versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.6 São Paulo nov./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20142014125
O uso do implante coclear (IC) em crianças possibilita importantes benefícios para o desenvolvimento das habilidades auditivas e comunicativas, além de permitir o seu progresso na escola e, mais tarde, a capacitação para obter, manter e executar uma ocupação profissional. Como resultado, muitas crianças no mundo têm recebido o IC( 1 , 2 ).
O sucesso desta intervenção depende de muitos fatores. Entre as questões relacionadas à família, enquadram-se as expectativas dos pais e os recursos de apoio por eles proporcionados às crianças na aquisição das experiências auditivas e de linguagem, assim como a dinâmica das relações sociais dentro da família e com outros parentes( 3 ).
A maioria das pesquisas nessa área tem explorado os resultados do IC sob uma perspectiva profissional, envolvendo mensurações acerca da percepção e da produção de fala e das habilidades comunicativas, mas, comparativamente, poucos trabalhos têm examinado o processo da implantação pela perspectiva da família e dos pais. Da mesma forma, se verifica que embora uma série de testes objetivos e subjetivos seja realizada nos serviços de IC para avaliar o progresso da criança, são os pais que podem melhor aferir os resultados e o impacto deste dispositivo em sua vida( 4 , 5 ).
O registro dos comentários dos pais em conjunto com as outras avaliações (subjetivas e objetivas) pode auxiliar a equipe do serviço de IC e os responsáveis pela formulação de políticas públicas nessa área, fornecendo informações valiosas sobre a funcionalidade da criança, o processo de implantação, as intervenções adicionais necessárias e os benefícios e limitações experimentadas( 6 ). Desta forma, o uso de questionários para a avaliação dos resultados, junto aos testes objetivos, é cada vez mais disponibilizado( 7 ).
O questionário "Children with cochlear implants: parental perspectives" é um dos instrumentos citados. Desenvolvido por Archbold et al. em 2002, a partir das respostas de 30 pais de crianças usuárias de IC (após três anos de uso do dispositivo), envolvendo temas relacionados à criança e à família, foi caracterizado como instrumento capaz de levantar as considerações dos próprios pais, além de ser aplicável em grandes grupos de crianças surdas e suas famílias, para avaliar o impacto do IC( 8 ). Outro estudo que verificou a confiabilidade do instrumento também notou que ele é capaz de eliciar o ponto de vista dos pais de maneira significativa( 9 ). No Brasil, este instrumento foi traduzido e adaptado culturalmente como "Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais" e verificou, em sua aplicação, que o IC melhorou a qualidade de vida dos filhos das famílias avaliadas( 10 ).
Assim, considerando que as metas e desejos dos pais devem ser levados em consideração durante o planejamento do processo terapêutico( 11 ) e no estabelecimento das metas a longo prazo, permitindo o ajustamento psicossocial, desempenho escolar e opções futuras de emprego da criança( 12 ), este estudo teve como objetivo avaliar a perspectiva dos pais em relação ao IC sobre a evolução da criança. Acredita-se que os pais precisam ser reconhecidos como importantes avaliadores dos serviços e uma fonte de informações valiosa sobre a qualidade de vida, orientando a alocação de procedimentos de (re)habilitação auditiva( 3 ).
Este estudo é prospectivo transversal com amostra aleatória, e teve investigação desenvolvida no Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do Hospital de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), campus Bauru, em São Paulo. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (protocolo de pesquisa n° 181/2011).
Foram convidados a participar do estudo pais ou responsáveis de crianças usuárias de implante coclear, matriculadas no Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do HRAC/USP), independente do modelo e marca de IC utilizado.
A amostra foi selecionada aleatoriamente a partir da demanda espontânea do CPA, sendo convidados para a pesquisa pais que compareceram para a rotina de acompanhamento com seus filhos durante o período de julho a dezembro de 2011, seguindo os seguintes critérios estabelecidos previamente.
