versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.1 Rio de Janeiro jan. 2020 Epub 20-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.29442019
O estresse ocupacional é um fenômeno mundial com elevado impacto nas organizações, principalmente nos serviços de saúde, pois compromete tanto a qualidade de vida dos profissionais como a segurança da assistência prestada ao paciente1,2.
Situações estressoras, em profissionais de saúde da área hospitalar, tais como alta carga horária, sobrecarga de tarefas e situações-limite de vida e morte podem ocorrer durante um considerável período de tempo sobre um indivíduo que não possua condição psicológica para se esquivar ou controlá-las, podendo resultar em alterações fisiológicas, problemas emocionais e outros sintomas, vindo a desenvolver o estresse3.
Por outro lado, o desenvolvimento de resistência e estratégias de enfrentamento são mecanismos para reduzir ou neutralizar estressores entre os profissionais de saúde, sendo que, dentre os vários recursos internos que os seres humanos possuem, a resistência tem sido sugerida como uma solução para superar as várias situações adversas que possam surgir4.
Desta maneira, as características ou traços de personalidade têm sido estudados, com o intuito de identificar indivíduos que podem ter maior risco para o desenvolvimento de estresse ou que sejam refratários. Destacam-se as pesquisas sobre hardiness, cujo conceito começou a ser formulado na década de 1970, nos Estados Unidos, sendo definido pela presença de traços de personalidade ou características individuais que possibilitam a resistência aos estressores1. A personalidade hardiness ou hardy refere-se, portanto, a um recurso pessoal contra os efeitos de acontecimentos negativos ou estressantes sobre a saúde dos profissionais4-6.
Desse modo, conceitos como rusticidade, resistência psicológica, personalidade resistente, resiliência ou resistência ao estresse são utilizados para a representação do constructo da personalidade hardy, sendo que a sua essência se determina por três bases conceituais: o modelo de diferenças individuais nas respostas ao estresse; o modelo de Lazarus (1966) sobre os mecanismos de avaliação de tensão e as contribuições dos autores acerca de benefícios de algumas disposições de personalidade no processo de estresse5-7.
A personalidade hardiness engloba conceitos em três domínios: controle; compromisso e desafio, envolvendo a crença de poder controlar ou influenciar os eventos de sua experiência, a habilidade de sentir-se completamente envolvido ou comprometido nas atividades de sua vida e a antecipação da mudança como um desafio excitante para o crescimento pessoal, respectivamente8.
Fatores associados a elevados níveis de resistência são mais frequentes em indivíduos que manifestam felicidade, satisfação no trabalho, satisfação com a vida, boa saúde física e mental, autoconfiança, autoconsciência, autogerenciamento e motivação em melhorar os resultados, enquanto os que possuem baixa resistência são mais susceptíveis a apresentarem depressão, ansiedade e doenças cardiovasculares e neuroendócrinas5,9-11.
Diante deste cenário e devido à importância do desenvolvimento da resistência ocupacional, a personalidade hardiness apresenta-se como um recurso que pode ser desenvolvido permanecendo razoavelmente estável ao longo do tempo. Treinamentos para aumento da resistência podem ser eficazes, existindo, na atualidade, uma grande indústria construída em torno de ensino da resistência9-11.
Investigar as variáveis que influenciam na resistência ao estresse laboral é importante, visto que os estressores têm efeitos deletérios sobre o profissional e que a melhor resistência psicológica de um indivíduo pode aumentar a sua capacidade de lidar com as adversidades laborais11,12. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores associados à personalidade hardiness em profissionais de saúde atuantes em serviço hospitalares que atendem pacientes críticos no Norte de Minas Gerais/Brasil.
