versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.25 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700030244
The present study investigated the epidemiological profile of disability retirees in Rio Grande do Sul from 2010 to 2015.
A descriptive and quantitative research was carried out using the cross-sectional survey method based on secondary data obtained by Sistema Único de Benefícios (SUIBE). The variables used for this study were age, sex, contribution period before retirement, salary range of the retiree after the disability, and International Classification of Diseases (ICD-10).
Of the total of 94,670 disability retirees, 55.6% were male, 64.4% were between 40 and 59 years old, 44.3% had an average income of 1 minimum wage and 25.3% of concessions were associated to musculoskeletal system and connective tissue diseases.
From the pathologies identified in the study, it is possible to direct the development of actions to emphasize the importance of prevention, early diagnosis and correct treatment, in order to avoid pathologies and/or their aggravation, as well as the withdrawal from the labor market.
Keywords: retirement; pathologies; labor market; social security system; epidemiology
A aposentadoria por invalidez é o benefício concedido aos trabalhadores que, por doença ou acidente, forem considerados pela perícia médica da Previdência Social inaptos para exercer atividades laborais que lhes garantam a sobrevivência. Para ter direito ao benefício, no caso de doença, o trabalhador precisa ter contribuído para a Previdência Social por no mínimo 12 meses e a incapacidade deve ser constatada após esse período. Em caso de acidente, o prazo de carência não é exigido1.
Segundo estudo de Sandi e Heringer2, as Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNTs) são apontadas como a principal causa da aposentadoria por invalidez, destacando-se as doenças do aparelho circulatório, doenças osteomusculares, transtornos mentais/comportamentais e neoplasias. As DCNTs caracterizam-se por terem etiologia múltipla, diversos fatores de risco, longos períodos de latência, curso prolongado, origem não infecciosa e também por associarem-se a deficiências e incapacidades funcionais. Sua ocorrência também é muito influenciada pela condição de vida e desigualdade social, não sendo resultado apenas do estilo de vida3,4.
O grupo das DCNTs compreende, majoritariamente, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas. Muitas doenças desse grupo têm fatores de risco comuns e demandam assistência continuada de serviços e ônus progressivo, na razão direta do envelhecimento dos indivíduos e da população5. Elas têm sido responsáveis por um aumento considerável na demanda por serviços de saúde, principalmente curativos, e de intervenções hospitalares. Esse conjunto de doenças constitui um importante problema de saúde pública não só no Brasil mas em diversas regiões do mundo6.
A compreensão e o estudo das DCNTs têm grande relevância na orientação dos programas de prevenção e promoção a saúde, de modo a diagnosticá-las mais cedo, tendo em vista a melhora da qualidade de vida do indivíduo, diminuindo assim a necessidade do afastamento das atividades laborais precocemente. Assim, visto que na literatura não foram encontrados estudos que mostrem o perfil da aposentadoria por invalidez no Rio Grande do Sul, a pesquisa teve por objetivo o reconhecimento da população do estado em relação às principais patologias que causam o afastamento do mercado trabalho e as características dos indivíduos. Além disso, à iniciativa de mensurar as motivações que levam à aposentadoria por invalidez une-se a necessidade de contribuir para a prevenção de doenças e controle de riscos patológicos. Informações como essas constituem instrumentos relevantes para desenvolvimento de ações que frisem a importância da prevenção, do diagnóstico precoce e correto tratamento, a fim de evitar as patologias e/ou o seu agravamento e, consequentemente, o afastamento do mercado de trabalho.
O presente estudo é de caráter descritivo, sendo um levantamento de corte transversal e de abordagem quantitativa, utilizando dados secundários. As informações foram obtidas a partir da agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no município de Guaporé, RS, em formato digital, por meio de pedido formal de consulta aos dados no Sistema Único de Benefícios (Suibe), para a Gerência Executiva de Passo Fundo, RS.
As variáveis utilizadas para este estudo foram: faixa etária; sexo; tempo de contribuição antes da aposentadoria; faixa salarial do aposentado após a invalidez; Classificação Internacional de Doenças (CID-10); e forma de filiação (desempregado, segurado especial, autônomo, facultativo, empregado).
Os dados foram analisados estatisticamente através do programa Microsoft Excel® 2016, sendo apresentados em frequência absoluta e frequência relativa.
