versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.31 no.9 Rio de Janeiro set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00142214
The objectives of this study were to describe the work done by Brazilian children and adolescents and compare the socioeconomic and health profile of those that worked (or were looking for work) versus non-working youngsters. Based on the 2008 Brazilian National Sample Household Survey (PNAD/2008), we selected children and adolescents 5 to 17 years of age, divided into two analytical categories: “workers” (working or looking for employment) and “non-workers”. We calculated prevalence rates for the characteristics of their main work, as well as socioeconomic and health variables comparing the two categories. Poisson regression was used to estimate prevalence ratios, adjusted by health characteristics, with “non-workers” as the reference category. Compared to “non-workers”, the “workers” category was associated with a higher proportion of boys; age 14 to 17 years; black or brown skin color; lower school attendance; and worse housing conditions. Child labor was associated with worse self-rated health; chronic backache; arthritis or rheumatism; and depression. Effective policies to support families need to be strengthened to effectively fight child labor.
Key words: Health Surveys; Health Inequalities; Child Labor
Los objetivos del estudio fueron describir el trabajo de niños y adolescentes brasileños y analizar la situación socioeconómica y la salud de los niños que trabajan y que no trabajan. De la Encuesta Nacional por Muestra de Domicilios (PNAD/2008) seleccionamos niños y adolescentes de 5 a 17 años y los dividimos en dos categorías de análisis: “trabajadores” (trabajando o buscando trabajo) y “no-trabajadores”. Se calculó la prevalencia de las características del trabajo, así como las variables socioeconómicas y de salud en las categorías de análisis. Las razones de prevalencia ajustadas de las características de salud se estimaron mediante regresión de Poisson, los ‘no trabajadores eran categoría de referencia. En comparación con los “no trabajadores”, los “trabajadores” tenían mayor proporción de niños; 14 a 17 años; no caucásica; menor asistencia escolar y peores condiciones de vivienda. El trabajo infantil se asoció con una percepción de salud peor; enfermedades de columna o espalda; artritis o reumatismo y depresión. Las políticas eficaces de apoyo a las familias deben reforzarse para combatir eficazmente el trabajo infantil.
Palabras-clave: Encuestas Epidemiológicos; Desigualdades en la Salud; Trabajo de Menores
O trabalho é elemento central na vida das pessoas nas sociedades, auxiliando na determinação do acesso a bens e serviços, condições de saúde e bem-estar. Entretanto, a persistência da exploração do trabalho infantil 1 distancia o trabalho de seu papel estruturante, impede a consolidação dos direitos das crianças e adolescentes, perpetua uma estrutura social provedora de desigualdades, além de configurar violação dos direitos humanos. A fragilidade do mercado de trabalho, atribuída às políticas econômicas de precarização das relações de emprego 2, mantém persistentes as desigualdades sociais entre famílias brasileiras.
Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 168 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhavam em 2012 no mundo 3. No Brasil, o trabalho infantil representa uma realidade para aproximadamente 3,7 milhões de crianças e adolescentes4. Apesar de o trabalho infantil ter reduzido 13,4% na última década 5, houve aumento de 1,5% na faixa etária de 10 a 13 anos6, idades em que o trabalho não é legalmente aceito no país. O Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA; Lei no 8.069/1990) 7 determina a proibição do trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
Parte do progresso realizado na redução do trabalho infantil pode ser atribuída a programas sociais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI/2011-2015) 8. Como meta, o Brasil pretende alcançar a erradicação do trabalho infantil até 2020, mas a ausência de articulação entre as diversas políticas de combate ao trabalho de crianças e adolescentes, o pouco diálogo entre as esferas do governo e a concessão de autorizações judiciais para o trabalho dificultam o alcance desse objetivo 6,9.
É preciso considerar que tal objetivo está inserido em uma perspectiva mundial, considerando o conjunto de metas de desenvolvimento sustentável propostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) a serem alcançadas até 2030 10. Dentre as 17 metas da agenda de desenvolvimento pós-2015, a oitava proposta estabelece a necessidade de crescimento econômico sustentável e a promoção de trabalho decente, incluindo a urgência de adoção de ações de combate ao trabalho infantil com meta de erradicação até 2025.
Ainda que a experiência brasileira na redução do trabalho infantil seja reconhecida internacionalmente 11, a persistência do trabalho de crianças e adolescentes em atividades que comprometam a educação formal e a saúde é fonte de preocupação, principalmente pela vulnerabilidade desse grupo à violação de seus direitos. Trata-se de um tema prioritário nas agendas de políticas públicas nacionais. Para a Nova Agenda Global para a Equidade em Saúde, elaborada pela Comissão de Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde (CDSS/OMS), o trabalho de crianças e adolescentes é influenciado por arranjos políticos e econômicos e considerado um determinante social da saúde 12.
Causas estruturais como o nível de concentração de renda, precarização das relações de trabalho, desemprego e falta de política educacional integral são fatores associados à inserção da criança no mercado de trabalho. No entanto, devem ser considerados fatores culturais que influenciam a forma pela qual o trabalho infantil é visto, aceito, e, até mesmo, desejável 13.
O trabalho infantil apresenta múltiplas abordagens sobre seu conceito e origem 14, sendo um tema de preocupação legítimo em Saúde Pública, principalmente pelos danos imediatos e em longo prazo, tais como: perda da infância; exploração econômica pelos baixos pagamentos (quando remunerados); riscos à saúde física e mental (principalmente por substituírem o trabalho de adultos); perpetuação da pobreza e aumento da probabilidade de se tornarem adultos com menores rendimentos e baixa qualificação profissional devido à entrada precoce no mercado de trabalho 15.
Estudo de revisão 16 identificou maior vulnerabilidade das crianças em relação aos adultos frente aos fatores de risco presentes no ambiente de trabalho. Os autores relatam que foi identificado déficit de crescimento entre crianças que trabalham em áreas rurais e que não frequentavam escola. Outro estudo aponta que a entrada precoce no mercado de trabalho pode aumentar o risco de relatar problemas de saúde na fase adulta 17.
