versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.8 Rio de Janeiro ago. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018238.20452016
O Brasil sofre um processo acelerado de envelhecimento populacional e vai deixando de ser um país com uma população predominantemente jovem1. A redução da população em idade ativa é uma das consequências da transição demográfica, e o seu impacto social é forte o suficiente para gerar projeções do início da contração desta força de trabalho para meados de 20202. Paralelo a este fenômeno, ocorre o aumento da proporção de idosos no mercado de trabalho, levando pesquisadores a questionar, nas últimas décadas, se estamos preparados para absorver o contingente populacional que pretende manter-se ocupado até a última fase da vida3,4.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística5, a taxa de idosos brasileiros inseridos no mercado de trabalho em 2013 era de 27,4% e subiu para 29,1% em 20146. O aumento de idosos no mercado de trabalho vem sendo observado no país, mesmo em momentos nos quais ocorre uma diminuição da empregabilidade para as demais faixas etárias.
O nível de ocupação de pessoas de 60 anos ou mais de idade é ainda maior entre aqueles que não dispõem de aposentadoria ou pensão; em 2013, por exemplo, esta taxa era de 45,1%5. Portanto, a ocupação na velhice parece associada à necessidade de manutenção ou melhora do rendimento familiar nesta fase da vida. Nesse levantamento do IBGE, embora a principal fonte de rendimento da população idosa fosse a aposentadoria ou pensão (67,6%), o trabalho contribuía com 28,3% da composição do rendimento nesse grupo5. A necessidade de prover a família, associada à perda do poder aquisitivo ocasionado pelos baixos valores dos benefícios previdenciários, podem explicar a permanência de idosos no mercado de trabalho. Não obstante, estudos apontaram outros fatores que contribuem para a manutenção das atividades laborais na velhice, entre eles, às experiências de prazer associadas à ocupação; a utilização do tempo livre com a prática de atividades física e/ou mentalmente estimulantes; o reconhecimento social e a manutenção de vínculos sociais7-10.
Tradicionalmente, o termo aposentadoria remete à velhice, mesmo que se considere que indivíduos aposentados também são representados por pessoas não idosas11. Aposentadoria refere-se ainda ao recolhimento do indivíduo velho, na qual o sujeito retorna ao interior da habitação e não é mais considerado ativo na sociedade12. Em entrevista com seis professores universitários, entre 61 e 88 anos, a fim de compreender o que os mantêm na atividade docente, Moreira13 constatou que todos eles, por considerarem o trabalho como central à vida, sentem a velhice como perda e a aposentadoria, quando sinônimo de não trabalho, como expressão da incapacidade. Contudo, tem aumentado, consideravelmente, a desvinculação entre velhice e aposentadoria, fato compatível com as mudanças no imaginário social de que nem todos os aposentados estão em idade avançada e de que a velhice não é sinônimo de aposentadoria14.
De acordo com Schwingel et al.15, os idosos que permanecem ocupados e ativos após a aposentadoria e/ou realizam trabalhos voluntários apresentaram melhor desempenho cognitivo, maior satisfação e bem-estar com a vida, e permanecem independentes em suas atividades diárias. Similarmente, outros estudos mostraram que o engajamento em trabalhos voluntários na velhice estava associado a ganhos, como melhor satisfação com a vida, autoestima positiva, melhor saúde física, autoavaliação positiva da saúde, melhora da depressão e redução do risco de mortalidade7,16-18.