Estudo epidemiológico, transversal e analítico, desenvolvido nos serviços de saúde da macrorregião norte de Minas Gerais/Brasil, que é composta por 86 municípios e referência para uma população de 1.670.268 habitantes13. Fizeram parte da pesquisa profissionais de saúde (enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionais, médicos e técnicos de enfermagem) que prestavam atendimento direto ao paciente, atuantes em setores que atendem pacientes críticos: setor de oncologia, nefrologia, terapia intensiva neonatal e pronto socorro, das cidades de Montes Claros, Pirapora, Janaúba, Brasília de Minas e Salinas.
Para compor o tamanho da amostra realizou-se uma seleção onde se permitiu que fossem incluídos somente profissionais com mais de seis meses de trabalho no setor e que aceitaram participar do estudo, e excluídos aqueles em afastamento das atividades laborais ou em período de férias no momento da coleta de dados, além daqueles que se recusaram a participar da pesquisa, não tendo assinado o termo de consentimento livre e esclarecido.
Após o levantamento em todos os serviços que atenderam aos critérios de inclusão, o número total de profissionais atuantes em tais serviços no período da coleta de dados foi de 910 sujeitos. E, para o cálculo amostral utilizou-se a amostra aleatória simples com reposição. A seleção ocorreu por meio de sorteio utilizando-se o programa Excel for Windows®. Para estimar o tamanho da amostra, optou-se por um erro amostral tolerável de 5%, intervalo de confiança de 95%, prevalência para o evento de 50%, considerando 20% de possíveis perdas, totalizando 450 indivíduos; assim, a amostra se constituiu de 469 profissionais de saúde incluídos no estudo.
A coleta de dados foi realizada no período de maio 2017 a abril de 2018. A variável desfecho personalidade hardiness foi avaliada através da aplicação da Escala Hardiness (EH), que tem por finalidade avaliar o quanto de atitudes hardy os indivíduos possuem no enfrentamento de situações estressantes. A EH apresenta-se adaptada para a língua portuguesa do Brasil, com consistência interna satisfatória e validade de construto na população estudada e é de livre domínio e propriedade intelectual registrada. É uma escala tipo likert, auto-aplicável, com 30 itens, com respostas que variam de zero (nada verdadeiro) a três (completamente verdadeiro)12.
O resultado é obtido por meio da soma dos itens, tendo os escores das questões 3, 4, 5, 6, 8, 13, 16, 18, 19, 20, 22, 23, 25, 28 e 30 invertidos, para, então, serem somados e permitindo o resultado pela composição total da escala e pelos três domínios: Compromisso (1, 6, 7, 11, 16, 17, 22, 27, 28 e 30), Controle (2, 3, 8, 9, 12, 15, 18, 20, 25 e 29) e Desafio (4, 5, 10, 13, 14, 19, 21, 23, 24 e 26). A pontuação da escala pode variar de 0 a 90 para a composição total da escala; e de 0 a 30 para a composição dos domínios, sendo classificado como baixo hardiness o indivíduo que apresentar percentil < 25%; moderado entre 25% e 75% e alto hardiness se o percentil > 75%14.
Para identificar os fatores associados à hardiness, utilizou-se questionários autoaplicáveis, os quais foram entregues aos participantes e posteriormente, recolhidos por pesquisadores devidamente treinados. Os instrumentos foram compostos com questões referentes às características sociodemográficas; ambiente de trabalho; comportamentais (Estilo de Vida Fantástico (EVF); saúde física e relacionada à saúde mental, através da Escala de Estresse no Trabalho (EET); Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey (MBI-HSS); inventário de ansiedade de Beck (BAI); Inventário de Depressão de Beck (BDI), qualidade de vida no trabalho (ProQOL) e escala de desesperança de Beck (BHS)15-20.
Os dados foram tabulados por meio do software Statistical Package Social Science (SPSS), versão 20.0. Para a análise dos dados, foi realizada análise descritiva de todas as variáveis por meio de sua distribuição de frequência absoluta (n) e relativa (%). Na análise bivariada, foi aplicado o teste qui-quadrado para verificar a associação entre a variável dependente e as variáveis independentes ao nível de p < 0,20. As variáveis que apresentaram valor de p < 0,20 foram selecionadas para o modelo múltiplo, adotando um modelo de regressão logística. Para a análise da qualidade do ajuste do modelo foi utilizado o teste Hosmer Lemeshow e PseudoR2 estimando razão das chances (odds ratio), com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Nesta etapa múltipla, as variáveis que apresentaram p ≤ 0,05 foram mantidas no modelo final.
