Compartilhar

Perfil e satisfação com o trabalho de profissionais da rede de atenção à saúde auditiva

Perfil e satisfação com o trabalho de profissionais da rede de atenção à saúde auditiva

Autores:

Andrezza Gonzalez Escarce,
Stela Maris Aguiar Lemos,
Sirley Alves da Silva Carvalho

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.20 no.2 São Paulo abr./jun. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000200001441

INTRODUÇÃO

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), visando à promoção da saúde auditiva, foram criadas as Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva, instituídas pela Portaria Ministerial nº 587, datada em 7 de Outubro de 2004 e que determina a organização de redes hierarquizadas, regionalizadas e integradas na atenção básica, na média e na alta complexidade(1). Desta forma, o tratamento da pessoa com deficiência auditiva passou a ser garantido na sua totalidade, ou seja, além do diagnóstico e adaptação de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI), passou-se, também, a realizar a reabilitação de crianças e adultos, permitindo, assim, a atenção integral no seu processo de cuidado(1,2).

Inserido nesse novo panorama, o Estado de Minas Gerais conta, atualmente, com 15 Serviços de Atenção à Saúde Auditiva (SASA) credenciados, dos quais, nove são de alta complexidade e seis são de média complexidade, cujas atividades tiveram início entre 2005 e 2010. A rede é hierarquizada e regionalizada, com atendimento integral ao cidadão com perda auditiva. Somam-se a essa rede os serviços de Triagem Auditiva Neonatal e o de Fonoaudiologia Descentralizada(3). A função do serviço de Fonoaudiologia Descentralizada é acolher o usuário referenciado pela atenção primária com queixa, suspeita ou diagnóstico de perda auditiva, encaminhá-lo à avaliação auditiva básica, em seguida à Junta de Saúde Auditiva Microrregional e à reabilitação do usuário pós-adaptado no SASA SUS-MG(3). Além destas atribuições, também é de responsabilidade desse serviço desenvolver ações na atenção primária, relativas à promoção da saúde e prevenção de agravos, bem como o acompanhamento do usuário em seu processo de cuidado(3).

Estabelecidas as redes, é importante a descrição e análise crítica da sua implementação, respeitando as diferentes percepções de gestores, profissionais e usuários, com o objetivo de mostrar quais práticas e condutas estão realmente sendo efetivas e adequadas. Este processo de avaliação de políticas e programas é essencial em saúde pública, visto que contribui para a busca de esforços para a criação de uma sociedade mais saudável, prevenindo o desperdício de recursos, com a implantação de programas ineficazes(4).

O termo “avaliar” corresponde a realizar um julgamento de valor a respeito de uma intervenção e seus aspectos, para fornecer subsídios à tomada de decisão(5). No âmbito da saúde, entende-se como intervenção um conjunto de meios organizados de modo a produzir bens e serviços para modificar uma dada situação(5), na qual se busca sempre assegurar a efetividade do tratamento do indivíduo, neste caso, com perda auditiva(6). Ressalta-se que uma boa avaliação deve ser independente de indicadores de mortalidade e qualidade de vida(7).

Estudos têm sido realizados buscando avaliar o benefício e a satisfação dos usuários com o uso do AASI, porém, pouco se sabe sobre a qualidade do serviço sob o olhar do profissional, que também pode contribuir com informações relevantes sobre a qualidade do serviço, uma vez que as necessidades e exigências desse grupo diferem daquelas dos usuários e/ou gestores de serviços. Além disso, também é importante verificar a satisfação desse profissional com o serviço no qual está inserido, abrangendo desde as atividades realizadas, estrutura física, política de recursos humanos até a comunicação com seus colegas de trabalho. Isso permitirá que sejam traçadas alternativas para melhoria do serviço, bem como para o trabalho em equipe, visto que ter uma equipe motivada e ambiente e perspectivas favoráveis são fatores essenciais para a minimização dos impactos causados pela rotina de trabalho e que refletem diretamente na qualidade do serviço prestado. Além disso, a análise das insatisfações pode fornecer subsídios para que mudanças organizacionais sejam realizadas, visando a melhoria da assistência prestada(8).

Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo verificar o perfil e a satisfação com estrutura do serviço, política de recursos humanos e rotina de trabalho de profissionais que integram equipes de saúde auditiva da Rede de Atenção à Saúde Auditiva de duas microrregiões de Minas Gerais.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo observacional transversal, de natureza exploratória, com amostra não probabilística. A pesquisa foi conduzida no período compreendido entre abril de 2011 e fevereiro de 2012 e realizada com 34 profissionais (médico otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, assistente social, psicólogo, coordenador de serviço de saúde auditiva) do serviço de atenção à saúde auditiva, pertencentes à Rede de Atenção à Saúde Auditiva de duas microrregiões, em Minas Gerais.

Para a realização da pesquisa foram repassadas aos profissionais, informações sobre o caráter voluntário do estudo, seus objetivos e repercussões. Todos os participantes da pesquisa leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram utilizados como critérios de inclusão na pesquisa: possuir vínculo empregatício com o serviço de saúde auditiva, estar vinculado ao programa de saúde auditiva do município por, no mínimo, três meses e estar presente no serviço de saúde auditiva no dia da visita dos pesquisadores. Os critérios de exclusão foram: já ter respondido ao questionário em outro Serviço de Atenção à Saúde Auditiva (SASA), visto que, por vezes, os profissionais exerciam atividades em mais de um Serviço da Rede, ou desistir da participação da pesquisa em qualquer tempo.

Para recrutamento dos profissionais foi realizado, inicialmente, contato telefônico ou por e-mail, com os gestores de saúde de 34 municípios das microrregiões de Curvelo e Sete Lagoas (Minas Gerais), solicitando anuência para inclusão dos municípios na pesquisa. Obtida a anuência, foi feito contato com todos os profissionais, comunicando sobre a pesquisa e a data em que os pesquisadores estariam no município, para coleta. A coleta ocorreu nos serviços de saúde auditiva e foi realizada por entrevistadores devidamente treinados. As entrevistas tiveram duração média de 15 minutos e foram gravadas. Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado questionário estruturado, elaborado pelos pesquisadores, aplicado sob a forma de entrevistas individuais com os profissionais componentes das equipes de saúde auditiva.

O instrumento foi constituído por seis eixos, a saber (Anexo 1):

  1. Caracterização do profissional: dados referentes ao perfil do entrevistado, ou seja, sua profissão, formação, experiência em serviço público, tempo na atual gestão, vínculo e faixa salarial;

  2. Dados do atendimento/perfil do serviço: dados referentes à rotina de atendimentos e atividades desenvolvidas pelo profissional, ações do serviço e formas de agendamento;

  3. Perfil da população atendida: faixa etária e local de residência dos usuários;

  4. Trabalho em equipe e atividades exercidas pelos profissionais: perfil da equipe na qual o profissional atuava, englobando sua composição, as atividades realizadas (reuniões, discussões de casos clínicos), bem como sua periodicidade, a rotina de trabalho e as atividades desenvolvidas pelo profissional no serviço e suas produções científicas (participação em congressos/seminários e produção de trabalhos científicos);

  5. Satisfação do profissional: satisfação com o serviço no qual estava inserido, com a política de recursos humanos e com sua rotina de trabalho;

  6. Comunicação e trabalho: verificar a opinião do profissional no que se refere às comunicações em seu ambiente de trabalho e como esta auxilia no serviço.

Cabe ressaltar que, inicialmente, foi realizado um estudo piloto com a finalidade de verificar a aplicabilidade das questões. Para tanto, foi escolhido um município das microrregiões de interesse e aplicado o questionário a todos os profissionais. Foi possível verificar a clareza das questões do instrumento e realizar as adequações necessárias.

