versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.30 supl.1 Rio de Janeiro 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00133213
Se trata de un estudio de cohorte sobre la mortalidad neonatal en la investigación Nacer en Brasil, con entrevistas y revisión de los registros médicos de 23.940 mujeres durante el posparto, entre febrero de 2011 y octubre de 2012. Se utilizó el modelado jerárquico con el fin de analizar los factores de riesgo potenciales para la muerte neonatal. La tasa de mortalidad fue de 11,1/1.000; mayor en las regiones Norte y Nordeste y en las clases sociales más bajas. El bajo peso al nacer, el riesgo gestacional y la condición del recién nacido fueron los principales factores asociados a la mortalidad neonatal. Una asistencia prenatal y al parto inadecuados indican una calidad insuficiente de atención. La peregrinación de las mujeres embarazadas durante el parto y el nacimiento de niños con peso < 1.500g en un hospital sin unidad de cuidado intensivo neonatal demostró deficiencias en la organización de la red de salud. El motivo final de las muertes de los recién nacidos por asfixia intraparto y la prematuridad tardía expresan la posibilidad de que las muertes podrían haber sido evitadas. La cualificación en la atención, especialmente en la prestación de atención hospitalaria se configura como un foco prioritario para la política pública y el progreso en la reducción de la mortalidad infantil y las desigualdades.
Palabras-clave: Mortalidad Infantil; Atención Hospitalaria; Evaluación de Servicios de Salud; Parto
A mortalidade neonatal é o principal componente da mortalidade infantil desde a década de 1990 no país e vem se mantendo em níveis elevados, com taxa de 11,2 óbitos por mil nascidos vivos em 2010 1. A taxa de mortalidade infantil do Brasil em 2011 foi 15,3 por mil nascidos vivos, alcançando a meta 4 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, compromisso dos governos integrantes das Nações Unidas de melhorar a saúde infantil e reduzir em 2/3 a mortalidade infantil entre 1990 e 2015 1,2. No entanto, considera-se que estes níveis de mortalidade estão aquém do potencial do país, e refletem condições desfavoráveis de vida da população e da atenção de saúde, além das históricas desigualdades regionais e socioeconômicas 3,4.
O principal componente da mortalidade infantil atualmente é o neonatal precoce (0-6 dias de vida) e grande parte das mortes infantis acontece nas primeiras 24 horas (25%), indicando uma relação estreita com a atenção ao parto e nascimento 5. As principais causas de óbitos segundo a literatura são a prematuridade, a malformação congênita, a asfixia intra-parto, as infecções perinatais e os fatores maternos, com uma proporção considerável de mortes preveníveis por ação dos serviços de saúde 5,6.
Apesar dos partos no Brasil ocorrerem predominantemente em hospitais (98,4%) e serem assistidos por médicos (88,7%) 7 os resultados são insatisfatórios se comparados a outras localidades no mundo que alcançaram coeficientes menores de mortalidade neonatal e infantil 8. Esta situação tem sido denominada de “paradoxo perinatal brasileiro”, em que há intensa medicalização do parto e nascimento com manutenção de taxas elevadas de morbi-mortalidade materna e perinatal, possivelmente relacionadas à baixa qualidade da assistência e utilização de práticas obsoletas e iatrogênicas, que podem repercutir sobre os resultados perinatais 9,10. Neste contexto, a taxa elevada de cesariana do Brasil é um dos exemplos de maior destaque, chegando a 53,7% dos nascimentos em 2011 1.
Os estudos sobre a qualidade do processo assistencial no momento do trabalho de parto, parto e nascimento, são iniciativas recentes e ainda em número pequeno 9,11,12. Aprofundar a compreensão sobre a dimensão dos processos assistenciais na atenção ao parto e nascimento e sua repercussão sobre a mortalidade neonatal pode contribuir para subsidiar as ações para intensificar a sua redução 13.
O objetivo deste estudo foi analisar o perfil dos óbitos neonatais identificados na pesquisa nacional Nascer no Brasil e os fatores associados, considerando-se os aspectos contextuais socio- econômicos e demográficos, as características da gestante e do recém-nascido e o processo assistencial no pré-natal, no parto e nascimento.
Nascer no Brasil é um estudo nacional de base hospitalar composto por puérperas e seus recém-nascidos, realizado no período de fevereiro de 2011 a outubro de 2012. A amostra foi selecionada em três estágios. O primeiro, composto por hospitais com 500 ou mais partos/ano estratificado pelas cinco macrorregiões do país, localização (capital ou não capital), e tipo de hospital (privado, público e misto). O segundo foi composto por dias (mínimo de sete dias em cada hospital) e o terceiro composto pelas puérperas. Em cada um dos 266 hospitais amostrados foram entrevistadas noventa puérperas, totalizando 23.940 sujeitos. Mais informações sobre o desenho amostral encontram-se detalhadas em Vasconcellos et al. 14. Na primeira fase do estudo foram realizadas entrevistas face a face com as puérperas durante a internação hospitalar, e extraídos dados dos prontuários da puérpera e do recém-nascido e fotografados os cartões de pré-natal da puérpera. Entrevistas telefônicas foram realizadas 45 dias e seis meses após o parto para a coleta de dados sobre desfechos maternos e neonatais. Informação detalhada sobre a coleta de dados é relatada em do Carmo Leal et al. 15.
Neste estudo de coorte, a variável desfecho analisada foi o óbito neonatal, definido como os óbitos de nascidos vivos independente do peso ao nascer e da idade gestacional, que ocorreram antes do 28o dia de vida. Para a identificação dos óbitos neonatais que ocorreram no período da pesquisa e obtenção de informações foi realizado o relacionamento entre o banco de dados e os óbitos neonatais ocorridos no Brasil nos anos de 2011 e 2012 com os Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Foi utilizado o programa OpenRecLink para o relacionamento probabilístico de registros utilizando as variáveis nome da mãe, data de nascimento, sexo do recém-nascido e data do óbito, em três etapas: padronização, blocagem e pareamento de registros; os pares foram classificados em verdadeiros, falsos e duvidosos 16, com revisão manual, segundo o processo descrito por Camargo Jr. & Coeli 17,18. Para as variáveis sobre as quais não havia informações no SIM e no SINASC foram imputados os valores de acordo com a probabilidade de cada categoria, estimada por um modelo de regressão para cada variável a partir do grupo de crianças internadas, pois apresentavam características similares às crianças que morreram.