Como critério de inclusão adotou-se crianças com no mínimo um ano e no máximo 3 anos e 11 meses de uso do dispositivo. Como critérios de exclusão adotaram-se presença de comprometimentos associados (transtorno global do desenvolvimento, deficiência mental leve, paralisia cerebral e outras intercorrências que só se revelam após o desenvolvimento infantil); presença da desordem do espectro da neuropatia auditiva; casos de reimplantação do dispositivo interno; diagnóstico de meningite.
Em média, neste período foram atendidos 750 pacientes, porém, considerando os critérios de inclusão e exclusão do estudo, a casuística foi composta por 50 pais ou responsáveis de crianças usuárias de IC. Todas as famílias participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para a investigação das variáveis sociodemográficas e audiológicas dessa população foram analisados a escolaridade e nível socioeconômico dos pais, o gênero das crianças, etiologia da surdez, idade na ocasião da avaliação, tempo de privação sensorial, idade de realização da cirurgia de IC, audiometria em campo livre, alfabetização e realização de terapia fonoaudiológica a partir dos dados registrados no prontuário da criança. Cabe lembrar que o CPA/USP possui prontuário já padronizado e validado para que possa servir como material de investigação.
Na avaliação da perspectiva dos pais em relação ao IC foi aplicado o questionário "Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais", traduzido e adaptado para o português brasileiro( 10 ), desenvolvido originariamente com o título "Children with cochlear implants: parental perspectives" ( 8 ).
Tal instrumento é composto por 74 frases afirmativas e negativas não agrupadas, dividido em subescalas referentes à criança e à família. As subescalas referentes à criança incluem os seguintes temas de investigação: comunicação, funcionalidade, autonomia, bem-estar e felicidade, relações sociais e educação. Já as subescalas relacionadas à família consideram efeitos da implantação, apoio/suporte à criança, tomada de decisão e o processo de implantação. Do total de questões, 48 são de caráter quantitativo e 26 qualitativo.
A proposta dos autores desse questionário é que os próprios pais o respondam, sem auxílio do fonoaudiólogo. No Brasil, muitas vezes o paciente ou os familiares têm dificuldades em completá-lo sozinho, sem auxílio. Dessa forma, foi realizada a aplicação com a ajuda do pesquisador a fim de minimizar as dificuldades de leitura e interpretação. O entrevistador leu cada frase de forma lenta e sem utilizar sinônimos ou algum tipo de explicação em outras palavras, com o objetivo de evitar erros de interpretação e mudança no significado das frases.
Os pais foram solicitados a acompanhar a leitura do questionário (uma cópia foi entregue) e a assinalar a resposta correspondente que mais se aproximou do seu julgamento a partir da escala de Likert, que abrange as seguintes opções: concordo plenamente (CP), concordo (C), nem concordo nem discordo (N), discordo (D) e discordo plenamente (DP).
Após a aplicação do questionário, as respostas foram pontuadas de 1 a 5, de acordo com a escala: CP tem valor 1; C, 2; N, 3; D, 4; e DP, 5. A pontuação é obtida por um programa de computador oferecido pela Ear Foundation.
Para cada subescala, foi produzido um valor em porcentagem, variando de -100% a 100%. Assim, quanto maior a pontuação, mais positivo o ponto de vista dos pais.
Como duas subescalas do questionário - processo de implantação e decisão de implantar - contêm itens qualitativos, impossíveis de serem numericamente codificados, elas foram excluídas da análise final.
Foi realizada análise descritiva das variáveis sociodemográficas e audiológicas dessa população.
A análise descritiva dos resultados do questionário Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais, por subescala, foi realizada pelas medianas, médias percentuais, primeiro quartil, terceiro quartil, valores mínimo e máximo. Além disso, foi feita a análise da distribuição (%) entre as categorias de respostas de cada subescala para identificar a força da opinião dos pais em cada item.