O estudo teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Univates (parecer 1.661.655).
Após a análise dos dados coletados no estudo, verificou-se que, no Brasil, entre 2010 a 2015, foram concedidas 1.118.126 aposentadorias por invalidez, das quais 94.670 no Estado do Rio Grande do Sul, o que corresponde a 8,5% do total e constitui a amostra deste estudo.
Em 81.668 (86,3%) concessões, os segurados apresentavam contribuição igual ou inferior a 15 anos junto ao INSS. Quanto ao salário concedido ao beneficiário após a aposentadoria, verifica-se que o provento da maior parte dos segurados é de 1 salário-mínimo (41.981 ou 44,3%). Em relação às características do perfil dos aposentados por invalidez, constatou-se a predominância de homens, com 52.592 concessões (55,6%), e faixa etária entre 40 a 59 anos (61.047 ou 64,4%) (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição dos aposentados por invalidez segundo as características sociodemográficas no Rio Grande do Sul – 2010-2015
Características | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | TOTAL | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | |
Aposentadorias concedidas | 17886 | 18,9 | 17778 | 18,8 | 15614 | 16,5 | 16441 | 17,4 | 14960 | 15,8 | 11991 | 12,7 | 94670 | 100,0 |
Sexo | ||||||||||||||
Homens | 9849 | 55,1 | 9907 | 55,7 | 8683 | 55,6 | 9087 | 55,3 | 8396 | 56,1 | 6670 | 55,6 | 52592 | 55,6 |
Mulheres | 8037 | 44,9 | 7871 | 44,3 | 6931 | 44,4 | 7354 | 44,7 | 6564 | 43,9 | 5321 | 44,4 | 42078 | 44,4 |
Faixa etária | ||||||||||||||
Até 19 anos | 845 | 4,7 | 357 | 2,0 | 317 | 2,0 | 340 | 2,1 | 284 | 1,9 | 234 | 2,0 | 2377 | 2,5 |
20-29 | 380 | 2,1 | 437 | 2,5 | 319 | 2,0 | 371 | 2,3 | 326 | 2,2 | 246 | 2,1 | 2079 | 2,2 |
30-39 | 1355 | 7,6 | 1401 | 7,9 | 1141 | 7,3 | 1192 | 7,3 | 992 | 6,6 | 793 | 6,6 | 6874 | 7,3 |
40-49 | 3831 | 21,4 | 3857 | 21,7 | 3291 | 21,1 | 3300 | 20,1 | 2873 | 19,2 | 2101 | 17,5 | 19253 | 20,3 |
50-59 | 7677 | 42,9 | 7866 | 44,2 | 6945 | 44,5 | 7216 | 43,9 | 6700 | 44,8 | 5390 | 45,0 | 41794 | 44,1 |
60 anos ou mais | 3798 | 21,2 | 3860 | 21,7 | 3601 | 23,1 | 4022 | 24,5 | 3785 | 25,3 | 3227 | 26,9 | 22293 | 23,5 |
Tempo de contribuição | ||||||||||||||
Até 15 anos | 16120 | 90,1 | 15462 | 87,0 | 13362 | 85,6 | 14030 | 85,3 | 12532 | 83,8 | 10162 | 84,7 | 81668 | 86,3 |
16-20 anos | 922 | 5,2 | 1164 | 6,5 | 1065 | 6,8 | 1076 | 6,5 | 1050 | 7,0 | 830 | 6,9 | 6107 | 6,5 |
21-25 anos | 556 | 3,1 | 710 | 4,0 | 730 | 4,7 | 755 | 4,6 | 783 | 5,2 | 572 | 4,8 | 4106 | 4,3 |
