Compartilhar

Pneumonia intersticial apos exposicao a polimeros fluorocarbonados

Pneumonia intersticial apos exposicao a polimeros fluorocarbonados

Autores:

Eduardo Algranti,
Thais Mauad

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713

J. bras. pneumol. vol.40 no.1 São Paulo jan./fev. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000100015

Ao Editor,

Resinas perfluoroalquílicas são compostos de cadeias alquílicas hidrofóbicas, parcial ou totalmente fluoradas. Constituem-se em termoplásticos com resistência térmica de até 260°C, utilizados para revestimentos em indústria metalúrgica pela resistência mecânica e antiadesiva, em revestimentos de tecidos como impermeabilizantes, em papéis utilizados em indústria alimentícia e em produtos tensoativos, ceras e fórmulas de inseticidas. Como impermeabilizantes, essas resinas são aplicadas através de pulverização por sistemas de compressão manuais ou motorizados, ou sprays. Relatos de sintomas respiratórios ou de epidemias localizadas em países da Europa, Ásia e América do Norte, somando poucas centenas de casos, estão sumarizados em documento da Agência de Saúde Pública da Suíça de 2009.( 1 ) Os casos incluem pacientes com graus variáveis de acometimentos clínicos. Relatamos o primeiro caso de pneumonia intersticial por exposição a resinas fluorocarbonadas no Brasil.

Um jovem de 21 anos com quadro de pneumonia intersticial, não fumante, sem antecedentes respiratórios, foi avaliado no nosso serviço. Um ano antes, o paciente foi empregado em uma fábrica de móveis especializada na fabricação de sofás e poltronas. Por três meses trabalhou como montador de sofás. Posteriormente, foi deslocado para um salão contíguo, fazendo enchimento de almofadas com flocos sintéticos e espumas. No local, outro colega fazia a impermeabilização de tecidos utilizando um pulverizador de compressão manual (Figura 1). A área de trabalho era um recinto retangular de 30 m2, sem sistema de ventilação/exaustão implantado, onde névoas do produto impermeabilizante se dispersavam. Após uma semana, apresentou sintomas "gripais" que regrediram com seu afastamento do local de trabalho. Ao retornar, desenvolveu dispneia progressiva e tosse, seguindo-se limitação para atividades físicas, como jogar futebol e subir escadas. Um mês após, procurou um cardiologista que iniciou investigação clínica. Permaneceu no trabalho e os sintomas pioraram gradativamente. Três meses após, apresentou dor súbita no hemitórax esquerdo com piora da dispneia, sendo diagnosticado pneumotórax e visualizado um infiltrado difuso em vidro fosco (Figura 2A). Após 12 dias, não houve expansão pulmonar satisfatória com drenagem, sendo o paciente submetido a toracotomia e biópsia pulmonar, que revelou um quadro de pneumonia intersticial descamativa (Figuras 2B e 2C). Um mês após, estava assintomático. A tomografia de controle mostrou bolhas apicais e subpleurais e uma banda no hemitórax esquerdo, associada à área de manipulação cirúrgica prévia. A dosagem de alfa-1 antitripsina foi normal (183 mg/dL). Foi iniciado o tratamento com prednisona por 45 dias. A espirometria mostrou uma evolução da CVF de 43%, antecedendo o episódio de pneumotórax, indo a 72% doze meses após.

Figura 1  Sistema de pulverização da resina com compressão manual e válvula de descarga. Note a presença de gotículas na lente da câmera em consequência ao spray do produto. 

Figura 2  Em A, imagem de TCAR demonstrando pneumotorax a esquerda e extensas areas de vidro fosco bilaterais. Em B, achados de pneumonite intersticial descamativa atraves de histologia de fragmento de biopsia pulmonar a ceu aberto, exibindo parenquima pulmonar e pequena via aerea com arquitetura integra, com discreto espessamento intersticial. Observam-se areas de preenchimento alveolar por macrofagos alveolares agrupados, sem formacao de granulomas (H&E; barra de escala, 200 µm). Em C, detalhe da figura 2B, na qual se observam os septos alveolares com pneumocitos reativos e acumulos macrofagicos intra-alveolares (H&E; barra de escala, 20 µm). 

