Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.31 no.4 São Paulo July/Aug. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800061
investigar la prevalencia e incidencia de la neuropatía periférica relacionada al tratamiento con antineoplásicos de personas con mieloma múltiple, así como la asociación entre los regímenes de quimioterapia y neuropatía periférica después de tratamiento.
Estudio documental, correlativo, realizado en dos puntos de referencia para el tratamiento del cáncer, los cuales se encuentran en los estados de Ceará y Minas Gerais, con análisis de pacientes tratados entre enero / 2013 y enero / 2016. Los datos fueron analizados utilizando el análisis descriptivo e inferencial a partir de las pruebas qui-cuadrado y exacto de Fisher.
Fueron evaluados 100 expedientes de personas con mieloma múltiple con una edad media de 62,7 años, siendo la mayoría hombres (64%). El esquema quimioterápico más utilizado (60%) fue el bortezomib, dexametasona y ciclofosfamida; el 20% de los pacientes presentaban neuropatía periférica antes del tratamiento, el 68% la desarrolló durante el tratamiento y el 56% al finalizar el tratamiento. No hubo asociación entre los esquemas quimioterápicos y la neuropatía periférica después del tratamiento.
Este estudio mostró una mayor incidencia de NP en individuos que reciben tratamiento para MM, el 80% presentó síntomas de neuropatía antes y / o durante y / o después del tratamiento con regímenes de quimioterapia. La predominancia fue de hombres ancianos jubilados. El esquema quimioterápico más utilizado fue el VDC y no se identificó asociación entre los esquemas utilizados y la NP después de terminar el tratamiento. Las implicaciones de estas observaciones recaen sobre la necesidad de evaluación continua de la NP en personas con MM, además del monitoreo riguroso de dicho evento durante el tratamiento y después del mismo, así como el manejo de los eventos adversos y alteraciones relacionadas con la enfermedad. No hubo asociación entre los esquemas quimioterápicos y la neuropatía periférica después del tratamiento. Se espera que los resultados obtenidos ayuden en la organización de un registro de datos sobre NP en pacientes con cáncer, con el objetivo principal de determinar metas de intervención, obteniendo una atención más eficiente e integral.
Palabras-clave: Mieloma múltiple; Síndromes de neurotoxicidad; Manifestaciones neurológicas; Quimioterapia combinada; Antineoplásicos
O mieloma múltiplo (MM) refere-se à neoplasia maligna de origem hematopoética e corresponde a mais de 10% dos cânceres hematológicos no mundo, sendo mais comum em homens e idosos, com ocorrência de 2% em pessoas com idade inferior a 40 anos.(1,2)
Os avanços na quimioterapia antineoplásica e no transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) melhoraram as taxas de sobrevivência, mas o MM permanece incurável. Pessoas com MM geralmente desenvolvem lesões ósseas, hipercalcemia, anemia, imunossupressão e comprometimento renal, acompanhadas de fadiga, dor óssea e neuropatia periférica (NP). Os objetivos dos tratamentos são controlar a doença, assegurar a remissão e maximizar a duração e a qualidade de vida.(2-4)
A NP está entre as complicações mais comuns dos pacientes com MM em tratamento, podendo ocorrer como um aspecto da própria doença nos indivíduos recém diagnosticados (1% a 20%) ou como um efeito adverso do tratamento instituído (37% a 83%).(5) Os fatores de risco para a NP incluem características específicas do tratamento, como a droga, duração, dose cumulativa, uso de outras drogas com potencial neurotóxico, como o bortezomibe, a talidomida e a ciclofosfamida, além de fatores específicos do paciente, como idade e comorbidades.(1,6-8) Ressalta-se que, os esquemas quimioterápicos para tratamento dessa doença são prescritos conforme o estadiamento e mais da metade deles envolvem a droga bortezomibe.(1,9-11)
A NP manifesta-se com sintomas sensoriais, como disestesia em queimação, parestesia, hiperestesia e dor. No entanto, podem ocorrer alterações motoras, embora menos comum.(11) Pode ser graduada segundo as alterações de neuropatia sensorial e motora. No grau 1, o paciente é assintomático ou tem perda de reflexos profundos ou parestesia que não interfere com a função e, na neuropatia motora é assintomático; recomenda-se manter a dose da droga. No grau 2, os sintomas são moderados, afetam atividades de vida diária (AVD); indicado reduzir a dose da droga. No grau 3, os sintomas são graves impedindo a realização das AVD, aconselhando-se suspender o tratamento até melhora da sintomatologia, e no retorno, a dose será reduzida. No grau 4, a neuropatia é incapacitante, indicado interromper o tratamento.(12)
A presença de NP traz grande impacto não só na qualidade de vida, mas também na progressão da doença e na sobrevida global, uma vez que o tratamento desse evento, muitas vezes, é a diminuição de dose ou a interrupção do tratamento.(8) Enfermeiros desempenham um papel crucial no atendimento de pacientes com risco de NP, incluindo avaliação inicial e contínua, durante e após o tratamento, ensino do paciente, administração segura das antineoplásicos, gerenciamento de sintomas e consulta oportuna de outros membros da equipe interdisciplinar.(8)
Existem amplos desafios na constatação e no manejo dos sintomas da NP, que estão associados à falta de prática baseada em evidências para o manejo dos sintomas e à restrita compreensão de sua patogenia.(13) Por conseguinte, questiona-se: qual a prevalência de NP e a incidência durante e após o tratamento com quimioterápicos em pessoas com MM? Há associação entre os esquemas quimioterápicos e a NP? Quais os aspectos clínicos/sociodemográfico/terapêutico desses indivíduos?