Além de estarem mais propensas a serem exploradas por longas jornadas de trabalho18, que por si já é um fator que pode predispor a agravos e adoecimentos, crianças e adolescentes encontram-se em uma etapa de desenvolvimento físico e psicológico que as tornam mais vulneráveis a acidentes e doenças. Deve-se considerar que as consequências do trabalho infantil não são apenas imediatas, uma vez que a exposição a determinados fatores de risco podem gerar doenças que se manifestam apenas na idade adulta.
No Brasil, os dados nacionais sobre trabalho infantil são, em geral, provenientes de inquéritos de abrangência nacional como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Em anos específicos, a pesquisa conduz um suplemento de saúde concomitante à pesquisa sobre trabalho e rendimentos. No entanto, até onde se sabe, apenas estudos utilizando modelos econométricos têm buscado fazer associações entre trabalho infantil e condições de saúde a partir dos dados provenientes da PNAD 19,20.
Ante o exposto, os objetivos do estudo foram descrever, segundo faixa etária, as características do trabalho principal de crianças e adolescentes e comparar o perfil demográfico, socioeconômico e de saúde dos que trabalhavam ou estavam em busca de emprego com os não trabalhadores.
Trata-se de estudo de análise de dados secundários que utilizou, como fonte, a pesquisa básica e o suplemento de saúde da PNAD de 2008. A PNAD é uma pesquisa conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada por meio de uma amostra probabilística de domicílios obtida em três estágios de seleção: unidades primárias – municípios; unidades secundárias – setores censitários e unidades terciárias – unidades domiciliares 21. As informações são coletadas mediante entrevistas, sendo utilizado um questionário com questões sobre características gerais da população, educação, trabalho, rendimentos e habitação.
Em 2008, o tamanho da amostra da PNAD foi de 391.868 pessoas selecionadas aleatoriamente em 150.591 unidades domiciliares de áreas urbanas e rurais das 26 Unidades da Federação e do Distrito Federal. Além das questões rotineiramente levantadas, foi introduzido um suplemento de saúde que investigou, dentre outras variáveis, aspectos de morbidade da população 21.
Selecionamos crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de ambos os sexos (n = 91.377). Foram consideradas crianças todas as pessoas de até 12 anos de idade incompletos, sendo os adolescentes aqueles entre 12 e 18 anos de idade, conforme o ECA 7.
A variável independente principal foi o status ocupacional das crianças e adolescentes, dividido em duas categorias de análise:
Trabalhadores: corresponderam à soma das crianças de 5 a 9 anos que exerceram atividades na semana de referência da pesquisa (n = 289); das crianças de 5 a 9 anos que exerciam trabalho remunerado na semana de referência mas estavam temporariamente afastadas de suas atividades no período (n = 2) e das crianças e adolescentes de 10 a 17 anos economicamente ativos que na semana de referência da pesquisa eram ocupados (n = 8.813) ou desocupados (n = 1.898). São consideradas pessoas economicamente ativas desocupadas aquelas de 10 anos ou mais de idade que não tinham trabalho na semana de referência da pesquisa, mas que estavam em busca de emprego 21.
Não trabalhadores: aquelas que não exerceram qualquer atividade e não foram consideradas pertencentes à população economicamente ativa (n = 80.375).
Demográficas e socioeconômicas: sexo; faixa etária (5 a 9 anos; 10 a 13 anos; 14 a 17 anos); cor ou raça autorreferida (branca; preta e parda; amarela; indígena); macrorregião de residência (Sudeste; Sul; Centro-oeste; Norte; Nordeste); faixa de rendimento mensal domiciliarper capita em salários mínimos (sem rendimentos; até 1/4; > 1/4 a 1/2; > 1/2 a 1; > 1 a 2; > 2); “frequenta escola ou creche?” (sim; não).
Características da unidade domiciliar: “domicílio possui água canalizada?” (sim; não); “presença de banheiro ou sanitário no domicílio?” (sim; não); destino do lixo domiciliar (coletado diretamente ou indiretamente; outro – queimado ou enterrado na propriedade, jogado em terreno baldio ou logradouro, jogado em rio, lago ou mar, outro destino); “possui geladeira?” (sim; não); “domicílio cadastrado na unidade de saúde da família?” (sim; não).
Características do trabalho principal de crianças entre 5-9 anos de idade: situação de residência (urbana; rural); atividade principal do empreendimento do trabalho (não agrícola; agrícola); grupamentos de atividade principal do empreendimento (agricultura e pecuária; indústria de transformação; construção; comércio e reparação; alojamento, alimentação; outros – transporte; outras atividades; serviços domésticos; atividades mal definidas); posição na ocupação no trabalho (empregado; trabalhador doméstico; conta própria; não remunerado membro da unidade domiciliar; outro trabalhador não remunerado; trabalhador na produção para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso); horas habitualmente trabalhadas por semana no(s) trabalho(s); “cuidava dos afazeres domésticos?” (sim; não); horas dedicadas por semana aos afazeres domésticos.
Características do trabalho principal de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de idade: situação de residência; atividade principal do empreendimento do trabalho (não agrícola; agrícola); posição na ocupação no trabalho agrícola (empregador; empregado permanente; empregado temporário; conta própria; não remunerado membro da unidade domiciliar e outro trabalhador não remunerado; trabalhador na produção para o próprio consumo); posição na ocupação no trabalho não agrícola (empregado; trabalhador doméstico; conta própria; empregador; não remunerado membro da unidade domiciliar e outro trabalhador não remunerado; trabalhador na construção para o próprio uso); grupamentos de atividade principal do empreendimento (educação, saúde e serviços sociais; agrícola; outras atividades industriais; indústria de transformação; construção; comércio e reparação; alojamento, alimentação; transporte, armazenagem e comunicação; administração pública; serviços domésticos; outros serviços; outras atividades; atividades mal definidas); rendimento mensal de todos os trabalhos em salários mínimos (sem rendimentos até 1/4; > 1/4 a 1/2; > 1/2 a 1; > 1 a 2; > 2); horas trabalhadas por semana em todos os trabalhos (até 14; 15 a 39; 40 a 44; 45 a 48; 49 ou mais); tempo de locomoção da residência até o trabalho (até 30 minutos; > 30 minutos a 1 hora; > 1 hora a 2; > 2 horas); tempo no trabalho (até 1 ano; > 1 ano); “tinha carteira de trabalho assinada no trabalho?” (sim; não); contribuição previdenciária no trabalho? (sim; não); “realizava esforço físico intenso no trabalho?” (sim; não; não sabe); “cuidava dos afazeres domésticos?” (sim; não); número de horas dedicadas por semana aos afazeres domésticos.