Para a modelagem hierarquizada de determinação do óbito neonatal as variáveis de exposição foram divididas em quatro blocos 19,20, descritos a seguir.
Bloco 1 – socioeconômicas e demográficas: residência materna (região brasileira localização do município, classe social – Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado. http://www.abipeme.org.br), características maternas (raça/cor da pele, escolaridade, situação conjugal e idade em anos) e sexo do recém-nascido;
Bloco 2 – história pregressa e gestação atual: paridade; morte neonatal, natimorto, baixo peso ao nascer e prematuro prévios; tipo de gestação, adequação do pré-natal segundo o índice de Kotelchuck 21 e intercorrências maternas, considerando os antecedentes de risco que persistiram na gestação atual e as intercorrências na gestação ou no trabalho de parto;
Bloco 3 – processo de assistência ao parto: hospital de referência para gestação de alto risco, hospital com Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTI neonatal), tipo de hospital (privado, público, misto), peregrinação para o parto, uso do partograma durante o trabalho de parto, presença de acompanhante durante a internação para o parto, tipo de parto, nascimento de recém-nascido com peso ao nascer < 1.500g em hospital sem UTI neonatal, boas práticas durante o trabalho de parto e boas práticas durante o parto. Estas duas variáveis síntese foram elaboradas como marcadores assistenciais para avaliação da utilização de procedimentos baseados em evidência na assistência ao trabalho de parto e parto por meio de consenso entre especialistas. Foram selecionadas práticas recomendadas na literatura 22,23,24,25,26, segundo revisões sistemáticas, para a assistência durante o trabalho de parto: a possibilidade de a mulher receber dieta líquida ou leve durante o trabalho de parto em contraposição à rotina prevalente de prescrição de jejum; de livre movimentação em contraposição à prática predominante de repouso no leito; de ter acesso a métodos não farmacológicos, de ter acompanhante durante o trabalho de parto, a utilização de partograma no acompanhamento do trabalho de parto, a utilização de ocitocina apenas com partograma contrapondo a prática prevalente de uso frequente de ocitocina sem acompanhamento do trabalho de parto com partograma. Da mesma forma foi construída a variável “boas práticas no parto”, considerando a não utilização de Kristeller (pressão no fundo do útero durante o parto, procedimento não respaldado pelas evidências científicas e que pode provocar dor e dano à parturiente e ao recém-nascido), posição verticalizada no parto contrapondo a prática predominante de parto em posição litotômica e a presença de acompanhante no parto;
Bloco 4 – condições gerais do recém-nascido e da assistência ao recém-nascido: peso ao nascer, idade gestacional, malformação congênita, internação em UTI neonatal, utilização de ventilação mecânica, uso de surfactante, apresentação do recém-nascido e Apgar < 7 no 5o minuto de vida.
Os óbitos foram ainda descritos segundo os principais grupamentos definidos por França & Lansky 5 para óbitos neonatais, a partir das causas registradas na declaração de óbito obtidas por meio de linkage do banco da pesquisa com o SIM e as causas registradas nos prontuários (apenas para 25 óbitos não identificados no SIM). Esta lista de causas agrupa os códigos da 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) de modo a possibilitar maior visibilidade às principais causas de óbito: prematuridade, malformação congênita, infecções perinatais, asfixia intraparo, fatores maternos, problemas respiratórios e os demais grupamentos.
Inicialmente, a estatística descritiva compreendeu a apresentação de frequências absolutas e relativas e medidas de síntese numérica de variáveis selecionadas segundo as regiões brasileiras. Para todas as variáveis utilizadas no modelo hierarquizado foram calculadas as taxas de mortalidade neonatal como medida de risco. A análise estatística inicial consistiu em utilizar o teste qui-quadrado para avaliar a hipótese de homogeneidade de proporções, comparando os grupos de sobreviventes e de óbito neonatal.
Foram realizadas análises bivariadas entre as variáveis de exposição e a ocorrência de óbito neonatal, obtendo-se a odds ratio (OR) bruta como medida da magnitude da associação, apropriada ao modelo de regressão logística. Aquelas variáveis que apresentaram p ≤ 0,20 foram consideradas para a análise multivariada por meio da regressão logística múltipla, considerando-se a hierarquização em blocos. De acordo com o modelo conceitual, as variáveis socioeconômicas e demográficas foram analisadas como o nível mais distal, considerando a proximidade com o desfecho. As variáveis referentes à história pregressa e gestação atual e ao processo da assistência ao parto foram consideradas intermediárias e, por último, o bloco das variáveis relativas às condições gerais e da assistência ao recém-nascido entraram no modelo como o nível proximal. As variáveis de cada bloco com p ≤ 0,10 foram mantidas no modelo hierarquizado para o controle de confundimento residual das variáveis. Para análise e discussão dos resultados foram consideradas associadas ao óbito neonatal as variáveis de exposição com nível de significância de 5% 12,15,19,27. Em caso de variáveis colineares foi utilizada a avaliação pelo fator de inflação da variância, e aquela com o menor valor de p foi selecionada.
Na análise estatística, o delineamento complexo de amostragem foi levado em conta por meio dos comandos svy no programa Stata versão 12 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos) e do módulo complex samples do pacote estatístico IBM SPSS versão 18 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos). Todas as estimativas foram ponderadas, pois as probabilidades de seleção foram desiguais 15.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), parecer no 92/10. Os gestores dos hospitais e as mulheres selecionadas que concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido foram entrevistadas.