O estudo atendeu aos princípios éticos propostos na resolução 466/12 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
Participaram deste estudo 469 profissionais de saúde. Na análise descritiva univariada, observou-se que dentre os dados sociodemográficos, 65,7% dos participantes eram do sexo feminino, com idade entre 30-39 anos (48,8%), casados ou união estável (61,8%); e possuíam filhos (64,4%). 69,1% eram católicos, com renda de 3 a 6 salários mínimos (40,9%).
Em relação às características do trabalho, 31,6% trabalhavam no setor de nefrologia e 31,6% no pronto socorro; 52,7% atuavam escala de plantão de 12 horas, com 36 horas de descanso e 73,1% possuíam carga horária semanal de 41 a 80 horas. 54,2% trabalhavam no turno diurno, com tempo de atuação na área de 10 a 15 anos (34,3%); possuíam tempo de atuação no setor maior ou igual a 5 anos (53,1%), e 63,1% atuavam em apenas um emprego. A maioria dos participantes apresentava vínculo de trabalho como contratado/celetista (67,0%). Em relação à profissão, 66,3% eram técnicos de enfermagem, 15,6% enfermeiros, 8,1% médicos e 10% outros profissionais.
Quanto à saúde mental e física, 89,3% dos profissionais apresentaram ausência de ansiedade, 97,2% demonstraram depressão ausente/leve e desesperança moderada/leve e 95,9% apresentaram depressão baixa/média. 51,8% referiram alta satisfação por compaixão; 63,3% apresentaram estresse traumático secundário e 73,3% demonstraram baixos escores para burnout. Em relação à aparência física consideraram-se muito satisfeitos (59,7%), e a maioria dos entrevistados considerou como bom o seu estado de saúde (64,1%), além de referir não estar em uso de medicação para dormir ou de uso contínuo (81,4%), também apresentaram classificação média de estresse no trabalho(48,8%).
No que tange ao comportamento, o EVF mostrou-se muito bom para 52,2% dos profissionais; 64,6% não eram fisicamente ativos (< 3 vezes/semana), 57,6% relataram uma dieta balanceada, 70,6% se consideravam fora do peso, 97,4% não tabagistas, nenhum declarou etilista e 55,9% possuíam bom sono.
Em relação à Classificação dos escores total da EH, 27,29% dos profissionais de saúde pesquisados apresentaram alto hardiness, 48,4% moderado e 24,3% baixo.
Nas Tabelas 1, 2 e 3 foi realizada a análise bivariada para verificar a associação da variável desfecho hardiness com as variáveis independentes.
