versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.5 São Paulo set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.06.015
A audição é essencial para o processamento dos eventos acústicos e para a emissão e compreensão dos sinais de fala. As consequências da perda auditiva variam de acordo com o tipo, grau e a idade de acometimento. Nos adultos e idosos geralmente se observa isolamento, com restrições de participação na vida social e familiar, por vezes devido o receio de se tornar alvo de zombaria ou desprezo.1 A perda auditiva ainda pode estar associada ao declínio cognitivo, à depressão e à redução do estado funcional.2
Em virtude do crescimento da população idosa, faz-se necessário compreender os fatores relacionados ao envelhecimento e à fragilidade, especialmente os aspectos correspondentes aos fatores incapacitantes.3 Esses podem ser caracterizados pela interação entre a disfunção do indivíduo (orgânica e/ou estrutural), restrição na participação social e dos fatores ambientais que poderão interferir no desempenho das atividades individuais.4
Para tanto, é importante avaliar a capacidade funcional dos idosos de forma a relacionar a mesma com os aspectos práticos do cuidado pessoal, manutenção e desempenho das atividades básicas e complexas do cotidiano.5 Entre os fatores a serem avaliados está a audição, uma das principais alterações sensoriais6 que podem modificar os hábitos do idoso.
O diagnóstico e a reabilitação da deficiência auditiva deveriam ser feitos de forma precoce, independentemente da idade do indivíduo. Porém, em muitas situações a perda auditiva ocorre de forma gradual, com progressão lenta e que pode não ser percebida, ou é negligenciada pelos próprios indivíduos. 1 Dessa maneira, a triagem auditiva deveria ser um procedimento usual, com vistas ao diagnóstico precoce e às consequências não negativas da privação auditiva.7 Estudos anteriores referem que a queixa pode ser um bom preditor da presença de perda auditiva, 8 há um aumento de sensibilidade e especificidade do valor preditivo do autorrelato de perda em indivíduos idosos, se comparado com outras idades.9
Apesar da relevância da temática para os idosos, poucos estudos foram feitos ou foram capazes de determinar qual a incidência de perda auditiva na população brasileira, ou em seus estados. Um exemplo um é o estudo feito na cidade de São Paulo que evidenciou a prevalência de 30% de perda auditiva em seus idosos.2 Esse dado tem sua importância justificada para possam ser tomadas as devidas medidas de atenção à saúde auditiva e possa ser fornecida a dimensão desse fato na população em questão.
Assim, o presente estudo teve por objetivo analisar a prevalência de autorrelato de queixa auditiva em idosos do Rio Grande do Sul, bem como descrever os fatores epidemiológicos associados dos idosos com e sem queixa auditiva.
O presente estudo foi caracterizado como transversal descritivo e faz parte de um levantamento maior, recortado com foco na audição de idosos. O questionário foi inspirado no Guia Global Cidade Amiga do Idoso da Organização Mundial da Saúde. Os dados analisados e discutidos foram coletados entre 2010 e 2011.
Foram entrevistados em suas residências 7.315 idosos, aleatoriamente, selecionados a partir de setores censitários de 59 cidades gaúchas. Os critérios de inclusão adotados foram ter 60 anos ou mais e estar presente no momento da entrevista. Foram excluídos os participantes que não puderam responder à questão de autopercepção auditiva por comprometimento cognitivo e de comunicação. Todos os participantes, ou seus responsáveis, assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto foi aprovado pelos comitês de ética das instituições envolvidas (09/04931 e 481/09).
Os idosos foram entrevistados, entre outras questões, a respeito da autopercepção de audição. As variáveis sexo (masculino e feminino), estado civil (casado, solteiro, viúvo, separado ou divorciado, não soube responder), etnia (branca, parda, preta, outra), participação na renda familiar (sem renda, maior ou único responsável, divide responsabilidade), ter recebido atendimento por problemas de saúde nos últimos seis meses (recebeu, não recebeu), fazer atividades sociais (faz, não faz) ou comunitárias (faz, não faz) e referir ter dificuldade de sair por problemas de comunicação (tem dificuldade, não tem dificuldade), além do uso de prótese auditiva (usa, não usa), foram tratadas como categóricas e expressas em frequências. Já idade e escolaridade (anos de estudo formal) foram tratadas como numéricas e expressas em média e desvio padrão. A pergunta sobre autopercepção de audição teve as seguintes opções de resposta: "ótima"; "boa"; "regular"; "má" e "péssima" - previamente estabelecidas no questionário.