Neste trabalho foram identificados 24.061 nascidos vivos e 268 óbitos neonatais, resultando em uma taxa de mortalidade neonatal ponderada de 11,1 óbitos por mil nascidos vivos. Na Tabela 1 são apresentadas algumas características dos óbitos segundo a localização da maternidade onde ocorreu o parto por região do país. Os óbitos se concentraram nas regiões Nordeste (38,3%) e Sudeste (30,5%) do Brasil e entre recém-nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (81,7% e 82%). As regiões Sudeste, Centro-oeste e Sul apresentaram a maior proporção de óbitos de pré-termo. A prematuridade extrema (< 32 semanas) e o muito baixo peso ao nascer (< 1.500g) representaram 60,2% e 59,6% dos óbitos, respectivamente, com maiores proporções nas regiões Centro-oeste e Sudeste. A maior proporção de óbitos de recém-nascidos a termo ocorreu no Nordeste (21,3%).
Tabela 1 Distribuição dos óbitos neonatais segundo variáveis selecionadas e regiões brasileiras, 2011-2012 *.
Variáveis selecionadas | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-oeste | Brasil |
---|---|---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |
Óbito neonatal | 52 (19,3) | 103 (38,3) | 82 (30,5) | 19 (6,9) | 13 (5,0) | 268 (100,0) |
Peso ao nascer (g) | ||||||
Baixo peso (< 2.500) | 44 (84,6) | 83 (80,6) | 66 (81,5) | 15 (83,3) | 11 (84,6) | 219 (82,0) |
Muito baixo peso (< 1.500) | 27 (52,9) | 59 (57,8) | 53 (65,4) | 11 (57,9) | 10 (76,9) | 160 (60,2) |
Idade gestacional (semanas) | ||||||
Prematuridade (< 37) | 42 (80,8) | 74 (78,7) | 64 (85,3) | 14 (82,4) | 11(84,6) | 205 (81,7) |
Prematuridade extrema (< 32) | 30 (57,7) | 60 (63,8) | 51 (68,0) | 10 (58,1) | 11(84,6) | 162 (64,5) |
Causas de óbito | ||||||
Prematuridade | 11 (22,2) | 34 (33,9) | 23 (30,5) | 3 (15,8) | 7 (53,8) | 77 (30,3) |
Malformação congênita | 12 (24,5) | 7 (7,6) | 27 (35,9) | 8 (42,1) | 3 (23,1) | 58 (22,8) |
Infecção | 14 (26,9) | 20 (20,7) | 10 (13,1) | 2 (10,5) | 1 (7,7) | 47 (18,5) |
Fatores maternos | 3 (5,5) | 15 (15,0) | 8 (11,3) | 1 (5,3) | 1 (7,7) | 28 (10,4) |
Asfixia/Hipóxia | 7 (13,5) | 5 (5,3) | 2 (2,6) | 3 (15,8) | 1 (7,7) | 18 (7,0) |
Outras causas | 4 (7,4) | 17 (17,5) | 5 (6,6) | 2 (10,5) | 0 (0,0) | 28 (9,8) |
* n ponderado.
Com relação aos grupos de causas de morte neonatal, prevaleceu o grupo prematuridade, respondendo por cerca de 1/3 dos casos, seguidos pela malformação congênita (22,8%), as infecções (18,5%), os fatores maternos (10,4%) e asfixia/hipóxia (7%). As regiões Nordeste e Norte apresentaram a maior proporção de óbitos registrados como infecção (26,9% e 20,7%), comparado com 10,5% e 7,7% nas regiões Sul e Centro- oeste, respectivamente. A maior proporção de registros de óbitos por malformação congênita ocorreu no Sul e Sudeste do Brasil (42,1 e 35,9%) e as regiões Norte e Sul apresentaram os maiores percentuais de morte por asfixia.
Nas Tabelas 2, 3 e 4 estão apresentadas as distribuições dos nascimentos e óbitos, as taxas de mortalidade neonatal e as análises bivariadas considerando os blocos de variáveis propostos para o modelo hierarquizado. A maior parte das mães que participaram deste estudo tinha entre 20 a 34 anos de idade (70,8%), eram predominantemente pardas (54,6%) e da classe social C (49,1%), possuíam o Ensino Fundamental completo ou incompleto e viviam com o companheiro. A maioria dos nascimentos e dos óbitos ocorreu nos municípios fora da capital dos estados brasileiros e 56,7% das crianças nasceram por cesariana. Entre os óbitos neonatais, 21,2% das mães eram adolescentes, 33,5% não viviam com o companheiro e um terço tinha menos de oito anos de estudo (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos nascidos vivos, taxa de mortalidade neonatal, odds ratio (OR) bruta e qui-quadrado: variáveis socioeconômicas e demográficas – Bloco 1. Brasil, 2011-2012.
