versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2019 Epub 09-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190002
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 2030 surjam 27 milhões de novos casos de câncer. No Brasil, o câncer configura-se como problema de saúde pública, uma vez que as neoplasias ganham destaque crescente, apresentando-se em segundo lugar em morbimortalidade no país(1).
Estima-se para o Brasil, no biênio 2018-2019, a ocorrência de 600.000 casos novos por ano. Excluindo os casos de câncer de pele não melanoma, ocorrerão 420.000 casos novos de câncer; os tipos mais frequentes entre os homens são os tumores prostáticos, seguidos por tumores de pulmão, intestino, estômago e cavidade oral; nas mulheres, destacam-se os cânceres de mama, intestino, colo do útero, pulmão e tireoide(2).
O diagnóstico oncológico utiliza diversos parâmetros, entre eles, a avaliação clínica e a histopatológica. Na avaliação clínica, as evidências surgem por meio de exame físico, exames de imagem, endoscopia, dosagem sorológica de marcadores tumorais e outros exames relevantes e primordiais, como a análise histopatológica, também conhecida como anatomopatológico(3).
A análise histopatológica é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico confirmatório de tumor maligno, a avaliação de prognóstico e o direcionamento terapêutico para muitos tumores(4). Esse diagnóstico consiste em uma avaliação macro e microscópica da peça cirúrgica e/ou biópsia. A análise macroscópica é a avaliação da peça anatômica, como cor, tamanho e aparência da região, enquanto a microscópica utiliza escores estabelecidos para averiguar os diversos aspectos anatomopatológicos anormais, avaliar a origem histológica do tumor, podendo classificá-lo como tumor epitelial, mesenquimal e/ou embrionário, além de possibilitar a realização da avaliação de expressão de proteínas teciduais por meio da imuno-histoquímica(5).
Diante da presença de tumor maligno, tem-se o uso de sistemas de estadiamento. O sistema de estadiamento TNM é comumente empregado para as mais diversas neoplasias malignas e foi preconizado pela União Internacional para Controle do Câncer (UICC)(6). O uso desse sistema permite realizar o estadiamento patológico, avaliando a extensão do tumor, representada pela letra T - tamanho do tumor primário -, além da metástase linfonodal (metástase locorregional) - caracterizada pela letra N - e a metástase a distância - letra M(5). Também há a avaliação do grau de diferenciação tumoral, que diferencia o tumor em relação ao tecido de origem. As neoplasias pouco diferenciadas de acordo com o tecido de origem são geralmente mais agressivas e tendem a um crescimento mais rápido em comparação com os tumores bem diferenciados (melhor prognóstico). Os graus histológicos dos tumores podem ser classificados em grau I (bem diferenciado), grau II (moderadamente diferenciado), grau III (pouco/ou mal diferenciado) e grau IV (indiferenciado ou anaplásico)(7).
Verifica-se também no laboratório de anatomia patológica, após a cirurgia, a margem cirúrgica. Para uma avaliação mais detalhada e fidedigna, recomenda-se que seus limites sejam identificados individualmente; a amostra é “pintada” com tinta nankim. A tinta externa ao tecido sobrevive ao processamento e é visível ao microscópio durante a avaliação microscópica do tecido, com isso é possível verificar se restou tumor na margem(8); se a lesão não foi totalmente removida do paciente, fala-se margem cirúrgica comprometida. Existem estudos que buscam identificar fatores associados ao comprometimento das margens cirúrgicas, o que contribui para diminuir as taxas de reoperações por recorrência local, por isso sua análise é tão importante(9). Essas informações são essenciais para o desenvolvimento de estudos, planejamentos e avaliação de programas de controle do câncer.
Os dados da incidência do câncer são restritos a estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA), os quais incluem dados gerais de cada estado e sua capital, portanto, são necessários dados mais específicos sobre a incidência dos tumores nos municípios do Agreste Pernambucano. Diante desse cenário, o objetivo deste trabalho será analisar o perfil histopatológico dos pacientes com tumores malignos assistidos em um hospital de referência do Agreste Pernambucano.
Trata-se de um estudo transversal descritivo de natureza quantitativa a partir da avaliação de laudos histopatológicos com diagnóstico de tumores malignos de pacientes assistidos em um hospital de emergência do Agreste Pernambucano, no período entre janeiro e dezembro de 2016. A amostra utilizada incluiu os laudos histopatológicos com dados completos de estadiamento patológico dos pacientes, excluindo aqueles que apresentavam diagnóstico duvidoso ou amostra insuficiente. Realizou-se a análise das variáveis: idade, sexo, tipo histológico, localização do tumor, estadiamento TNM, grau de diferenciação e margens cirúrgicas. A tabulação e a análise dos dados foram realizadas por meio do software Microsoft Excel® versão 2016. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita), sob o protocolo de número 2.206.837. Solicitou-se dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma vez que a pesquisa não envolveu contato com os indivíduos, seguindo os aspectos éticos contidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Foram incluídos neste estudo, 74 laudos histopatológicos. Em relação ao gênero, observou-se que o sexo masculino representou 51% dos casos (38), sendo discretamente o mais acometido quando comparado com o sexo feminino, o qual apresentou 49% (36), com predominância da faixa etária entre 50 e 70 anos (47,2%).