A questão sobre esforço físico no trabalho incluiu pessoas a partir de 14 anos, sendo a pergunta: “no seu trabalho, anda a maior parte do tempo, carrega peso ou faz outra atividade que requer esforço físico intenso?”. Os dados sobre as características de trabalho e rendimento consideraram o trabalho principal exercido na semana de referência de 21 a 27 de setembro de 2008, sendo de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais) o valor do salário mínimo no mês de referência da pesquisa (setembro).
Condições de saúde e morbidade referidas: estado de saúde autorreferido (muito bom/bom; regular/ruim/muito ruim); “deixou de realizar atividades habituais nas duas últimas semanas por motivo de saúde?” (sim; não); “esteve internado nos últimos 12 meses?” (sim; não).
Doença crônica: doença de coluna ou costas; hipertensão; tendinite ou tenossinovite; depressão; artrite ou reumatismo. As doenças crônicas foram investigadas mediante a pergunta: “algum médico ou profissional de saúde disse que tinha alguma das seguintes doenças?”, tendo resposta “sim ou não”.
A variável que corresponde ao informante das características de saúde e morbidade referidas apresentou a seguinte codificação (0 = própria pessoa, 1 = não morador; 2 = outro morador; 3 = ignorado).
Foi realizada análise das características do trabalho principal de crianças e adolescentes segundo faixa etária, utilizando distribuição proporcional e intervalo de 95% de confiança (IC95%). Também foi realizada análise comparativa das variáveis demográficas, socioeconômicas, saúde e morbidade referida entre as categorias de análise: “trabalhadores e não trabalhadores”, mediante distribuição proporcional e IC95%. Foram estimadas razões de prevalência brutas e ajustadas por sexo, idade, macrorregião de residência e informante das questões de saúde entre as categorias de análise que compõem a variável independente principal e as características de saúde por meio de regressão de Poisson, sendo os “não trabalhadores” a categoria de referência (IC95% e nível de significância de 5%).
A escolha das faixas etárias de 5 a 9 e 10 a 17 anos para análise das características do trabalho seguiu a própria metodologia da PNAD, uma vez que ela apresenta um módulo específico de perguntas sobre trabalho e rendimentos para o grupo de crianças de 5 a 9 anos e outro para pessoas a partir de 10 anos, quando se pesquisa a participação na população economicamente ativa (composta por pessoas ocupadas ou desocupadas) 21.
Por se tratar de amostra complexa, todas as análises foram realizadas no módulosurvey do software estatístico Stata 9.2 (StataCorp., College Station, Estados Unidos), utilizando as ponderações necessárias. Cabe ressaltar que informações não declaradas foram consideradasmissing, e seus valores não foram utilizados nas estimações realizadas.
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (parecer no 252.058).
Das 91.377 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos analisados do banco de dados da PNAD/2008, 11.002 (12,34%) trabalhavam ou estavam em busca de emprego na semana de referência da pesquisa (IC95%: 12,11-12,58).
Comparados aos “não trabalhadores”, os “trabalhadores” apresentaram maior proporção de meninos; faixa etária de 14 a 17 anos; pretos e pardos; residência na Região Nordeste; rendimentos domiciliares acima de 1/2 a 2 salários mínimos e proporção 3,6 vezes maior de ausência de frequência escolar. Não há sobreposição dos intervalos de confiança das categorias de cada variável segundo condição de ocupação (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição proporcional das variáveis demográficas, socioeconômicas e características da unidade domiciliar entre crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, segundo condição de ocupação (n = 91.377). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008 *.
Variáveis | Não trabalhadores | Trabalhadores | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | IC95% | n | % | IC95% | |
Características demográficas e socioeconômicas | ||||||
Sexo | ||||||
Feminino | 40.556 | 50,55 | 50,17-50,93 | 4.063 | 37,30 | 36,32-38,30 |
Masculino | 39.819 | 49,45 | 49,07-49,83 | 6.939 | 62,70 | 61,70-63,68 |
Faixa etária (anos) | ||||||
5-9 | 32.839 | 40,87 | 40,50-41,25 | 291 | 2,62 | 2,32-2,96 |
10-13 | 27.374 | 34,22 | 33,86-34,58 | 1.924 | 17,08 | 16,35-17,85 |
14-17 | 20.162 | 24,91 | 24,58-25,24 | 8.787 | 80,29 | 79,48-81,08 |
Cor ou raça autorreferida ** | ||||||
Branca | 32.875 | 44,22 | 43,83-44,60 | 3.964 | 39,06 | 38,06-40,07 |
Pretos e pardos | 46.972 | 55,12 | 54,74-55,51 | 6.900 | 60,20 | 59,18-61,2 |
Amarela | 299 | 0,43 | 0,38-0,49 | 29 | 0,26 | 0,17-0,39 |
Indígena | 201 | 0,22 | 0,19-0,26 | 54 | 0,47 | 0,35-0,63 |
Macrorregião de residência | ||||||
Sudeste | 21.146 | 38,49 | 38,10-38,88 | 2.518 | 32,53 | 31,51-33,56 |
Sul | 10.627 | 13,26 | 13,01-13,51 | 1.603 | 15,59 | 14,87-16,34 |
