versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.2 Porto Alegre abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.061
A persistência da artéria hipoglossa é a segunda anastomose carótida-basilar anômala mais comum, sendo que a primeira é a artéria trigeminal( 1 ). A artéria hipoglossa se origina da carótida interna extracraniana como um ramo lateral grande, que sobe verticalmente e passa pelo canal do hipoglosso, continuando como artéria basilar( 2 , 3 ). A hipoplasia da artéria vertebral é frequentemente associada à persistência da artéria hipoglossa, de modo que esta última mantém o fluxo de sangue da primeira( 1 ).
Na maioria das vezes, esta anomalia é assintomática, porém pode comprimir e causar, nos seguintes pares de nervos cranianos, a paralisia do XII e a neuralgia do IX( 3 ).
O diagnóstico definitivo desta variação anatômica é realizado por exames de imagem, sendo que, atualmente, o mais utilizado é a angiotomografia computadorizada( 4 ).
Paciente de 59 anos, masculino, assintomático, foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia Vascular para avaliação de uma estenose de 70% na bifurcação da artéria carótida comum esquerda, vista em um ecodoppler colorido.
Foi solicitada uma angiotomografia de carótidas, que demonstrou estenose da bifurcação da carótida comum esquerda, estimada em 40%, e persistência da artéria hipoglossa (Figuras 1, 2 e 3), com hipoplasia da artéria vertebral esquerda. A artéria hipoglossa se continuava para a artéria basilar.
Figura 1 Bifurcação da artéria carótida comum (seta branca) com presença da persistência da artéria hipoglossa (seta vermelha).
Figura 3 Tomografia em corte transversal mostrando a artéria hipoglossa passando pelo canal do hipoglosso (seta).
O paciente já estava em uso de antiagregante plaquetário, o qual foi mantido, ficando programado o acompanhamento periódico.
Nas primeiras fases do desenvolvimento embrionário, a circulação cerebral é fornecida por quatro pares de anastomoses arteriais, que ligam a aorta dorsal (futura carótida interna) com as artérias neuronais longitudinais, localizadas dorsalmente na superfície do cérebro posterior. Estas anastomoses normalmente regridem ainda no feto ou nos primeiros anos de vida. Na vida adulta, seu achado é acidental e determinada anastomose pode estar associada com doenças vasculares cerebrais, como: más formações, aneurismas, fístulas arteriovenosas e doença aterosclerótica( 1 , 5 ).
Em termos de frequência, a persistência da artéria hipoglossa é ligeiramente mais frequente em mulheres no dimídio esquerdo e é a segunda anastomose carotídeo-basilar mais frequente (0,02% a 0,09%), sendo bilateral em 1,4% dos casos( 1 , 6 ).
A artéria hipoglossa possui um curso ascendente com ligeira curvatura posterior e medial, surge na face posterior da carótida interna cervical e está relacionada com o espaço entre a primeira e a segunda vértebra cervical. Ela penetra no canal do hipoglosso na base do crânio, terminando na artéria basilar( 3 , 6 ). Na maioria dos casos, é associada a uma hipoplasia da artéria vertebral, e a artéria cerebelar póstero-inferior pode ser o seu ramo, confirmando a ligação entre estes no período embriológico( 7 ).
A sua presença é diagnosticada por métodos de imagem. O diagnóstico por dupplex scan é difícil, pois existem variações na anatomia normal da artéria vertebral extracraniana. A ausência de artérias vertebrais em ambos os lados pode indicar doença vascular oclusiva, estenose arterial ou fornecer uma pista importante no diagnóstico de comunicações fetais persistentes( 8 ). A angiotomografia tem sido o método mais frequente para o diagnóstico( 3 ).
Na avaliação, os marcos ósseos são os melhores critérios para identificar que artéria hipoglossa penetra na base do crânio através do canal do nervo hipoglosso( 1 ).
A parte posterior do polígono de Willis é inconstante devido a hipoplasia das artérias vertebral e comunicante posterior ipsilaterais quando ocorre a persistência da artéria hipoglossa. Dessa forma a circulação cerebral posterior é realizada pela artéria hipoglossa( 2 , 3 , 6 ).
Quadros de paralisia do nervo hipoglosso (XII) e neuralgia do nervo glossofaríngeo (IX) podem ocorrer devido à compressão vascular( 4 ).
As abordagens cirúrgicas da artéria carótida interna, na sua porção cervical, são facilitadas pelo fato de a mesma não ter ramos neste segmento. Entretanto, o Cirurgião Vascular deve conhecer as variantes anatômicas e os ramos anômalos deste segmento arterial para evitar, durante procedimentos abertos ou cirurgias endovasculares, traumatismos e complicações indesejadas, programando inclusive métodos de proteção cerebrais transoperatórios preventivos.