Para verificar a correlação entre as subescalas do questionário, o Teste de correlação de Spearman foi aplicado e identificou-se a ligação das subescalas com as seguintes variáveis: idade que realizou a cirurgia, idade na avaliação, tempo de uso do IC, tempo de privação sensorial, média da audiometria em campo livre, limiar de detectabilidade da fala (LDF), classificação socioeconômica e escolaridade dos pais. Foi adotado o nível de significância de 5%.
Dos 50 questionários completados, 90% foram respondidos pelas mães, 8% pelos pais e 2% pela tia materna e cuidadora da criança.
Quanto à classificação socioeconômica, verifica-se que a maioria das famílias encontra-se na categoria baixo superior (62%), seguida pela categoria médio inferior (26%) e baixo inferior (12%). Já a respeito da escolaridade, as mães e os pais têm, em sua maioria, formação em ensino médio completo, com 40 e 26% do total, respectivamente.
Entre as crianças, 52% eram do gênero masculino e 48% do feminino. Quanto aos dados referentes à escolaridade, verificou-se que 96% frequentavam a escola regular. Destas, 90% já estão em processo de alfabetização, enquanto 4% ainda não têm idade suficiente para ingressar na pré-escola.
Com relação à terapia fonoaudiológica, 94% realizam pelo menos uma vez por semana, enquanto 6% não recebem qualquer tipo de atendimento, com justificativas relacionadas às dificuldades em encontrar profissional capacitado na sua cidade de origem ou por julgar que a sua criança não necessita da terapia, pois já desenvolveu a linguagem oral satisfatoriamente.
Em média, a idade das crianças na avaliação foi de 4 anos e 3 meses. Quanto ao tempo de privação sensorial, a média entre elas foi de 2 anos e 3 meses, e a idade em que foi realizada a cirurgia teve média de 2 anos e 2 meses, enquanto o tempo de uso do IC foi de cerca de dois anos.
A média dos limiares das frequências de 500 Hz, 1, 2 e 4 kHz na audiometria em campo livre para as crianças avaliadas encontrou-se em 26 dB, em média, com valor mínimo de resposta em 20 dB e máximo em 50 dB; bem como o Limiar de Detecção da Fala (LDF), que demonstrou em média 23 dB, com valor mínimo de 20 dB e máximo de 50 dB.
O tempo mínimo de aplicação do instrumento foi de 15 minutos e o máximo de 35 minutos, com média de 21 minutos.
Os resultados do questionário Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais por subescala estão descritos na Figura 1, que representa o boxplot das suas subescalas, sendo que quanto maior o valor, mais positiva a perspectiva dos pais. A parte inferior da caixa indica o primeiro quartil, no qual 25% estão abaixo do valor de Q1, e a parte superior, o terceiro quartil, em que 75% das porcentagens estão abaixo do valor de Q3. A linha horizontal interna da caixa representa a mediana. Valores maiores que Q3 e Q1, representados por pontos, acima ou abaixo da caixa, são atípicos (ou possíveis outliers). As linhas verticais indicam o maior e o menor valores observados. As médias das porcentagens das subescalas estão representadas no boxplot por um sinal de "mais".
Figura 1. Média, mediana, primeiro e terceiro quartil, mínimo e máximo das percepções dos pais nas subescalas do questionário Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais, representadas por box plots
As subescalas relação social e autonomia apresentaram a maior mediana (50%), seguidas pela comunicação (41%), sendo as três referentes à criança. A funcionalidade obteve mediana de 35% e as subescalas bem-estar e educação, 30%. Somente a subescala suporte obteve pontuação negativa (-12%), ou seja, os pais avaliaram a expectativa quanto ao suporte/apoio à criança negativamente.
A Tabela 1 apresenta a análise da distribuição (%) entre as categorias de respostas de cada subescala para identificar a força da opinião dos pais em cada item.
