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Perfil dos docentes e do conteúdo de disciplinas de Fisioterapia em Saúde da Mulher ministradas em Instituições de Ensino Superior (IES) públicas no Brasil

Perfil dos docentes e do conteúdo de disciplinas de Fisioterapia em Saúde da Mulher ministradas em Instituições de Ensino Superior (IES) públicas no Brasil

Autores:

Patricia Driusso,
Mariana Tirolli Rett,
Maria Cristina Cortez Carneiro Meirelles,
Maria Elisabete Salina Saldanha,
Miriam Raquel Diniz Zanetti,
Cristine Homsi Jorge Ferreira

ARTIGO ORIGINAL

Fisioterapia e Pesquisa

versão On-line ISSN 2316-9117

Fisioter. Pesqui. vol.24 no.2 São Paulo abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/17495424022017

RESUMEN

Fue realizado un estudio transversal descritivo en que se evaluó el perfil de los docentes y el contenido impartido en asignaturas de Fisioterapia en Salud de la Mujer en Instituciones de Educación Superior (IES) públicas de Brasil. Docentes de la área de Fisioterapia en Salud de la Mujer o áreas asociadas de instituciones públicas brasileñas fueron invitados a llenar un cuestionario estructurado con cuestiones sobre datos personales, formación académica, actuación profesional y contenido programático de la asignatura. Los datos fueron analizados de forma descritiva en el Programa SAS, siendo que participaron 51 docentes, de 44 cursos de Fisioterapia, de los cuales la mayoría es del sexo femenino, con media de edad de 39,6±7,4 años. La mayor parte de los docentes realizan actividades de investigación, enseñanza y extensión y posseen maestría y doctorado, mas sólo 25,5% estan acreditados en programas de posgrado stricto sensu. Todos los cursos ofrecen por lo menos una asignatura obligatoria y en 54,6% de los cursos es ofrecida pasantía obligatoria en la área de Fisioterapia en Salud de la Mujer. Los contenidos impartidos y escenarios de práctica son diversificados, así como el nombre de las asignaturas y pasantías. En la mayor parte de los cursos, los alumnos aprenden a realizar la palpación vaginal en la pasantía y las habilidades prácticas son entrenadas de modo diversificado y en variados escenarios de práctica. El nombre de las asignaturas son variados, así como la forma de entrenamiento de las habilidades prácticas impartidas.

Palabras clave: Fisioterapia; Salud de la Mujer; Docentes

INTRODUÇÃO

De acordo com as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Fisioterapia e Terapia Ocupacional (2002), as Instituições de Ensino Superior (IES) podem organizar seus cursos de maneira diversificada e implementar conteúdos e tecnologias que engrandeçam a formação do estudante de Fisioterapia, porém devem seguir as propostas das diretrizes e garantir a formação generalista1), (2), (3.

Após a graduação e complementação de sua formação, o profissional fisioterapeuta pode receber um título de especialista por meio de sua aprovação em um exame nacional (Resolução nº 401 de 18 de agosto de 2011). No Brasil, a Fisioterapia em Saúde da Mulher é uma especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), por meio da Resolução 372, de 6 de novembro de 2009 (Diário Oficial da União, nº 228, Seção 1, em 30 de novembro de 2009, página 101)4), (5), (6.