Variável | Classificação do hardiness no trabalho | p valor | |||
---|---|---|---|---|---|
Alto% | Médio% | Baixo% | |||
Sexo | |||||
Feminino | 28,2 | 47,1 | 24,7 | 0,714 | |
Masculino | 25,5 | 50,9 | 23,6 | ||
Faixa etária (anos) | |||||
20 - 29 | 25,0 | 44,8 | 30,2 | ||
30 - 39 | 28,8 | 50,2 | 21,0 | 0,718 | |
40 - 49 | 26,7 | 47,7 | 25,6 | ||
≥ 50 | 26,7 | 50,0 | 23,7 | ||
Estado civil | |||||
Com companheiro | 29,0 | 49,0 | 22,1 | 0,302 | |
Sem companheiro | 24,6 | 47,5 | 27,9 | ||
Religião | |||||
Não possui | 14,3 | 47,6 | 38,1 | ||
Católica | 27,2 | 50,3 | 22,5 | 0,619 | |
Evangélica | 29,4 | 43,1 | 27,5 | ||
Outras | 33,3 | 46,7 | 20,0 | ||
Renda familiar (em salários mínimos) | |||||
≤ 3 | 30,1 | 47,7 | 22,2 | ||
3 - 6 | 27,6 | 45,8 | 26,6 | 0,90 | |
6 - 9 | 21,3 | 59,0 | 19,7 | ||
> 9 | 25,4 | 47,6 | 27,0 | ||
Possui filhos | |||||
Sim | 27,5 | 51,7 | 20,9 | 0,050 | |
Não | 26,9 | 42,5 | 30,5 |
Variável | Classificação do hardiness no trabalho | p valor | |||
---|---|---|---|---|---|
Alto | Médio | Baixo | |||
Problemas de saúde (físico) | |||||
Cardíacos | |||||
Não | 126 | 214 | 109 | 0,175 | |
Sim | 2 | 13 | 5 | ||
Sanguíneos | |||||
Não | 125 | 216 | 104 | 0,074 | |
Sim | 13 | 11 | 10 | ||
Autoimunes | |||||
Não | 114 | 198 | 89 | 0,031 | |
Sim | 14 | 29 | 25 | ||
Endócrinos | |||||
Não | 118 | 214 | 105 | 0,660 | |
Sim | 10 | 13 | 9 | ||
Ósseos | |||||
Não | 109 | 181 | 90 | 0,370 | |
Sim | 19 | 46 | 24 | ||
Digestivos | |||||
Não | 114 | 186 | 95 | 0,200 | |
Sim | 14 | 41 | 19 | ||
Renais/Urinários | |||||
Não | 116 | 212 | 105 | 0,639 | |
Sim | 12 | 15 | 9 | ||
Hepáticos | |||||
Não | 126 | 221 | 110 | 0,629 | |
Sim | 2 | 6 | 4 | ||
Respiratórios | |||||
Não | 124 | 218 | 106 | 0,300 | |
Sim | 4 | 9 | 8 | ||
Reprodutivos/Sexuais | |||||
Não | 119 | 208 | 89 | < 0,001 | |
Sim | 9 | 19 | 25 | ||
Mentais | |||||
Não | 120 | 190 | 77 | < 0,001 | |
Sim | 8 | 37 | 37 | ||
Transtornos alimentares | |||||
Não | 128 | 221 | 108 | 0,035 | |
Sim | 0 | 6 | 6 | ||
Oculares/Visuais | |||||
Não | 96 | 164 | 78 | 0,521 | |
Sim | 32 | 63 | 36 | ||
Neurológicos | |||||
Não | 119 | 204 | 100 | 0,381 | |
Sim | 9 | 23 | 14 | ||
Auditivos | |||||
Não | 124 | 211 | 102 | 0,073 | |
Sim | 4 | 16 | 12 | ||
Tumores malignos | |||||
Não | 127 | 226 | 113 | 0,868 | |
Sim | 1 | 1 | 1 | ||
Dor aguda | |||||
Não | 117 | 204 | 102 | 0,858 | |
Sim | 11 | 23 | 12 | ||
Dor crônica | |||||
Não | 120 | 208 | 104 | 0,716 | |
Sim | 8 | 19 | 10 | ||
Problemas de saúde (mental) | |||||
Ansiedade | |||||
Ausente/Leve | 122 | 210 | 87 | < 0,001 | |
Moderada/Grave | 6 | 17 | 27 | ||
Depressão | |||||
Ausente/Leve | 128 | 223 | 99 | < 0,001 | |
Moderada/Grave | 0 | 4 | 15 | ||
Desesperança | |||||
Ausente/Leve | 128 | 223 | 105 | < 0,001 | |
Moderada/Grave | 0 | 4 | 9 | ||
Satisfação por compaixão | |||||
Baixa/Média | 35 | 122 | 66 | < 0,001 | |
Alta | 93 | 105 | 28 | ||
Aparência corporal | |||||
Muito satisfeito/Satisfeito | 79 | 142 | 59 | ||