As entrevistas, transcritas e categorizadas em banco de dados, foram conferidas para, então, serem analisadas estatisticamente. Foi realizada análise descritiva da distribuição de frequência de todas as variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas. Para melhor análise, alguns itens foram transformados e padronizados:

  1. Os itens referentes ao Eixo 2 do instrumento, que se encontravam distribuídos em: 1. nunca; 2. raramente; 3. às vezes e 4. sempre, foram transformados em índice que variava de 0 a 1, em que valores próximos de 0 significavam que os profissionais nunca realizavam tal atividade e valores próximos a 1, que sempre realizavam.

  2. Os itens referentes à satisfação do profissional - Eixo 5 -, elaborados em Escala Likert de 5 pontos: 1. muito insatisfatório; 2. insatisfatório; 3. indiferente; 4. satisfatório e 5. muito satisfatório, foram transformados em escala, cujos valores variavam de -1 a 1. Desta forma, os valores negativos mais próximos de -1 indicavam insatisfação, ou que aquele item era ruim. Valores próximos de 0 indicavam neutralidade e os valores positivos, próximos de 1, indicavam satisfação, ou que aquele item era bom.

Para a entrada, processamento e análise dos dados quantitativos foi utilizado osoftware R, versão 2.15.0.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o parecer ETIC 186-10.

RESULTADOS

A análise do primeiro eixo do instrumento, “caracterização do profissional”, permitiu verificar que a média de idade dos 34 profissionais entrevistados era de 31 anos e 5 meses, dos quais, pelo menos 75% possuía idade inferior a 35 anos. O tempo médio de serviço foi de 38,38 meses. Além disso, verificou-se que 79,4% eram fonoaudiólogos; 41,2% possuíam pós-graduação; 52,9% já haviam atuado, anteriormente, no setor público; 72,5% eram contratados e 61,8% tinham média salarial entre R$ 1.091,00 e R$ 2.180,00 (Tabela 1).

Tabela 1 Características demográficas e socioeconômicas dos profissionais entrevistados 

Variável Categorias %
Gênero Feminino 97,1
Masculino 2,9

Cargo Fonoaudiólogo 79,4
Otorrinolaringologista 2,9
Assistente social 11,8
Coordenador 2,9
Outro 2,9

Formação Ensino superior completo 38,2
Pós-graduação 41,2
Especialização em saúde pública 14,7
Especialização em outra área 5,9

Atuou no serviço público anteriormente Não 47,1
Sim 52,9

Vínculo empregatício Concursado 23,5
Contrato 73,5
Outro 2,9

Faixa salarial <R$545,00 2,9
De R$546,00 a R$1090,00 26,5
De R$ 1091,00 a R$ 2180,00 61,8
De R$2181,00 a R$4360,00 8,8

No Eixo 2 do instrumento, “dados do atendimento/perfil do serviço”, foi observado que os procedimentos mais realizados pelos profissionais foram “acolhimento de pacientes”, “encaminhamento de pacientes” e “terapia individual”, que foram marcados como realizados às vezes ou sempre, por todos os profissionais. Já os procedimentos menos realizados foram “adaptação e seleção de AASI”, “diagnóstico audiológico” e “terapia em grupo” (Tabela 2).

Tabela 2 Atividades realizadas pelos profissionais 

Fatores N-válidos* Média DP LI LS
Acolhimento de pacientes 34 0,863 0,340 0,745 0,971
Encaminhamento de pacientes 34 0,853 0,274 0,755 0,931
Terapia individual 33 0,818 0,334 0,697 0,929
Encaminhamento a serviços de média complexidade 23 0,768 0,395 0,609 0,913
Triagem/consulta simplificada 34 0,706 0,425 0,569 0,843
Avaliação fonoaudiológica completa 29 0,701 0,382 0,575 0,828
Agendamento de pacientes 34 0,676 0,438 0,520 0,804
Ações de promoção da saúde 34 0,637 0,332 0,530 0,745
Interlocução com NASF/ESF 34 0,520 0,436 0,363 0,667
Encaminhamento a serviços de alta complexidade 33 0,495 0,418 0,354 0,626
Interlocução com a escola para orientações 34 0,451 0,426 0,304 0,598
Terapia em grupo 34 0,402 0,425 0,265 0,540
Diagnóstico audiológico 30 0,378 0,444 0,244 0,522
Adaptação e seleção de AASI 30 0,156 0,358 0,033 0,289