A formação dos graduandos na área de Fisioterapia em Saúde da Mulher deve observar as competências e atribuições específicas, como também abranger a assistência aos cuidados com a mulher em todo o seu ciclo vital, incluindo a obstetrícia e os diversos aspectos ginecológicos, urológicos, mastológicos e sexuais nos três níveis de atenção à saúde. No entanto, até o momento não se tem informações sobre como esse conteúdo curricular é ministrado e abordado nos cursos de graduação de Fisioterapia do Brasil.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar o perfil dos docentes e do conteúdo ministrado em disciplinas de Fisioterapia em Saúde da Mulher de cursos de graduação de Fisioterapia de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Brasil.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal descritivo em que foram contatados por meio eletrônico ou contato telefônico docentes da área de Fisioterapia em Saúde da Mulher ou áreas associadas de todas as IES públicas do Brasil, entre dezembro de 2014 e agosto de 2015, e foi solicitado que respondessem a um questionário estruturado a respeito de dados pessoais, formação acadêmica, atuação profissional e conteúdo programático da disciplina. A duração média de resposta ao questionário foi de 15 minutos, de acordo com estudo piloto realizado. O questionário estava disponível online e alocado no website da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Nos casos em que não foi possível o contato direto com o docente responsável, foi realizado contato com o coordenador do curso e solicitado que enviasse o questionário ao docente responsável. Nos cursos com mais de um docente que ministram essa disciplina, foi solicitado que todos respondessem ao questionário.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Seres Humanos da UFSCar, de acordo com o parecer nº 902.408. Todos os docentes envolvidos nas disciplinas da área de Fisioterapia em Saúde da Mulher que consentiram em participar voluntariamente da pesquisa concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a Resolução nº466 de 2012 do Conselho Nacional da Saúde. O TCLE estava disponível online, sendo que o respondente que aceitasse em participar da pesquisa deveria, após lê-lo, clicar na palavra “aceito” e, assim, seria possível salvar ou imprimir uma cópia do documento.

Os dados foram analisados de forma descritiva no Programa SAS, por meio de frequências e, nos casos de variáveis qualitativas, os dados estão dispostos em média±desvio padrão.

RESULTADOS

Atualmente, existem no Brasil 48 universidades públicas que oferecem o curso de Fisioterapia (16 estaduais, 28 federais e 4 municipais), sendo que em 6 dessas o curso é oferecido em 2 campus, resultando em 54 cursos. São 18 no Sudeste, 15 no Nordeste, 11 no Sul, 5 na região Norte e outros 5 no Centro-Oeste do Brasil.

Participaram desta pesquisa 51 docentes, os quais ministram conteúdo relacionado à area de Fisioterapia em Saúde da Mulher de 39 de universidades públicas brasileiras. Como 5 dessas IES possuem 2 campus com curso de Fisioterapia, foram considerados 44 cursos distintos para análise.

Figura 1 Fluxograma da composição amostral 

Perfil docente

Dos docentes participantes, 21 (41,1%) são do Sudeste, 11 (21,6%) do Nordeste, 9 (17,6%) do Sul, 4 (7,8%) do Norte e 3 (5,9%) do Centro-Oeste, sendo 37 (72,5%) provenientes de universidades federais, 12 (23,5%) de estaduais e 2 (3,9%) de municipais.

A idade variou de 26 a 58 anos, sendo a média de 39,6±7,4 anos, sendo 49 (96,1%) mulheres e 2 (3,9%) homens. O tempo de formatura variou de 3-33 anos, sendo a média de 17,7±8,5 anos. Na prática clínica na área de Fisioterapia em Saúde da Mulher antes da docência, atuaram 38 (74,5%) docentes.

Na Tabela 1, estão dispostos os dados sobre a titulação dos docentes e a porcentagem de docentes que realizaram a formação acadêmica na área de Saúde da Mulher. Nota-se que nove (17,6%) docentes são especialistas em Fisioterapia em Saúde da Mulher, após aprovação no Certame Nacional realizado pelo COFFITO.

Tabela 1 Formação dos docentes da área de Fisioterapia em Saúde da Mulher 

Total Saúde da Mulher
Especialistas em Fisioterapia em Saúde da Mulher - 9 (17,6%)
Curso de especialização lato sensu 40 (78,4%) 17 (42,5%)
Curso de aprimoramento 23 (45,1%) 12 (52,2%)
Mestrado acadêmico 46 (90,2%) 31 (67,4%)
Doutorado 33 (64,7%) 22 (66,7%)
Pós-doutorado 4 (7,8%) 4 (100%)

Realizaram mestrado em universidades públicas 38 (82,5%) e 8 (17,5%) em particular. O doutorado em universidades públicas foi concluído por 93,9% dos docentes com doutorado e o pós-doutorado no exterior foi realizado apenas por 2 (50%) dos docentes com pós-doutorado.