Para fins de análise estatística, os níveis de autopercepção auditiva foram agrupados em boa ou ótima quando não havia queixa, e regular, má ou péssima, na presença de queixa auditiva. O teste do qui-quadrado foi usado para testar a associação entre a queixa auditiva e as demais variáveis. A regressão logística múltipla foi usada para calcular a razão de chance da queixa de perda auditiva sofrer influência das variáveis estudadas. Níveis de significância menores do que 5% foram considerados estatisticamente significantes e entre 5 e 10% como indicativos de significância.10
Dos 7.315 participantes, 139 foram excluídos por não terem respondido à pergunta sobre autopercepção auditiva (comprometimento cognitivo) e nove por autorreferirem surdez, total da amostra 7.167 idosos (tabela 1). Os resultados foram expressos em média e desvio padrão (DP). A média de idade entre os idosos sem queixa auditiva foi de 69,4 (6,91) e com queixa, de 72,8 (7,75) anos. Os idosos sem queixa auditiva apresentaram, em média, 5,1 (3,79) anos de estudo, esse resultado é maior, comparado com os 4,5 (3,49) anos daqueles com queixa. Tanto a idade como a escolaridade foram significativamente diferentes entre os idosos com e sem queixas auditivas.
Tabela 1 Características dos participantes de acordo com o nível de perda auditiva
Queixa auditiva | p | |||
---|---|---|---|---|
Sem queixa | Com queixa | Total | ||
Amostra | 5.156 (71,94%) | 2.011 (28,06%) | 7167 | |
Idade (média ± DP) | 69,4 ± 6,91 | 72,8 ± 7,75 | 70,4 ± 7,32 | < 0,0001 |
Anos de estudos (média ± DP) | 5,1 ± 3,79 | 4,5 ± 3,50 | 4,9 ± 3,72 | < 0,0001 |
Sexo | 0,0016 | |||
Feminino | 2.731 (73,6%) | 982 (26,4%) | 3.713 (51,8%) | |
Masculino | 2.425 (70,2%) | 1.029 (29,8%) | 3.454 (48,2%) | |
Estado civil | < 0,0001 | |||
Casado | 2.341 (73,5%) | 843 (26,5%) | 3.184 (44,4%) | |
Solteiro | 256 (66,0%) | 132 (34,0%) | 388 (5,4%) | |
Viúvo | 1.599 (68,3%) | 742 (31,7%) | 2.341 (32,7%) | |
Separado/divorciado | 759 (75,9%) | 241 (24,1%) | 1.000 (14%) | |
Não soube responder | 201 (79,1%) | 53 (20,9%) | 254 (3,5%) | |
Cor | 0,0899 | |||
Branca | 3.578 (72,7%) | 1.341 (27,3%) | 4.919 (68,6%) | |
Parda | 768 (70,3%) | 325 (29,7%) | 1.093 (15,3%) | |
Preta | 536 (69,0%) | 241 (31,0%) | 777 (10,8%) | |
Outras | 248 (71,3%) | 100 (28,7%) | 348 (4,9%) | |
Renda participação | < 0,0001 | |||
Sem participação | 345 (68,4%) | 159 (31,5%) | 504 (7%) | |
Maior ou único responsável | 2.357 (69,7%) | 1.025 (30,3%) | 3.382 (47,2%) | |
Divide responsabilidade | 2.454 (74,8%) | 827 (25,2%) | 3.281 (45,8%) | |
Recebeu atendimento | < 0,0001 | |||
Não recebeu | 2.972 (68,6%) | 1.360 (31,4%) | 4.332 (60,4%) | |
Recebeu | 2.178 (77,0%) | 651 (23,0%) | 2.829 (39,5%) | |
Atividade social | 0,0013 | |||
Não faz | 3.066 (73,4%) | 1112 (26,6%) | 4.178 (58,3%) | |
Faz | 2.090 (69,9%) | 899 (30,1%) | 2.989 (41,7%) | |
Atividade comunitária | ||||
Não faz | 4.313 (73,3%) | 1.568 (26,7%) | 5.881 (82,1%) | < 0,0001 |
Faz | 843 (65,5%) | 443 (34,4%) | 1.286 (17,9%) | |
Dif. de sair - Comunicação | 0,0027 | |||
Não tem dificuldade | 5.127 (72,1%) | 1.986 (27,9%) | 7.113 (99,2%) | |
Tem dificuldade | 29 (53,7%) | 25 (46,3%) | 54 (0,8%) | |
Uso de prótese auditiva | < 0,0001 | |||
Não usa | 5.077 (73,3%) | 1.851 (26,7%) | 6.928 (96,7%) | |
Usa | 79 (33,1%) | 160 (66,9%) | 239 (3,3%) |
Na análise da regressão logística, tanto a idade quanto a escolaridade mantiveram quase o mesmo nível de significância. Com relação aos anos de estudo, os resultados evidenciaram que os participantes com queixa auditiva tiveram menos anos de estudo. Cada um ano a mais de estudo foi relacionado a uma chance 3% menor de queixa auditiva. Já em relação à idade, cada um ano a mais esteve relacionado com um aumento de 6% de chances de queixa auditiva (tabela 2).