Variáveis socioeconômicas e demográficas | Nascidos vivos * | Taxa de mortalidade neonatal por mil nascidos vivos ** | OR bruta | IC95% | Qui-quadrado (valor de p) |
---|---|---|---|---|---|
Região brasileira | 0,011 | ||||
Sul | 4.173 | 6,1 | 1,00 | ||
Sudeste | 8.063 | 8,0 | 1,32 | 0,66-2,63 | |
Centro-oeste | 2.803 | 8,4 | 1,37 | 0,65-2,91 | |
Nordeste | 6.128 | 14,5 | 2,39 | 1,13-5,01 | |
Norte | 2.894 | 22,3 | 3,71 | 1,65-8,35 | |
Tipo de município | 0,099 | ||||
Interior | 16.436 | 9,0 | 1,00 | ||
Capital | 7.625 | 14,5 | 1,61 | 0,91-2,85 | |
Classe social | 0,039 | ||||
A+B | 6.717 | 7,3 | 1,00 | ||
C | 11.708 | 11,2 | 1,55 | 0,94-2,54 | |
D+E | 5.404 | 15,0 | 2,08 | 1,14-3,82 | |
Raça/Cor da pele da mãe | 0,242 | ||||
Branca | 8.682 | 9,2 | 1,00 | ||
Preta | 1.865 | 8,0 | 0,86 | 0,37-2,00 | |
Parda | 13.148 | 12,7 | 1,38 | 0,97-1,98 | |
Outra | 359 | 8,1 | 0,87 | 0,22-3,40 | |
Escolaridade materna | < 0,001 | ||||
Ensino Superior completo e mais | 2.792 | 3,4 | 1,00 | ||
Ensino Médio completo | 9.402 | 8,2 | 2,46 | 1,03-5,83 | |
Ensino Fundamental completo | 5.774 | 14,9 | 4,51 | 1,79-11,35 | |
Ensino Fundamental incompleto | 5.983 | 14,2 | 4,27 | 1,73-10,51 | |
Situação conjugal da mãe | < 0,001 | ||||
Com companheiro | 19.903 | 8,7 | 1,00 | ||
Sem companheiro | 4.142 | 21,7 | 2,55 | 1,81-3,58 | |
Idade materna (anos) | 0,166 | ||||
20-34 | 16.997 | 9,8 | 1,00 | ||
< 20 | 4.349 | 13,1 | 1,34 | 0,83-2,15 | |
35 ou mais | 2.708 | 15,4 | 1,57 | 0,91-2,72 | |
Sexo do recém-nascido | 0,016 | ||||
Feminino | 11.599 | 8,8 | 1,00 | ||
Masculino | 12.447 | 12,7 | 1,45 | 1,07-1,97 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.* n não ponderado;** Taxas ponderadas.Nota: os n totais podem variar segundo a presença de valores ignorados.
Tabela 3 Distribuição dos nascidos vivos, óbitos neonatais, taxa de mortalidade neonatal, odds ratio (OR) bruta e qui-quadrado: história pregressa e gestação atual – Bloco 2. Brasil, 2011-2012.
Variáveis da história pregressa e gestação atual | Nascidos vivos * | Taxa de mortalidade neonatal por mil nascidos vivos ** | OR bruta | IC95% | Qui-quadrado (valor de p) |
---|---|---|---|---|---|
Paridade | 0,951 | ||||
Multípara | 11.246 | 11,1 | 1,00 | ||
Primípara | 12.814 | 11,0 | 0,99 | 0,68-1,44 | |
Morte neonatal prévia | 0,116 | ||||
Não | 23.612 | 10,9 | 1,00 | ||
Sim | 449 | 20,2 | 1,87 | 0,85-4,12 | |
Natimorto prévio | < 0,001 | ||||
Não | 23.519 | 10,1 | 1,00 | ||
Sim | 542 | 52,0 | 5,40 | 3,05-9,57 | |
Baixo peso prévio | < 0,001 | ||||
Não | 22.399 | 9,8 | 1,00 | ||
Sim | 1.662 | 27,4 | 2,83 | 1,86-4,30 | |
Prematuro prévio | < 0,001 | ||||
Não | 22.566 | 9,8 | 1,00 | ||
Sim | 1.495 | 30,0 | 3,14 | 2,02-4,87 | |
Tipo de gestação | < 0,001 | ||||
Única | 23.566 | 10,0 | 1,00 | ||
Gemelar | 492 | 52,2 | 5,43 | 2,93-10,05 | |
Adequação do pré-natal (Kotelchuck) | 0,009 | ||||
Mais que adequado | 6.153 | 4,5 | 1,00 | ||
Adequado | 9.665 | 11,0 | 2,43 | 1,42-4,17 | |
Parcialmente adequado | 4.010 | 13,1 | 2,92 | 1,44-5,91 | |
Inadequado | 3.584 | 17,4 | 3,89 | 1,81-8,35 | |
Intercorrências maternas | < 0,001 | ||||
Não | 15.034 | 3,7 | 1,00 | ||
Sim | 9.027 | 23,1 | 6,37 | 4,07-9,98 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.* n não ponderado;** Taxas ponderadas.Nota: os n totais podem variar segundo a presença de valores ignorados.
Tabela 4 Distribuição dos nascidos vivos, taxa de mortalidade neonatal, odds ratio (OR) bruta e qui-quadrado: assistência ao parto e condições gerais do recém-nascido – Blocos 3 e 4. Brasil, 2011-2012.