Na Tabela 2, estão inseridos os dados sobre a atuação dos docentes. Nota-se que quase a totalidade dos docentes ministra disciplinas e orienta trabalho de conclusão de curso, sendo treze (25,5%) credenciados em programas de pós-graduação.

Tabela 2 Atuação docente 

Atuação Total
Ministra disciplina 49 (96,1%)
Supervisão de estágio 41 (80,4%)
Pesquisa 47 (92,2%)
Extensão 43 (84,3%)
Orientação de trabalho de conclusão de curso 50 (98%)
Credenciado em programas de pós-graduação stricto sensu (acadêmico) 12 (23,5%)
Credenciado em programa de pós-graduação stricto sensu (profissional) 1 (2%)

Entre os docentes vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu, oito (66,7%) são vinculados a programas da área 21 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Fisioterapia/Ciências da Reabilitação/Reabilitação e Desempenho Funcional) e os demais são credenciados em programas de outras áreas da Saúde, sendo que apenas cinco (9,8%) docentes orientam doutorado.

As subáreas nas quais os docentes se declaram como mais atuantes são: 46 (90,2%) em Obstetrícia; 39 (76,5%) em Uroginecologia; 32 (62,8%) em Mastologia; e 11 (21,6%) em Coloproctologia.

Perfil dos cursos

Em todos os cursos há uma disciplina obrigatória que engloba o conteúdo de Fisioterapia em Saúde da Mulher, com carga horária variando de duas a doze horas semanais. Em 22 (50%) dos cursos, o conteúdo é dividido em mais de uma disciplina, sendo que o nome da disciplina é muito variável entre os cursos: o termo Saúde da Mulher aparece no nome de 24 (54,5%) disciplinas, Obstetrícia em 22 (50%), Uroginecologia ou Urologia em 15 (34,1%), Ginecologia em 12 (27,3%) e Mastologia em dois (4,5%), entre outros termos.

A Tabela 3 se refere ao conteúdo ministrado na disciplina. Pode-se notar que há uma grande diversidade de temas abordados.

Tabela 3 Conteúdo ministrado na disciplina 

Conteúdo da disciplina Total
Anatomia do sistema reprodutor e do assoalho pélvico 40 (90,9%)
Gravidez, parto e puerpério 40 (90,9%)
Incontinência urinária 40 (90,9%)
Fisiologia da micção 39 (88,6%)
Mastologia 39 (88,6%)
Climatério/menopausa 35 (79,6%)
Ciclo hormonal feminino 33 (75%)
Gestação de alto risco 33 (75%)
Evidências científicas em Saúde da Mulher 32 (72,7%)
Dor pélvica 31 (70,5%)
Sexualidade 31 (70,5%)
Incontinência fecal 30 (68,2%)
Sistema linfático 30 (68,2%)
Programa de atenção integral à Saúde da Mulher 28 (63,6%)
Cânceres ginecológicos 27 (61,4%)
Bexiga neurogênica e disfunções miccionais neurológicas 24 (54,6%)
Políticas públicas relacionadas à Saúde da Mulher 20 (45,5%)
Níveis de atenção à Saúde da Mulher 19 (43,2%)
História da isioterapia em Saúde da Mulher 18 (40,9%)
Disfunções miccionais na infância 16 (36,4%)
Puericultura 10 (22,7%)
Associações de classe 5 (11,4%)

O estágio nesta área é obrigatório em 24 (54,6%) cursos; 35 (79,6%) cursos possuem estágio na área saúde da Mulher. A duração dos estágios varia de 4 a 40 semanas. O número de alunos por estágio varia de 2 a 12, sendo que em 17 (38,6%) cursos o número de alunos é entre 5 a 6 alunos por grupo. O termo “saúde da mulher” aparece como nome do estágio em 10 (22,7%) cursos, “urologia” ou “uroginecologia” em 9 (20,5%), “obstetrícia” em 7 (15,9%), “ginecologia” em 5 (11,4%), entre outros.