Legenda: N-válidos = número de sujeitos, variável de acordo com a atribuição do profissional; DP = desvio-padrão; LI = limite inferior; LS = limite superior; NASF = núcleos de apoio à saúde da família; ESF = equipe de saúde da família; AASI = aparelho de amplificação sonora individual

O Eixo 3, “perfil da população atendida”, demonstrou que 88,2% da população era composta por idosos e que 73,5% residiam no município de trabalho do profissional.

O Eixo 4, “trabalho em equipe e atividades exercidas pelos profissionais”, no qual verificou-se o perfil da equipe em que o profissional estava inserido, demonstrou que metade dos profissionais (50,0%) relatou que suas equipes discutiam os casos clínicos e realizavam planejamento de ações; 58,8% relataram não haver demanda administrativa e 57,7%, não haver discussão dos resultados alcançados.

Ainda no que diz respeito ao eixo “trabalho em equipe e atividades exercidas pelos profissionais”, observou-se que 100% das equipes possuíam fonoaudiólogos em sua composição, 58,8% possuíam assistente social e/ou psicólogo, 17,6%, auxiliar administrativo e 2,9%, médico otorrinolaringologista (Figura 1). No que se refere aos procedimentos realizados pelos profissionais foi constatado que os mais realizados eram “acolhimento de pacientes”, “preenchimento de formulários” e “produção científica em seminários/simpósios regionais”. Dentre os menos citados, estavam “pesquisas cientificas”, “realização de exames” e “produção de trabalhos científicos/artigos” (Figura 2).

Figura 1 Composição das equipes 

Figura 2 Descrição das variáveis relativas à rotina de trabalho e produção científica 

O Eixo 5 do instrumento, “satisfação do profissional”, demonstrou que, na maioria dos aspectos, os profissionais estavam satisfeitos com o serviço no qual estavam inseridos. Os itens “perfil da população atendida”, “comunicação no trabalho”, “atividades desenvolvidas”, “rotina de trabalho”, “acessibilidade”, “perfil da equipe em que atua”, “perspectiva de atuação”, “agenda” e “espaço físico” foram avaliados positivamente. Já os itens “política de recursos humanos”, “equipamentos para diagnóstico” e “política salarial”, foram avaliados negativamente. Os demais itens deste eixo foram avaliados pelos profissionais como sendo indiferentes (Figura 3).

Figura 3 Descrição das variáveis “satisfação dos profissionais” e “estrutura do serviço” 

O último eixo do instrumento, Eixo 6, “comunicação e trabalho”, demonstrou que a maioria (91,2%), dos profissionais referiu como satisfatória a forma com que a equipe se comunica e acredita que as relações comunicativas auxiliam/auxiliam muito no ambiente de trabalho.

DISCUSSÃO

Uma boa avaliação no campo da saúde deve seguir, necessariamente, três categorias: estrutura, processo e resultado(5,6,9), baseadas nos recursos financeiros, infraestrutura e qualificação de profissionais, utilização dos recursos disponíveis para produção de resultados e efeitos da intervenção em relação ao objetivo proposto(6,9). Além disso, a prática sistemática de avaliação dos serviços de saúde proporciona informações úteis e concretas, que podem ser utilizadas para definição de prioridades, reorientação de práticas, assim como monitoramento de programas(6).