Variáveis relativas ao parto e ao recém-nascido | Nascidos vivos * | Taxa de mortalidade neonatal por mil nascidos vivos ** | OR bruta | IC95% | Qui-quadrado (valor de p) |
---|---|---|---|---|---|
Parto | |||||
Hospital de referência para gestação de alto risco | < 0,001 | ||||
Não | 12.181 | 5,8 | 1,00 | ||
Sim | 11.698 | 15,3 | 2,66 | 1,59-4,48 | |
Hospital tem UTI neonatal | < 0,001 | ||||
Não | 10.256 | 5,8 | 1,00 | ||
Sim | 13.625 | 14,2 | 2,47 | 1,54-3,95 | |
Tipo de hospital | < 0,001 | ||||
Privado | 5.098 | 6,4 | 1,00 | ||
Misto | 10.374 | 6,7 | 1,04 | 0,52-2,13 | |
Público (SUS) | 8.589 | 17,5 | 2,78 | 1,37-5,64 | |
Peregrinação para o parto | < 0,001 | ||||
Não | 20.570 | 6,9 | 1,00 | ||
Sim | 3.475 | 32,7 | 4,89 | 3,27-7,32 | |
Uso do partograma | < 0,001 | ||||
Sim | 5.325 | 5,0 | 1,00 | ||
Não | 9.663 | 17,6 | 3,59 | 2,28-5,66 | |
Cesariana *** | 9.073 | 8,4 | 1,70 | 1,04-2,77 | |
Presença de acompanhante | 0,016 | ||||
Em todos os momentos | 8.461 | 6,7 | 1,00 | ||
Em algum momento | 6.554 | 13,8 | 2,07 | 1,21-3,55 | |
Em nenhum momento | 9.033 | 12,5 | 1,87 | 1,18-2,96 | |
Uso de boas práticas durante o trabalho de parto | 0,038 | ||||
Usou boas práticas no trabalho de parto | 354 | 2,0 | 1,00 | ||
Não usou ou uso incompleto | 14.607 | 10,0 | 4,98 | 0,64-38,68 | |
Não entrou em trabalho de parto | 9.100 | 13,5 | 6,72 | 0,93-48,32 | |
Uso de boas práticas no parto | 0,234 | ||||
Usou boas práticas no parto | 218 | 3,6 | 1,00 | ||
Não usou ou uso incompleto | 10.199 | 12,4 | 3,47 | 0,51-23,38 | |
Cesariana | 13.644 | 10,1 | 2,84 | 0,45-18,02 | |
Tipo de parto | 0,311 | ||||
Vaginal | 10.116 | 12,3 | 1,00 | ||
Fórceps/Vácuo extrator | 301 | 5,0 | 0,40 | 0,71-2,26 | |
Cesariana *** | 13.644 | 10,1 | 0,82 | 0,59-1,15 | |
Nascimento < 1.500g em hospital sem UTI neonatal | < 0,001 | ||||
Não | 24.009 | 10,0 | 1,00 | ||
Sim | 52 | 551,80 | 121,45 | 54,69-269.71 | |
Recém-nascido | |||||
Peso ao nascer (g) | < 0,001 | ||||
≥ 2.500 | 21.740 | 2,2 | 1,00 | ||
1.500-2.499 | 1.763 | 31,3 | 14,57 | 7,88-26,95 | |
< 1.500 | 321 | 407,3 | 309,42 | 186,88-512,32 | |
Recém-nascido | |||||
Idade gestacional (semanas) | < 0,001 | ||||
≥ 37 | 21.174 | 2,2 | 1,00 | ||
33-36 | 1.986 | 19,5 | 9,01 | 4,74-17,14 | |
≤ 32 | 442 | 306,7 | 200,91 | 120,70-334,41 | |
Apresentação do recém-nascido | < 0,001 | ||||
Cefálica | 22.941 | 8,9 | 1,00 | ||
Pélvica | 968 | 62,9 | 7,43 | 4,37-12,64 | |
Córmica | 152 | 5,3 | 0,59 | 0,09-4,04 | |
Malformação congênita | < 0,001 | ||||
Não | 23.914 | 9,5 | 1,00 | ||
Sim | 147 | 230,3 | 31,17 | 18,23-53,29 | |
Apgar < 7 no 5o minuto de vida | < 0,001 | ||||
Não | 22.904 | 6,6 | 1,00 | ||
Sim | 216 | 399,3 | 100,61 | 62,95-160,79 | |
Ventilação mecânica | < 0,001 | ||||
Não | 23.631 | 3,1 | 1,00 | ||
Sim | 430 | 370,2 | 188,25 | 122,68-288,87 | |
Uso de surfactante | < 0,001 | ||||
Não | 22.732 | 7,8 | 1,00 | ||
Sim | 329 | 210,4 | 33,92 | 21,91-52,49 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; SUS: Sistema Único de Saúde; UTI: unidade de tratamento intensivo.* n não ponderado;** Taxas ponderadas;*** Exclui mulheres que entraram em trabalho de parto.Nota: os n totais podem variar segundo a presença de valores ignorados.
As menores taxas de mortalidade neonatal foram encontradas nas regiões Sul (6,2), Sudeste (8,0) e Centro-oeste (8,4 por mil nascidos vivos) e as maiores nas regiões Norte (22,3 por mil nascidos vivos) e Nordeste (14,5 por mil nascidos vivos). Com relação às demais variáveis socioeconômicas e demográficas estudadas (Tabela 2) destaca-se que a taxa de mortalidade foi maior para os recém-nascidos do sexo masculino, para as mães das classes sociais “D+E”, as que viviam na capital, as adolescentes e aquelas com mais de 35 anos, sendo 4,0 vezes maior para as mães com baixa escolaridade (Tabela 2). Não houve associação entre a morte neonatal e raça/cor.
As maiores taxa de mortalidade neonatal ocorreram entre crianças com menos de 1.500g que nasceram em hospital sem UTI neonatal, com muito baixo peso ao nascer (< 1.500g), prematuros extremos (< 32 semanas), com Apgar < 7 no 5o minuto de vida, as que utilizaram ventilação mecânica ou surfactante, as que tinham malformação congênita, as que estavam em apresentação pélvica, as gemelares, aquelas cujas mães relataram peregrinação para obter assistência hospitalar ao parto, as que tinham história materna pregressa e obstétrica desfavoráveis, as que não tiveram partograma preenchido durante o trabalho de parto, as que nasceram em hospitais públicos, em hospitais de referência para gestação de risco e com UTI neonatal, aquelas cujas mães que ficaram sem acompanhante durante a internação para o parto, as que nasceram de parto vaginal (Tabelas 3 e 4).
As taxas foram também elevadas para as mães que tiveram atenção inadequada no pré-natal e durante o trabalho de parto/parto. Apenas para 0,2% das gestantes foram utilizadas práticas adequadas na assistência durante o trabalho de parto e 0,4% no parto, e portanto, não houve diferença estatística entre os óbitos e os nascidos vivos. Por outro lado, práticas não recomendadas, como exemplo, a manobra de Kristeller foi utilizada em 36,5% do total dos partos vaginais e em 21,5% dos óbitos neonatais (dados não apresentados).