Tabela 2 Resultados da regressão logística múltipla para a chance de apresentar queixa de perda auditiva
Razão de chance | Intervalo de confiança | p | ||
---|---|---|---|---|
Anos de estudo | 0,9690 | 0,9538 | 0,9844 | 0,0001 |
Idade | 1,0602 | 1,0519 | 1,0685 | < 0,0001 |
Sexo (masculino/feminino) | 1,1939 | 1,0640 | 1,3396 | 0,0026 |
Estado civil (solteiro/casado) | 1,4076 | 1,1056 | 1,7922 | 0,0055 |
Estado civil (viúvo/casado) | 0,9798 | 0,8546 | 1,1232 | 0,7695 |
Estado civil (separado/casado) | 0,9690 | 0,8139 | 1,1536 | 0,7235 |
Renda participação (maior/não) | 0,8903 | 0,7154 | 1,1080 | 0,2978 |
Renda participação (divide/não) | 0,7691 | 0,6175 | 0,9581 | 0,0192 |
Atendimento de saúde (sim/não) | 0,7388 | 0,6577 | 0,8298 | < 0,0001 |
Atividade comunitária (Sim/não) | 1,4462 | 1,2434 | 1,6820 | < 0,0001 |
Dificuldade de sair de casa por comunicação (sim/não) | 1,9518 | 1,0887 | 3,4993 | 0,0247 |
Atividade social (sim/não) | 1,1593 | 1,0253 | 1,3107 | 0,0183 |
A queixa auditiva foi significativamente mais frequente nos homens (p = 0,0016). A associação entre sexo e queixa auditiva manteve-se significativa na análise múltipla, com ajuste pelas outras variáveis. Apesar de a diferença na frequência de homens e mulheres com queixa ser de apenas 3,3% (tabela 1), na análise múltipla eles tiveram 19% a mais de chances de ter queixa auditiva do que as mulheres, quando ajustado pelas outras variáveis (tabela 2). Já em relação à variável estado civil, mostrou-se significativa para queixa de perda auditiva (p < 0,0001). Os solteiros e viúvos foram os que tiveram as maiores frequências de queixa auditiva, os casados e separados foram os menores.
Para melhor entender a relação entre o estado civil e a queixa auditiva fizemos uma regressão logística simples, observada na tabela 3. Os viúvos apresentaram 29% a mais de chances de apresentar queixa auditiva, enquanto nos solteiros esse percentual foi de 43% em relação aos casados. Já na análise múltipla, com ajuste pelos outros fatores, a chance de os viúvos apresentarem queixa auditiva em relação aos casados passou a não ser significativa, enquanto a chance de os solteiros apresentarem essa queixa manteve-se semelhante (41%) e significativa, como pode ser observado na tabela 2. Dessa forma, a diferença observada entre casados e viúvos com relação à queixa auditiva é dependente de outras variáveis, entre elas a idade.
Tabela 3 Resultado da regressão logística simples do estado civil para a chance de queixa de perda auditiva, em comparação com o estado civil casado
Razão de chance | Intervalo de confiança | p | |
---|---|---|---|
Estado civil (solteiro/casado) | 1,4319 | 1,1442 ± 1,7919 | 0,0017 |
Estado civil (viúvo/casado) | 1,2886 | 1,1459 ± 1,4491 | < 0,0001 |
Estado civil (separado/casado) | 0,8818 | 0,7477 ± 1,0399 | 0,1348 |
Quanto à renda, apenas 7% da amostra referiram não ter participação na renda familiar (tabela 1). Essas apresentaram maior frequência de queixa auditiva. As pessoas que têm participação ou são os únicos ou maiores contribuintes na renda apresentaram, significativamente, menor chance de ter queixa auditiva (tabela 2).
A maioria dos idosos não havia recebido atendimento de saúde seis meses antes da entrevista (60,4%) (tabela 1). No entanto, os indivíduos que receberam atendimento apresentaram, significativamente, menor chance de desenvolver queixa auditiva (26%). Constatou-se que ter recebido atendimento de saúde (nos últimos seis meses) fez a chance de ter queixa auditiva ter sido menor significativamente, quando comparados aos idosos que não receberam. Ainda, quanto aos acompanhamentos, apenas quatro idosos referiram ter recebido acompanhamento fonoaudiológico.