Na Figura, são apresentados os principais sítios anatômicos acometidos por tumores malignos nos laudos analisados. Notam-se as variáveis de sexo em comparação correlacionada com cada localização do tumor.
O tipo histológico das biópsias estudadas apresentou 35 (47,2%) laudos de adenocarcinoma; o segundo tipo mais frequente foi carcinoma, com 34 (46%) casos. O linfoma e o sarcoma apresentaram dois casos (3%); e o melanoma, um (1%)(Tabela 1).
Tabela 1 Determinação dos tipos histológicos de acordo com os sítios anatômicos dos tumores malignos
Sítio anatômico | Adenocarcinoma | Carcinoma | Linfoma | Sarcoma | Melanoma | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | |
Intestino/reto | 19 | 26 | 3 | 4 | - | - | - | - | - | - |
Pele | - | - | 20 | 27 | 1 | 1,3 | - | - | 1 | 1,3 |
Estômago | 12 | 16 | - | 1 | 1,3 | - | - | - | - | |
Mama | - | - | 4 | 6 | - | - | - | - | - | - |
Esôfago | - | - | 3 | 4 | - | - | - | - | - | - |
Tireoide | - | - | 2 | 3 | - | - | - | - | - | - |
Ovário | 2 | 3 | - | - | - | - | - | - | - | - |
Tuba uterina | - | - | 1 | 1,3 | - | - | - | - | - | - |
Colo uterino | - | - | 1 | 1,3 | - | - | - | - | - | - |
Próstata | 1 | 1,3 | - | - | - | - | - | - | - | - |
Vesícula | 1 | 1,3 | - | - | - | - | - | - | - | - |
Fragmentos ósseos | - | - | - | - | - | - | 1 | 1,3 | - | - |
Partes moles | - | - | - | - | - | - | 1 | 1,3 | - | - |
O estadiamento patológico do câncer, manifestado em 43% dos casos, foi pT1; 11%, pT2, sendo 27% dos casos com extensão na região (pT3); 18% tinham comprometido toda extensão no momento do diagnóstico (pT4); apenas 1% era tumor in situ(TIS). Em relação à invasão linfonodal, o pN0 representou 9% de áreas onde, histologicamente, não há metástase linfonadais, com comprometimento pN1 (15%), pN2 (6%) e pN3 (6%), isso representa níveis crescentes de linfonodos comprometidos. Já pNI (64%) são os linfonodos cujas áreas não podem ser avaliadas. A metástase a distância não pôde ser avaliada em 92% dos casos (pMx), e 8% dos casos apresentaram metástase a distância em pM1 (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição das neoplasias segundo o estadiamento TNM, o grau de diferenciação dos tumores e a distribuição da população estudada de acordo com o tamanho da lesão
Estadiamento (TNM) | n | % | |
---|---|---|---|
Tamanho do tumor (T) | T0 | 0 | 0 |
T1 | 31 | 43 | |
T2 | 8 | 11 | |
T3 | 19 | 27 | |
T4 | 13 | 18 | |
TIS | 1 | 1 | |
Invasão linfonodal (metástase locorregional) | N0 | 7 | 9 |
N1 | 11 | 15 | |
N2 | 4 | 6 | |
N3 | 4 | 6 | |
NI | 46 | 64 | |
Metástase a distância | Mx | 66 | 92 |
M1 | 6 | 8 | |
M0 | 0 | 0 | |
Grau de diferenciação | n | % | |
Grau 1 | 8 | 11 | |
Grau 2 | 49 | 66 | |
Grau 3 | 12 | 16 | |
Grau 4 | 5 | 7 | |
Tamanho da lesão | |||
< 0,5 cm | 17 | 23 | |
0,5-1 cm | 7 | 9 | |
> 1 cm | 50 | 68 |
TIS: tumor in situ; NI: linfonodos indeterminados; Mx: metástases a distância não pode ser avaliada.
Analisando o grau de diferenciação celular pela graduação histológica, tem-se: G1 - bem diferenciado; G2 - moderadamente diferenciado; G3 - pouco diferenciado; e G4 - indiferenciado. Destes, destacou-se o moderadamente diferenciado, em 66% dos pacientes. A Tabela 2 agrupa as lesões segundo o seu tamanho. A maior parte da amostra estudada (68%) apresentou lesões maiores que 1 cm de diâmetro em extensão. As margens cirúrgicas estavam livres de neoplasia em 47 (64%) das lesões, e comprometidas em 27 (36%).