No presente estudo, a média de idade dos profissionais era de 31,54 anos, a maioria do gênero feminino, com pós-graduação, pertencentes à categoria profissional fonoaudiólogo e trabalhando sob o regime de contrato. Em estudo prévio(10), realizado com profissionais do Programa Saúde da Família (PSF), a mediana de idade encontrada foi de 28 anos, maioria do gênero feminino, forma de contratação variada, mantendo como constante o fato da maioria não ser concursada. Já em outro trabalho(11), realizado com profissionais de saúde mental de uma instituição do Rio de Janeiro, a média de idade foi de 43,8 anos, maioria do gênero feminino e com ensino médio completo. Apesar desses trabalhos também trazerem dados referentes ao delineamento do perfil de profissionais de saúde, sua comparação é difícil de ser realizada, uma vez que pertencem a diferentes serviços, com peculiaridades que devem ser respeitadas. Assim, uma discussão desses dados não apresentaria uma comparação fidedigna. Cabe ressaltar que o atendimento integral à pessoa com deficiência auditiva é algo recente no SUS(12), o que fortalece a importância da realização de novos estudos abordando este assunto. Ressalta-se, ainda, a importância do fonoaudiólogo na Rede, como único profissional que atua em todos os níveis de atenção. No que se refere ao gênero, infere-se, ainda, que o fato da maioria dos profissionais ser do gênero feminino deve-se à característica da própria profissão, pois eram fonoaudiólogas. Tal fato também é citado em estudo realizado com fonoaudiólogas e não fonoaudiólogas(13).

Os dados referentes ao perfil do serviço, caracterizados pelo Eixo 2 do instrumento, mostrou que as atividades mais realizadas são acolhimento de pacientes, encaminhamento de pacientes e terapia individual e as menos realizadas, adaptação e seleção de AASI, diagnóstico auditivo e terapia em grupo. Ter o acolhimento dentre as atividades mais realizadas demonstra que os profissionais estão comprometidos com os pacientes, o que favorece e aumenta a criação do vínculo profissional/paciente. O acolher significa receber bem, ouvir a demanda, buscando a compreensão e socialização(14). O acolhimento exige que novas formas de recebimento da população sejam elaboradas, sem imposição de limites e respeitando o momento existencial de cada um(15), principalmente quando se trata de algo tão impactante na vida do indivíduo como a perda auditiva. Chama a atenção que, dentre os procedimentos menos realizados, estejam a “adaptação e seleção de AASI” e o “diagnóstico audiológico”, visto que esses procedimentos são de competência do fonoaudiólogo. No entanto, a maioria dos fonoaudiólogos entrevistados é denominada fonoaudiólogo descentralizado(3), profissional que, como já citado, tem a responsabilidade de acolher o usuário referenciado pela atenção primária com queixa, suspeita ou diagnóstico de perda auditiva e encaminhá-lo à avaliação auditiva básica. Dessa forma, fica explicitado que os procedimentos de adaptação e reabilitação do usuário pós adaptado não fazem parte de suas atribuições, justificando, assim, o resultado encontrado. Ressalta-se que, dos municípios visitados, apenas um serviço era de alta complexidade, sendo os demais de atenção primária, os quais contavam com o serviço de fonoaudiologia descentralizada.

A análise da equipe de trabalho e a sua dinâmica, avaliadas no Eixo 4, demonstrou que apenas metade dos profissionais relatou existir, na equipe, discussão dos casos clínicos e planejamento de ações. Além disso, pouco mais da metade referiu que as equipes não apresentavam demanda administrativa e/ou realizavam discussão dos resultados alcançados. Tais dados podem ser justificados pelo fato de que, na maioria dos municípios, a equipe era formada apenas pelo fonoaudiólogo descentralizado. Esta informação não desabona o eixo, uma vez que este se mostrou de extrema relevância quando aplicado em equipes maiores, compostas por três ou mais profissionais.