A maioria dos participantes não fazia atividades sociais nem comunitárias, mas ambas as atividades apresentaram correlação significativa com a queixa auditiva tanto na análise simples quanto no ajuste por outras variáveis. Os frequentadores de tais atividades tiveram maior presença de queixa quando comparados com os que não participavam. Esse fato pode ser explicado: presume-se que pessoas que se expõem a uma atividade podem perceber seu pior desempenho quanto à audição do que os outros que não estão expostos, ou seja, em casa ou em ambiente familiar que se adaptam a eles.
As pessoas que referem não sair de casa em função da dificuldade de comunicação foram apenas 0,8% da amostra (tabela 1), mas esse fator foi muito importante, pois quase metade deles apresentava queixas auditivas. As pessoas que não saíam de casa por dificuldade de comunicação apresentaram 95% mais chances de ter queixas auditivas (tabela 2).
Dos 2.011 idosos que referiram queixa auditiva, apenas 8% usavam aparelho auditivo (tabela 1). A maioria, 67%, dos que usavam aparelho tinha queixa auditiva. No entanto, 33% deles não referiram queixa.
A incidência de autorrelato de perda auditiva em nossa amostra com idosos a partir de 60 anos foi de 28%; relato semelhante ao de outra pesquisa populacional feita em São Paulo, que evidenciou a prevalência de 30%.2 Assim como essa última, a presente pesquisa foi baseada na queixa subjetiva de dificuldade auditiva. Acreditamos que a frequência observada seria maior caso esses idosos tivessem feito avalição auditiva por meio de audiometria. Um estudo prévio fez a comparação entre a queixa e a perda auditiva e constatou que essa foi mais frequente, pois dos 50 idosos da amostra somente 12 (24%) tinham queixa específica de perda auditiva, apesar de 33 (66%) apresentarem perdas auditivas de grau leve, moderado, severo e profundo.11 Outras pesquisas com a audiometria também encontraram frequências maiores. Um estudo feito por Mattos e Veras12 com participantes de um projeto de extensão universitária com idosos apontou a prevalência de 41% de queixa de perda auditiva. Estudo de Costi et al.13 observou uma prevalência de queixas auditivas em 45% dos participantes de um grupo de terceira idade. As diferenças podem ser explicadas pelo desenho da pesquisa, pelo local onde a pesquisa foi feita e pelos indivíduos que compuseram a amostra.
Pesquisas de bases populacionais e perda auditiva não são comuns no Brasil e tampouco fora. Apenas alguns estudos foram encontrados com essa temática. Um deles, uma revisão da literatura que agrupou amostras de países europeus com indivíduos idosos com 60 anos ou mais, verificou que cerca de 30% dos homens e 20% das mulheres apresentaram perda auditiva em algum grau aos 70 anos e 55% dos homens e 45% das mulheres aos 80.14 O presente trabalho também observou a maior prevalência de queixa auditiva em idosos mais longevos, o sexo masculino foi o mais afetado. O aumento da queixa de perda auditiva em função da idade pode ser explicado pelo fato de a presbiacusia apresentar característica progressiva, há relação com o aumento da idade,15 o que originaria um maior número de indivíduos com o autorrelato de dificuldade para ouvir.
A influência dos anos de estudo pode ser observada nos dados avaliados, pois quanto maior a escolaridade, menor a chance de apresentar queixa de perda auditiva. Resultado similar foi observado em pesquisas tanto em idosos brasileiros2 quanto em idosos europeus,16 o que pode significar que mais anos de estudo resultariam em maior cuidado com a saúde e adoção de medidas preventivas, no sentido de preservar a audição. Nossos dados também sugerem que o poder aquisitivo possa interferir nos cuidados com a audição, visto que a renda foi fator significativamente protetor para a queixa auditiva.
Quando avaliada a questão sobre receber atendimento de saúde e apresentar perda auditiva, observou-se que os idosos que recebem tal atendimento apresentam mais queixa. Acredita-se que tal ocorrência deve-se ao fato de que as pessoas que escutam bem procuram atendimento de saúde, em comparação com as que não estudam, ou os que recebem atendimento podem receber algum tipo de orientação/tratamento para prevenção de perda auditiva. Esse dado pode ser explicado também pela possibilidade de os indivíduos receberem, de outros profissionais, informações sobre a perda auditiva em idosos. Além disso, os idosos podem apresentar doenças frequentes na população avaliada que têm como consequência a perda auditiva, tais como diabetes, hipertensão, dislipidemias, entre outras.