Os resultados obtidos após a revisão dos dados permitem perceber semelhança, na maior parte dos casos, relacionada com a distribuição etária. Porém, constatamos a predominância de risco para ocorrência do câncer em homens nos principais tumores avaliados. A observação de indivíduos com idade superior a 60 anos corrobora a justificativa de que o aumento na expectativa de vida é um fator influente na manutenção da incidência do câncer(10,11).
Avaliando a ocorrência das principais localizações anatômicas dos tumores, observou-se que o câncer de cólon e reto se sobrepôs aos outros tumores, exceto pelo câncer de pele, que apresentava a mesma disposição, indicando comportamento epidemiológico similar ao estimado pelo INCA(2).
Entre os tipos histológicos, o adenocarcinoma foi o mais ocorrente, seguido pelo carcinoma. Este estudo apresentou, nos tumores presentes na região colón/reto, 19 casos de adenocarcinoma, corroborando os achados encontrados em outras literaturas(12,13). O carcinoma colorretal é a terceira neoplasia maligna mais frequente em homens e a segunda em mulheres no mundo. Essa neoplasia é mais prevalente em indivíduos acima de 60 anos, representando uma importante causa de morbidade e mortalidade nesse grupo etário(14).
O câncer de pele é a neoplasia de maior incidência no Brasil, sendo mais comum em indivíduos com mais de 40 anos, afetando, em maior parte, o sexo masculino. O carcinoma basocelular constitui o tipo mais comum de carcinoma de pele. Esses dados assemelham-se aos da nossa pesquisa, haja vista que o maior acometimento ocorreu em homens, sendo o carcinoma basocelular identificado em todos os casos, exceto por um caso de câncer melanoma(15).
Em nossa casuística, evidenciamos que a terceira neoplasia acometeu a região do estômago, apresentando o adenocarcinoma como tipo histológico mais prevalente, afetando, em sua maioria, os homens. De acordo com o INCA(2), o câncer de estômago é o quarto mais incidente entre os homens, é o sexto entre as mulheres; sua incidência aumenta moderadamente com a idade, sendo o risco um pouco maior para o sexo masculino do que para o feminino. Segundo o estudo de Oliveira et al. (2016)(16), o adenocarcinoma é o tipo histológico do câncer de estômago responsável por 95% dos tumores.
Em relação a outras regiões afetadas pelos tumores malignos identificadas nesta pesquisa, elas apresentaram valores abaixo daqueles valores estimados pelo INCA, uma vez que não podemos determinar adequadamente esses dados devido à falta de informações nos prontuários.
O estágio do tumor foi determinado por meio do estadiamento TNM, internacionalmente utilizado, o qual leva em conta a profundidade de invasão do tumor, a invasão das cadeias linfáticas e a metástase a distância(17). No estudo em questão, o estadiamento inicial mais comum foi o estadiamento I, representando 45% dos casos, seguido pelo estadiamento III (21%); o estágio IV apresentou 15%. O estadiamento é o fator prognóstico mais importante, visto que quanto mais precoce é o diagnóstico maior é a sobrevida(18).
Ainda em relação à evolução e ao caráter de agressividade da lesão, foi avaliado o grau de diferenciação. Cerca de 66% dos tumores apresentavam-se como moderadamente diferenciado e 16%, pouco diferenciado; este último resultado demonstra um achado do tumor em evolução adiantada(19). Para que o tratamento seja adequado e se tenha certeza de que toda lesão foi retirada, é importante a análise minuciosa das suas margens. De acordo com um estudo realizado por Búrigo et al. em 2014, 34,8% dos laudos analisados apresentaram comprometimento das lesões. Esse dado é semelhante ao que encontramos em nosso estudo, no qual obtivemos comprometimento de 36% das lesões(20).
O tamanho do tumor é descrito como um dos fatores de recidiva da lesão observada principalmente em lesões mais extensas (geralmente superiores a 2 cm). Em nossa casuística, 68% das lesões tinham mais de 1 cm de diâmetro(21). Embora alguns estudos indiquem que lesões maiores que 1 cm são preditoras de mau prognóstico, são necessários mais estudos para melhores resultados.
Nesta pesquisa, observou-se o perfil clínico e epidemiológico de pacientes oncológicos atendidos em um hospital de emergência do Agreste Pernambucano, permitindo estabelecer semelhanças com estudos realizados em outras regiões do país. Os resultados encontrados evidenciam a necessidade de investimentos na detecção precoce e na adoção de medidas educativas no sentido de promover ações que conscientizem a população quanto à importância do autocuidado com a saúde. A promoção e a prevenção em saúde podem ser melhores efetivadas se a população se encontrar devidamente informada e com capacidade de compreensão sobre os riscos e os métodos de prevenção acerca das doenças.