Centro-oeste | 8.859 | 7,36 | 7,21-7,51 | 1.246 | 7,74 | 7,32-8,18 |
Norte | 12.739 | 10,09 | 9,90-10,28 | 1.676 | 9,35 | 8,87-9,86 |
Nordeste | 27.004 | 30,80 | 30,46-31,14 | 3.959 | 34,78 | 33,84-35,74 |
Faixa de rendimento mensal domiciliar per capita (salários mínimos) *** | ||||||
> 2 | 7.207 | 9,29 | 9,06-9,52 | 590 | 6,09 | 5,59-6,64 |
> 1 a 2 | 11.876 | 16,26 | 15,97-16,56 | 1.834 | 18,55 | 17,73-19,39 |
> 1/2 a 1 | 22.146 | 28,62 | 28,27-28,97 | 3.305 | 30,80 | 29,85-31,77 |
> 1/4 a 1/2 | 21.883 | 27,1 | 26,76-27,44 | 2.776 | 25,31 | 24,44-26,21 |
Até 1/4 | 14.516 | 17,77 | 17,49-18,06 | 2.083 | 18,71 | 17,94-19,50 |
Sem rendimentos | 758 | 0,95 | 0,87-1,02 | 56 | 0,53 | 0,39-0,71 |
Frequenta escola ou creche? | ||||||
Sim | 76.096 | 94,97 | 94,08-95,13 | 8.968 | 81,51 | 80,70-82,29 |
Não | 4.279 | 5,03 | 4,87-5,19 | 2.034 | 18,49 | 17,71-19,30 |
Características da unidade domiciliar | ||||||
Domicílio possui água canalizada? # | ||||||
Sim | 71.940 | 89,81 | 89,59-90,04 | 8.915 | 81,95 | 81,17-82,70 |
Não | 8.255 | 10,19 | 9,96-10,41 | 2.057 | 18,05 | 17,30-18,83 |
Presença de banheiro ou sanitário no domicílio?# | ||||||
Sim | 76.006 | 94,60 | 94,42-94,77 | 9.833 | 89,62 | 88,99-90,22 |
Não | 4.189 | 5,40 | 5,23-5,57 | 1.139 | 10,38 | 9,78-11,01 |
Destino do lixo domiciliar # | ||||||
Coletado diretamente ou indiretamente | 68.747 | 85,41 | 85,14-85,67 | 7.813 | 71,52 | 70,60-72,41 |
Outro | 11.448 | 14,59 | 14,33-14,86 | 3.159 | 28,48 | 27,59-29,40 |
Possui geladeira? # | ||||||
Sim | 72.381 | 90,56 | 90,34-90,77 | 9.119 | 84,13 | 83,40-84,94 |
Não | 7.814 | 9,43 | 9,22-9,65 | 1.853 | 15,87 | 15,16-16,60 |
Domicílio cadastrado no programa de saúde da família?# | ||||||
Sim | 43.944 | 54,87 | 54,49-55,26 | 6.800 | 62,32 | 61,32-63,31 |
Não | 36.251 | 45,13 | 44,74-45,51 | 4.172 | 37,68 | 36,69-38,68 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
* Valor de p < 0,01 no teste qui-quadrado de Pearson;
** Sem declaração (n = 83);
*** Sem declaração e missing (n = 2.347);
# Não aplicável (n = 210).
Apesar do predomínio de melhores condições de moradia e saneamento, crianças e adolescentes que trabalhavam ou buscavam por emprego apresentaram maior proporção de domicílios sem água canalizada; sem banheiro; sem coleta adequada de lixo; com menor posse de bens essenciais, como geladeira, e com maior proporção de domicílios cadastrados no Programa Saúde da Família (PSF) quando comparados àqueles que não trabalhavam, sem sobreposição dos intervalos de confiança (Tabela 1).
A maioria das crianças de 5 a 9 anos que possuíam trabalho residiam na zona rural e se encontravam majoritariamente em atividades agrícolas. Os segmentos de comércio e reparação e indústria de transformação foram os que mais concentraram crianças nos empreendimentos não agrícolas. O trabalho não remunerado em auxílio a membro da unidade domiciliar também foi predominante, e mais da metade auxiliava nos afazeres domésticos (Tabela 2), com cargas horárias que variaram de 1 a 42 horas semanais (média = 7,16; mediana = 7). O número de horas habitualmente trabalhadas na semana em todos os trabalhos variou de 1 hora a 44 horas (média = 12,05; mediana = 10).
Tabela 2 Distribuição proporcional das crianças de 5 a 9 anos trabalhadoras, segundo características do trabalho principal da semana de referência da pesquisa (n = 291). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
Variáveis | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Situação de residência | |||
Urbana | 87 | 28,78 | 23,54-34,65 |
Rural | 204 | 71,22 | 65,35-76,46 |
Atividade principal do empreendimento | |||
Não agrícola | 91 | 26,80 | 21,84-32,43 |
Agrícola | 200 | 73,20 | 67,57-78,16 |
Grupamentos de atividade principal do empreendimento | |||
Agricultura e pecuária | 200 | 73,20 | 67,57-78,16 |
Indústria de transformação | 29 | 7,25 | 4,92-10,54 |
Construção | 4 | 1,03 | 0,34-3,02 |
Comércio e reparação | 38 | 11,81 | 8,44-16,28 |
Alojamento, alimentação | 10 | 3,58 | 1,82-6,90 |
Outros | 10 | 3,15 | 1,55-6,24 |
Posição na ocupação no trabalho principal | |||
Empregado | 9 | 3,86 | 1,92-7,59 |
Trabalhador doméstico | 3 | 0,78 | 0,21-2,80 |
Conta própria | 10 | 3,71 | 1,91-7,10 |
Não remunerado membro da unidade domiciliar | 208 | 71,49 | 65,56-76,76 |
Outro trabalhador não remunerado | 8 | 2,75 | 1,35-5,50 |
Trabalhador na produção para próprio consumo ou na construção para próprio uso | 53 | 17,40 | 13,23-22,55 |
Cuidava dos afazeres domésticos? | |||
Não | 118 | 39,34 | 33,52-45,49 |
Sim | 173 | 60,66 | 54,51-66,48 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
A maioria das crianças e adolescentes de 10 a 17 anos ocupados vivia em zonas urbanas (Tabela 3). Estratificando por idade, verifica-se que 56,55% na faixa de 10 a 13 anos (n = 995; IC95%: 54,07-59,01) residiam em zona rural, sendo esse percentual menor (30,37%) entre os adolescentes de 14 a 17 anos (n = 2.135; IC95%: 29,23-31,53).