Pandhi et al.17 investigaram se nos idosos a propensão a relatar dificuldades, atrasos e diminuição da satisfação no acesso aos cuidados com a saúde estaria relacionada à perda auditiva. Descobriram que os indivíduos com dificuldade de audição eram mais propensos a relatar dificuldades em acesso à saúde; no entanto, a audição não foi preditiva para a satisfação com o acesso à saúde.
Encontramos relação significativa entre atividade social, entre elas a atividade física, e perda auditiva em idosos. Outro estudo não evidenciou relação significativa entre atividade física e queixa de perda auditiva.18
Chen et al.,19 em sua pesquisa, corroboraram os achados de nosso estudo e também verificaram que deficiência auditiva em idosos é independentemente associada com maior deficiência e limitações em várias categorias de autorrelato de funcionamento físico. Em contrapartida, o estudo de Fieldler e Peres20 ressalta que parece haver uma relação com o aumento da incidência de perda auditiva e a prática de atividade física, leva a crer que pessoas que fazem atividade física podem apresentar mais queixas, uma vez que se sentem incomodadas por não conseguir interagir com o ambiente que as rodeia.
Sobre autorreferência de cor (branca, parda, preta ou outra) e a relação com queixa auditiva, em nossa pesquisa, a diferença não foi estatisticamente significativa entre os grupos. No entanto, uma tendência maior de queixa foi referida entre pretos, seguida dos pardos e, por último, dos brancos. Deve-se salientar o fato de a proporção de pessoas não brancas ser muito menor no Estado do Rio Grande do Sul do que em outras unidades federativas do Brasil, esse fato é um motivador para não se alcançar o nível de significância preconizado. O presente achado difere do constatado em estudo americano, no qual a cor preta nos idosos foi considerada como substancialmente protetora contra perda de audição.21
Sobre o fato de as pessoas idosas com autorrelato de queixa auditiva referirem não sair de casa em função da dificuldade de comunicação, dado encontrado em nossa amostra, um estudo similar não chegou a esses resultados. Ao analisar o isolamento social e sua associação com a perda auditiva, o estudo constatou que apenas em mulheres entre 60 a 69 anos o maior grau da perda auditiva estava associado com aumento de chances de isolamento social; nas demais faixas etárias e nos homens essa associação não foi significativa.22 As pessoas que não saíam de casa por dificuldade de comunicação apresentaram 95% mais chances de ter queixas auditivas, conforme nossos achados. Sugere-se que a perda auditiva limita a comunicação e restringe significativamente o idoso ao sair de casa, embora essa não tenha sido a única causa.
Observamos que somente um terço das pessoas que usavam aparelho auditivo não referiu queixa auditiva, presume-se que o aparelho auditivo supre integralmente suas necessidades auditivas. Falta de ajustes ou inadequações poderiam justificar o percentual de pessoas ainda com queixa, mesmo com a prótese auditiva.
Apesar de os números desta pesquisa já alertarem para a questão da perda auditiva, fica o registro de que muito pouco tem sido feito a respeito. Em nossa população, verificamos que apenas quatro idosos recebiam acompanhamento fonoaudiológico e 54 usavam próteses auditivas. Ainda, sugere-se um estudo de base populacional com avaliação instrumental da audição, uma vez que se estima que o número de idosos com queixa é inferior ao número de idosos que realmente apresentam algum grau de perda auditiva, visto que a perda auditiva é progressiva (facilita que o idoso se adapte à perda), que poucos fazem atividades sociais (não se expõem a ambientes que exigem boa audição) e que a maioria não recebe acompanhamento de saúde.
Ressalta-se a importância de estudos de acompanhamento longitudinal de idosos com queixa de perda auditiva, a fim de que seja possível estabelecer opções terapêuticas, com vistas não apenas ao tratamento, mas também uma prevenção mais eficaz para essa população crescente, sobretudo em seus aspectos clínicos, físicos, funcionais e psicossociais.
Em nosso estudo, ficou evidente que há queixa de perda auditiva nos idosos, com uma prevalência de aproximadamente 30%. Com relação ao perfil dos idosos com queixa de perda auditiva, constatou-se que a maioria é composta por homens com menos anos de escolaridade. A chance de apresentar queixa auditiva aumenta com a idade: a cada um ano a mais, há um aumento de 6% de chances de queixa de perda auditiva. A queixa foi associada à diminuição do acesso à saúde e a não sair de casa por dificuldade de comunicação. Por outro lado, os idosos com maior nível de atividade social apresentaram maior frequência de queixa auditiva.