As variáveis proximais, relacionadas ao recém-nascido e à gravidez atual, apresentaram a maior força de associação com o óbito neonatal na análise bivariada (Tabela 4). Os prematuros extremos e aqueles com extremo baixo peso ao nascer tiveram chance 200 a 300 vezes maior de morrer nos primeiros 28 dias de vida em relação aos recém-nascidos a termo e com peso ao nascer ≥ 2.500g. Foi igualmente muito elevada para os recém-nascidos que utilizaram ventilação mecânica, aqueles com < 1.500g que nasceram em hospital sem UTI neonatal, aqueles com asfixia ao nascer, os que usaram surfactante e os recém-nascidos com malformação congênita. Os recém-nascidos que estavam pélvicos na hora do parto e os gemelares tiveram ainda forte associação com a morte neonatal (OR entre cinco e sete).
Outros fatores fortemente associados ao óbito neonatal foram: riscos nesta gestação e nas gestações prévias (natimorto e prematuro e baixo peso prévios), baixa escolaridade materna, peregrinação para o parto, residir na Região Norte do Brasil, não utilização de boas práticas durante o trabalho e no parto, a não utilização de partograma durante o trabalho de parto, a inadequação da atenção pré-natal, hospital público (Sistema único de Saúde – SUS), de referência para gestação de alto risco e com UTI neonatal, e não ter acompanhante em algum ou nenhum momento durante a internação para o parto.
Com relação aos marcadores assistenciais e aqueles relativos à organização do sistema de saúde, ressalte-se que a maior parte dos óbitos ocorreu em hospital do SUS, 50% daqueles com < 1.500g nasceram em hospital sem UTI neonatal, 23,3% das mães tiveram pré-natal inadequado com um risco de morte neonatal quatro vezes maior e cerca de 40% peregrinaram na hora do parto e não tiveram acompanhante durante a internação para o parto. O partograma foi pouco utilizado para acompanhamento do trabalho de parto, seja entre os recém-nascidos que sobreviveram (35,7%) ou entre os que morreram (36,5%) (Tabelas 3 e 4).
Na Tabela 5 é apresentado o modelo final, no qual não foram incluídas as variáveis raça/cor da mãe e, paridade e boas práticas durante o trabalho de parto (p > 0,20), tipo de parto (já contemplada na variável partograma), hospital tem UTI e nascimento de < 1.500g em hospital sem UTI Neonatal (colinearidade). Foram removidas do modelo final (p > 0,10) as variáveis classe social e tipo de município (Bloco 1), neomorto e baixo peso prévios (Bloco 2), uso de surfactante e idade gestacional (Bloco 4).
Tabela 5 Modelo final dos fatores associados à mortalidade neonatal. Brasil, 2011-2012.
Variáveis selecionadas | OR ajustada | IC95% | Qui-quadrado ajustado (valor de p) |
---|---|---|---|
Bloco 1 | |||
Região brasileira | 0,013 | ||
Sul | 1,00 | ||
Centro-oeste | 1,37 | 0,66-1,85 | |
Sudeste | 1,23 | 0,63-2,39 | |
Nordeste | 2,36 | 1,14-4,88 | |
Norte | 3,48 | 1,57-7,73 | |
Escolaridade materna | 0,019 | ||
Ensino Superior completo e mais | 1,00 | ||
Ensino Médio completo | 2,35 | 0,97-5,68 | |
Ensino Fundamental completo | 4,24 | 1,61-11,16 | |
Ensino Fundamental incompleto | 3,60 | 1,43-9,07 | |
Situação conjugal da mãe | < 0,001 | ||
Com companheiro | 1,00 | ||
Sem companheiro | 2,49 | 1,69-3,66 | |
Idade materna (anos) | 0,095 | ||
20-34 | 1,00 | ||
11-19 | 0,85 | 0,48-1,48 | |
≥ 35 | 1,62 | 0,95-2,78 | |
Sexo do recém-nascido | 0,015 | ||
Feminino | 1,00 | ||
Masculino | 1,49 | 1,08-2,05 | |
Bloco 2 * | |||
Natimorto prévio | < 0,001 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 3,62 | 2,05-6,41 | |
Parto pré-termo prévio | 0,027 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 1,84 | 1,07-3,17 | |
Tipo de gestação | < 0,001 | ||
Única | 1,00 | ||
Múltipla | 4,79 | 2,37-9,68 | |
Adequação do pré-natal (Kotelchuk) | 0,012 | ||
Mais que adequado | 1,00 | ||
Adequado | 2,27 | 1,30-3,94 | |
Parcialmente adequado | 2,30 | 1,10-4,83 | |
Inadequado | 2,84 | 1,44-5,62 | |
Intercorrências maternas na gestação | < 0,001 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 6,07 | 3,85-9,55 | |
Bloco 3 ** | |||
Hospital de referência para gestação de alto risco | 0,011 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 1,91 | 1,16-3,15 | |
Peregrinação para o parto | < 0,001 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 3,17 | 2,26-4,43 | |
Uso do partograma | < 0,001 | ||
Sim | 1,00 | ||
Não | 2,97 | 1,82-4,83 | |
Cesárea | 1,65 | 0,94-2,89 | |
Presença de acompanhante | 0,092 | ||
Em todos os momentos | 1,00 | ||
Em algum momento | 1,67 | 1,05-2,67 | |
Em nenhum momento | 1,48 | 0,88-2,48 | |
Bloco 4 *** | |||
Peso ao nascer (g) | < 0,001 | ||
≥ 2.500 | 1,00 | ||
1.500-2.499 | 5,19 | 2,44-11,04 | |
< 1.500 | 32,27 | 12,65-82,35 | |
Apresentação do recém-nascido | < 0,001 | ||
Cefálica | 1,00 | ||
Pélvica | 4,09 | 1,97-8,48 | |
Córmica | 0,19 | 0,02-2,28 | |
Malformação congênita | < 0,001 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 16,55 | 6,47-42,38 | |
Apgar < 7 no 5o minuto de vida | < 0,001 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 15,79 | 6,54-38,14 | |
Ventilação mecânica | < 0,001 | ||
Não | 1,00 | ||
Sim | 25,68 | 11,66-56,53 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança;* Bloco 2: modelo ajustado para as variáveis significantes do Bloco 1;** Bloco 3: modelo ajustado para as variáveis significantes dos Blocos 1 e 2;*** Bloco 4: modelo ajustado para as variáveis significantes dos Blocos 1, 2 e 3.