Tais artigos ressaltam a importância do trabalho após a aposentadoria, estabelecendo que, além de ser responsável pelo bom condicionamento físico e mental, proporciona ainda ao sujeito um senso de utilidade e bem-estar. Contudo, a relação entre a manutenção de trabalho remunerado e a satisfação com a vida na velhice não é consensual na literatura. Em estudo de Okamoto19, a associação entre satisfação com vida e o trabalho remunerado não foi encontrada para os homens idosos investigados, esta associação foi obtida somente para as mulheres. No estudo de Nakahara20, esta associação não foi significativa para os idosos que realizavam trabalhos remunerados, somente para os que mantinham trabalhos não remunerados. Este autor argumentou que a permanência dos idosos em atividades remuneradas seria resultante de piores condições socioeconômicas e, portanto, não influenciaria positivamente no bem-estar na velhice. Nesta direção, cabe ampliar o estudo dos determinantes da permanência de uma vida ativa em idades mais avançadas, principalmente em países como o Brasil, onde fatores socioeconômicos impactam de forma significativa as escolhas na velhice. Além disso, cabe investigar se ocupações remuneradas entre idosos estão associadas à satisfação com a vida independente das condições socioeconômicas. O presente estudo investigou a associação da permanência de idosos no mercado de trabalho com fatores socioeconômicos e clínicos e de satisfação com a vida na velhice.
Para compor a população de estudo foi utilizada a base de dados do estudo Fragilidade em Idosos Brasileiros – Seção Rio de Janeiro (FIBRA-RJ), que avaliou uma amostra de clientes idosos de uma operadora privada de saúde. Os detalhes da metodologia do estudo foram publicados em outro artigo21. Resumidamente, os critérios de inclusão foram ser cliente, há pelo menos 12 meses, da operadora de saúde; ter 65 anos ou mais de idade; e ser morador em um dos bairros da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. De um total de 9.769 indivíduos que preencheram esses critérios selecionou-se uma amostra estratificada por sexo e faixa etária. Utilizou-se como estratégia uma amostragem aleatória inversa para uma previsão de preenchimento de 900 questionários. Para os estratos de homens e mulheres de 95 ou mais de idade realizou-se um censo.
Os 847 idosos que responderam ao protocolo do estudo FIBRA-RJ foram convidados a responder, por telefone, ao inventário de ocupação aplicado no ano seguinte à coleta de dados da linha de base. Destes, foram excluídos 81 idosos que apresentavam prejuízo cognitivo e/ou funcional graves e cuja participação no estudo FIBRA-RJ se deu a partir do relato de um informante substituto. Além disso, 78 participantes recusaram-se a responder ao questionário de ocupação e outros 62 foram considerados perdas devido a óbito ou por não serem mais localizados após a entrevista presencial. Portanto, no presente estudo, foram analisados os registros de 626 participantes do estudo FIBRA-RJ. Cabe acrescentar que dentre estes últimos, 12 idosos não responderam às perguntas sobre satisfação com a vida de forma que seus dados foram incluídos nas análises da associação de permanência no mercado de trabalho com as condições clínicas e sociodemográficas, mas não nas análises brutas e ajustadas para verificar associação de trabalho com a satisfação com a vida.
As características sociodemográficas incluíram as seguintes informações: idade; sexo; total de anos de estudo; e renda pessoal. Foram obtidos autorrelatos da presença de doenças crônicas (acidente vascular cerebral [AVC], câncer, artrite, doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC], depressão, osteoporose e coronariopatia) diagnosticadas por um médico no último ano.
Foi utilizado um questionário para avaliar a intensidade de satisfação com a vida referenciada a domínios22. Os domínios avaliados foram: satisfação com a vida atual; satisfação com a vida atual, comparado com outras pessoas da mesma idade; satisfação com a memória; satisfação com a capacidade para fazer coisas de todo dia; satisfação com as amizades e relações familiares; satisfação com o ambiente que vive; satisfação com o acesso aos serviços de saúde; satisfação com os meios de transporte. Para cada domínio o respondente deveria classificar seu nível de satisfação escolhendo entre uma das seguintes opções de resposta: pouco; mais ou menos; muito.