Indiferente | 7 | 23 | 14 | 0,142 | |
Insatisfeito/Muito insatisfeito | 42 | 62 | 41 | ||
Uso de medicamentos psicotrópicos | |||||
Nunca | 120 | 182 | 80 | < 0,001 | |
Sim | 11 | 27 | 12 | ||
Autopercepção da saúde | |||||
Excelente/Boa | 112 | 187 | 76 | < 0,001 | |
Regular/Ruim/Muito ruim | 16 | 40 | 38 | ||
Estresse traumático secundário | |||||
Baixo | 107 | 137 | 39 | < 0,001 | |
Médio/ Alto | 21 | 90 | 75 | ||
Burnout | |||||
Baixo | 120 | 180 | 44 | < 0,001 | |
Médio | 8 | 47 | 70 |
Variável | Classificação do hardiness no trabalho | p valor | |||
---|---|---|---|---|---|
Alto | Médio | Baixo | |||
Ambiente de trabalho | |||||
Setor | |||||
Pronto Socorro | 43 | 78 | 27 | ||
Nefrologia | 40 | 70 | 38 | 0,370 | |
Oncologia | 27 | 46 | 34 | ||
Terapia Intensiva Neonatal | 18 | 33 | 15 | ||
Carga horária | |||||
Menos de 40 | 20 | 49 | 37 | ||
41 - 80 | 106 | 164 | 72 | 0,006 | |
> 80 | 2 | 13 | 5 | ||
Turno de trabalho | |||||
Diurno | 67 | 123 | 64 | 0,712 | |
Noturno | 38 | 57 | 25 | ||
Diurno/Noturno | 23 | 47 | 25 | ||
Tempo de trabalho na área da saúde (anos) | |||||
< 5 | 27 | 45 | 26 | ||
5 - 10 | 38 | 73 | 39 | ||
10 - 15 | 33 | 55 | 26 | 0,975 | |
15 - 20 | 14 | 30 | 11 | ||
Tempo de trabalho no setor (anos) | |||||
< 5 | 77 | 118 | 54 | ||
5 - 10 | 29 | 66 | 41 | 0,206 | |
> 10 | 22 | 43 | 19 | ||
Múltiplos vínculos de trabalho | |||||
Apenas um emprego | 87 | 138 | 71 | ||
Dois empregos | 35 | 71 | 36 | 0,638 | |
Três ou mais empregos | 6 | 18 | 7 | ||
Licenças/ Afastamento do trabalho | |||||
Não | 123 | 205 | 92 | < 0,001 | |
Sim | 5 | 22 | 22 | ||
Características comportamentais | |||||
Estilo de vida fantástico | |||||
Regular/ Necessita melhorar | 2 | 11 | 18 | ||
Bom | 10 | 61 | 53 | ||
Muito bom/ Excelente | 116 | 155 | 43 | < 0,001 | |
Tabagismo | |||||
Não | 128 | 219 | 110 | 0,099 | |
Sim | 0 | 8 | 4 | ||
Bom padrão de sono | |||||
Não | 36 | 101 | 70 | ||
Sim | 92 | 126 | 24 | < 0,001 | |
Prática de atividade física | |||||
Não | 75 | 142 | 86 | 0,016 | |
Sim | 53 | 85 | 28 | ||
Alimentação balanceada | |||||
Não | 42 | 93 | 64 | ||
Sim | 86 | 134 | 50 | ||
Peso ideal | |||||
Não | 88 | 165 | 78 | 0,623 | |
Sim | 40 | 62 | 36 |
Demonstraram significância com o desfecho hardiness, as seguintes variáveis: ter filhos (p = 0,050), carga horária semanal de 41 a 80h (p = 0,006), não tirar licença/afastamento (p < 0,001), estilo de vida fantástico muito bom/excelente (p < 0,001), atividade física ativa (p = 0,016), possuir dieta balanceada (p < 0,001), bom sono (p < 0,001), ansiedade leve/ausente (p < 0,001), depressão leve/ausente (p < 0,001), desesperança leve/ausente (p < 0,001), satisfação por compaixão baixa/média (p < 0,001), burnout (p < 0,001), estresse (p < 0,001), autopercepção de saúde excelente/boa (p < 0,001), não fazer uso de medicação para dormir (p < 0,001), não ter problemas autoimunes (p = 0,031), sexuais e reprodutivos (p < 0,001), mentais (p < 0,001), sanguíneos (p = 0,074) e transtornos alimentares (p = 0,035).