26-30 anos | 216 | 1,2 | 340 | 1,9 | 345 | 2,2 | 423 | 2,6 | 438 | 2,9 | 302 | 2,5 | 2064 | 2,2 |
31-35 anos | 49 | 0,3 | 88 | 0,5 | 97 | 0,6 | 140 | 0,9 | 138 | 0,9 | 113 | 0,9 | 625 | 0,7 |
36-39 anos | 10 | 0,1 | 9 | 0,1 | 9 | 0,1 | 9 | 0,1 | 13 | 0,1 | 6 | 0,1 | 56 | 0,1 |
40 anos ou mais | 13 | 0,1 | 5 | 0,0 | 6 | 0,0 | 8 | 0,0 | 6 | 0,0 | 6 | 0,1 | 44 | 0,0 |
Faixa salarial (em salários-mínimos) |
||||||||||||||
< 1 SM | 26 | 0,1 | 29 | 0,2 | 25 | 0,2 | 21 | 0,1 | 27 | 0,2 | 5 | 0,0 | 133 | 0,1 |
1 SM | 7639 | 42,7 | 7338 | 41,3 | 6990 | 44,8 | 7537 | 45,8 | 6805 | 45,5 | 5672 | 47,3 | 41981 | 44,3 |
1-2 SM | 5911 | 33,0 | 6183 | 34,8 | 5469 | 35,0 | 5724 | 34,8 | 5329 | 35,6 | 4228 | 35,3 | 32844 | 34,7 |
2-3 SM | 2135 | 11,9 | 2170 | 12,2 | 1624 | 10,4 | 1723 | 10,5 | 1544 | 10,3 | 1178 | 9,8 | 10374 | 11,0 |
3-4 SM | 993 | 5,6 | 999 | 5,6 | 763 | 4,9 | 736 | 4,5 | 658 | 4,4 | 447 | 3,7 | 4596 | 4,9 |
4-5 SM | 580 | 3,2 | 520 | 2,9 | 364 | 2,3 | 386 | 2,3 | 351 | 2,3 | 223 | 1,9 | 2424 | 2,6 |
5-6 SM | 427 | 2,4 | 378 | 2,1 | 282 | 1,8 | 231 | 1,4 | 207 | 1,4 | 145 | 1,2 | 1670 | 1,8 |
6-7 SM | 143 | 0,8 | 134 | 0,8 | 74 | 0,5 | 63 | 0,4 | 25 | 0,2 | 21 | 0,2 | 460 | 0,5 |
7-8 SM | 25 | 0,1 | 22 | 0,1 | 19 | 0,1 | 18 | 0,1 | 12 | 0,1 | 11 | 0,1 | 107 | 0,1 |
8-9 SM | 7 | 0,0 | 5 | 0,0 | 4 | 0,0 | 2 | 0,0 | 2 | 0,0 | 1 | 0,0 | 21 | 0,0 |
Fonte: Sistema Único de Benefícios – Suibe, 2016
A frequência das patologias como causa de aposentadoria por invalidez também foi analisada, de acordo com o CID-10, no decorrer do período estudado. Dos 94.670 casos analisados de aposentadorias por invalidez, apenas 13 não apresentavam informações sobre seus capítulos da CID-10; 41.364 (43,7%), zerados, foram excluídos dos cálculos (Tabela 2). Assim, do total de 53.293 casos avaliados, 13.481 (25,3%) referiam-se a doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, sendo as principais patologias do capítulo as artroses e os transtornos de discos intervertebrais. Em seguida, com 11.344 (21,3%) casos de aposentadoria, estão as doenças do aparelho circulatório, apresentando como principais doenças do capítulo o acidente vascular cerebral, doença isquêmica crônica do coração, angina e infarto agudo do miocárdio. A seguir aparecem as neoplasias, com 6.505 (12,2%) casos, ocupando o terceiro lugar das doenças que mais aposentaram entre 2010 e 2015, destacando-se o câncer de mama, de pulmão, de reto e de próstata como as principais causas do capítulo (Figura 1).