As informações sobre a ocupação foram obtidas por meio de questionário com perguntas semiestruturadas sobre as atividades de trabalho realizadas ao longo da vida. A variável dependente deste estudo intitulada “permanência no mercado de trabalho” foi obtida com a resposta à pergunta: “o senhor(a) exerce alguma atividade de trabalho?”. Além desta pergunta, outras questões sobre ocupação permitiram identificar se a atividade de trabalho exercida pelo respondente se referia a uma ocupação remunerada. Estas perguntas foram: 1) “Qual é a sua principal ocupação?” 2) “Esta atividade é a mesma ocupação exercida ao logo da vida?” e 3) “Descreva a(s) atividade(s) que você desenvolve no seu dia a dia de trabalho”. A caracterização da ocupação principal foi feita a partir de uma lista pré-definida composta pelas categorias da Classificação Brasileira de Ocupação (CBO)23, proposta pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo esta classificação a ocupação seria um conceito elaborado para englobar as atividades exercidas pelos indivíduos em seu dia-a-dia de trabalho, que pode ou não envolver um vínculo empregatício.
Para verificar a associação entre a permanência no mercado de trabalho e as características sociodemográficas, clínicas e de satisfação foram realizadas análises de associação com teste χ2. Para estimar as razões de chance (e seus respectivos intervalos de confiança) para associação da permanência no mercado de trabalho com características sociodemográficas, presença de patologias crônicas e satisfação com a vida foi realizada regressão logística múltipla.
Para análise dos dados foram utilizados o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0. Todos os resultados apresentados de frequências relativas e de medidas de associação foram ponderados pelo peso amostral.
O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto e pela Comissão de Ética em Pesquisa da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade do Estado Rio de Janeiro.
Dos 626 participantes investigados no presente estudo, 82 (13,1%) exerciam atividade de trabalho, enquanto 544 (86,9%) pararam de trabalhar. A frequência da permanência no mercado de trabalho é mostrada na Tabela 1, segundo as características sociodemográficas e clínicas. Entre os que ainda trabalhavam, observou-se o predomínio de homens (55%), de 65 a 74 anos de idade (58,4%), com treze anos ou mais de estudo (45,9%) e renda superior a 5,1 salários (66,3%). No grupo de idosos que pararam de trabalhar constatou-se um predomínio de mulheres (69,9%), de 75 a 79 anos de idade (25,3%), com nove a doze anos de estudo (34,3%) e renda também superior a 5,1 salários (49,3%).
Tabela 1 Permanência no mercado de trabalho segundo características socioeconômicas e clínicas (N = 626).
Variável | Permanência no mercado de trabalho | |
---|---|---|
Sim | Não | |
N(%) | N(%) | |
Sexo* | ||
Feminino | 41 (45,0) | 396 (69,9) |
Masculino | 41 (55,0) | 148 (30,1) |
Faixas etárias* | ||
65-69 | 24 (28,7) | 90 (15,6) |
75-79 | 15 (19,5) | 132 (25,3) |
70-74 | 26 (29,7) | 136 (23,7) |
80-84 | 12 (15,7) | 111 (21,8) |
≥ 85 | 5 (6,4) | 75 (13,7) |
Escolaridade* | ||
0-4 | 11 (13,7) | 101 (18,3) |
5-8 | 13 (14,9) | 111 (20,4) |
9-12 | 21 (25,5) | 187 (34,3) |
≥ 13 | 37 (45,9) | 145 (27,0) |
Renda*#‡ | ||
0-2 | 8 (9,7) | 77 (14,2) |
2,1-5 | 19 (24,0) | 192 (36,4) |
> 5,1 | 51 (66,3) | 255 (49,3) |
Coronariopatia* | ||
Não | 77 (93,8) | 468 (85,6) |
Sim | 5 (6,2) | 76 (14,4) |
AVC* | ||
Não | 80 (97,4) | 517 (95,0) |
Sim | 2 (2,6) | 27 (5,0) |
Hipertensão Arterial*** | ||
Não | 28 (33,9) | 179 (33,0) |
Sim | 54 (66,1) | 365 (67,0) |
Diabetes mellitus*** | ||
Não | 63 (76,4) | 423 (78,1) |
Sim | 19 (23,6) | 121 (21,9) |
Cancer** | ||
Não | 77 (93,8) | 519 (95,3) |
Sim | 5 (6,2) | 25 (4,7) |
Artrite ou Artrose* | ||
Não | 63 (77,3) | 337 (62,6) |
Sim | 19 (22,7) | 207 (37,4) |
DPOC* | ||
Não | 80 (97,3) | 508 (93,5) |
Sim | 2 (2,7) | 36 (6,5) |
Depressão* | ||
Não | 77 (94,0) | 462 (85,2) |
Sim | 5 (6,0) | 82 (14,8) |
Osteoporose* | ||
Não | 70 (86,6) | 388 (72,0) |
Sim | 12 (13,4) | 156 (28,0) |
N(%): número de indivíduos na amostra não ponderada (frequência relativa ponderada pelo peso amostral); * p-valor < 0,001; ** p-valor < 0,05; *** p-valor > 0,1; #: N = 602; ‡: salário mínimo: R$ 465,00 – valor de referência no período de realização do estudo.
