versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.5 São Paulo maio 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180081
A T-wave alternans (TWA) visível não é na verdade um achado recente e tem sido relatada desde 1909.1 Entretanto, é a TWA em microvolts, não visível e muito menos rara, que ganhou um lugar ao sol devido à sua associação com distúrbio elétrico e risco elevado de morte súbita cardíaca (MSC) ou eventos arrítmicos,2-6 como tem sido avaliado em diversas pesquisas clínicas e estudos em populações: TWA na ICC,7 ALPHA,8 REFINE,9 FINCAVAS,10 Ikeda et al.,11 (em um estudo colaborativo) e Bloomfield et al.,12 (em uma pesquisa do tipo MADIT-II). Todos esses estudos têm em comum o fato de que trazem evidências sobre o alto valor preditivo negativo da TWA em relação a MSC ou a eventos arrítmicos, com valor preditivo positivo baixo a regular.
A microalternância de onda T consiste na análise, através de software especializado, de variações batimento a batimento que ocorrem na repolarização ventricular (segmento ST e onda T), muito pouco perceptíveis a olho nu.13-16 A TWA permite acessar, de maneira indireta, o aspecto de aumento da dispersão dos potenciais de ação das células do coração, fator esse primordial em uma sequência de eventos que levarão a mecanismos de re-entrada e fibrilação ventricular que culminarão na MSC. Uma propriedade fundamental de sua análise é o alto poder preditivo negativo para o risco de MSC que um teste de TWA normal apresenta.12
A TWA apresenta, dentre diferentes metodologias de aferição, duas técnicas de destaque: a obtida pelo método espectral (Spectral Method - SM) e a que é obtida pela média móvel modificada (modified moving average - MMA), como as mais disseminadas e com relevância na literatura médica.17
O SM mede flutuações da onda T através da computação de diferenças ponto a ponto entre 128 locais equidistantes no ST-T, numa série de 128 batimentos consecutivos alinhados (já descartados os batimentos ectópicos e com ruído).18 Em outras palavras, há 128 tacogramas semelhantes àqueles usados na análise da variabilidade da frequência cardíaca. Depois, são computados 128 espectros de frequência (daí o nome da metodologia - SM), sendo calculada a média deles. O valor da TWA é então avaliado na frequência de 0,5 ciclo por batimento. Em 1994, foi publicada pela primeira vez a adaptação dessa técnica a pacientes humanos.19 Desde então, ela é o método de análise de TWA mais usado, com a mais ampla gama de aplicações.
A MMA cria, recursivamente, dois padrões (modelos) de batimentos, a partir de qualquer sequência de batimentos válidos (sendo um padrão associado somente aos batimentos pares, e o outro aos batimentos ímpares). Para explicitar cada um dos padrões de batimentos, o algoritmo iterativo é o seguinte: as diferenças de amplitude entre o padrão atual (de batimentos pares ou ímpares) e o próximo batimento válido (par ou ímpar) são medidas ao longo de diversos locais equidistantes no ST-T. Cada uma dessas diferenças é dividida em X partes iguais (onde X pode ser 8, 16, 32 ou 64) e a contribuição do batimento atual válido na atualização do batimento-padrão é então limitada a 1/X (chamado de fator de atualização ou fração limitante) das diferenças entre modelo e batimento. Finalmente, os valores da TWA são disponibilizados a cada 15 segundos, como a diferença entre os dois padrões representativos (e continuamente atualizados) dos batimentos pares e batimentos ímpares.20 Essa técnica foi avalizada em estudos acadêmicos com boa reprodutividade.21
Em um trabalho em pacientes com doença de Chagas, apresentado nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia,22 portadores de cardiomiopatia chagásica crônica com história de arritmia ventricular maligna apresentaram maior frequência de resultado não negativo de microalternância de onda T quando comparados a pacientes sem ocorrência prévia de arritmias, sugerindo que a TWA pode ter um papel na estratificação de risco de MSC na doença de Chagas. O trabalho usou o software da Cambridge Heart, que utiliza eletrodos especiais (de alta resolução), com a metodologia SM. Seus resultados são expostos em termos de TWA negativa e não negativa (positiva + indeterminados), sendo essa comparada aos negativos. Esse trabalho reforça que a cardiomiopatia chagásica apresenta um verdadeiro substrato arritmogênico confirmado pela TWA.