Pacientes com incontinência urinária (IU) são atendidas em 24 (54,6%) estágios dos cursos; 19 (43,2%) atendem mulheres no pré e/ou pós-cirurgico de câncer de mama; 18 (40,9%) incontinência fecal; 17 (38,6%) gestantes; 17 (38,6%) dor pélvica; 16 (36,4%) puérperas, 16 (36,4%) disfunções sexuais; 12 (27,3%) mulheres climatéricas; e 10 (22,7%) prestam assistencia à parturiente em sala de parto.

Na Tabela 4, está descrito o material disponível para as aulas teórico-práticas e nos estágios.

Tabela 4 Material disponível para as aulas teórico-práticas e nos estágios 

Aulas práticas Estágio
Equipamento de eletroterapia para assoalho pélvico 35 (79,6%) 22 (50%)
Cone vaginal 34 (77,3%) 19 (43,2%)
Sonda para eletroterapia vaginal 32 (72,7%) 17 (38,6%)
Sonda para eletroterapia anal 32 (72,7%) 16 (36,4%)
Biofeedback/perineometro 29 (65,9%) 19 (43,2%)
Modelo anatômico pelve 27 (61,4%) -
Bandagem para enfaixamento 24 (54,6%) 13 (29,6%)
Modelo anatômico mama 22 (50%) -
Eletromiografia 15 (34,1%) 5 (11,4%)

A Tabela 5 se refere às estratégias adotadas pelos docentes para o treinamento dos procedimentos de avaliação durante as aulas práticas. No estágio, os alunos de 23 (52,3%) cursos realizam palpação vaginal, 13 (48,2%) toque retal, 10 (37%) massagem perineal e 9 (33,3%) realizam avaliação de prolapso durante o estágio profissionalizante. O aluno é acompanhado por 18 (35,3%) docentes durante a palpação vaginal ou utilização de técnicas intracavitarias.

Tabela 5 Treinamento da prática dos alunos durante as aulas práticas 

Avaliação funcional do assoalho pélvico Demais técnicas fisioterapêuticas
Entre alunos 11 (25%) 36 (81,8%)
Em pacientes 21 (47,7%) 27 (61,4%)
Em voluntários 6 (13,6%) 9 (20,5%)
Modelos anatômicos 22 (50%) 11 (25%)
Apenas teoricamente 8 (18,2%) 1 (2,27%)
Por vídeo 20 (45,5%) 8 (18,2%)

A Tabela 6 se refere aos locais nos quais as aulas práticas e estágios são realizados. Nota-se que as aulas práticas acontecem em vários cenários de prática e os estágios ocorrem em clínica-escola em 17 (38,6%) dos cursos.

Tabela 6 Locais nos quais as aulas práticas e estágio são ministrados 

Aula prática Estágio
Laboratório 28 (63,6%) -
Clínica-escola 22 (50%) 17 (38,6%)
Unidade de saúde 18 (40,9%) 9 (20,5%)
Hospital 16 (36,4%) 13 (29,6%)
Maternidade 15 (34,1%) 14 (31,8%)

DISCUSSÃO

Esta pesquisa possibilitou analisar o perfil dos docentes e dos conteúdos ministrados nos cursos de Fisioterapia na área de Saúde da Mulher de IES públicas no Brasil.

Foi evidenciado que a maior parte dos docentes que atua na área apresentam mestrado e realizam atividades de ensino, pesquisa e extensão. Poucos docentes são especialistas pelo Coffito. Uma minoria está credenciada como orientador em programas de pós-graduação, entretanto evidencia-se um perfil de docentes relativamente jovens com bom potencial para ensinar e produzir conhecimento na área.

As diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Fisioterapia e Terapia Ocupacional1), (2), (3 enfatizam que o perfil de formação deve ser generalista. Em relação aos conhecimentos fisioterapêuticos, este documento indica necessidade de abordagem relacionada “aos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção”. A Fisioterapia em Saúde da Mulher é uma especialidade reconhecida pelo Coffito e que se propõe a lançar um olhar amplo sobre as questões de gênero, incorporando os preceitos contidos no programa de atenção integral à saúde da mulher. Para além dessa visão, a atuação prática do Fisioterapeuta nessa área envolve sua atuação nos diversos níveis de atenção à Saúde na promoção à Saúde da Mulher, prevenção e reabilitação de condições altamente prevalentes na população feminina. Essa atuação inclui as subáreas de Uroginecologia (incluindo a sexualidade), Obstetrícia e Coloproctologia.

Foi possível verificar que a maior parte dos cursos das instituições avaliadas possuem disciplinas obrigatórias na área e estágio profissionalizante. Um número crescente de ensaios clínicos randomizados e controlados e revisões sistemáticas de literatura têm demonstrado a eficácia do tratamento fisioterapêutico para prevenir e tratar disfunções dos músculos do assoalho pélvico (MAP) (7), (8, aliviar desconfortos gestacionais, preparar para o parto9, aliviar a dor no trabalho de parto e pós-parto10, entre vários outros exemplos que poderiam ser citados.

Os níveis crescentes de evidência científica na área, somados às dimensões continentais do Brasil, reforçam a necessidade de formação na área que inclua o estágio em todos os cursos de Fisioterapia, de modo a proporcionar formação generalista satisfatória. Verificou-se que o nome das disciplinas e do estágio na área foi amplamente variável. Isso possivelmente decorre do fato de que antes do ano 2000 praticamente não se falava em Fisioterapia na Saúde da Mulher, mas em Fisioterapia em Ginecologia e Obstetrícia. Após o surgimento dos primeiros cursos de especialização lato sensu que incorporaram o nome Fisioterapia em Saúde da Mulher e da criação da Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher (ABRAFISM) em 2005, houve a modificação dos nomes das disciplinas de diversos cursos de Fisioterapia. A questão do nome da especialidade regulamentada pelo Coffito foi debatida em diversas oficinas realizadas no Brasil.

Com relação às áreas de atuação na área de Saúde da Mulher, estágio são mais comuns no estágio a prática no tratamento das disfunções do assoalho pélvico, como IU. Apesar da grande ênfase dada à atuação do fisioterapeuta voltada ao assoalho pélvico nos últimos anos, vale destacar que a atuação na Obstetrícia é anterior e apresenta grande relevância em decorrência da prevalência dos problemas que o fisioterapeuta pode prevenir e tratar com bons níveis de evidência científica9), (10), (11.

De acordo com o Ministério da Saúde12, a prevalência de cesárea é de 56,7% no Brasil, sendo 40% no setor público e 85% nos serviços privados. Ainda de acordo com o Ministério da Saúde12, quando realizada sob indicações médicas, a operação cesariana é uma cirurgia segura e essencial para a saúde materna e infantil, entretanto, quando realizada sem uma justificativa, pode agregar riscos desnecessários sem que haja benefício claro. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que uma taxa de cesariana que poderia ser considerada como de referência para a população brasileira situa-se entre 25% e 30%.

Baseando-se nesses índices, o Ministério da Saúde lançou em 2016 a Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal13, como forma de sintetizar e avaliar sistematicamente a informação científica disponível em relação às práticas mais comuns na assistência ao parto e ao nascimento fornecendo subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado com o intuito de promover, proteger e incentivar o parto vaginal.

O fisioterapeuta é um dos profissionais capacitados a compor a equipe obstétrica e oferecer assistência à parturiente, favorecendo a mobilidade da parturiente (coordenação da ação da musculatura, movimentos funcionais para cada fase da dilatação, estímulo para a participação da parturiente durante o trabalho de parto)14 e utilizando-se de métodos não farmacológicos de alívio da dor durante o trabalho de parto, como eletroestimulação nervosa transcutânea (Tens), hidroterapia, cinesioterapia, crioterapia, massoterapia e técnicas respiratórias15), (16), (17. De acordo com Chaillet et al.18, a utilização de métodos não farmacológicos está associada à redução do número de cesáreas e, de acordo com Mafetoni e Shimo17, a mobilidade da parturiente promove a redução da dor e da duração do trabalho de parto.

