versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.3 São Paulo jul./set. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011rc2025
O Rhizobium radiobacter (Agrobacterium radiobacter) é um micro-organismo Gram-negativo aeróbio que pertence ao género Agrobacterium, um grupo de bactérias fitopatogénicas, que tem sido implicado em infecções oportunistas(1). O primeiro caso descrito de isolamento em humanos foi publicado em 1967(2) e o primeiro caso de doença (endocardite num doente com prótese valvular) em 1980(3). Têm sido descritos casos de bacteriémia, infecção urinária, endoftalmite, pneumonia e peritonite associados a esse agente(1).
Menina de 5 anos com doença renal crónica terminal, secundária à síndrome nefrótica congénita diagnosticada aos 2 meses de idade, em diálise peritoneal automatizada noturna intermitente desde os 4 anos, sem intercorrências infecciosas prévias associadas. Horas antes do internamento surge com líquido drenado de diálise turvo; sem febre ou dor abdominal. Sem sinais inflamatórios do orifício de entrada do cateter de diálise peritoneal. Referiu contato direto com o solo na semana anterior ao início dos sintomas enquanto brincava no jardim. Da avaliação laboratorial, destaca-se exame citológico do líquido de diálise com 1.520 células/µL com 90% de neutrófilos, sem parâmetros laboratoriais de infecção bacteriana sistémica; hemocultura negativa. Iniciou antibioterapia com cefazolina e ceftazidima intraperitoneal. Houve melhoria clínica progressiva ficando o líquido intraperitoneal límpido ao 4º dia de terapêutica. Isolou-se, no líquido de diálise, R. radiobacter sensível a ceftazidima, piperacilina + tazobactam, gentamicina e ciprofloxacina, resistente a cotrimoxazol e tobramicina. Suspendeu-se cefazolina, mantendo-se ceftazidima, a que se associou piperacilina+tazobactam intraperitoneal. Completou um total de 21 dias de antibioterapia dupla e o exame bacteriológico de controlo do líquido de diálise peritoneal foi negativo após tratamento. Não houve necessidade de substituição do cateter de diálise peritoneal. Após o tratamento, a criança encontrava-se clinicamente bem, sendo submetida à transplantação renal cerca de 2 anos após o episódio descrito.
O R. radiobacter é considerado atualmente um agente oportunista que afeta principalmente imunodeprimidos e doentes com doença crónica(4). Na maioria dos casos, a infecção tem sido associada à presença de material plástico externo, nomeadamente cateter venoso central, tubo de nefrostomia, cateter de diálise peritoneal ou prótese valvular. A frequência dessa associação pode estar relacionada à capacidade do micro-organismo aderir a tubos de silicone, à semelhança do que acontece com outros microorganismos nomeadamente Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis(5).
A bacteriémia R. radiobacter associada a cateter venoso central é a forma de apresentação mais frequente(6). O mecanismo de aquisição da infecção não está ainda bem definido, embora o microorganismo se encontre no solo; na literatura, existe apenas um caso com referência a contato direto com o solo prévio ao início dos sintomas(1) tal como ocorreu no presente caso. Em 1997, foi descrito o primeiro caso de peritonite numa criança de 11 anos portadora de síndrome de Down, com doença renal crónica secundária à nefropatia de refluxo e em diálise peritoneal(7). Nesse caso e noutros relatados posteriormente(8–10), foi necessário retirar o cateter de diálise peritoneal para controlo da infeção. No presente caso clínico, a evolução foi favorável sem necessidade de remoção do cateter. Embora não exista consenso relativamente à necessidade de remoção do cateter, isso é recomendado quando existe deterioração clínica ou as culturas permanecem positivas 48 horas após o início da terapêutica(5). Os antibióticos usados no tratamento das infecções a R. radiobacter são, com maior frequência, as cefalosporinas de 3ª geração, as fluroquinolonas, os betalactâmicos de largo espectro e os carbapenemes. Têm sido descritas, em isolamentos clínicos de R. radiobacter, estirpes produtoras de enzimas inativadoras de antibióticos, nomeadamente: cefalosporinase, aminoglicosídeo-acetiltransferase e cloranfenicol-acetiltransferase(6). A estirpe isolada neste caso apresentava sensibilidade para ceftazidima, piperacilina+tazobactam, gentamicina e ciprofloxacina, além de resistência para cotrimoxazol e tobramicina. Optou-se por antibioterapia dupla, dada a possibilidade de desenvolvimento de resistências.
As medidas de prevenção da infecção nos doentes em diálise peritoneal são determinantes na preservação do peritoneo. Descreve-se um caso de peritonite a R. radiobacter numa criança em diálise peritoneal tratada com sucesso sem necessidade de remoção do cateter, destacando o papel dos agentes oportunistas integrados no meio epidemiológico.