Tabela 1. Distribuição entre as categorias de respostas de cada subescala do questionário Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais
Subescala | Concordo plenamente | Concordo | Nem concordo nem discordo |
Discordo | Discordo plenamente |
---|---|---|---|---|---|
Comunicação | |||||
1C | 0,00 | 14,00 | 2,00 | 74,00 | 10,00 |
18C | 4,00 | 54,00 | 4,00 | 34,00 | 4,00 |
27C | 16,00 | 76,00 | 2,00 | 6,00 | 0,00 |
66C | 26,00 | 62,00 | 4,00 | 8,00 | 0,00 |
71C | 30,00 | 60,00 | 4,00 | 6,00 | 0,00 |
72C | 24,00 | 68,00 | 4,00 | 4,00 | 0,00 |
Funcionalidade | |||||
4F | 22,00 | 68,00 | 4,00 | 6,00 | 0,00 |
6F | 18,00 | 72,00 | 4,00 | 6,00 | 0,00 |
7F | 28,00 | 72,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
35F | 36,00 | 66,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
51F | 2,00 | 38,00 | 2,00 | 56,00 | 2,00 |
53F | 2,00 | 28,00 | 10,00 | 58,00 | 2,00 |
Autonomia | |||||
12A | 0,00 | 4,00 | 2,00 | 82,00 | 12,00 |
32A | 12,00 | 82,00 | 4,00 | 2,00 | 0,00 |
33A | 6,00 | 54,00 | 6,00 | 34,00 | 0,00 |
47A | 18,00 | 66,00 | 2,00 | 14,00 | 0,00 |
Bem-estar | |||||
16B | 2,00 | 22,00 | 6,00 | 62,00 | 8,00 |
59B | 36,00 | 56,00 | 2,00 | 6,00 | 0,00 |
61B | 12,00 | 74,00 | 6,00 | 8,00 | 0,00 |
64B | 10,00 | 56,00 | 20,00 | 14,00 | 0,00 |
70B | 28,00 | 72,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
Social | |||||
5RS | 4,00 | 16,00 | 2,00 | 58,00 | 20,00 |
30RS | 2,00 | 26,00 | 4,00 | 62,00 | 6,00 |
39RS | 0,00 | 6,00 | 2,00 | 70,00 | 22,00 |
41RS | 24,00 | 72,00 | 2,00 | 2,00 | 0,00 |
45RS | 16,00 | 68,00 | 4,00 | 10,00 | 2,00 |
65RS | 22,00 | 76,00 | 0,00 | 2,00 | 0,00 |
74RS | 10,00 | 84,00 | 6,00 | 0,00 | 0,00 |
Educação | |||||
9E | 0,00 | 6,00 | 0,00 | 76,00 | 18,00 |
23E | 18,00 | 72,00 | 6,00 | 4,00 | 0,00 |
31E | 10,00 | 72,00 | 4,00 | 14,00 | 0,00 |
37E | 30,00 | 62,00 | 2,00 | 6,00 | 0,00 |
48E | 2,00 | 10,00 | 4,00 | 70,00 | 14,00 |
50E | 42,00 | 52,00 | 4,00 | 2,00 | 0,00 |
69E | 12,00 | 76,00 | 8,00 | 4,00 | 0,00 |
Efeitos do implante coclear | |||||
2EF | 14,00 | 74,00 | 4,00 | 4,00 | 4,00 |
8EF | 66,00 | 32,00 | 0,00 | 2,00 | 0,00 |
11EF | 4,00 | 54,00 | 6,00 | 30,00 | 6,00 |
14EF | 0,00 | 6,00 | 0,00 | 70,00 | 24,00 |
17EF | 0,00 | 16,00 | 4,00 | 64,00 | 16,00 |
26EF | 18,00 | 58,00 | 6,00 | 18,00 | 0,00 |
73EF | 6,00 | 10,00 | 6,00 | 78,00 | 0,00 |
Suporte | |||||
3S | 42,00 | 68,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
15S | 2,00 | 46,00 | 4,00 | 40,00 | 8,00 |
19S | 12,00 | 44,00 | 6,00 | 36,00 | 2,00 |
20S | 8,00 | 44,00 | 4,00 | 40,00 | 4,00 |
62S | 40,00 | 60,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
67S | 6,00 | 38,00 | 6,00 | 48,00 | 2,00 |
Em relação às perspectivas dos pais quanto à comunicação, 60% concordam que as crianças têm desenvolvido a linguagem oral, e 68% disseram que elas têm se envolvido mais em situações comunicativas do que antes da implantação, sendo que 74% discordaram que a comunicação é difícil entre eles e pessoas conhecidas. Do total, 62% concordam que preferem utilizar a linguagem oral ao invés de sinais para se comunicar com seus filhos, e para 76% deles, mesmo em situações difíceis de leitura orofacial, como no escuro, a criança consegue se comunicar. Entretanto, 54% dos pais concordaram que têm preocupação quanto à qualidade da fala da criança no que tange o desenvolvimento do filho.