Tabela 3 Distribuição proporcional das crianças e adolescentes de 10 a 17 anos ocupados, segundo características do trabalho principal da semana de referência da pesquisa (n = 8.813). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
Variáveis | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Situação de residência | |||
Urbana | 5.683 | 64,46 | 63,38-65,53 |
Rural | 3.130 | 35,54 | 34,47-36,62 |
Atividade principal do empreendimento | |||
Não agrícola | 5.864 | 65,75 | 64,67-66,81 |
Agrícola | 2.949 | 34,25 | 33,19-35,33 |
Posição na ocupação (trabalhador agrícola) | |||
Empregador nos serviços auxiliares | 1 | 0,03 | 0,003-0,18 |
Empregado permanente | 167 | 5,72 | 4,89-6,68 |
Empregado temporário | 280 | 10,10 | 8,99-11,33 |
Conta própria | 63 | 2,09 | 1,60-2,72 |
Não remunerado membro da unidade domiciliar e outro (não remunerado) | 1.649 | 56,60 | 54,70-58,48 |
Trabalhador na produção para o próprio consumo | 789 | 25,46 | 23,83-27,15 |
Posição na ocupação (trabalhador não agrícola) | |||
Empregado | 3.464 | 61,12 | 59,75-62,47 |
Trabalhador doméstico | 695 | 11,42 | 10,58-12,32 |
Conta própria | 576 | 9,20 | 8,45-10,02 |
Empregador | 7 | 0,09 | 0,04-0,21 |
Não remunerado membro da unidade domiciliar e outro (não remunerado) | 1.086 | 17,53 | 16,51-18,61 |
Trabalhador na construção para o próprio uso | 36 | 0,62 | 0,43-0,89 |
Grupamentos de atividade principal | |||
Educação, saúde e serviços sociais | 240 | 2,72 | 2,36-3,11 |
Agrícola | 2.949 | 34,25 | 33,19-35,33 |
Outras atividades industriais | 33 | 0,35 | 0,23-0,51 |
Indústria de transformação | 907 | 10,23 | 9,56-10,94 |
Construção | 467 | 5,42 | 4,92-5,96 |
Comércio e reparação | 1.925 | 21,54 | 20,63-22,49 |
Alojamento, alimentação | 514 | 5,87 | 5,34-6,43 |
Transporte, armazenagem e comunicação | 192 | 2,25 | 1,92-2,61 |
Administração pública | 108 | 1,05 | 0,85-1,30 |
Serviços domésticos | 695 | 7,51 | 6,94-8,11 |
Outros serviços coletivos, sociais ou pessoais | 346 | 3,90 | 3,48-4,36 |
Outras atividades | 384 | 4,47 | 4,01-4,98 |
Atividades mal definidas | 53 | 0,44 | 0,32-0,59 |
Rendimento mensal de todos os trabalhos em salários mínimos * | |||
> 2 | 46 | 0,48 | 0,35-0,66 |
> 1 a 2 | 711 | 9,20 | 8,52-9,92 |
> 1/2 a 1 | 1.790 | 20,61 | 19,70-21,56 |
> 1/4 a 1/2 | 1.299 | 14,32 | 13,55-15,13 |
Sem rendimentos a 1/4 | 4.923 | 55,38 | 54,24-56,51 |
Horas habitualmente trabalhadas por semana | |||
Até 14 | 1.975 | 21,54 | 20,64-22,46 |
15 a 39 | 4.196 | 47,39 | 46,26-48,52 |
40 a 44 | 1.503 | 17,75 | 16,89-18,65 |
45 a 48 | 557 | 6,64 | 6,08-7,24 |
49 ou mais | 582 | 6,68 | 6,13-7,28 |
Tempo de locomoção da residência até o local de trabalho ** | |||
Até 30 minutos | 4.188 | 79,76 | 78,53-80,94 |
> 30 minutos a 1 hora | 729 | 14,16 | 13,15-15,23 |
> 1 hora a 2 horas | 256 | 5,06 | 4,43-5,79 |
> 2 horas | 52 | 1,00 | 0,74-1,36 |
Tempo no trabalho principal | |||
Até um ano | 5.417 | 61,56 | 60,46-62,65 |
Mais de 1 ano | 3.396 | 38,44 | 37,35-39,54 |
Tinha carteira de trabalho assinada? | |||
Sim | 370 | 8,98 | 8,08-9,97 |
Não | 4.236 | 91,01 | 90,02-91,91 |
Contribuição previdenciária no trabalho | |||
Sim | 718 | 9,14 | 8,47-9,86 |
Não | 8.095 | 90,86 | 90,14-91,53 |
Esforço físico intenso no trabalho *** | |||
Sim | 2.676 | 38,46 | 37,23-39,70 |
Não | 4.281 | 60,69 | 59,45-61,93 |
Não sabe | 60 | 0,94 | 0,64-1,10 |
Cuidava dos afazeres domésticos? | |||
Não | 3.724 | 42,97 | 41,85-44,09 |
Sim | 5.089 | 57,03 | 55,91-58,15 |
* Missing (n = 44);
** Questionado aos 5.225 que não moravam em domicílio que estava no mesmo terreno ou área do estabelecimento que trabalhava. Não inclui trabalhadores na produção para o próprio consumo e uso;
*** Das 7.031 crianças maiores de 14 anos ocupadas, houve resposta para 7.017 delas.
Apesar de o trabalho exercido por eles ser majoritariamente em atividades não agrícolas (Tabela 3), verifica-se novamente distinção por idade: pessoas de 10 a 13 anos concentravam-se em atividades agrícolas (n = 998; 58,47%; IC95%: 55,99-60,90), já as de 14 a 17 anos em atividades não agrícolas (n = 5.080; 71,71%; IC95%: 70,56-72,83).
Entre os trabalhadores agrícolas, os não remunerados e trabalhadores para o próprio consumo eram a maioria. Para aqueles que exerciam suas atividades em empreendimentos não agrícolas, a maioria era empregada, sendo o comércio e reparação e indústria de transformação os grupamentos de atividades em que mais se concentraram (Tabela 3).