Neste estudo, nota-se que os estágios de alguns cursos contemplam a assistência ao pré-natal, contudo, com relação à assistência ao parto, encontrou-se a menor frequência entre todos os temas da área da Saúde da Mulher. Esse fato aqui constatado talvez reflita o restrito mercado de trabalho para os fisioterapautas nas maternidades no Brasil e a escassez de profissionais fisioterapeutas atuantes nesse campo.

A questão da pouca inserção do aluno na maternidade durante a graduação também evidencia a pequena inserção do graduando nos diferentes níveis de assistência em Saúde da Mulher. O principal local de atendimento nos estágios são as clínicas-escolas que provavelmente apresenta a maior parte dos atendimentos de nível secundário, já que a avaliação e tratamento de disfunções dos MAP requer ambiente privativo adequado e alguns recursos específicos não disponíveis na atenção básica, como a eletroterapia. Um número restrito de cursos apontou a atenção básica como área de estágio que poderia envolver atendimento à gestação de risco habitual, prevenção de disfunções do assoalho pélvico e promoção de saúde (por exemplo com planejamento familiar). Vale destacar que o treinamento dos MAP apresenta o maior nível de evidência científica no tratamento de IU feminina7), (8, devendo o fisioterapeuta ser o profissional de referência na implementação de programas de treinamento no nível da atenção básica. Uma limitação desta análise é o fato de que alguns cursos apresentam estágios específicos na atenção básica/saúde da comunidade que podem não ter sido relatados pelos docentes da área de Saúde da Mulher.

Parece que a formação básica teórica na área vem sendo contemplada, pois podemos observar que os principais temas para que um fisioterapeuta generalista desenvolva seu trabalho na área de saúde da mulher estão presentes em quase todas as IES incluídas neste estudo. Anatomia e fisiologia do sistema reprodutor feminino, gravidez, parto e puerpério e IU foram os temas mais comuns, seguidos por mastologia e fisiologia da micção. Com relação aos temas menos citados, encontrou-se: Políticas Públicas Relacionadas à Saúde da Mulher; História da Fisioterapia em Saúde da Mulher; Disfunções Miccionais na Infância; Puericultura e Associações de Classe. Mais uma vez, esses resultados nos apontam que o profissional fisioterapeuta habitualmente é pouco envolvido nos programas de políticas públicas na área de Saúde da Mulher.

Uma limitação deste estudo é que os resultados não podem ser generalizados para todos os cursos de Fisioterapia do Brasil, uma vez que somente os cursos de IES públicas foram incluídos. Apesar disso, é o primeiro estudo que avaliou o perfil dos docentes que ministram disciplinas relacionadas à Fisioterapia em Saúde da Mulher e o conteúdo ministrado. Além disso, houve boa taxa de resposta do questonário e esses resultados são representativos dos docentes das IES públicas no Brasil. Este estudo poderá contribuir para formulação de recomendações relacionadas ao ensino de graduação na área. Sugere-se que novas investigações busquem aprofundar o conhecimento relacionado aos métodos de treinamento das habilidades práticas e questões éticas envolvidas ao ensino na área.

CONCLUSÃO

Verificou-se que a maior parte dos docentes da área são jovens, do sexo feminino e realizam atividades de ensino, pesquisa e extensão. Todos os cursos oferecem disciplinas obrigatórias na área e a maioria oferece estágio obrigatório. O nome das disciplinas são variados, assim como a forma de treinamento das habilidades práticas ministradas.

REFERÊNCIAS

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4 Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Resolução nº 10, de 3 de julho de 1978. Código de Ética Profissional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Brasília, DF: Diário Oficial da União; 1978. [acesso em 2 jun. 2017]. Disponível em: https://goo.gl/qbVKnn.
5 Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional - COFFITO. Resolução nº 372, de 6 de novembro de 2009. Reconhece a especialidade de fisioterapia em saúde da mulher. [ acesso em 2 jun. 2017]. Disponível em: Disponível em: .
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