Tabela 2 Distribuição das aposentadorias por invalidez segundo os capítulos da CID-10 no Rio Grande do Sul – 2010-2015
Capítulos da CID | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | TOTAL | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | N. abs | % | |
Capítulo XIII - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99) | 2405 | 24,8 | 2736 | 25,9 | 2340 | 25,9 | 2211 | 24,7 | 2100 | 25,2 | 1689 | 25,2 | 13481 | 25,3 |
Capítulo IX - Doenças do aparelho circulatório (I00-I99) | 2078 | 21,5 | 2279 | 21,5 | 1785 | 19,8 | 1938 | 21,6 | 1778 | 21,3 | 1486 | 22,2 | 11344 | 21,3 |
Capítulo II - Neoplasias [tumores] (C00-D48) | 1069 | 11,0 | 1153 | 10,9 | 1152 | 12,8 | 1059 | 11,8 | 1140 | 13,7 | 932 | 13,9 | 6505 | 12,2 |
Capítulo V - Transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) | 1281 | 13,2 | 1307 | 12,4 | 999 | 11,1 | 1073 | 12,0 | 844 | 10,1 | 587 | 8,8 | 6091 | 11,4 |
Capítulo XIX - Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98) | 754 | 7,8 | 842 | 8,0 | 737 | 8,2 | 715 | 8,0 | 680 | 8,1 | 495 | 7,4 | 4223 | 7,9 |
Capítulo VI - Doenças do sistema nervoso (G00-G99) | 486 | 5,0 | 591 | 5,6 | 462 | 5,1 | 510 | 5,7 | 483 | 5,8 | 388 | 5,8 | 2920 | 5,5 |
Capítulo VII - Doenças do olho e anexos (H00-H59) | 472 | 4,9 | 476 | 4,5 | 420 | 4,7 | 383 | 4,3 | 349 | 4,2 | 312 | 4,7 | 2412 | 4,5 |
Capítulo X - Doenças do aparelho respiratório (J00-J99) | 327 | 3,4 | 288 | 2,7 | 298 | 3,3 | 232 | 2,6 | 214 | 2,6 | 178 | 2,7 | 1537 | 2,9 |
Capítulo XIV - Doenças do aparelho geniturinário (N00-N99) | 191 | 2,0 | 194 | 1,8 | 195 | 2,2 | 187 | 2,1 | 168 | 2,0 | 138 | 2,1 | 1073 | 2,0 |
Capítulo IV - Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (E00-E90) | 174 | 1,8 | 206 | 1,9 | 165 | 1,8 | 189 | 2,1 | 168 | 2,0 | 129 | 1,9 | 1031 | 1,9 |
Capítulo I - Algumas doenças infecciosas e parasitárias (A00-B99) | 181 | 1,9 | 176 | 1,7 | 182 | 2,0 | 157 | 1,8 | 155 | 1,9 | 128 | 1,9 | 979 | 1,8 |
Capítulo XI - Doenças do aparelho digestivo (K00-K93) | 125 | 1,3 | 160 | 1,5 | 114 | 1,3 | 114 | 1,3 | 109 | 1,3 | 101 | 1,5 | 723 | 1,4 |
Outros | 137 | 1,4 | 171 | 1,6 | 179 | 2,0 | 195 | 2,2 | 161 | 1,9 | 131 | 2,0 | 974 | 1,8 |
TOTAL | 9680 | 100,0 | 10579 | 100,0 | 9028 | 100,0 | 8963 | 100,0 | 8349 | 100,0 | 6694 | 100,0 | 53293 | 100,0 |
ZERADOS | 8205 | 7195 | 6584 | 7477 | 6607 | 5296 | 41364 | |||||||
Não classificados | 1 | 4 | 2 | 1 | 4 | 1 | 13 |
Fonte: Sistema Único de Benefícios – Suibe 2016
Figura 1 Aposentadorias por invalidez segundo as cinco primeiras causas (capítulos da CID-10). Fonte: Sistema Único de Benefícios – Suibe, 2016
Durante o período pesquisado verificou-se uma tendência regular na ordem das causas de aposentadoria, exceto pelas neoplasias e transtornos mentais e comportamentais que, em 2010, 2011 e 2013, se alternaram. Uma tendência regular se repetiu nas demais variáveis estudadas.
Em relação aos gastos com as aposentadorias por invalidez no Brasil, verificou-se através de dados dos Anuários Estatísticos da Previdência Social disponíveis para consulta que houve um crescimento, ano a ano, como pode ser observado na Figura 2. O valor gasto no ano de 2015 ainda não foi disponibilizado. Pode-se constatar que, a cada ano, o gasto do governo com esses benefícios tem aumentado significativamente.