Houve menor prevalência de todas as patologias estudadas no grupo que ainda trabalhava comparado ao que parou de trabalhar (Tabela 1). Hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus foram exceções, sem atingir significância estatística. Uma melhor condição de saúde está positivamente associada com o trabalho.
O grupo de idosos que ainda trabalhava relatou estar mais satisfeito com a vida, comparado com aqueles que pararam de trabalhar, exceto para o domínio de satisfação com os meios de transporte. A associação da permanência no mercado de trabalho com satisfação referenciada a domínios é mostrada na Tabela 2.
Tabela 2 Satisfação com a vida referenciada a domínios segundo a situação no mercado de trabalho (N = 614).
Domínios de Satisfação | Permanência no mercado de trabalho | |||
---|---|---|---|---|
Sim | Nao | |||
N (%) | N (%) | |||
Pouco/mais ou menos | Muito | Pouco/mais ou menos | Muito | |
N (%) | N (%) | N(%) | N (%) | |
Vida atual** | 23 (28) | 59 (72,1) | 262 (49,2) | 270 (50,8) |
Vida atual, comparado com outras pessoas da mesma idade** | 13 (15,9) | 69 (84,2) | 148 (27,9) | 383 (72,3) |
Memória* | 39 (47,6) | 43 (51,2) | 277 (52,1) | 255 (48,3) |
Capacidade para fazer coisas de todo dia* | 16 (19,5) | 66 (79,7) | 197 (37) | 335 (62,8) |
Amizades e relações familiares* | 20 (24,4) | 62 (75,2) | 167 (31,4) | 365 (68,6) |
Ambiente onde vive* | 32 (39) | 50 (61) | 255 (47,9) | 277 (52,2) |
Serviços de saúde* | 32 (39) | 50 (60,5) | 263 (49,4) | 269 (51,2) |
Meios de transporte** | 39 (47,6) | 43 (52,7) | 256 (48,1) | 276 (51,9) |
*p-valor < 0,001; ** p-valor > 0,05.
A Tabela 3 descreve os resultados da regressão logística múltipla e mostra que as chances de permanecer trabalhando eram maiores para homens comparados às mulheres; para aqueles com 9 anos ou mais de estudos comparado aqueles com baixa escolaridade (não estudou ou tinha até 4 anos de estudos); e para aqueles com alta renda comparado aos que dispunham de renda pessoal de até dois salários mínimos, independente das condições clínicas e da satisfação com a vida.
Tabela 3 Razões de chances com intervalo de 95% de confiança para associação da permanência no mercado de trabalho com características sociodemográficas, presença de patologias crônicas e satisfação com a vida (N = 614).
