Compartilhar

Plágio: palavras escondidas

Plágio: palavras escondidas

Autores:

Luciana Stoimenoff Brito

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.8 Rio de Janeiro ago. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015208.15442014

É no espanto da leitora enganada que Debora Diniz e Ana Terra nos apresentam o tema do livro Plágio: palavras escondidas. A leitora submissa, personagem da tela de René Magritte acompanha as autoras ao longo do livro. A mulher retratada na pintura poderia ilustrar o espanto daquela que lê uma obra e reconhece que há um engano sobre a autoria do texto. O plágio é compreendido como “uma forma de enganação textual”. O plagiador mente sobre sua autoria e por isso, provoca um afeto de não respeito naquele que o lê, defendem as autoras.

Diniz e Terra debatem sobre o tema do plágio na escrita acadêmica. O livro é dividido em sete capítulos que percorrem sobre os conceitos, vestígios, rasuras e sombras provocados pelas palavras escondidas. As autoras dão voz a um tema tabu, que por arrogância acadêmica ou ingenuidade é pouco debatido no cenário pedagógico. Diniz e Terra fazem uma etnografia do plágio, buscam histórias do plagiado e do plagiador: “o plagiador busca se redimir; o plagiado quer ser ouvido”, Apesar do tema pouco debatido publicamente, as autoras encontraram um vasto texto dos personagens envolvidos – autores, pseudoautores, comitês de ética e editores compõem as principais vozes.

No primeiro capítulo, intitulado Plágio, Diniz e Terra introduzem o tema das palavras escondidas. Nos apresentam a rota percorrida no capítulo: papéis, arqueologias, dicionário, verbete. As autoras defendem que “é preciso que o plágio saia do esconderijo da vergonha e assuma a cena”. Para isso, as autoras fazem um percurso arqueológico do tema: oferecem conceitos e exemplos sobre o plagiador e o ato de plagiar. Também nos apresentam os objetivos do texto e suas escolhas metodológicas. É principalmente para o autor e o leitor de textos acadêmicos que o livro se dedica, mas o texto interessará a todos aqueles “que cruzam o caminho de nossos leitores e autores”, sejam eles professores, revisores ou editores.

Intertexto é o título do segundo capítulo. Caça-palavras, moldes, pastiches e literaturas ilustram sua rota. Os softwares caçadores de plágio são apresentados aos leitores pouco conhecedores das novidades do mundo tecnológico, mas o que poderia ser um alento àqueles que acreditam nas máquinas-leitoras é revelado como pouco útil para reconhecer as pseudoautorias que não fazem uso da cópia literal, ou para o debate pedagógico sobre o tema da integridade acadêmica. Diniz e Terra defendem que “toda análise de uma suspeita de plágio necessita de bons leitores”. Diferente da arte ou da literatura que se utilizam da cópia ou do pastiche como “sutilezas narrativas que provocam prazer ao ser identificadas”, a escrita acadêmica institui pactos discursivos muito menos elásticos. Autores acadêmicos e pesquisadores atestam teses argumentativas e autorais em seus textos, desse modo as técnicas utilizadas na arte podem ser vistas no contexto científico como, por exemplo, plágio ou violação da propriedade intelectual, dizem Diniz e Terra.

No terceiro capítulo, Diniz e Terra discutem o tema da Autoria, as rotas traçadas são: assinaturas, prescrições, escribas, repetições. As autoras argumentam que “pensar a função do autor importa para entender o plágio”. Exemplos são trazidos para ilustrar e fomentar o debate sobre o lugar da autoria acadêmica. Uma participação permanente no texto é requisito indispensável para o reclame de sua autoria, apontam os manuais. Diniz e Terra ampliam o debate sobre a assinatura final de um texto. O debate sobre os critérios de definição da autoria tem tomado grande espaço no universo da integridade acadêmica, afirmam.