Mais de 80% das crianças e adolescentes recebiam até 1 salário por seu trabalho, e mais da metade trabalhava de 15 a 44 horas. A maioria gastava até 30 minutos para chegar ao trabalho, sendo que 20% referiram um intervalo de deslocamento maior. Ainda que aproximadamente 40% delas estivessem há mais de um ano no trabalho atual, a maioria estava alheia às legislações trabalhistas e aos benefícios sociais, uma vez que a maioria não possuía carteira de trabalho assinada ou não contribuía para a previdência social. Além disso, 40% dos adolescentes consideraram seu trabalho fisicamente pesado (Tabela 3). Mais da metade cuidava também dos afazeres domésticos (Tabela 3), dedicando de 1 a 40 horas semanais (média = 10,78; mediana = 8).
Comparados aos que não trabalhavam, crianças e adolescentes que trabalhavam ou buscavam emprego tiveram prevalência maior de pior estado de saúde referido; internações nos 12 últimos meses e apresentaram maior relato de doença de coluna ou costas; hipertensão; tendinite ou tenossinovite; depressão e artrite ou reumatismo (Tabela 4).
Tabela 4 Prevalência das características de saúde e morbidade referida entre crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (n = 91.377).Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
Variáveis | Não trabalhadores | Trabalhadores | Valor de p * | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | IC95% | n | % | IC95% | ||
Estado de saúde autorreferido | |||||||
Muito bom/Bom | 73.261 | 91,47 | 91,26-91,68 | 9.794 | 89,58 | 88,96-90,17 | < 0,01 |
Regular/Ruim e Muito ruim | 7.114 | 8,52 | 8,32-8,74 | 1.208 | 10,42 | 9,82-11,04 | |
Afastou das atividades habituais por motivo de saúde nas duas últimas semanas? | |||||||
Não | 75.282 | 93,69 | 93,5-93,87 | 10.338 | 94,03 | 93,53-94,49 | 0,20 |
Sim | 5.093 | 6,31 | 6,12-6,49 | 664 | 5,96 | 5,50-6,46 | |
Esteve internado nos últimos 12 meses? | |||||||
Não | 77.391 | 96,33 | 96,19-96,47 | 10.527 | 95,69 | 95,26-96,08 | < 0,01 |
Sim | 2.984 | 3,66 | 3,52-3,81 | 475 | 4,31 | 3,92-4,74 | |
Doença crônica referida | |||||||
Doença de coluna ou costas | |||||||
Não | 79.313 | 98,71 | 98,62-98,79 | 10.685 | 97,05 | 96,68-97,38 | < 0,01 |
Sim | 1.062 | 1,29 | 1,21-1,38 | 317 | 2,94 | 2,61-3,13 | |
Hipertensão | |||||||
Não | 80.157 | 99,74 | 99,69-99,77 | 10.930 | 99,34 | 99,15-99,49 | < 0,01 |
Sim | 218 | 0,26 | 0,22-0,30 | 72 | 0,66 | 0,51-0,84 | |
Tendinite ou tenossinovite | |||||||
Não | 80.255 | 99,84 | 99,80-99,87 | 10.966 | 99,58 | 99,41-99,71 | < 0,01 |
Sim | 120 | 0,16 | 0,13-0,19 | 36 | 0,41 | 0,29-0,59 | |
Depressão | |||||||
Não | 80.084 | 99,64 | 99,59-99,68 | 10.912 | 99,14 | 98,93-99,32 | < 0,01 |
Sim | 291 | 0,36 | 0,31-0,41 | 90 | 0,85 | 0,68-1,07 | |
Artrite ou reumatismo | |||||||
Não | 80.049 | 99,62 | 99,57-99,66 | 10.901 | 99,14 | 98,94-99,31 | < 0,01 |
Sim | 326 | 0,38 | 0,33-0,43 | 101 | 0,85 | 0,69-1,05 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
* Teste qui-quadrado de Pearson.
Na análise das razões de prevalência ajustadas, estiveram associados ao trabalho infantil: pior estado de saúde referido; afastamento das atividades habituais por motivo de saúde; doença de coluna ou costas; depressão; atrite ou reumatismo (Tabela 5). O informante das características de saúde e morbidade foi, em sua maioria, outra pessoa moradora do domicílio (73,9%).
Tabela 5 Razões de prevalência das características de saúde e morbidade referida entre crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhadores (n = 91.377). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
Variáveis | RP bruta | IC95% | RP ajustada * | IC95% |
---|---|---|---|---|
Estado de saúde autorreferido | ||||
Muito bom/Bom | 1,00 | 1,00 | ||
Regular/Ruim e Muito ruim | 1,24 | 1,17-1,31 | 1,18 | 1,11-1,26 |
Afastou das atividades habituais por motivo de saúde nas duas últimas semanas? | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 0,95 | 0,88-1,03 | 1,17 | 1,07-1,27 |
Esteve internado nos últimos 12 meses? | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,16 | 1,05-1,27 | 1,10 | 0,99-1,22 |
Doença crônica referida | ||||
Doença de coluna ou costas | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,18 | 1,92-2,46 | 1,19 | 1,04-1,36 |
Hipertensão | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,41 | 1,84-3,14 | 1,36 | 0,98-1,88 |
Tendinite ou tenossinovite | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,19 | 1,51-3,17 | 1,14 | 0,76-1,72 |
Depressão | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,25 | 1,78-2,85 | 1,37 | 1,06-1,77 |
Artrite ou reumatismo | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,26 | 1,81-2,82 | 1,46 | 1,14-1,87 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência.
* Ajustada por sexo, idade, região de residência e informante.
Nota: crianças não trabalhadoras foram categoria de referência.
Crianças e adolescentes em situação de trabalho ou em busca de emprego apresentaram piores condições de vida do que crianças não trabalhadoras, destacando-se a menor frequência escolar.
Estatísticas nacionais e internacionais também mostram maior proporção de meninos e adolescentes entre 14 e 17 anos trabalhando 15. De um modo geral, meninos estão mais sujeitos a trabalhos pesados e perigosos, sendo mais vulneráveis a doenças e acidentes relacionados ao trabalho 3. Entretanto, meninas também executam tarefas de elevado risco de acidente e adoecimento, sendo as mais expostas ao trabalho infantil doméstico e à exploração sexual 22.