As variáveis que se mantiveram associadas ao óbito neonatal foram, em ordem decrescente segundo a magnitude da associação: muito baixo peso ao nascer; ventilação mecânica; malformação congênita; asfixia ao nascer; intercorrências maternas na gestação; apresentação pélvica; gemelaridade; baixa escolaridade materna, regiões Norte e Nordeste, natimorto prévio; peregrinação para o parto; não utilização de partograma durante o trabalho de parto; inadequação da atenção pré-natal; mãe sem companheiro; prematuro prévio; hospital de referência para gestação de alto risco; sexo masculino.
A taxa de mortalidade neonatal neste estudo se aproximou daquela observada em 2010 para o Brasil, de 11,2 por mil nascidos vivos e a prematuridade e baixo peso ao nascer foram os principais fatores associados à morte neonatal, em especial os extremos de peso ao nascer. O perfil predominante dos óbitos neonatais de recém-nascidos de muito baixo peso e de prematuros, seguido pela malformação congênita como causa de óbito aproxima o Brasil dos países mais desenvolvidos, onde a maioria absoluta dos óbitos infantis é de recém-nascidos com menor chance de sobrevivência 4,28,29. As variáveis que indicam maior gravidade dos recém-nascidos se mantiveram associadas ao óbito neonatal.
A prematuridade tardia contribuiu com 17,1% das mortes neonatais, nove vezes maior a chance de morte neonatal em relação ao recém- nascido a termo, o que remete à preocupação recente no país com relação à tendência de aumento da prematuridade, que atingiu 11,5% dos nascidos vivos em 2011 30, nível bem mais elevado do que o de países desenvolvidos, que apresentam taxas em torno de 7% 1,28,31. Neste cenário é fundamental investir em ações para prevenção da prematuridade evitável, além da melhoria na atenção a este recém-nascido mais vulnerável. Dois objetivos devem ser focados: a prevenção na atenção pré-natal, com o controle das infecções e dos riscos na gravidez, e a prevenção da prematuridade iatrogênica 3,29, relacionada à interrupção indevida da gravidez, como as cesarianas sem indicação técnica, sério problema no país, que contribuem para a alta prevalência total de cesariana 3,31,32.
Outra causa de morte neonatal evitável que demanda ação específica é a asfixia intraparto: 18% dos recém-nascidos que morreram eram a termo e 40,9% tinham Apgar < 7 no 5o minuto de vida. No Brasil a redução desta causa de óbito está estreitamente relacionada à atenção hospitalar ao parto e nascimento, uma vez que a maioria absoluta dos partos e das mortes são hospitalares e assistidos por profissionais habilitados 6. As causas da asfixia-intraparto precisam ser reconhecidas para a sua prevenção. Além da prevenção no pré-natal de problemas relacionados à hipóxia intraútero, segundo Lawn et al. 33, o atraso nas intervenções adequadas dentro dos serviços de saúde poderia evitar cerca de 36% das mortes relacionadas ao trabalho de parto nos países onde o acesso à atenção ao parto foi equacionado, como o caso do Brasil.
Este estudo apontou problemas na qualidade da atenção relacionados ao processo assistencial no pré-natal e no parto. A não utilização de boas práticas no trabalho de parto e no parto foi igualmente elevada entre os nascidos vivos e os óbitos, e, por consequência, não houve diferença significativa entre os grupos. A utilização de boas práticas no trabalho de parto e parto foi praticamente uma exceção e o risco de morte neonatal foi 5,0 e 3,4 vezes maior respectivamente, entre as gestantes que não receberam esta assistência. A manobra de Kristeller, não recomendada pelas evidências científicas, foi realizada com frequência, seja entre os nascidos vivos sobreviventes ou entre os recém-nascidos que morreram 23,34. Por outro lado, práticas recomendadas foram pouco utilizadas, como o partograma para acompanhamento do trabalho de parto, a posição verticalizada no parto, entre outras 29.
O reconhecimento da associação entre o processo assistencial e os desfechos perinatais não alcançou no Brasil a visibilidade devida. A implementação das boas práticas no trabalho de parto e parto é uma ação potente para prevenção dos óbitos neonatais evitáveis, e, consequentemente, redução da mortalidade infantil. A persistente utilização de procedimentos não recomendadas pelas evidências científicas como o uso abusivo de ocitocina, imobilização no leito e posição litotômica no parto, com a compressão de grandes vasos, por exemplo, compromete a oxigenação intraútero, prolonga o trabalho de parto e o período expulsivo, e pode repercutir negativamente sobre os resultados perina- tais 35. Aliadas a essas más práticas, as situações de estresse a que são submetidas as parturientes como o jejum, solidão, insegurança e tratamento desrespeitoso, também influenciam os resultados perinatais 25.
Para mudar o cenário atual é fundamental a mudança do modelo de atenção, em especial ao parto e nascimento, com a qualificação da assistência prestada uma vez assegurado o acesso; não será suficiente oferecer “mais do mesmo” 36. O Ministério da Saúde, com a iniciativa denominada Rede Cegonha 37, propõe a mudança do modelo de atenção ao parto e nascimento com a atuação de equipes multiprofissionais, incluindo a enfermagem obstétrica/obstetriz, utilização de protocolos e monitoramento de indicadores dos serviços com financiamento acoplado ao alcance de metas. Este modelo vem sendo incentivado em outros países como na Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Holanda, Japão e Austrá- lia 38 e vem sendo experimentado em nível local no Brasil, com resultados perinatais expressivos como a redução de óbitos evitáveis por asfixia intraparto 39.