Escritura é o título escolhido para o capítulo 4. Pretexto, transmigrações, paráfrases e apud são as palavras que ilustram o caminho percorrido. As autoras apresentam alguns dos possíveis rastros na materialidade do plágio, e por isso leitores atentos ou conhecedores da obra original teriam poucas dificuldades em distinguir autores e pseudoautores. Diniz e Terra ilustram algumas das justificativas utilizadas pelos plagiadores, as coisas ditas se repetem: memória fotográfica, desatenção sobre a organização dos fichamentos de estudo e desconhecimento das regras de comunicação são as justificativas mais comuns. As autoras mostram que não apenas de citações literais vive o plágio, a paráfrase e o apud podem se transformar em sinal amarelo para uma possível inexatidão do texto original ou revelar-se numa cópia do argumento utilizado pelo autor ou seu comentador.

O quinto capítulo intitula-se Cognato. Ideias, títulos, borrões e fábricas são as palavras que delineiam a rota argumentativa. Diniz e Terra discutem sobre a hipótese do plágio de ideias. A tese que garante essa modalidade de plágio pode se mostrar uma ameaça para a livre troca de argumentos e ideias que circulam no ambiente acadêmico e pedagógico. Documentos institucionais são trazidos como exemplos de materialização do plágio de ideias. Diniz e Terra argumentam que a normatização desse tipo de plágio pode ser arriscada, “pois tende a policiar o universo acadêmico em uma de suas razões de existência – a ampla troca de ideias, hipóteses e saberes”. Exemplos sobre fabricação de dados e fábricas de textos também compõem o presente capítulo, apesar desses casos não estarem necessariamente circunscritos no tema do plágio, configuram-se como desvios da integridade acadêmica.

Traços, lições, correções e etiquetas demarcam a rota do sexto capítulo intitulado Rasura. Diniz e Terra alertam sobre o uso irrestrito da tecnologia de perseguição dos traços deixados pelo plágio, especialmente no ambiente educacional. O uso de softwares caça-plágio deve ser encarado com cautela no contexto pedagógico, dizem. O plágio cometido por um estudante de graduação “requer um olhar antes educativo que punitivo”. Já a descoberta de um plágio cometido por um pesquisador poderá causar consequências mais graves: pedido público de desculpas, retratação do artigo publicado, demissão da universidade ou do centro de pesquisa e perda do título são alguns exemplos apontados.

Sombra é o título do capítulo 7. As autoras retomam o caminho percorrido no livro, e lançam luz às sombras de um tema tabu. Numa alusão ao teatro bunraku japonês – que utiliza de bonecos “como uma extensão corporal do manipulador principal” – as autoras abrem o capítulo. Diferente das sombras do teatro de bonecos japonês, a sombra do plágio paralisa a criação. O plágio, compreendido como um “esconderijo de palavras e textos”, é lançado ao debate: Diniz e Terra nos aproximam da multiplicidade de vozes sobre o silêncio do tema. As autoras descortinam os casos, relatos e personagens do teatro acadêmico. Plagiados e plagiadores nos são apresentados, ouvimos suas histórias e versões. A vergonha é trazida como uma das principais consequências enfrentadas pelo pseudoautor. Diferente dos que apostam numa economia da punição e criminalização do plágio, Diniz e Terra confiam no espaço pedagógico de reconstrução da voz de autor. As autoras defendem que “o plágio é, essencialmente, uma questão da ética da escritura e seu lugar deve ser nas fronteiras da integridade acadêmica”.

Inquietação é o fim do livro: um “posfácio duvidoso”, dizem Diniz e Terra. O fim apresenta cinquenta e duas perguntas e respostas, inquietações que provocam o leitor sobre a importância do agendamento do plágio na comunidade acadêmica. As perguntas e respostas são como suspiros que nos motivam a refletir sobre a possibilidade de novos enquadramentos do plágio e diferentes estratégias para enfrentá-lo. “Não há respostas definitivas e, libertas de certeza, aprendemos com nossos leitores, com novos casos e com o tempo”. Não encontraremos nas respostas prescrições, tampouco receitas sobre como identificar um plagiador ou onde se inicia a fronteira entre autoria e pseudoautoria. Engana-se o leitor que imagina encontrar no livro um manual ou normativas sobre o plágio. “Passar do silêncio à fala” (grifos no original) é um dos objetivos traçados pelas autoras. O livro nos aponta um começo e nos lança uma luz às sombras das palavras escondidas. Como leitores e escritores deveremos dar um segundo passo. Podemos nos inspirar na leitora inquieta de Margrite e nos lançarmos ao debate: com olhos atentos e mãos à obra.