Na subescala funcionalidade, 68% dos pais concordam que antes da cirurgia os filhos não apresentavam benefícios com os aparelhos de amplificação sonora individuais, e 72% afirmam que atualmente o filho é dependente do IC o dia todo, sendo que 66% disseram que as crianças se divertem ouvindo música, assistindo à TV ou jogando videogame. Mas nesse aspecto avaliado, 56% dos pais discordaram quanto à possibilidade de deixar seus filhos brincarem fora de casa por receio de não ouvirem sinais de alerta.
Quando avaliada a autonomia da criança, a maioria dos pais (54%) concorda que antes da cirurgia o filho era muito dependente deles, sendo que 82% reconhecem a significante melhora na autoconfiança das crianças após a cirurgia de IC, e 66% concordam que eles estão independentes como outras crianças. A maioria (82%) discorda quanto a não poder deixá-los realizar atividades sozinhas.
Em relação ao bem-estar e felicidade da criança, 64% dos pais dizem que seus filhos são menos frustrados agora do que antes da realização da cirurgia, entretanto, em 22% dos casos, os afirmam que a frustração continua.
Quanto às relações sociais, 62% dos pais discordam que seus filhos estavam socialmente isolados antes do IC, 70% dizem que não concordam que seus filhos não fazem amigos facilmente e 58% que eles não têm relação próxima com os avôs. Para 72% dos pais, a criança é sociável dentro da família e 84% deles concordam que a relação com os irmãos ou primos tem melhorado.
Sobre a educação, a maioria dos pais (76%) discorda que seus filhos não estão aptos a ingressar na escola regular, estando 52% deles felizes com o seu progresso. Para 72% dos pais, a escola supre todas as necessidades e as crianças têm acompanhado os outros colegas, sendo uma preocupação para 62% deles o futuro escolar dos filhos.
Para muitos pais (58%), o progresso da criança após o IC tem excedido suas expectativas e a habilidade comunicativa melhorou muito após a cirurgia (74%), no que se refere aos efeitos do IC.
Quanto ao suporte, 44% dos pais relataram que ajudar as crianças mais no começo da (re)habilitação significa que elas necessitarão de menos ajuda mais tarde e que após a cirurgia 44% têm mais tempo para eles.
A Tabela 2 apresenta os resultados da correlação entre as subescalas.
Tabela 2. Coeficientes de correlação Spearman rho entre as subescalas do questionário Crianças com implante coclear: perspectivas dos pais.