O sucesso do esforço brasileiro em qualificar a atenção ao recém-nascido que demanda reanimação neonatal precisa se expandir para a prevenção primária da asfixia intraparto. Recomenda-se que se conforme efetivamente o trabalho em equipe de atenção perinatal, desde a admissão da gestante e durante toda a atenção durante o trabalho de parto, incluindo aqueles profissionais que tradicionalmente se responsabilizam pela criança apenas após o seu nascimento (pediatras, enfermeiros e demais profissionais). A equipe multidisciplinar deve participar de forma corresponsável desde a internação da gestante, para assegurar a utilização de tecnologia apropriada (acolhimento imediato, acompanhante de livre escolha, doula, métodos de conforto da dor, livre posicionamento, entre outros) e uso de protocolos para promover a evolução fisiológica do trabalho de parto, com intervenções apenas quando justificável.
Outros marcadores assistenciais estudados refletiram problemas relativos à organização do sistema de atenção perinatal, como a peregrinação da gestante em busca de vaga hospitalar na hora do parto e o nascimento de recém-nascido de risco em local inadequado. Gestantes em trabalho de parto se configuram como uma urgência e devem receber atendimento imediato no serviço de saúde. Prematuros extremos devem nascer em hospital de maior complexidade, o que pode ser determinante para sua sobrevivência, evitando-se assim sua transferência para esses centros após o nascimento, o que adiciona riscos. Neste estudo aproximadamente 50% das crianças com peso < 1.500g, que nasceram em hospitais sem UTI neonatal, morreram.
Fatores tradicionalmente associados ao óbito neonatal como a raça/cor e classe social na gravidez não se mantiveram associados ao óbito neonatal, e esta desigualdade foi demonstrada na associação com a baixa escolaridade materna. Alguns autores têm apontado diminuição da desigualdade na mortalidade neonatal decorrente da ascensão econômica da população de mais baixa renda e melhoria do acesso a serviços de saúde, aumento da população usuária de planos de saúde nas grandes metrópoles, entre outros 40,41,42. Por outro lado, a não participação da população mais pobre no estudo (residentes em pequenos municípios com serviços com < 500 partos/ano e partos domiciliares) pode ter influenciado os resultados. Estudos futuros poderiam considerar indicadores e análise mais sensíveis para captar prováveis diferenças socioeconômicas intraurbanas e intrarregionais na mortalidade neonatal. Outro aspecto a ser considerado como limitação do estudo diz respeito à utilização de dados de prontuário e dos registros de óbito e de nascimento, que dependem da qualidade do seu preenchimento, como, por exemplo, os registros sobre procedimentos assistenciais realizados, as causas de óbito neonatal e a condição socioeconômica e demográfica, como a raça/cor, o que pode dificultar a visibilidade das possíveis iniquidades.
As regiões Norte e Nordeste se mantiveram associadas à morte neonatal e apresentaram as maiores proporções de óbitos por infecção perinatal, expressando a necessidade de maior investimento local na organização e qualificação da atenção. Atingir a população mais excluída com ações efetivas, oportunas e qualificadas poderá também acelerar a redução da mortalidade e diminuir as desigualdades ainda existentes 44,45.
A avaliação da qualidade da assistência hospitalar ao parto e nascimento merece maior aprofundamento, uma vez que este é o local predominante dos partos no país e os resultados dos processos de atenção e marcadores analisados neste estudo não foram satisfatórios. Estudos prévios apontaram diferenças importantes nos resultados perinatais relacionadas ao desempenho do hospital (recursos materiais, humanos e práticas assistenciais), independente da população usuária do serviço 12,46. Outros estudos poderiam aprofundar estes aspectos, com o detalhamento de indicadores assistenciais dirigidos à avaliação da assistência ao parto e nascimento, em particular aqueles relacionados às principais causas de óbito evitável, como a asfixia intraparto, a prematuridade iatrogênica e a infecção prevenível no pré-natal e no cuidado hospitalar ao recém-nascido. Outros aspectos importantes para abordagem seriam a formação e a inserção dos profissionais na atenção ao parto, a avaliação de modelos assistenciais com atuação em equipe multidisciplinar, aspectos socioculturais como o protagonismo da mulher e o apoio contínuo à mulher no parto, de forma a subsidiar as políticas públicas para o alcance de maior redução da mortalidade infantil.
Óbitos de recém-nascidos a termo por asfixia intraparto e óbitos por prematuridade tardia representaram aproximadamente 23% do total e expressam a evitabilidade dos óbitos, com possibilidade de maior impacto em menor prazo com a implementação das práticas recomendadas no parto e nascimento, uma vez que há disponibilidade de serviços. Para a maior redução da mortalidade neonatal no Brasil será necessário o reforço das políticas públicas com medidas mais diretamente relacionadas à qualificação da atenção de saúde. Primeiramente, a implementação da rede regionalizada de atenção perinatal. Segundo, o investimento na implementação das práticas baseadas em evidências científicas e qualificação dos processos assistenciais nos serviços de pré-natal, e, em particular, os que atendem ao parto e nascimento. Por um lado a rede de atenção perinatal deve assegurar à gestante e ao recém-nascido o acesso em tempo oportuno ao serviço com o nível adequado de complexidade. Por outro, é necessário garantir o acesso às melhores práticas assistenciais disponíveis no conhecimento atual e reduzir o grave e generalizado distanciamento entre as práticas de atenção ao parto no Brasil e as recomendações baseadas em evidências científicas. Exemplo seria o acompanhante durante o trabalho de parto, ainda incipiente no país, apesar de direito garantido por Lei Federal no Brasil desde 2005.
O estudo identificou o perfil dos óbitos neonatais no Brasil e os principais problemas associados. Aponta que o avanço na redução da mortalidade neonatal e, por conseguinte, na mortalidade infantil – assim como a morte materna e a morte fetal evitável, cujos problemas assistenciais relacionados são semelhantes – dependerá da consolidação de uma rede perinatal integrada, hierarquizada e regionalizada, e da qualificação dos processos assistenciais, em especial ao parto e nascimento.