A análise múltipla na Tabela 4, evidenciou após o ajuste a significância de cinco variáveis: o estilo de vida fantástico, licença/afastamento do trabalho, satisfação por compaixão, estresse no trabalho e burnout. A chance de alto hardiness entre os profissionais de saúde que possuíam EVF regular ou ruim reduz em 74% quando comparada aos que possuíam EVF considerado muito bom/excelente. A chance de alto hardiness em profissionais que não tiraram licença/afastamento do trabalho é 3,32 vezes maior, contrastando com aqueles que tiveram histórico de licença/afastamento.
Variável | Classificação altohardiness | p valor | ||
---|---|---|---|---|
OR | IC | |||
EV Fantástico | ||||
Muito bom/ Excelente | 1,00 | (0,08 - 1,63) | ||
Bom | 0,35 | (0,13 - 0,53) | 0,181 | |
Regular/ Ruim | 0,26 | < 0,001* | ||
Licença | ||||
Sim | 1,00 | |||
Não | 3,32 | (1,20 - 9,16) | 0,021 | |
Satisfação por Compaixão | ||||
Baixo/ Médio | 1,00 | |||
Alto | 2,32 | (1,42 - 3,79) | 0,001 | |
Estresse | ||||
Médio/ Alto | 1,00 | |||
Baixo | 2,52 | (1,58 - 4,00) | <0,001 | |
Burnout | ||||
Médio | 1,00 | |||
Baixo | 3,06 | (1,35 - 6,92) | 0,007 |
*valores de teste de hosmerlemeshow p = 0,47 e pseudor² = 0,302.
Profissionais de saúde que apresentavam alta satisfação por compaixão no trabalho possuíam 2,32 vezes mais chances de ter um alto hardiness. A chance de ter alto hardiness em profissionais que possuíam baixo estresse no trabalho foi 2,52 vezes maior quando comparado aos que tinham alto estresse. Profissionais de saúde que apresentaram baixo burnout possuíam 3,06 vezes mais chance de alto hardiness quando comparados com aqueles que possuíam alto esgotamento crônico decorrente do trabalho.
Os resultados deste estudo demonstraram associação entre a personalidade hardiness e determinados fatores tais como: sociodemográficos, ambiente de trabalho, comportamentais, saúde mental e saúde física.
A personalidade hardiness desempenha um papel claro e relevante na diminuição da vulnerabilidade ao estresse, sendo assim, considerada como um fator de proteção para a saúde do trabalhador, pois permite melhorar o desempenho e promover um estilo de vida menos estressante21.
Constatou-se neste estudo que a maioria dos profissionais de saúde apresentou classificação dos escores total da EH hardiness moderado/baixo. Dados semelhantes foram verificados em estudo realizado em um hospital em Marrocos no ano de 2018, indicando uma taxa relativamente baixa de resistência do pessoal de saúde, sendo que 81% dos profissionais apresentaram baixa resistência, 16% mostraram resistência moderada e apenas 3% boa resistência22.
