3,6,8,16) em 21%, lesão gengival (n=2)(4,19) e paciente assintomático (n=2)(4,18) (10,5% cada). Além desses, também foram citados desconforto (n=1),(1) dificuldade de mastigação (n=1),(2) halitose (n=1),(1) parestesia de lábio inferior (n=1),(3) limitação de abertura da cavidade oral (n=1),(15) sangramento gengival (n=1),(6) drenagem de pus (n=1)(6) e nevralgia (n=1)(9) − cada um representando 5,3% da amostra. Um dos artigos não relatou os sinais e sintomas encontrados.(5)
Os exames mais frequentemente solicitados para diagnóstico complementar foram radiografia panorâmica,(2–6,9–18) tomografia computadorizada(2–6,8–12,15–19) e cintilografia óssea.(3,6) Por meio da radiografia panorâmica e tomografia computadorizada, observou-se que, nos casos inicias, não são encontradas alterações radiológicas óbvias;(13,14) entretanto, com a evolução do quadro, é possível verificar áreas de rarefação/osso hipodenso, presença de sequestro ósseo e ruptura da cortical óssea,(2–6,8–12,15–19) e, nas imagens obtidas na cintilografia, observamos, nas regiões de osteonecrose, hipercaptação do contraste.(3,6) Um dos artigos não relatou o tipo de imagem realizada.(1)
O tempo de aparecimento da lesão varia de acordo com o tipo, a dose e a duração do uso dos antiangiogênicos - e quanto maior a duração da terapia e mais idoso for o paciente, maior é a chance de desenvolvimento da OMAA.(4,7,12,16) O tempo mínimo encontrado foi de 1 semana(1) e o máximo de 4 anos.(13)
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da OMAA foram procedimentos odontológicos invasivos com manipulação de tecido ósseo, como extração dentária e cirurgia periapical/periodontal, além de trauma local, doença periodontal, infecção periapical, entre outros.(1–5,7,10–19) A OMAA também pode se desenvolver de forma espontânea.(7,10,16,17) Confirmando a descrição da literatura, os principais fatores de risco/desencadeantes encontrados foram exodontias em 50% dos casos (n=9),(4,9–11,15,16,18,19) Avulsão atraumática representou 11,1% dos casos (n=2);(5,12) trauma (n=1),(13) erupção (n=1)(3) e abcesso (n=1)(8) representaram 15,8% do total. Houve o desenvolvimento de OMAA de forma espontânea em 22,2% dos relatos de casos (n=4).(1,2,14,17) Em um dos artigos, o fator desencadeante não foi relatado.(6)
Os casos de OMAA devem ser tratados de acordo com o proposto pela AAOMS,(7) ou seja, considerando seu estadiamento. Nesta revisão, observamos que os tratamentos mais realizados foram antibioticoterapia em 63,2% dos casos (n=12),(3,4,6,8,10,12–16,18) enxaguatório bucal antimicrobiano em 52,6% (n=10),(1,4,8,9,13,14,16–18) interrupção do antiangiogênico em 42,1% (n=8),(1,5,6,8,13,15,19) remoção do osso exposto em 42,1% (n=8),(1,3,8–11,14,18) seguido de desbridamento de tecido mole (n=2),(16,18) curativo (n=2),(2,16) laserterapia (n=2),(4,5) sonda nasogástrica para interrupção da alimentação oral (n=2),(8,16) que representaram 10,5% cada. Curetagem (n=1),(2) remoção de prótese total (n=1),(12) drenagem de abcesso (n=1),(8) drenagem seio maxilar (n=1)(9) e remoção de implante (n=1)(6) representaram 26,3% dos casos restantes. Nos estágios iniciais, o tratamento pode ser realizado de forma mais conservadora, entretanto nos casos mais graves, é necessária a intervenção cirúrgica, almejando a estabilidade do OMAA.(7,15,17)
Alguns autores acreditam que fatores predisponentes podem aumentar o risco de desenvolvimento da OMAA, como tabagismo e diabetes,(5,7,11,12) etilismo,(5) anemia, entre outros. De acordo com a AAOMS, estudos padronizados e com evidências concretas devem ser realizados para comprovar a influência de outras comorbidades e/ou fatores predisponentes no desenvolvimento da OMAA.(7)
Em dois relatos de casos,(1,18) os pacientes foram submetidos à radioterapia, porém em região diferente da afetada pela OMAA sendo, portanto, incluídos nesta revisão. Em um relato de caso,(10) o paciente estava na vigência do tratamento da OMAA e iniciou terapia com ácido zoledrônico. Pelo fato de a OMAA ter sido diagnosticada antes do uso do bisfosfonato, o relato de caso foi incluído para análise.
Os desfechos dos casos relatados nesta revisão demonstram que, após os tratamentos realizados, a OMAA pode permanecer estável, ou seja, sem infecção, sem sintomatologia e sem progressão; entretanto seu desaparecimento completo não é alcançado.(7) O tempo para que se atinja a estabilidade da OMAA varia de acordo com a idade do paciente, o estágio de evolução e o tempo de uso do medicamento antiangiogênico.(7,12)
É de extrema importância que os pacientes que iniciarão tratamento com agentes antiangiogênicos realizem avaliação odontológica criteriosa previamente à terapia visando à adequação da cavidade oral, prevenindo infecções e a necessidade de procedimentos invasivos, e evitando, assim, a osteonecrose dos maxilares.