Cada vez mais cedo, trabalhadores economicamente ativos se ausentam do mercado de trabalho por apresentarem problemas de saúde. Isso gera dificuldades, visto que o afastamento das atividades laborais provoca repercussões tanto econômicas quanto sociais. Sobre o aposentado incidem danos físicos e psicológicos, e sobre o governo recai o valor dos gastos em saúde pública e previdenciária, visto que o trabalhador encontra-se incapacitado para desempenhar suas atividades e está condicionado a benefícios previdenciários. Com a expectativa de vida aumentando, surge um novo elenco de demandas para o atendimento das necessidades específicas desse grupo, principalmente relacionadas às DCNTs, e o Brasil ainda não está preparado para tal atribuição1.
De acordo com os dados obtidos durante o período avaliado, foram concedidas em média 15.778 aposentadorias por ano. Em relação às características do perfil dos aposentados por invalidez, constatou-se a predominância de homens, que pode ser justificada pela tendência de o homem resistir à procura de tratamento, muitas vezes permanecendo na atividade laboral por mais tempo mesmo com dor, o que pode gerar uma condição posterior irreversível de recuperação. Também esses valores estão de acordo com a realidade do Brasil: conforme informações do Anuário Estatístico da Previdência Social7, em 2014 foram concedidas 189.615 aposentadorias por invalidez no país e, dessas, 59% (112.705) foram para homens e 41% (76.946) para mulheres. Também é possível perceber que há uma relação diretamente proporcional entre o aumento da faixa etária e a quantidade de aposentadorias por invalidez concedidas, o que está de acordo com o envelhecimento populacional. Além disso, há algumas patologias que surgem em idade mais avançada e que, muitas vezes, tornam os indivíduos debilitados.
Nos resultados desta pesquisa, foi identificada predominância das DCNTs entre as quatro primeiras causas para a concessão da aposentadoria: doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo; doenças do sistema circulatório; neoplasias; transtornos mentais e comportamentais, somando 70,2% dos benefícios concedidos. O presente estudo assemelha-se a pesquisa de Santos et al.1, que examinaram a população do Estado da Paraíba quanto às características dos aposentados, no qual foi similarmente verificada a prevalência das DCNTs, sendo que as doenças do aparelho circulatório foram a principal causa encontrada (25,3%), seguida pelas doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (16,2%); em terceiro lugar ficaram as neoplasias (13,0%) e, em quarto, os transtornos mentais e comportamentais (10,0%). Esses resultados concordam com os encontrados nesta pesquisa, entretanto as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo foram predominantes e as doenças do sistema circulatório ficaram em segundo lugar.
Conclusões similares foram obtidas por outros pesquisadores, segundo estudo de Sandi e Heringer2 nos municípios do semiárido brasileiro, as DCNTs são apontadas como a principal causa da aposentadoria por invalidez, destacando-se doenças do aparelho circulatório, doenças osteomusculares, transtornos mentais/comportamentais e neoplasias. Outro estudo observou no ano de 2010 que as doenças do aparelho circulatório foram a principal causa de concessão de aposentadoria por invalidez no Brasil, representando 29,2% dos benefícios, seguidas pelas doenças osteomusculares (19,5%) e mentais (12,4%)8. Porém, na presente pesquisa, as duas primeiras causas tiveram uma inversão em relação ao estudo de 2001.
O aumento da carga de DCNTs, verificado com maior intensidade nas últimas décadas, reflete alguns efeitos negativos do processo de globalização, da urbanização rápida, da vida sedentária e da alimentação com alto teor calórico, além do consumo do tabaco e do álcool9. Esses fatores de risco comportamentais impactam nos principais fatores de risco metabólicos, como excesso de peso/obesidade, pressão arterial elevada, aumento da glicose sanguínea, lipídios e colesterol, possíveis de resultar em diabetes, doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC) e câncer, entre outras enfermidades9,10.
A causa predominante de aposentadoria por invalidez no período deste estudo foi relacionada à doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, tendo como principais patologias do capítulo as artroses e os transtornos de discos intervertebrais. Em seguida foram as doenças do aparelho circulatório, apresentando como principais doenças do capítulo acidente vascular cerebral, doença isquêmica crônica do coração, angina e infarto agudo do miocárdio. E, em terceiro lugar, as neoplasias, destacando câncer de mama, de pulmão, de reto e de próstata como as principais causas do capítulo.