A associação estatisticamente significativa entre hardiness e características sociodemográficas na resistência psicológica de profissionais de saúde pode ser verificada em outros estudos. Foram identificados como fatores de risco sexo, estado civil, tempo de serviço e horário de trabalho. As mulheres são mais resistentes do que os homens, indivíduos solteiros são mais vulneráveis que os casados e os profissionais com menor tempo de serviço são menos resistentes do que os mais velhos22. Entretanto, neste estudo, somente a variável ter filhos (p = 0,050) apresentou a associação com desfecho alto hardiness. Mister, a condução estudos sobre a relação entre as variáveis sociodemográficas, fatores de estresse no trabalho e personalidade resistente pois ainda são raros23,24.
Considerando os fatores relacionados ao ambiente de trabalho, observou-se que houve associação significativa do alto hardiness com as variáveis carga horária semanal de 41 a 80h e não tirar licença/afastamento. A carga horária de trabalho é considerada um fator crítico para a resistência ao estresse, uma vez que profissionais de saúde com carga horária extensa haviam desenvolvido baixa resistência à tensão. Enquanto, profissionais que trabalhavam com carga horária média de 40 horas semanais demonstraram maior resistência, sendo considerada como um fator de proteção22.
Destarte, os estudos descrevem e reforçam os prejuízos psicológicos que as jornadas de plantão e o excesso de longas horas podem trazer aos profissionais de saúde, sobretudo, aqueles que atendem pacientes críticos, pois a sobrecarga de trabalho foi apontada na literatura como uma das principais fontes de estresse25.
Pesquisas afirmam que profissionais com mais tempo de serviço demonstram relação com alto hardiness, visto que desenvolveram estratégia de coping que lhes permitem lidar melhor com as situações estressantes advindas do trabalho26,27.
O caminho de transformação de um indivíduo resistente ao enfrentamento envolve querer mudar os eventos de vida estressantes ou pensar sobre eles de forma otimista. Outra ação complementar é a melhoria das práticas de saúde pessoais, consequência de suas crenças sobre os próprios comportamentos de saúde28.
Neste estudo foi possível verificar associação entre alto hardiness e profissionais que possuíam Estilo de Vida Fantástico muito bom/excelente. Corroborando estes resultados, estudos afirmam que, em geral, resistência tende a ser associada com melhores comportamentos relacionados à saúde, tais como a manutenção de um regime de exercício regular, ingestão nutricional adequada e ter uma abordagem equilibrada para o trabalho e vida29-31.
Destaca-se ainda que a personalidade hardiness é apontada na adaptação ou ajustamento de doenças, indicando uma forte associação entre adoecer e resistência psicológica. Dentre as variáveis físicas analisadas, apresentaram associação estatística: a ausência de problemas autoimunes, problemas sexuais e reprodutivos, mentais, sanguíneos e transtornos alimentares. No entanto, a significância da associação não se confirmou após o ajuste no modelo múltiplo. Resultados semelhantes também foram constatados em outro estudo que problemas físicos não permaneceram significantes22.
Não obstante, a resistência é considerada pela maioria dos pesquisadores como uma construção relevante para o estudo da saúde, e há um consenso sobre os efeitos protetores de resistência na saúde física, Brooks32 apresentou uma revisão abrangente de tais estudos e resultados. Todavia, a forma como ela exerce esta influência ainda não foi suficientemente estabelecida.
Em relação à saúde mental, foi possível verificar a associação entre personalidade hardiness com níveis leve/ausente de ansiedade, depressão, desesperança, satisfação por compaixão (SC), burnout, estresse e autopercepção de saúde excelente/boa.
Vários estudos correlacionam negativamente os sintomas psicossomáticos com dimensões da resistência psicológica. Os desfechos indicam que a resistência pode servir como um tampão contra o estresse e é um fator de proteção. Em outro estudo, os resultados ligam hardiness à saúde mental e física e ainda sugerem que a saúde mental conota um caminho pelo qual hardiness influencia a saúde física33,34.
Pesquisa realizada com estudantes de cursos técnicos em enfermagem constatou a existência de correlação negativa de baixa intensidade e estatisticamente significante entre BDI versus Compromisso, Controle e Desafio, o que possibilita inferir que aqueles alunos que apresentam características hardy não apresentam sintomas depressivos35.