A maior proporção de crianças e adolescentes negros e pardos entre aqueles em situação laboral é o reflexo das desigualdades raciais ainda presentes 23. Eles também apresentam maior vulnerabilidade aos diversos tipos de desigualdades quando comparados às crianças brancas, como menor frequência escolar 24.
A Região Nordeste foi a macrorregião de maior proporção entre as crianças que trabalhavam ou estavam em busca de emprego, como já referido em análises nacionais9. Menor distribuição de renda, maior concentração de pobreza e questões culturais podem ser responsáveis por essa estatística na região, além do descaso das autoridades estatais e ausência de políticas públicas de apoio às famílias mais vulneráveis 25.
Famílias com crianças e adolescentes que trabalhavam ou buscavam por emprego tiveram menor proporção de rendimentos per capita superiores a dois salários mínimos e maior proporção na faixa da pobreza e indigência. Análise das PNADs (1992 a 2003) identificou influência do aumento na renda domiciliar na diminuição do trabalho de crianças de 5 a 9 anos, entretanto, na faixa etária de 10 a 17 anos, essa redução só foi vista com rendimentos acima de R$ 1.800,00 23. Apesar da influência das desigualdades econômicas sobre o trabalho infantil, a pobreza, medida pela renda familiar, não pode ser considerada o único fator para sua ocorrência nem o único foco de políticas sociais de combate ao trabalho infantil 26.
A redução na frequência escolar é um efeito conhecido do trabalho infantil que pode gerar menor renda na fase adulta, pois reduz o nível de escolarização e, consequentemente, a qualificação profissional 11,27,28. Neste estudo, a menor proporção de frequência escolar entre crianças e adolescentes trabalhadores comparados aos não trabalhadores apontam para desigualdades socioeconômicas no trabalho infantil. Analisando dados do suplemento da PNAD/2006, Carvalho 28 identificou que a frequência escolar de pessoas de 5 a 17 anos ocupadas era inferior à registrada para a população na mesma faixa etária em áreas urbanas e rurais, além de maior atraso escolar. Estudo incluindo adolescentes encontrou associação entre trabalho infantil e repetição de, pelo menos, uma série escolar 29.
A maior parte dos domicílios com crianças e adolescentes trabalhadores possuía cadastro no PSF do Governo Federal. A proximidade com as famílias e a facilidade em realizar o diagnóstico situacional das áreas de abrangência são tarefas das equipes que compõem esse programa. Cabe a elas investigar a ocorrência desse evento e, juntamente com programas de prevenção e erradicação do trabalho infantil, auxiliar crianças, adolescentes e suas famílias, investigando problemas de saúde que possam estar associados ao trabalho infantil.
Analisando de uma forma geral as características do trabalho das crianças de 5 a 9 anos, as atividades no setor agrícola são as que mais utilizam esse grupo etário, principalmente como trabalhadores não remunerados membros das unidades domiciliares, que, por definição do IBGE, são aqueles que executam tarefas de, ao menos, 1 hora por semana em ajuda a outros membros da família 21,30.
Kassouf & Santos 31identificaram aumento da probabilidade de crianças trabalharem em atividades agrícolas e pecuárias com o incremento do tamanho da propriedade agrícola até atingir um ponto de 76 hectares, ressaltando a necessidade de se aprofundar a investigação da relação entre riqueza familiar e trabalho infantil agrícola.
Fatores culturais influenciam para que o trabalho infantil rural seja visto de forma naturalizada ou desejada pelos membros da família, existindo aceitação generalizada de que seria parte da formação profissional das crianças desde a tenra idade. Entretanto, esse fato deve ser observado com cautela, pois, além de algumas condições de trabalho no meio rural serem perigosas e proibidas para menores de 18 anos, como a manipulação de agrotóxicos, não é raro encontrar casos de exploração sexual, violência física e até trabalho em cultivo ilícito 32.
O predomínio de cargas horárias superiores a uma hora por semana em todos os trabalhos e nos afazeres domésticos aponta para a dupla jornada de trabalho dos menores de 10 anos, levando a crer que suas atividades vão além do simples auxílio aos demais trabalhadores, contribuindo possivelmente para a subsistência das famílias 23.
Conforme identificado em séries históricas, com aumento da idade, há uma redução da ocupação das crianças e adolescentes no trabalho em áreas agrícolas e aumento nos setores urbanos 33. Não diferente, encontramos maior proporção de adolescentes a partir de 14 anos de idade em atividades não agrícolas.
Entre os ocupados de 10 a 17 anos em atividades não agrícolas, a condição de “empregado” foi a mais frequente, sendo os setores de comércio e reparação e indústria de transformação os de maior proporção. Em análise de suplemento especial sobre trabalho infantil da PNAD/2001, Kassouf 34 mostrou que esses setores estão entre os de maior proporção de lesões e acidentes entre crianças e adolescentes, sendo cortes, dores musculares e fraturas as principais ocorrências relatadas nos setores industriais e comércio.
As remunerações eram muito baixas, sendo que a carga horária em sua maioria era acima de 14 horas semanais. É de se supor que o valor pago pelas atividades não seja condizente com o tempo ou com as atividades realizadas, uma vez que crianças são, conhecidamente, mão de obra fácil, barata e dócil, sendo facilmente reprimidas e tolhidas a aceitar o trabalho e a remuneração 15.
O tempo de deslocamento até o trabalho é uma característica adicional das condições de trabalho e qualidade de vida do trabalhador 11, sendo também relevante para analisar outro aspecto prejudicial do trabalho infantil. Apesar de ter sido encontrada maior proporção de crianças e adolescentes com deslocamentos inferiores a 30 minutos (indicando possivelmente que a maioria residia próxima ao local de trabalho), deve-se considerar que a variável se refere apenas ao tempo de ida, e que tempos superiores a 1 hora foram encontrados. Longos períodos de locomoção geram mais cansaço, reduzem o tempo de lazer e de convivência familiar 11, além de prejudicarem a frequência escolar.
A baixa proporção de carteira de trabalho assinada e de não contribuição previdenciária na maioria dos trabalhos mostra a falta de vínculos regulamentados, a ausência de direitos sociais e o aspecto de invisibilidade do trabalho infantil, caracterizando uma situação de abandono e exploração alimentada pela precariedade do trabalho e a absorção das crianças no universo do trabalho informal em que se encontram famílias brasileiras alheias à cobertura de direitos trabalhistas e previdenciários 35.
