Compartilhar

Plaquetopenias: diagnóstico usando citometria de fluxo e anticorpos antiplaquetas

Plaquetopenias: diagnóstico usando citometria de fluxo e anticorpos antiplaquetas

Autores:

João Carlos de Campos Guerra,
Ruth Hissae Kanayama,
Sonia Tsukasa Nozawa,
Márcia Regina Ioshida,
Irina Yoko Takiri,
Robson José Lazaro,
Nelson Hamerschlak,
Luiz Gastão Mange Rosenfeld,
Celso Carlos de Campos Guerra,
Nydia Strachman Bacal

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.9 no.2 São Paulo abr./jun. 2011

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao1846

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da medicina, nos últimos anos, impôs a realização do hemograma como exame de rotina. Com o advento dos modernos contadores de células, a contagem de plaquetas passou a ser informada ao médico.

Atualmente, o hematologista recebe em seu consultório pacientes que são encaminhados por alterações no hemograma (anemia, leucopenia e plaquetopenia), na maioria das vezes como achado laboratorial. A plaquetopenia é responsável por 9,1% dos atendimentos de primeira vez no Centro de Hematologia de São Paulo (CHSP).

A classificação das trombocitopenias está dividida em diminuição na produção de plaquetas, aumento na destruição e outras causas de plaquetopenia(1) (Figura 1).

Figura 1 Causas de Trombocitopenia 

A pseudotrombocitopenia (PTCP) é um fenômeno laboratorial de falsa baixa contagem de plaquetas (falsa plaquetopenia), ocasionada pela aglutinação in vitro das plaquetas na presença de autoanticorpos plaquetários e anticoagulantes, sendo mais comum o EDTA Apesar de ser um achado laboratorial raro (0,1% dos casos), a PTCP vem aumentando com os contadores eletrônicos de células. A falha no reconhecimento dessa alteração pode resultar em diagnósticos errôneos e tratamentos inapropriados(24).

OBJETIVO

Identificar anticorpos antiplaquetas por citometria de fluxo (método direto) em pacientes com plaquetopenia.

MÉTODOS

No período de Janeiro de1997 a Março de 2004, foram encaminhados ao CHSP 15.100 pacientes para investigação hematológica (anemia, leucopenia, plaquetopenia, alteração da coagulação, adenomegalias, leucemia e outros). Desse total, foram identificados os casos encaminhados por plaquetopenia que fizeram parte do estudo.

Os pacientes, conforme o diagnóstico da plaquetopenia, foram separados em dois grupos: Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI) e Outras Trombocitopenias, que incluía contagem normal baixa de plaquetas a esclarecer, infecção pelo vírus da hepatite C (VHC), HIV, hiperesplenismo, artefato EDTA-PTCP, erro laboratorial e outras causas. O grupo de plaquetopenia denominado “faixa de normalidade” foi assim definido por ter contagem de plaquetas entre 120.000 e 150.000/ mm3, não sendo encontrada qualquer outra alteração clínica e laboratorial nesses pacientes, num período de 8 anos de acompanhamento.

Para identificação do anticorpo antiplaquetas, foi realizada a imunofenotipagem por citometria de fluxo (método direto).

As contagens de plaquetas foram realizadas pelo aparelho Coulter T-890, em EDTA K3 e citrato de sódio, com repetição após 24 horas a 4°C, contagem manual em fônio e câmara de Neubauer. Os exames da medula óssea foram feitos pelas técnicas convencionais. Os exames bioquímicos e sorológicos foram realizados no aparelho Cobas Core da Roche. Utilizou-se o citômetro da Coulter Epics XL-MCL, e os anticorpos CD41 PE Immunotech e anti-Human IgG FITC conjugate SIGMA, para a identificação do anticorpo antiplaquetas.

RESULTADOS

Do total de casos, 1.057 (7%) foram encaminhados por plaquetopenia e, destes, 670 eram do sexo feminino (63,4%). As idades variavam entre 1 e 75 anos (Figuras 2 e 3).

Figura 2 Distribuição de pacientes em função da idade e da afecção (CHSP Janeiro/1997 a Março/2004) 

Figura 3 Distribuição de causas por sexo (CHSP, Janeiro/1997 a Março/2004) 

A PTI foi encontrada em 52% dos casos de plaquetopenia, sendo mais frequente no sexo feminino, em crianças e adultos jovens. A prevalência do VHC foi de 7% e HIV de 1% dos casos. A faixa de normalidade foi encontrada em 17%; erro laboratorial em 6%; e artefato laboratorial em 1% dos casos. As figuras 4 e 5 demonstram os percentuais das causas das afecções que levaram os pacientes ao CHSP.

Figura 4 Distribuição das causas das afecções (CHSP, Janeiro/1997 a Março/2004) 

Figura 5 Percentual de causas das afecções (CHSP, Janeiro/1997 a Março/2004) 

A imunofenotipagem por citometria de fluxo foi realizada em 115 casos (9,7%), a fim de se identificar o anticorpo antiplaquetas (método direto), sendo positiva em 40% dos casos, negativa em 55% e duvidosa em 5% (Figuras 6, 7 e 8).