A alta prevalência das doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo está associada a distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), que se caracterizam por danos devidos à utilização excessiva do sistema osteomuscular, decorrente da repetição de movimentos, do uso contínuo de músculos ou grupos musculares e da falta de tempo para sua recuperação. Ou seja, resultam de problemas relacionados diretamente ao local de trabalho11,12. Essas patologias afetam a qualidade de vida do indivíduo na realização de suas atividades cotidianas e geram impactos socioeconômicos negativos por ocasionarem limitações e incapacidades relacionadas ao trabalho13. A implementação de ações em saúde específicas, voltadas ao ambiente de trabalho, pode ser uma forma de prevenção e de se evitar o afastamento do indivíduo14.
Nas últimas décadas, o cenário epidemiológico mundial revela um crescimento das doenças cardiovasculares, das quais o infarto agudo do miocárdio (IAM) merece destaque devido à sua grande magnitude e severidade15. A obesidade é uma das comorbidades que induz a estados inflamatórios crônicos, leva à predisposição de outros fatores de risco, como hipertensão arterial e diabetes, que, por sua vez, aumentam ainda mais o risco de problemas cardiovasculares16. O número de óbitos por doenças do aparelho circulatório vem crescendo e, atualmente, as doenças cardiovasculares representam a principal causa de morte no Brasil17,18. Ações de promoção da saúde e prevenção são primordiais para modificações nesse perfil epidemiológico, visando o aumento do conhecimento da população sobre fatores de risco para as doenças crônicas, uma vez que isso empodera para mudanças no estilo de vida e, consequentemente, pode ser útil para melhorar a qualidade de vida, evitar o surgimento de agravos e influenciar na busca pelo tratamento quando a doença já está estabelecida19-21.
O câncer constitui importante questão de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, em virtude de seu crescente impacto sobre a rede de serviços e sobre a agenda de ações que atendam à exigibilidade da atenção22. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva, que é o responsável pela política nacional integrada para o controle e a prevenção do câncer, constata que o câncer de pele do tipo não melanoma é o mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de próstata, mama feminina, cólon e reto, pulmão, estômago e colo do útero, acompanhando o mesmo perfil da magnitude observada para a América Latina23. Estimativas do ano de 2016 seguem a mesma ordem, destacando que o Rio Grande do Sul é um dos estados que apresentam os maiores índices das neoplasias encontradas como principais causas de aposentadoria por invalidez, ou seja, os resultados observados estão de acordo com a realidade brasileira23.
O câncer colorretal encontra-se entre os cinco primeiros cânceres mais frequentes e sua incidência não é homogênea em todo o país, sendo prevalente nas regiões Sul e Sudeste, particularmente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro24. Em 2007, o Fundo Mundial para a Investigação do Câncer considerou a carne vermelha e processada como um fator de risco, e, em 2015, a Agência Internacional para a Pesquisa de Câncer (IARC) classificou a carne processada carcinogênica para os seres humanos e a carne vermelha provavelmente carcinogênica25. Evidências científicas têm sido avaliadas e sumarizadas em recomendações por diferentes grupos de especialistas, os quais concluíram que o consumo de carne vermelha está relacionado ao aumento do risco de câncer colorretal26. Dessa forma é possível relacionar o consumo de churrasco, presente na cultura do Rio Grande do Sul, como um fator de risco para o câncer de reto.
Sabe-se que o câncer é determinado por muitos fatores, tanto genéticos como ambientais. Há relatos de que a utilização de agrotóxicos pode relacionar-se com o surgimento de neoplasias. De acordo com Falzone et al.27, exposição ocupacional a pesticidas e defensivos agrícolas está associada ao risco do desenvolvimento de câncer. Gangemi et al.28, citam ainda que doenças neurológicas também possuem relação com o uso de agrotóxicos. Podemos relacionar esse dado ao que foi encontrado na população deste estudo, já que a agricultura é muito presente no estado.