A associação entre hardiness e desesperança pode ser ratificada em estudo realizado com enfermeiros iranianos evidenciando que o hardiness é um fator de proteção contra o estresse percebido e um fator facilitador para a felicidade em enfermeiros. Ademais, profissionais com baixos níveis de estresse eram mais propensos a relatar maior resistência e felicidade36.
Ressalta-se que estudo em uma amostra de enfermeiros na Espanha, sobre capacidade preditiva da personalidade resistente e a auto eficácia generalizada sobre a percepção do estado geral de saúde, revelou-se estatisticamente relacionada e em um sentido positivo37. Essa influência provavelmente ocorre via múltiplos aspectos da saúde mental, como sofrimento subjetivo, enfrentamento/avaliação, burnout, práticas saudáveis e diferenças hormonais relacionadas ao estresse34.
A análise multivariável evidenciou aumento na chance de desenvolver alto hardiness nos profissionais dos serviços de saúde abordado que apresentavam alta satisfação por compaixão (SC) (p < 0,001, OR 2,32 [1-42-3,79]); baixo burnout (p < 0,0007, OR 3,03 [1,35-6,92]) e baixo estresse no trabalho (p < 0,001, OR 2,52 [1,58-4,00]).
Estudos apontam a relação entre o baixo nível de resistência e a sua extensão com os problemas relacionados à saúde mental e seus componentes. Sendo assim, personalidade resistente ameniza a chance de desenvolver o burnout. Os resultados evidenciaram que resistência explica 35% da variância do burnout em uma amostra de enfermeiros. E, mais especificamente, o mesmo grupo de pesquisa confirmou os efeitos positivos sobre a maior resistência ao estresse na equipe de enfermagem28-31,34.
Dessa forma, percebe-se que a personalidade hardiness tem sido analisada com uma estratégia de fortalecimento de outras características pessoais, como o desempenho, autoeficácia, senso de controle e de redução dos efeitos do estresse, reforçando a assertiva de que hardiness facilita ações que modificam a interpretação das circunstâncias estressantes com manutenção ou até aumento da saúde dos indivíduos frente aos estressores e seus efeitos38.
Considerando a relevância da personalidade hardiness na promoção à saúde e estilo de vida saudável, deve-se orientar os serviços de saúde para que instituam programas em que a resistência possa ser desenvolvida e, consequentemente, reduzida a probabilidade de estar envolvido com doenças4,5,9,39.
Para a instituição de saúde, os benefícios de ter pessoas hardy em seu quadro de colaboradores permeiam a eficácia e eficiência, a qualidade dos serviços prestados, a diminuição de custos com afastamento e licenças médicas, a redução do absenteísmo e rotatividade de pessoal40.
Os resultados deste estudo demonstraram que a personalidade hardiness influência direta e indiretamente a saúde e bem-estar, promovendo o uso de recursos sociais e alterando o estresse auto percebido, e reduzindo assim a tensão no trabalho em saúde.
O bem-estar mental e físico também foram relacionados à presença de personalidade resistente. A chance de ter alto hardiness foi associada à ausência de licença/afastamento do trabalho, alta satisfação por compaixão no trabalho, baixo estresse no trabalho e baixo burnout, corroborando os achados da literatura que indicam a presença de personalidade hardiness como fator de proteção para a saúde. Ademais, fazem-se necessários estudos que esclareçam a relação entre a personalidade hardiness e fatores socioeconômicos como gênero, idade, renda e a influência do mesmo na gênese das doenças físicas.
Impõe-se como necessário e desafiador, desenvolver a resistência psicológica nos profissionais de saúde, sobretudo nos serviços que atendem pacientes críticos, a fim de se manter e melhorar a sua capacidade de manter o bem-estar pessoal e profissional, facilitando o coping transformacional em face do contínuo estresse no trabalho e na adversidade.