Variáveis | OR (IC95%) | p-valor |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 1,00 | |
Feminino | 0,387 (0,328-0,456) | 0,000 |
Faixa etária | ||
75-79 | 1,00 | |
80-84 | 0,449 (0,334-0,604) | 0,000 |
≥ 85 | 0,716 (0,514-0,997) | 0,048 |
Escolaridade | ||
0-4 | 1,00 | |
5-8 | 0,932 (0,711-1,222) | 0,612 |
9-12 | 1,580 (1,235-2,021) | 0,000 |
≥ 13 | 1,891 (1,551-2,305) | 0,000 |
Renda* | ||
0-2 | 1,00 | |
2,1-5 | 1,407 (1,059-1,868) | 0,018 |
> 5,1 | 1,839 (1,511-2,238) | 0,000 |
Satisfação com a vida | ||
Muito | 1,00 | |
Pouco/Mais ou Menos | 0,527 (0,446-0,624) | 0,000 |
Coronariopatia | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 0,360 (0,268-0,483) | 0,000 |
AVC | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 0,556 (0,353-0,877) | 0,012 |
Câncer | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 1,096 (0,795-1,511) | 0,577 |
Artrite ou Artrose | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 0,732 (0,607-0,883) | 0,001 |
DPOC | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 0,565 (0,367-872) | 0,010 |
Depressão | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 0,454 (0,329-0,629) | 0,000 |
Osteoporose | ||
Não | 1,00 | |
Sim | 0,705 (0,561-0,886) | 0,003 |
OR (IC95%): razão de chances do modelo de regressão logística incluindo as variáveis demográficas, clínicas e de satisfação com a vida atual, ponderado pelo peso amostral (intervalo de confiança de 95%); * 24 idosos não forneceram informação sobre a renda e para estes casos foi imputada a média da renda relatada pela população de estudo.
O aumento da idade e a presença de doenças cardíacas, AVC, DPOC, depressão e osteoporose estiveram associados a menores chances de permanência nas atividades de trabalho. A associação com a presença de câncer (p = 0,643) não foi mantida após ajuste pelas demais patologias, características sociodemográficas e a satisfação com a vida.
Quanto à satisfação com a vida, o modelo logístico indicou que idosos que permanecem no mercado de trabalho estão mais satisfeitos com a vida que aqueles que pararam de trabalhar, independente das características sociodemográficas e das condições clínicas.
No presente estudo, a permanência no mercado de trabalho após os 65 anos esteve associada ao sexo masculino, às faixas etárias mais jovens, à maior escolaridade e à maior renda. Além disso, esta manutenção do trabalho remunerado entre os idosos mostrou-se associada a melhores condições de saúde física e maior satisfação com a vida na velhice.
No que diz respeito aos fatores sexo e idade, Wajnman et al.24 destacam que homens e mulheres têm, ao longo do ciclo da vida, comportamentos e papéis muito distintos ante o mercado de trabalho, chegando, assim, à velhice com níveis de atividade muito diferenciados. De acordo com Rocha-Coutinho25, estudos realizados em diferentes países revelaram que tanto os homens quanto as mulheres pensavam que a casa e os filhos eram responsabilidades femininas, cabendo aos homens o sustento financeiro da família. Esta é uma realidade cultural ainda preservada, principalmente pelas coortes mais velhas nas quais o papel de cuidador é, predominantemente, ocupado pelas mulheres. A exemplo disso, sabe-se que o trabalho doméstico e o cuidado da prole continuam sendo atribuídos à mulher, prioritariamente26,27. Contudo, mudanças na chefia e sustento das famílias sofreram significativas alterações em função dos novos papeis femininos no mercado de trabalho e na estrutura familiar composta por casais sem filhos28,29. No Brasil, a realidade se modificou também em decorrência da legislação, cujas garantias previdenciárias e assistenciais aos idosos beneficiaram muitas mulheres que, embora não tenham contribuído formalmente para previdência social, tiveram um rendimento garantido na velhice30-32.