É necessário ressaltar que grande parte das patologias encontradas como principais causas de aposentadoria por invalidez resulta em comorbidades associadas à doença primária, principalmente por que demandam acompanhamento e assistência continuada mesmo após o tratamento finalizado, como é caso das neoplasias. Essas doenças também influenciam diretamente na diminuição da qualidade de vida do indivíduo, acarretando dificuldades e limitações. Existem claramente inter-relações entre elas e a ocorrência de várias doenças que conjuntamente relacionam-se com a piora da autoavaliação da saúde. Estudo sobre a incidência de câncer de pulmão, mama e colorretal mostrou que esses tipos de câncer ocorrem com certa frequência em indivíduos portadores de diabetes e doença cardiovascular, e a presença concomitante do câncer com essas doenças está associada com a percepção negativa do estado de saúde e a menor longevidade29.
Essas doenças podem levar a incapacidade, ocasionando sofrimento e custos materiais diretos aos pacientes e suas famílias, além de um importante impacto financeiro sobre o sistema de saúde. As DCNTs também produzem custos indiretos significativos para a sociedade e o governo, em função da redução da produtividade, perda de dias trabalhados e prejuízos para o setor produtivo, sem esquecer os custos intangíveis, como os efeitos adversos na qualidade de vida das pessoas afetadas30,31.
Diante de estimativas de redução da ocorrência de câncer em até 30% dos casos por meio de medidas preventivas, evidencia-se a necessidade de políticas sanitárias mais abrangentes e robustas21. Campanhas de prevenção e conscientização para mudança nos hábitos de vida e realização de exames periódicos contribuem para diminuição e/ou diagnóstico precoce. O aumento da carga de DCNTs, verificado com maior intensidade nas últimas décadas, reflete alguns efeitos negativos do processo de globalização, da urbanização rápida, da vida sedentária e da alimentação com alto teor calórico, além do consumo do tabaco e do álcool9.
Já em relação aos impactos econômicos, os gastos relacionados a essas patologias podem gerar prejuízos tanto para a sociedade como para o governo, como, por exemplo, com o custeio de tratamentos, de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez32. Verificou-se através de informações do Anuário Estatístico da Previdência Social7 um aumento significativo com os gastos desse órgão relativos às aposentadorias por invalidez nos anos deste estudo. De acordo com a Lei 9.03233, o aposentado deve passar por reavaliação de sua aposentadoria através de exame médico pericial, obrigatória para benefícios por incapacidade de longa duração, e a lei não indica um prazo determinado, cabendo ao INSS a qualquer tempo convocar o segurado que recebe o benefício a submeter-se a perícia médica. Percebe-se que essa regra não tem sido cumprida, possibilitando a permanência de beneficiários por incapacidade por um período superior. Uma medida para ter maior controle desses benefícios ativos e de seu custo seria uma fiscalização mais adequada. As irregularidades desses benefícios foram confirmadas por auditorias do Ministério da Transparência e do Tribunal de Contas da União. A Medida Provisória n. 739/16, em análise pelo Congresso Nacional, prevê a revisão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez que tenham sido concedidos há mais de dois anos34.
A ausência de alguns dados relativos à predominância de cada patologia de acordo com a idade constituiu uma limitação deste estudo. Além disso, outra dificuldade é que a concessão de benefícios depende da política do Ministério da Previdência Social, que pode variar de um governo para outro, e também é influenciada pela variabilidade das avaliações realizadas pelos peritos.
A escassez de outros estudos semelhantes no Estado do Rio Grande do Sul para possíveis comparações de resultados também constitui uma limitação da pesquisa, pois a maioria dos estudos epidemiológicos aponta o perfil de trabalhadores em instituições privadas ou ambulatórias, restritas a um determinado modelo de trabalho realizado.
Com esta pesquisa foi possível identificar o perfil dos aposentados por invalidez no Estado do Rio Grande do Sul no período de 2010 a 2015. Conclui-se que as DCNTs estão entre as principais causas da concessão de aposentadorias, e sabendo-se que os fatores de risco relacionados a essas patologias são aspectos modificáveis, possíveis intervenções individuais e populacionais poderiam evitar, amenizar ou diminuir os problemas mais graves. Dessa forma, é necessário investir em programas preventivos, educação em saúde e estratégias de intervenção, podendo-se então garantir a melhora da saúde dos trabalhadores, assim como o aumento da produtividade, e assim ainda contribuir para a redução de custos e encargos causados pelo afastamento do mercado de trabalho.
Ressalta-se a importância da realização de novos estudos semelhantes, para que ocorra acompanhamento das possíveis alterações no perfil da população.