Há poucas pesquisas internacionais sobre o tema e, no Brasil, não há publicações que verifiquem a associação entre os esquemas quimioterápicos e a NP em pacientes com MM, realizada por enfermeiros e, que esses profissionais usassem, rotineiramente, avaliação dos sinais e sintomas de dor neuropática e/ou NP sensorial ou motora e exame neurológico.
Sendo assim, este estudo justifica-se, pois, a avaliação da NP em pessoas com MM em dois serviços de referência em oncologia localizados em diferentes regiões do Brasil, auxiliará na documentação de desfechos e definição de alvos de intervenção, possibilitando a adoção de um novo modelo para orientar a prática clínica.
Nessa perspectiva, este estudo objetivou investigar a prevalência e incidência de neuropatia periférica relacionada ao tratamento com antineoplásicos de pessoas com mieloma múltiplo, bem como, a associação entre esquemas quimioterápicos e neuropatia periférica após o tratamento.
Estudo quantitativo do tipo documental, realizado em um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) localizado no Ceará e em um hospital de grande porte habilitado como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), com serviço de hematologia e teleterapia de Minas Gerais.
Com base em amostragem de conveniência, adotou-se como critério de seleção prontuários de pacientes com diagnóstico de MM, confirmado por exame anatomopatológico/citológico, atendidos em uma das instituições cenários do estudo, de janeiro/2013 a janeiro/2016. Esse período corresponde a época quando se iniciou, em todos os pacientes com câncer com fatores de risco para neuropatia, a aplicação de um formulário, similar em ambas as instituições, baseado no Common Terminology Criteria for Adverse Events v 4.0,(14) além do exame neurológico e itens para a avaliação dos sinais e sintomas de dor neuropática e/ou NP sensorial ou motora.
Os critérios de inclusão foram: pacientes com idade superior a 18 anos, submetidos a tratamento com quimioterápicos, com prontuários adequadamente preenchidos, nos quais as informações essenciais sobre a NP pudessem ser obtidas, como: sinais e sintomas da neurotoxicidade, esquema antineoplásico, dose utilizada, ciclo do tratamento e grau de classificação da NP. Já como critérios de exclusão, prontuários de pacientes com MM sem dados sociodemográfico, clínico e avaliação da NP antes, durante e após o tratamento.
Foram excluídos prontuários que não estavam devidamente preenchidos (10), ausentes no Serviço de Arquivo Médico e Estatística (3) e falecimento de alguns pacientes (12), assim a amostra total foi de 100 prontuários.
A coleta dos dados foi realizada com o uso de um instrumento elaborado pelas autoras que consistiu em variáveis sociodemográficas (idade, sexo, situação conjugal, procedência, escolaridade, situação profissional e religião); variáveis clínicas e terapêuticas (comorbidades, queixa principal no primeiro atendimento médico, estadiamento, tipos de tratamentos, esquema quimioterápico realizado, avaliação e grau da NP).
Ressalta-se que esse instrumento foi avaliado por seis juízes, para análise dos tópicos quanto à pertinência, clareza e aplicabilidade. Esses profissionais deveriam ter expertise no assunto e perfis que obedecessem aos seguintes critérios: ser enfermeiro, com atuação comprovada no Curriculum Lattes (base de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na área de oncologia, no mínimo, a dez anos, apresentar pós-graduação (Strictu Sensu) e ter publicação no âmbito oncológico nos últimos três anos. Solicitou-se aos juízes que apontassem sugestões de itens e modificações que considerassem pertinentes.
Os dados foram processados e analisados pelo programa estatístico Statistical Package for Social Science, versão 21.0 para Windows®. Utilizou-se a técnica de dupla digitação para validação dos dados.