Correlações | Rho | Valor de p |
---|---|---|
Comunicação & funcionalidade | 0,37 | 0,009* |
Comunicação & autonomia | 0,62 | 0,000* |
Comunicação & Bem-estar | 0,37 | 0,008* |
Comunicação & relação social | 0,28 | 0,046* |
Comunicação & educação | 0,64 | 0,000* |
Comunicação & Efeito do implante coclear | 0,68 | 0,000* |
Comunicação & suporte | 0,09 | 0,532 |
Funcionalidade & autonomia | 0,43 | 0,002* |
Funcionalidade & Bem-estar | 0,13 | 0,384 |
Funcionalidade & relação social | -0,01 | 0,950 |
Funcionalidade & educação | 0,45 | 0,001* |
Funcionalidade & Efeito do implante coclear | 0,18 | 0,212 |
Funcionalidade & suporte | -0,16 | 0,266 |
Autonomia & Bem-estar | 0,20 | 0,164 |
Autonomia & relação social | 0,40 | 0,004* |
Autonomia & educação | 0,66 | 0,000* |
Autonomia & Efeito do implante coclear | 0,29 | 0,039* |
Autonomia & suporte | 0,18 | 0,223 |
Bem-estar & Relação Social | 0,45 | 0,001* |
Bem-estar & Educação | 0,30 | 0,032* |
Bem-estar & Efeito do implante coclear | 0,25 | 0,085 |
Bem-estar & Suporte | 0,27 | 0,055 |
Relação social & educação | 0,37 | 0,009* |
Relação Social & Efeito do implante coclear | 0,10 | 0,489 |
Relação social & suporte | 0,24 | 0,097 |
Educação & Efeito do implante coclear | 0,32 | 0,024* |
Educação & suporte | 0,12 | 0,409 |
Efeito do implante coclear & Suporte | 0,04 | 0,779 |
*Estatisticamente significante.
Observa-se resultado positivo significante entre a subescala de comunicação e todas as demais subescalas referentes à criança, e ainda entre a comunicação e a subescala referente à família - efeitos do IC.
O mesmo ocorreu com a subescala educação, que também apresenta correlação positiva significante com as demais subescalas e, ainda, com a subescala referente à família, efeitos do IC.
Das subescalas da família, aquela que representa os efeitos do IC também demonstrou correlação positiva com as subescalas comunicação, educação e autonomia referentes à criança. A subescala apoio à criança foi a única a não apresentar correlação significativa com qualquer outra subescala.
Quando realizada a correlação entre os dados dos pacientes e as subescalas do instrumento, observou-se resultado negativo significante apenas da subescala suporte à criança com a idade em que fez a cirurgia de IC (média de 2 anos e 2 meses) e o tempo de privação sensorial (média de 2 anos e 3 meses), o que reflete a opinião dos pais de que crianças com menor idade na ocasião da cirurgia ou menor tempo de surdez necessitam de maior suporte, tanto antes quanto após a realização da cirurgia.
Nenhuma outra correlação entre os dados dos pacientes e os aspectos abordados pelas subescalas foi estabelecida.
Atualmente, estudos de avaliação da assistência com enfoque na percepção da população são importantes e devem ser absorvidos pelos serviços como forma de melhorar o sistema público( 13 ). Na (re)habilitação auditiva, as medidas de resultados têm emergido como um método efetivo para determinar se uma intervenção específica, como o IC, está promovendo resultados positivos para os seus usuários ou não( 7 ), direcionando o tratamento. Estas medidas geralmente envolvem o uso de questionários e possibilitam avaliação do impacto da perda auditiva na vida diária da criança ou do adulto, além de permitirem o planejamento e a execução de estratégias de reabilitação voltadas às necessidades da pessoa com perda auditiva( 7 ).
Além destes aspectos, a aplicação dos instrumentos auxiliam os profissionais que acompanham as crianças bem como a família quanto à compreensão do desenvolvimento da criança com IC. Sua aplicação possibilita à família verificar os resultados e o impacto que o dispositivo tem na vida da criança e em suas atividades de rotina e, ao mesmo tempo, permite o monitoramento quanto às etapas de desenvolvimento delas no processo de aquisição das habilidades auditivas e da linguagem oral( 4 , 5 ), auxiliando na adequação do planejamento terapêutico e dos objetivos da reabilitação.
No Brasil, a utilização desses instrumentos para crianças não é muito difundida. No entanto, em outros países a aplicação destes aos pais e aos cuidadores já é uma prática comum( 14 ). Alguns estudos têm descrito o ponto de vista dos pais sobre o processo de implantação, encontrando como resultados preocupações relativas a esta experiência( 15 - 18 ). Outras pesquisas consideram a percepção dos pais quanto aos resultados obtidos pela criança com IC( 18 , 19 ).