A satisfação do profissional com o serviço de atuação, Eixo 5 do instrumento, foi, na maioria dos aspectos, positiva. Pode-se definir satisfação no trabalho como um estado emocional resultante da interação de profissionais, suas características pessoais, valores e expectativas com o ambiente e a organização do trabalho(16). O impacto do trabalho nos profissionais compreende as repercussões do trabalho em si e o sentimento de bem-estar(17). Além disso, o sentimento de satisfação proporciona ao indivíduo maior empenho(18), cujo reflexo será sentido na prestação de serviço de melhor qualidade(18) e, consequentemente, na melhora do bem-estar do usuário. Estudo prévio(19) realizou levantamento bibliográfico sobre satisfação no emprego e determinou como fatores de influência na satisfação: personalidades diferentes na mesma equipe, diversidades no trabalho e diferenças de valores atribuídos ao trabalho. Estar satisfeito com o perfil da equipe e da população atendida, com a rotina de trabalho e perspectiva de atuação, itens identificados como positivos na pesquisa, contribui de forma efetiva, para a satisfação no trabalho. Dentre os itens avaliados como de insatisfação, tem-se política de recursos humanos, equipamentos para diagnóstico e política salarial. Profissionais de nível superior atuantes no serviço público, geralmente, possuem remuneração menor do que o seu equivalente no setor privado(17), contribuindo para a insatisfação com o salário. Além disso, os vínculos diversos de trabalho que não de concurso, tais como os de contrato(10,20), e o trabalho em mais de um local(10) são fatores que devem ser considerados, uma vez que aumentam o sentimento de instabilidade no emprego e a fadiga da rotina de trabalho. Cabe ressaltar que 79,4% da amostra era composta por fonoaudiólogos, podendo o resultado refletir a opinião apenas dessa classe de profissionais.

A análise das formas de comunicação e trabalho, caracterizadas no Eixo 6 do instrumento, demonstrou que a maioria dos profissionais estava satisfeita com sua equipe de trabalho e com a forma de comunicação. Este fator, como já citado, tem relação direta com a satisfação do profissional do trabalho, uma vez que estar satisfeito com a equipe em que se trabalha está diretamente relacionado com a produtividade no serviço e atenuação dos impactos causados pela rotina de trabalho. Ressalta-se que uma equipe que se comunica bem, busca o consenso(21), escuta o outro(21) e assume responsabilidade coletiva pelos resultados do trabalho(17), cujo ganho será revertido ao bem-estar do usuário do serviço. No entanto, cabe salientar, que, pela própria configuração da Rede, em municípios de menor porte não existem equipes completas, apenas a atuação do fonoaudiólogo descentralizado, responsável pelo encaminhamento dos usuários aos serviços de média e alta complexidade. A análise da comunicação e trabalho, assim como ocorrido no Eixo 5, mostrou-se de extrema importância quando realizada em equipes maiores, demonstrando a relevância de tal questionamento e justificando sua presença no roteiro.

Sendo assim, acredita-se que o instrumento cumpriu o seu objetivo. Foi possível verificar que todas as equipes possuem fonoaudiólogos e os profissionais estão, na maioria dos aspectos, satisfeitos com o serviço no qual estão inseridos. Entretanto, adequações deverão ser realizadas para aprimorar o delineamento do perfil de todos os profissionais de saúde, uma vez que muitas questões dizem respeito às atividades exercidas apenas pelos fonoaudiólogos.

CONCLUSÃO

A maioria dos entrevistados era de fonoaudiólogos, do gênero feminino, contratados e pós-graduados. Todas as equipes possuíam fonoaudiólogo e os profissionais estavam, na maioria dos aspectos, satisfeitos com o serviço em que estavam inseridos e a com a forma como a equipe se comunica. No entanto, destaca-se, dentre os itens referidos como insatisfatórios, as políticas de recursos humanos e salarial.

Ressalta-se a importância de novos estudos abordando as Redes de Atenção à Saúde Auditiva.