Os resultados obtidos para as variáveis explanatórias (sociodemográfica/clínica/terapêutica) foram analisados a partir de estatística descritiva e; para associação entre os esquemas quimioterápicos e o desenvolvimento de NP após o tratamento, foram realizados os testes qui-quadrado e exato de fisher, sendo adotado um nível de significância de 5%.
As exigências éticas estabelecidas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridas, e a pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, das duas instituições cenários do estudo, sob o parecer n° 1.397.337 e o parecer n° 2.083.066.
Foram avaliados 100 prontuários, sendo 25 de uma instituição referência em tratamento oncológico e 75 do outro local habilitado para assistência oncológica. A média de idade dos participantes foi de 62,7 anos (desvio padrão de 9,5), variando entre 45 e 81 anos. Destes, 64% dos pacientes eram do sexo masculino. A maioria era casada ou vivia em união consensual (84%), seguido de solteiros (6%), viúvos (5%) e separados/divorciados (5%). Em relação à procedência, 89% dos indivíduos residiam na zona urbana e 11% na zona rural. Quanto à religiosidade, 98% dos pacientes afirmaram praticar algum tipo de religião.
A escolaridade média dos participantes foi de 5,8 anos (desvio padrão de 4,3), variando de zero a 17 anos. Quanto à situação profissional, 52% dos pacientes eram aposentados, 21% dos indivíduos profissionais autônomos ativos, 11% recebiam aposentadoria e mantinham trabalho informal, 10% eram do lar e 6% recebiam auxílio-doença.
Em relação à presença de comorbidades, 72% dos pacientes apresentavam algum tipo de doença crônica como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Diabetes Mellitus (DM), sendo que 24% realizavam tratamento para HAS; 10% possuíam algum tipo de cardiopatia; hipotireoidismo (4%); sequela de acidente vascular encefálico (3%); insuficiência renal crônica (2%); e câncer de próstata (1%). Quanto à queixa principal dos pacientes durante a primeira consulta médica, destaca-se a dor óssea (76%), seguida por fratura patológica (12%) e astenia (12%).
O estadiamento dos pacientes com MM, conforme o sistema de estadiamento internacional (ISS)(2) foi de 36% no estádio I, 34% no estádio II e 30% no estádio III, no momento do diagnóstico. Quanto aos tipos de tratamentos realizados para o MM constatou-se que 56% foram submetidos à teleterapia concomitantemente à quimioterapia, 24% exclusivamente ao esquema quimioterápico, e 20% realizaram TCTH autólogo.
No tocante ao esquema quimioterápico realizado o VDC (bortezomibe/dexametasona/ciclofosfamida) foi o mais prevalente (60%); seguido do MPT (melfalano/prednisona/talidomida) (20%); CTD (ciclofosfamida/talidomida/dexametasona) (12%); e VMP (bortezomibe/melfalano/prednisona) (8%).
A figura 1 retrata a prevalência de NP antes (20%) e a incidência durante (68%) e ao finalizar o tratamento (56%), com esquemas quimioterápicos de pessoas com MM.
Figura 1 Presença de neuropatia periférica antes, durante e após tratamento com esquemas quimioterápicos para o tratamento do mieloma múltiplo no período de 2013 a 2016 (n=100)
No que tange à graduação das alterações da neuropatia sensorial e motora, 45% dos indivíduos com MM tinham grau 1 (assintomático ou perda de reflexos profundos ou parestesia que não interfere com a função), 30% apresentavam grau 2, ou seja, já com alguma limitação das AVD; 15% grau 3 (sintomas graves limitando o autocuidado e impedindo o indivíduo de realizar AVD) e, 10% grau 4, com necessidade de intervenção urgente. Foram descritos nos prontuários dos indivíduos com MM os seguintes sintomas de neuropatia: parestesia, distesias, dormência, formigamento, dor neuropática e perda de equilíbrio.
Os resultados dos testes qui-quadrado e exato de fisher mostraram que não houve diferença estatisticamente significativa entre os esquemas quimioterápicos e a presença de NP após o tratamento (Tabela 1).