O tempo de permanência no trabalho é uma variável que reflete a estabilidade dos vínculos empregatícios 11. Entretanto, no que se refere ao trabalho de crianças e adolescentes, a ampliação desse tempo pode sugerir dificuldades em se sair da condição de trabalho. Neste estudo, quase 40% de crianças e adolescentes estavam ocupadas há mais de um ano na atividade principal, o que pode indicar a dependência da família em mantê-los em situação de trabalho 15. A análise dessa variável ao longo do tempo pode ser útil para acompanhar os resultados de intervenções e políticas públicas sobre o trabalho infantil no âmbito geral e nas áreas urbanas e rurais, uma vez que relações de trabalho na zona rural podem ser mais duradouras 11.
Os maiores de 10 anos também auxiliavam nos afazeres domésticos, mostrando uma dupla carga de trabalho 30 que pode comprometer a frequência e o rendimento escolar. Aproximadamente, 8% dos que tinham idade acima de 10 anos eram ocupados em serviços domésticos. Trata-se de um fenômeno de difícil combate, uma vez que ocorre às portas fechadas no interior de muitos domicílios que empregam esse tipo de trabalho até mesmo sob o consentimento da sociedade 36. Segundo a OIT, duas em cada três crianças que trabalham no serviço doméstico em casa de terceiros estão abaixo da idade legal ou expostas a situações de perigo. Em muitos casos, ficam longe de suas famílias e comunidades, chegando a sofrer maus-tratos e sendo vítimas de tráfico de seres humanos 22.
O trabalho de adolescentes a partir de 14 anos foi considerado pesado em aproximadamente 40% dos casos. No geral, seja em áreas urbanas ou rurais, doméstico ou não, o trabalho infantil pode apresentar uma face desgastante e ainda mais danosa: são inúmeros os relatos de crianças que passam o dia andando, carregando peso acima de suas capacidades físicas, operando maquinário perigoso e pesado 27.
Apesar da dificuldade em se identificar pelo banco de dados o envolvimento de crianças e adolescentes nas piores formas de trabalho infantil, ou seja, aquelas definidas na Convenção nº 182 da OIT como atividades que expõem a abuso físico, emocional, sexual ou a riscos no ambiente de trabalho 37, é possível dizer que, pela reduzida idade, elevada carga horária de trabalho e envolvimento em atividades nos setores agrícolas, indústria de transformação, comércio e reparação, essas crianças sejam vítimas da exploração do trabalho infantil, ficando extremamente vulneráveis a adoecimentos e acidentes 28.
Houve associação entre crianças e adolescentes em situação de trabalho ou em busca por emprego com pior saúde referida; restrição das atividades por motivo de saúde, depressão e doenças relacionadas ao aparelho musculoesquelético. Obter informações de crianças e familiares sobre trabalho infantil e conhecer seus efeitos sobre a saúde é um desafio, mas algumas evidências já apontam que tais impactos podem ser mais prejudiciais quanto menor a idade da criança, maior interferência em atividades escolares, maior jornada de trabalho e maior a exposição a riscos ocupacionais 38. Estudos nacionais encontraram a associação entre trabalho infantil e dores musculoesqueléticas 39; problemas comportamentais (que poderiam envolver agressividade, ansiedade e depressão) 40 e maior chance de sofrer agressão física e ferimentos; sentir-se só 41 e ter problemas de sono 41,42.
Diante dos dados, algumas considerações sobre as limitações do estudo devem ser feitas. Uma delas é a possível subestimação da população trabalhadora, uma vez que a pesquisa não contempla a população de rua, que, nesse caso, possui grande parte de crianças envolvidas nas piores formas de trabalho infantil 37. É factível considerar que, em alguns casos, os informantes das questões de trabalho sejam adultos que usufruam do trabalho infantil, não relatando o caso.
Por se tratar de um estudo transversal, a relação temporal entre as doenças e a situação de trabalho fica prejudicada, no entanto, as associações encontradas podem ser vistas como marcadores, sugerindo, aos profissionais de saúde, uma investigação do trabalho infantil, ou vulnerabilidade a ele, diante de crianças ou adolescentes com essas condições de saúde.
O uso do informante sobre as questões de saúde também merece discussão, uma vez que mais de 70% das respostas não foram fornecidas pelos próprios sujeitos da pesquisa. Porém, a inclusão da variável “tipo de informante” no modelo de regressão permitiu a redução desse viés no estudo. O uso do informante tem a vantagem de aumentar o universo amostral 43, existindo concordância das respostas fornecidas por eles e as questões objetivas de saúde44.
Além das longas e duplas jornadas de trabalho em atividades que podem prejudicar sua saúde e segurança, crianças e adolescentes que trabalhavam ou estavam em busca de emprego estiveram expostos, de forma desigual, a piores situações socioeconômicas e a menor frequência escolar, apresentando pior saúde autorreferida e morbidades quando comprados aos que não trabalhavam.
O trabalho infantil representa ponto de estagnação ao desenvolvimento social e humano, refletindo uma estrutura de desigualdades evidenciada nas piores condições de vida das famílias. Tal estrutura é construída a partir de uma lógica perversa em que medidas macroeconômicas privilegiam a flexibilização dos processos de trabalho, a redução dos custos de produção, com consequente aumento de subempregos e trabalho infantil.
Esse fato aponta para uma intervenção imediata e cautelosa focada não apenas na eliminação de postos de trabalho perigosos que empregam crianças e adolescentes, mas no fortalecimento da estrutura das famílias e acompanhamento com políticas e ações de apoio ao trabalho em zonas rurais e urbanas por equipes multiprofissionais de saúde e apoio intersetorial.
Cabe ressaltar que a PNAD/2008 não incluiu questões sobre programas de transferência de renda, e, apesar de estudos sugerirem que tais programas possuam impactos positivos na frequência escolar 45, estudos sobre esse efeito, em longo prazo, bem como a melhoria da qualidade de vida e saúde dessa população infantil são necessários.