Quanto à influência da idade, verificou-se que a taxa de idosos que permaneciam ativos no mercado de trabalho diminuiu com a idade, passando de 58,4% na faixa de 65-74 anos para 19,5% entre 75 e 79 anos de idade. No Brasil, estes resultados já vinham sendo observados nas últimas décadas. Por exemplo, Camarano et al.33 observaram uma redução na taxa de permanência no mercado de trabalho, que era da ordem de 47%, aos 65 anos de idade, para 22,1% aos 75 anos. Da mesma forma, Wajnman et al.24 também apontaram que as taxas de atividade declinaram fortemente com a idade. Estes achados são compatíveis com dados recentes do IBGE6 que mostraram taxas maiores de ocupação para homens, comparado às mulheres, e decrescentes à medida que aumenta a faixa etária para ambos os sexos. Essa taxa foi de 41,9% para os homens e de 18,9% para as mulheres com idade igual ou superior a 60 anos, mas caiu para 30,0% para os homens com 65 anos ou mais e 23,5% para aqueles com 70 anos ou mais. Cabe destacar que mesmo decrescendo com o aumento da idade, o nível de ocupação dos homens é superior ao das mulheres em todas as faixas etárias. Um fator que pode influenciar na prevalência dos homens idosos que retornam ao trabalho, após a aposentadoria, é a crescente quantidade de famílias dependentes da renda do idoso que, no papel de provedor principal, acaba optando por adiar sua aposentadoria ou voltam à atividade laboral para reforçar o orçamento doméstico34-36.
Nas classes sociais mais altas, a aposentadoria é definida pela queda da renda, uma vez que remete à perda das gratificações10,37. Assim, tornam-se grandes as chances de permanecerem ativos aqueles idosos mais bem qualificados. A presente investigação encontrou que 45,9% dos idosos que continuaram trabalhando após a aposentadoria possuíam treze anos ou mais de escolaridade; este percentual foi de 27% no grupo que saiu do mercado de trabalho. Pressupõe-se que os idosos com maior escolaridade, provavelmente, tiveram acesso a ocupações mais qualificadas e optaram pela permanência no mercado de trabalho, motivados tanto pelo rendimento, quanto pela satisfação com as atividades laborais e suas conquistas.
As reformas nos sistemas previdenciários e as políticas de admissão de grupos específicos de trabalhadores, tanto em países desenvolvidos quanto nos de renda média como o Brasil, atuam como incentivos ao adiamento da aposentadoria e à permanência da população idosa no mercado de trabalho formal38. No entanto, os trabalhadores mais velhos, incluindo os aposentados que legalmente não podem receber benefícios como seguro desemprego, dispõem de condições desfavoráveis de empregabilidade, como remunerações mais baixas e/ou maiores chances de demissão, quando comparados aos mais jovens39. Em virtude dessa valorização dos funcionários mais jovens e com maior capacidade de produção no mercado formal, o trabalho informal é visto como boa oportunidade para aqueles que querem permanecer trabalhando e complementando a renda após a aposentadoria11,29. Assim, os idosos têm sido atraídos para a realização do trabalho informal, de tempo parcial, temporário e autônomo.
Com relação aos indicadores de saúde, verificou-se que as condições clínicas que aumentam as chances de perdas funcionais, como a coronariopatia, AVC, artrite/artrose, DPOC, depressão, osteoporose estavam associadas à saída dos idosos do mercado de trabalho após a aposentadoria. Já a hipertensão e o diabetes não foram relacionadas à permanência dos idosos no mercado de trabalho. Em estudo de Boot et al.40sobre os preditores de saída de idosos do mercado de trabalho, os autores também apontaram os mais velhos e com doença crônica, além daqueles com poucos recursos psicossociais no trabalho, como os mais prováveis de parar de trabalhar. A partir disso, pode-se concluir sobre a importância da manutenção da saúde física para a permanência no mercado de trabalho na velhice e para o retorno a estas atividades após a aposentadoria.