Tabela 1 Associação entre esquema quimioterápico e neuropatia periférica após tratamento de pacientes com mieloma múltiplo no período de 2013 a 2016 (n=100)
Esquema quimioterápico | Neuropatia periférica Não n(%) | Neuropatia periférica Sim n(%) | p-value |
---|---|---|---|
CTD* | 5(42,5) | 7(57,5) | 0,593§ |
MPT† | 10(50,0) | 10(50,0) | 0,548¶ |
VMP‡ | 3(36,5) | 5(63,5) | 0,543§ |
VDC | 25(41,5) | 35(58,5) | 0,478¶ |
*CTD - ciclofosfamida/talidomida/dexametasona; †MPT - melfalano/prednisona/talidomida; ‡VMP - bortezomibe/melfalano/prednisona; VDC - bortezomibe/dexametasona/ciclofosfamida; §Teste exato de fisher; ¶Teste qui-quadrado
Os prontuários dos indivíduos com MM tratados com esquemas quimioterápicos, na sua maioria, foi de homens, aposentados, média de idade de 62,7 anos, convergindo com os dados encontrados na literatura.(15-17) As características epidemiológicas conhecidas do MM incluem maior incidência em homens idosos, acima de 60 anos de idade.(15) No que se refere à situação conjugal, profissional, escolaridade e comorbidades, tais características também corroboram com estudos realizados.(2,11,18)
Neste estudo, 40% dos indivíduos realizavam tratamento para HAS; pesquisa realizada, nos Estados Unidos da América com 2587 pacientes com MM avançado, que objetivou analisar os riscos de eventos adversos associados a terapias para tratamento do MM em idosos, constatou que os pacientes com HAS, NP, eventos tromboembólicos e doença cardiovascular apresentaram risco significativamente maior de desenvolver alguma toxicidade entre seis e 12 meses após o início do tratamento.(19) Esses dados são preocupantes e ratificam os resultados deste trabalho, uma vez que a prevalência de NP antes do início do tratamento (20%) e a incidência durante e após a finalização do tratamento praticamente triplicou.
Ressalta-se que, a descontinuidade do uso das drogas desencadeadoras da NP, devido ao final do protocolo de tratamento, ocasiona a supressão dos sintomas, contudo, carece-se observar os indicativos de toxicidade ainda presentes e avaliar a existência de lesões permanentes.(4,6,8)
Destarte, os enfermeiros precisam realizar uma avaliação abrangente do indivíduo com MM, a fim de identificar as vulnerabilidades e problemas dos pacientes/familiares para propor intervenções assertivas e baseadas em evidências, pois, somente dessa maneira haverá um controle efetivo dos sintomas e, consequentemente, aumentando a qualidade de vida.(4) Os enfermeiros oncológicos têm um papel importante no fornecimento de informações aos pacientes/famílias, reduzindo o abandono do tratamento, o que requer deste profissional habilidades em comunicação, observação, aconselhamento, ensino e gestão de tarefas complexas.(20)
Os enfermeiros onco/hematológicos fornecem informações, educação e apoio para pacientes/familiares com MM, o que têm um efeito significativo sobre a experiência das pessoas em relação os cuidados; são também responsáveis por manter a continuidade do atendimento dentro da equipe multidisciplinar e serem o elo entre os cuidados primários e secundários. Ressalta-se que a avaliação contínua desses indivíduos é vital para manejo das toxicidades relacionadas ao tratamento e na manutenção de uma boa qualidade de vida.(4,20)
Com relação à religiosidade, 98% dos pacientes declararam praticar algum tipo de religião. As crenças religiosas manifestadas por meio de orações, meditações e rituais fazem parte dos mecanismos comuns que as pessoas se amparam no momento de doença.(21) Quanto maior a seriedade da doença, mais se torna vívida a ligação religiosa, sendo influenciada pelas crenças e valores do indivíduo.(22) A fé/espiritualidade, comumente, são estratégias de coping empregada por pessoas com câncer. A crença em uma força superior e o otimismo são influências positivas no desenvolvimento de respostas adaptativas às ocasiões difíceis e complicadas devido ao adoecimento.(21,22)
No que se refere ao estadiamento, a maioria dos pacientes encontra-se nos estádios II e III (64%) na primeira consulta, portanto, o que significa doença avançada. O mesmo achado foi apontado em uma coorte com pacientes chineses, em que a maior parte, em tratamento quimioterápico, tinha estadiamento II e III, conforme o sistema ISS; foi verificado ainda que existiu associação estatística entre o estadiamento e o prognóstico, sendo este inversamente proporcional ao estádio em que se encontrava o paciente.(11)
Salienta-se que, quando a NP fica caracterizada ser em decorrência da quimioterapia antineoplásica que se designa Neuropatia Periférica Induzida por Quimioterapia (NPIQ).