Neste trabalho, apesar da maioria dos pais participantes pertencerem à classe socioeconômica baixa superior, de acordo com a classificação proposta( 20 ), muitos deles têm ensino médio completo, o que reflete na boa compreensão durante a aplicação do instrumento. Estudos relatam que a baixa escolaridade da população brasileira pode dificultar a adequada compreensão de questionários, sendo opção dos autores auxiliar os participantes na leitura deles. Além disso, em média, o instrumento levou 21 minutos para ser preenchido, portanto, foi passível para aplicação na rotina clínica, com o objetivo de avaliar as perspectivas e expectativas dos pais.
Em relação aos resultados do questionário, quando verificadas e comparadas as medianas de cada subescala, as expectativas mais satisfatórias foram quanto aos aspectos avaliados pelas subescalas relações sociais, autonomia e comunicação, enquanto apoio/suporte à criança teve a menor pontuação. Isso revela que quanto melhor a linguagem oral das crianças, melhor é a sua interação com amigos e familiares, sua independência e autonomia, o que implica em menos suporte por parte dos pais após o IC. Outros estudos chegaram à mesma conclusão, como é o caso de um realizado no Brasil que encontrou resultados semelhantes nas subescalas autonomia e relações sociais( 10 ).
Dessa forma, a maioria dos pais considerou suas crianças mais independentes após a cirurgia. A avaliação positiva quanto a estes aspectos está relacionada à capacidade de ouvir, portanto, o IC permite que a criança participe socialmente e em ambientes educacionais, desenvolvendo sua autoconfiança( 8 ). Outros estudos que envolveram a aplicação do mesmo instrumento verificaram que os filhos estavam emocionalmente e socialmente bem ajustados em casa e na escola e que se beneficiaram com o IC. Isso demonstra as conquistas ao longo da experiência auditiva da criança( 21 , 22 ).
Nesse trabalho, mesmo considerando que as crianças têm desenvolvido a linguagem oral após a cirurgia de IC, muitos pais relatam preocupação quanto à qualidade da fala dos filhos. Estes resultados também foram encontrados em outros estudos( 4 , 15 , 21 , 23 ). Sabe-se que a inteligibilidade de fala se desenvolve numa escala temporal mais longa do que a percepção da fala e esta vai melhorando ao longo dos anos após a cirurgia de IC( 24 ), sendo possível que a qualidade de fala das crianças avaliadas neste estudo possa melhorar ao longo do tempo. Assim, é necessário orientar os pais quanto a este fato, além de guiar a reabilitação para o trabalho desse aspecto.
As subescalas comunicação e efeitos do IC foram as que apresentaram maior número de correlações significativas com as demais. Isso demonstra o quanto a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral estão ligados ao desenvolvimento das outras habilidades, levando a efeitos positivos na implantação no ponto de vista dos pais( 3 , 10 ).
Para pesquisas futuras, seria interessante comparar se crianças que receberam o IC bilateral terão os benefícios relacionados à qualidade de vida com menor tempo de uso do dispositivo( 25 ). Dessa forma, pais cujos filhos receberam o IC podem oferecer comentários de grande valor para as equipes de implante. Eles não só fornecem informações confiáveis sobre a criança, mas também uma perspectiva do processo de implantação, intervenções adicionais necessárias e os benefícios e limitações experienciados. Esses dados coletados são preciosos para auxiliar a equipe a monitorar a família e a criança, principalmente no período inicial após a realização do IC, no qual as dúvidas são mais frequentes, servindo de base para orientação e esclarecimentos dos pais pelos profissionais.
A avaliação das percepções e expectativas dos pais em relação ao desenvolvimento da criança usuária de IC nesse estudo permitiu concluir que:
Os pais apresentam boas expectativas em relação à independência/autonomia da criança;
Os pais estão satisfeitos com a participação social e comunicação das crianças após a realização da cirurgia de IC;
Para os pais, as crianças têm progredido na escola;
Preocupações quanto à qualidade da fala das crianças ainda permanecem.