Quanto à satisfação com a vida, constatou-se que idosos que continuaram exercendo atividade de trabalho remunerado na velhice relataram estar mais satisfeitos com a vida, em suas diversas dimensões (com a vida em geral, com as relações sociais, aspectos cognitivos e funcionais e outros) comparado àqueles que pararam de trabalhar. Em estudo realizado por Nakahara20, com idosos japoneses, não foi encontrada associação do trabalho remunerado com a satisfação com a vida, sendo o baixo nível socioeconômico utilizado para explicar a ausência de associação entre estas variáveis. Ao contrário, na população do presente estudo o trabalho remunerado na velhice foi associado com melhores condições socioeconômicas. Assim, supõe-se que, enquanto entre idosos de baixa renda a necessidade de trabalhar parece não permitir uma maior satisfação com a vida, nas classes com maior poder aquisitivo, a manutenção do trabalho pode significar a manutenção do papel social e da qualidade de vida e, consequentemente, maior satisfação com a vida na velhice. Nesta direção, outros estudos41-43mostraram que a manutenção da ocupação remunerada estava associada a desfechos psicossociais positivos na velhice, como as interações sociais e o bem-estar psicológico. São necessários mais estudos com idosos das classes socioeconômicas mais baixas vivendo em países de média e baixa renda para compreender se a permanência no mercado de trabalho, motivada, principalmente, pelas dificuldades financeiras, impacta a satisfação com a vida na velhice.
O benefício do trabalho voluntário, seja para indicadores objetivos da saúde16,17, seja para aspectos subjetivos, como a satisfação com a vida e a autoavaliação positiva da saúde geral18, foi amplamente demonstrado na literatura internacional. O presente estudo não analisou a prática de trabalhos voluntários, sendo o trabalho remunerado escolhido como objeto de investigação porque este tipo de ocupação é tido na literatura gerontológica como uma categoria de atividade que se diferencia de outras produtivas, como as realizadas apenas no próprio ambiente doméstico ou com o propósito de ajudar os outros, como ocorre com o cuidado informal e o voluntariado44. Assim, embora trabalhos voluntários e remunerados estejam ambos dentro de uma esfera de ocupação social para os idosos, supõe-se que são ocupações de natureza distinta e sugere-se que novas investigações de base populacional comparem seus benefícios entre os idosos brasileiros.
Além disso, a direcionalidade entre as variáveis de trabalho e a satisfação com a vida não foi o foco da presente investigação que seguiu delineamento transversal. Estudos longitudinais deverão ser conduzidos para identificar se a manutenção do trabalho na velhice leva a maior satisfação com a vida ou se seria a condição de avaliação mais positiva que funcionaria como um indicador do perfil do idoso que se mantem engajado com atividades de trabalho. Cabe considerar ainda que o perfil socioeconômico dos idosos entrevistados, com maior escolaridade e maior renda que da população idosa brasileira em geral, limita a generalização das associações obtidas entre as características sociodemográficas e clínicas e a permanência no mercado de trabalho. O perfil da população de estudo está associado à população fonte do estudo, constituída por clientes de uma operadora de saúde. Esta população pode representar os idosos brasileiros com acesso ao setor privado de saúde que vem sendo descrito como uma população com melhores condições de escolaridade e de renda e, consequentemente, maior acesso aos cuidados em saúde que a população idosa com cobertura apenas do sistema público de saúde45.
No campo gerontológico, o estudo entre satisfação e trabalho remunerado em idosos prioriza a compreensão da satisfação dos idosos com o próprio trabalho visando identificar os determinantes da saída precoce do mercado de trabalho42. Os achados do presente estudo corroboram a literatura científica31,46-49 que aponta os fatores sociais como determinantes para escolha da continuidade das atividades laborais após aposentadoria. Além desta associação com condições sociais favoráveis, como melhor escolaridade e renda, o estudo ampliou a discussão sobre a associação da realização de ocupação remunerada na velhice com a maior satisfação com a vida. Assim, entende-se que o trabalho pode atuar, não só como garantia da sobrevivência do idoso e de seus familiares, mas também como fonte de satisfação, como elemento gerador de qualidade de vida. Estas atividades podem funcionar como estratégias associadas à manutenção do bem-estar e de uma atitude ativa dos indivíduos mais velhos. Nesse sentido, os resultados apresentados apontam para a necessidade da sociedade se organizar para ampliar as oportunidades de trabalho para a população que pretende se manter produtiva até a idade avançada.