Neste estudo 55% dos indivíduos com MM apresentavam sintomas da neuropatia motora e sensorial, sendo que um quarto deles exibiam grau 3 e 4, ou seja, com manifestações impedindo a realização das AVD e com necessidade de intervenção imediata. Estudo realizado para avaliar incidência, taxas de mortalidade e tendências do MM em 17 países da América Latina, identificou que estruturas fragmentadas estão presentes, com consequente alocação desigual de recursos materiais e humanos em toda essa parte do continente americano. Além disso, existem poucos hematologistas na América Latina, com estimativas de 0,9 hematologistas/100.000 habitantes, enquanto os EUA apresenta 2,2 profissionais/100.000.(16) Dessa forma, o estadiamento e a graduação dos sintomas de NP estão adiantados ao diagnóstico da doença, como encontrado neste trabalho. Outro estudo realizado no Caribe e América Latina indicam que os atrasos nas avaliações patológicas afetam consideravelmente o diagnóstico e o tratamento, reduzindo as taxas de sobrevida.(23)
Nessa perspectiva, evidencia-se que os sintomas adjuntos à toxicidade, frequentemente, são subestimados pelas pessoas com câncer, devido ao receio de suspensão do tratamento ou de redução da dose com consequente redução do seu benefício no controle da neoplasia maligna.(12) Além do mais, os próprios profissionais de saúde podem subestimar a gravidade desses sintomas se não haver um método confiável de mensuração como o Monofilamentos de Semmes-Weinstein, além de instrumentos que auxiliem na avaliação da NP como o Questionário de Neurotoxicidade Induzida por Antineoplásicos (QNIA), validado no Brasil, composto de perguntas direcionadas aos pacientes sobre a presença de sintomas típicos de neurotoxicidade.(13)
Quanto aos tipos de tratamentos realizados para o MM, observou-se nos prontuários que todos os pacientes realizaram algum esquema quimioterápico seja como condionamento pré TCTH, acompanhado da teleterapia, ou sozinho, sendo que as drogas mais utilizadas (60%) foram bortezomibe, dexametasona e ciclofosfamida. Contudo, na presente amostra não houve diferença estatística significativa entre os esquemas quimioterápicos e a NP após o tratamento. Estudo que avaliou a eficácia e tolerabilidade destas drogas por indivíduos com MM, descreveu que foi observada NP em alguns casos e os pacientes com NP pré-existente desenvolveram piora dos sintomas.(24) Outra pesquisa que avaliou a NP induzida por bortezomibe identificou incidência de NP em 55% dos participantes após o término do tratamento.(19)
Nota-se que, os esquemas quimioterápicos envolvem, na maior parte das vezes, drogas neurotóxicas como bortezomibe, ciclofosfamida e talidomida. Embora não tenha sido identificada associação entre o uso dessas drogas e o desenvolvimento da NP, ressalta-se que, 68% dos participantes fizeram uso de bortezomibe, que pode induzir a NP, explicada pelo seu mecanismo de ação, como uma consequência da inibição de proteassoma, sendo o cordão posterior da medula espinhal identificado como alvo primário, que levaria a uma degeneração secundária do nervo periférico(19,24) causando toda a sintomatologia e fatores de risco contribuindo assim para o desenvolvimento ou manutenção da NP.(6,8,19,24)
A partir desses achados, sugere-se algumas recomendações visando contribuir para a identificação e documentação de NP em doentes com MM como: capacitação permanente de profissionais que atuam frente a essa população, elaboração de protocolos, baseado em evidências, avaliação das neuropatias com uso de questionários/escalas validados, orientação dos pacientes quanto à possibilidade dos efeito adversos no momento do início do tratamento e medidas de gestão das vulnerabilidades para prevenção de agravos à saúde.
Considera-se como uma limitação do estudo a amostra ser constituída por indivíduos com MM atendidos em duas instituições nacionais, o que restringe a possibilidade de generalização dos resultados. Contudo, essa limitação não invalida a pesquisa e responde de forma satisfatória às proposições do estudo.
O presente estudo mostrou um aumento da incidência de NP em indivíduos em tratamento para o MM, 80% apresentaram sintomas de neuropatia antes e/ou durante e/ou após o tratamento com esquemas quimioterápicos. A predominância foi de homens idosos aposentados. O esquema quimioterápico mais utilizado foi o VDC e não foi identificada associação entre os esquemas utilizados e a NP após término o tratamento. As implicações dessas observações recaem sobre a necessidade de avaliação contínua da NP em pessoas com MM, além da monitorização rigorosa desse evento no decorrer do tratamento e após o mesmo, bem como o manejo dos eventos adversos e alterações relacionadas a doença. Não houve associação entre os esquemas quimioterápicos e a neuropatia periférica após o tratamento. Espera-se que os resultados obtidos auxiliem na organização de um registro de dados sobre NP em pacientes com câncer, com o objetivo principal de determinar alvos de intervenção, tornando o cuidado mais eficiente e integral.