REFERÊNCIAS

1 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 587, de 7 de outubro de 2004. [Dispõe sobre a organização e a implantação das Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva]. Diário Oficial União. 11 out. 2004.
2 Melo TM, Alvarenga KF. Capacitação de profissionais da saúde na área de saúde auditiva: revisão sistemática. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):280-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342009000200022
3 Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução SES nº 1669, de 19 de novembro de 2008 [citado 12 dez 2013]. Aprova o fluxo de inclusão na Rede Estadual de Saúde Auditiva de Minas Gerais e define atribuições do Fonoaudiólogo Descentralizado, da Junta de Saúde Auditiva Microrregional e da Junta Reguladora da Saúde Auditiva.. Disponível em: http://ws.mpmg.mp.br/biblio/informa/281111128.htm
4 Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV et al. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Ciênc Saúde Colet. 2006;11(3):669-81. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000300015
5 Contrandioupoulos AP, Champane F, Denis JL, Pineault RA. A avaliação na área de saúde: conceitos e métodos. In: Hartz ZMA (org). Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1997. p. 29-47.
6 Bevilacqua MC, Melo TM, Morettin M, Lopes AC. A avaliação de serviços em Audiologia: concepções e perspectivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):421-6. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342009000300021
7 Akerman M, Nadanovsky P. Avaliação dos serviços de saúde: avaliar o quê? Cad Saúde Publ. 1992;8(4):361-5.
8 Pizzoli LML. Qualidade de vida no trabalho: um estudo de caso das enfermeiras do Hospital Heliópolis. Ciênc Saúde Colet. 2005;10(4):1055-62. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1992000400002
9 Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA. 1988;260(12):1743-8. http://dx.doi.org/10.1001/jama.1988.03410120089033
10 Cotta RMM, Schott M, Azeredo CM, Franceschini SCC, Priore SE, Dias G. Organização do trabalho e perfil dos profissionais do Programa Saúde da Família: um desafio na reestruturação da atenção básica em saúde. Epidemiol Serv Saúde. 2006;15(3):7-18. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000300002
11 Rebouças D, Abelha L, Legay LF, Lovise GM. O trabalho em saúde mental: um estudo de satisfação e impacto. Cad Saúde Publ. 2008;24(3):624-32. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000300016
12 Armigliato ME, Prado DGA, Melo TM, Martinez MANS, Lopes AC, Amantini RCB et al. Avaliação de serviços de saúde auditiva sob a perspectiva do usuário: proposta de instrumento. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(1):32-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342010000100008
13 Bicalho AD, Behlau M, Oliveira G. Termos descritivos da própria voz: comparação entre vozes apresentadas por fonoaudiólogos e não-fonoaudiologos. Rev CEFAC. 2010;12(4):543-50. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000048
14 Secretaria Municipal de Saúde de Campinas. Colegiado de Gestão da SMS. Projeto Paidéia de Saúde da Família – Campinas / 2001: 3ª versão. 2001 [citado 12 dez 2013]. Disponível em: http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/diretrizes.htm
15 Almeida EC, Furtado LM. Acolhimento em saúde pública: a contribuição do fonoaudiólogo. Rev Ciênc Méd. 2006;15(3):249-56.
16 Happel B, Martin T, Pinikahana J. Burnout and job satisfaction: a comparative study of psychiatric nurses from forensic and a mainstream mental health service. Int J Ment Helth Nurs. 2003;12(1):39-47. http://dx.doi.org/10.1046/j.1440-0979.2003.00267.x
17 Rebouças D, Legay LF, Abelha L. Satisfação com o trabalho e impacto causado nos profissionais de serviço de saúde mental. Rev Saúde Públ. 2007;41(2):244-50. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000200011
18 Nunes CM, Tronchin DMR, Melleiro MM, Kurcgant P. Satisfação e insatisfação no trabalho na percepção de enfermeiros de um hospital universitário. Rev Eletr Enf. 2010 [citado 12 dez 2013];12(2):252-7. http://dx.doi.org/10.5216/10.5216/ree.v12i2.7006
19 Cavanagh SJ. Job satisfaction of nursing staff working in hospitals. Journ of Adv Nurs. 1992;17(6):704-11. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.1992.tb01968.x
20 Organização Pan-Americana da Saúde. Informe sobre a reunião de trabalho Discussão sobre o marco referencial e conceitual da Atenção Básica e Saúde da Família no Brasil. Projeto de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde; 2003.
21 Araújo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciênc Saúde Colet. 2007;12(2):455-64. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000200022