Figura 6 Imunofenotipagem por citometria de fluxo 

Figura 7 Imunofenotipagem por citometria de fluxo 

Figura 8 Distribuição por diagnóstico e resultado (CHSP/HIAE, Janeiro/1997 a Março/2004) 

O anticorpo antiplaquetas foi positivo em 76,9% dos casos de PTI e negativo em 83,3% dos casos de faixa de normalidade (Figuras 6, 7 e 8).

DISCUSSÃO

A plaquetopenia é uma achado laboratorial frequente. Neste trabalho, a PTI foi a causa mais comum de plaquetopenia, com maior frequência no sexo feminino, em crianças entre 1 a 10 anos e adultos jovens entre 15 a 40 anos, conforme dados da literatura(24).

No presente estudo, a faixa de normalidade baixa foi a segunda maior causa de plaquetopenia, o que nos faz questionar os valores de normalidade para contagem de plaquetas utilizados na maioria dos laboratórios, com plaquetometria automatizada. Não temos, em nosso meio, trabalho populacional, com foco em valores de referência.

A análise microscópica do esfregaço a fresco, sem anticoagulante, foi importante na identificação de PTCP, macroplaquetas e alterações morfológicas das linhagens hematopoiéticas(35).

O anticorpo antiplaquetas foi um exame útil, quando positivo, para confirmar PTI e importante, quando negativo, para descartar diagnósticos errôneos de plaquetopenias, como é o caso de se tratar de faixa de normalidade baixa(6,7).

A plaquetopenia de causa imunológica é um diagnóstico de exclusão. Este estudo poderá esclarecer e orientar os exames laboratoriais que devem ser solicitados para a elucidação da etiologia, conclusão diagnóstica e orientação terapêutica.

O exame do anticorpo antiplaquetas realizado no presente estudo foi feito pelo método direto, por citometria de fluxo, que identifica a imunoglobulina G (IgG) ligada à membrana plaquetária. Existe disponível outro teste, representado por um pool de anticorpos - IgA, IgM e IgG (método indireto), que pode ser solicitado numa investigação quando existe suspeita de causa imune. O fato de termos realizado apenas um teste na investigação do anticorpo antiplaquetas pode explicar os 20% de resultados negativos nos casos de PTI, sendo que, para esses pacientes, podemos apenas descartar causa imune pelo anticorpo IgG(69).

A plaquetopenia, sendo um achado laboratorial frequente, implica uma correta investigação de suas possíveis causas, o que é fundamental para evitar falhas no diagnóstico e nos tratamentos inapropriados. Para o sucesso nesse diagnóstico, é muito importante o trabalho em conjunto e a troca de informações, entre o médico assistente e o laboratório clínico.

CONCLUSÃO

O anticorpo antiplaquetas é um exame útil, quando positivo, para confirmar o diagnóstico de púrpura trombocitopênica idiopática e, muito importante, quando negativo, para descartar diagnósticos errôneos.

Na prática diária, o exame de anticorpo antiplaquetas não deve ser solicitado na rotina, sendo indicado para os casos de plaquetopenia, quando o médico assistente quiser aprofundar a investigação de uma causa imunológica.

REFERÊNCIAS

1. Lee RG, Foerster J, Lukens J, Paraskevas F, Greer J P, Rodgers GM, et al . Wintrobe's clinical hematology. 10a ed. New York: Williams & Wilkins; 1999. p.1579-82.
2. Lombarts AJ, Zijlstra JJ, Peters RH, Thomasson CG, Franck P F. Accurate platelet counting in an insidious case of pseudothrombocytopenia. Clin Chem Lab Med. 1999;37(11-12):1063-6.
3. Ahn HL, Jo YI, Choi YS, Lee J Y, Lee HW, Kim SR, et al. EDTA-dependent pseudothrombocytopenia confirmed by supplementation of kanamycin; a case report. Korean J Intern Med. 2002;17(1): 65-8.
4. Schrezenmeier H, Müller H, Gunsilius E, Heimpel H, Seifried E. Anticoagulant-induced pseudothrombocytopenia and pseudoleucocytosis. Thromb Haemost. 1995;73(3):506-13.
5. McMillan R. The pathogenesis of chronic immune (idiopathic) trombocytopenic purpura. Semin Hematol. 2000;37(1 Suppl 1): 5-9.
6. Fabris F, Scandellari R, Randi ML, Carraro G, Luzzatto G, Girolami A. Attempt to improve the diagnosis of immune thrombocytopenia by combined use of two different platelet autoantibodies assays (PAIgGand MACE). Haematologica. 2002;87(10):1046-52.
7. Latorraca A, Lanza F, Moretti S, Ferrari L, Reverberi R, Galluccio L, et al. Flow cytometric analysis of anti-platelet antibodies in idiopathic thrombocytopenic purpura. Haematologica. 1994;79(3):269-72.
8. British Committee for Standards in Haematology General Haematology Task Force. Guidelines for the investigation and management of idiopathic thrombocytopenic purpura in adults, children and in pregnancy. Br J Haematol. 2003;120(4):574-96.
9. Tomer A. Flow cytometry for the diagnosis of autoimmune thrombocytopenia. Curr Hematol Rep. 2006;5(1):64-9.