O quadro teve início quando o paciente foi exposto de forma indireta a névoas de impermeabilizante (Teximper(r); Teximper Comércio Importação e Exportação Ltda, São Paulo, Brasil), composto por resina acrílica perfluoroalquilada em solvente. O processo inflamatório parenquimatoso só foi identificado após o pneumotórax. Pela história, nota-se a referência a sintomas agudos similares à gripe, de curta duração, poucos dias após a mudança de setor, seguido de sintomas progressivos de dispneia e tosse, que se estenderam por semanas precedendo à internação hospitalar.

A exposição a fumos de polímeros fluorocarbonados foi inicialmente descrita como causa de sintomas gripais relacionados à inalação de produtos de degradação térmica de politetrafluoroetileno (PTFE ou Teflon(r)), denominada de "febre de fumos de polímeros". ( 2 ) Posteriormente, casos de sintomas respiratórios foram descritos em relação à exposição industrial ou domiciliar a polímeros fluorocarbonados.( 1 ) Impermeabilizantes contêm como elementos ativos resinas fluorocarbonadas, silicones ou ceras. São utilizados sob a forma de sprays - seu principal uso é na impermeabilização de calçados. Esses sprays contêm um gás propelente, uma resina e um solvente. Quando aplicados, o solvente evapora e a resina adere ao tecido. Heinzer et al.( 3 ) relataram 6 casos de pacientes internados por insuficiência respiratória após a exposição doméstica entre janeiro e março de 2003 na Suíça. Os produtos utilizados eram de marcas distintas; porém, o fornecedor da resina, pouco antes, havia mudado o solvente para heptano. Durante os meses de utilização da nova formulação, 153 casos de sintomas respiratórios foram registrados na Suíça.

O mecanismo da toxicidade pulmonar é desconhecido. Um estudo experimental levantou a hipótese de efeito direto sobre o surfactante, por deposição do polímero na parede alveolar, aumentando a tensão superficial e levando ao colapso.( 4 ) Um estudo retrospectivo avaliou 102 casos de indivíduos que apresentaram sintomas respiratórios após a exposição doméstica a sprays de resinas acrílicas fluorocarbonadas. ( 5 ) Os autores concluíram que os achados não poderiam ser atribuídos ao solvente presente na formulação pela sua alta volatilidade, e que as repercussões clínicas não apresentaram uma associação com a magnitude da exposição, nem com antecedentes pessoais de tabagismo, atopia e doença pulmonar crônica. Aparentemente, há uma associação da toxicidade das resinas com o diâmetro de suas partículas.( 6 ) Esse diâmetro é função do mecanismo de geração do spray (sistemas de sprays geram uma maior massa de particulados < 10 µm, comparados ao sistema de bombas) e do solvente (solventes com rápida evaporação, como por exemplo, heptano, geram um maior número de particulados de pequenas dimensões).( 1 )

As descrições de imagens tomográficas de outros relatos de casos( 3 , 7 ) são similares aos achados no presente caso. A histologia mostrou extensas áreas de colapso alveolar, sem grande acúmulo de macrófagos intra-alveolares e intensa reatividade de pneumócitos. Wallace & Brown( 7 ) e Ota et al.( 8 ) relataram achados similares em casos submetidos a biópsia transbrônquica.

A maioria dos casos relatados ou registrados em centros de intoxicação evoluiu para cura, de forma espontânea ou com corticoterapia. Há poucos relatos de evolução com manutenção de DLCO anormal e fibrose estabelecida.( 7 , 9 ) Três óbitos foram descritos.( 5 , 8 , 10 )

No Brasil, sprays impermeabilizantes de calçados são comercializados em lojas de calçados, assim como a prática de impermeabilizar estofados é frequente. Artigos contendo Teflon(r) também estão presentes em domicílios. Pouco se comenta sobre a toxicidade desses produtos que pode estar associada a pneumonias químicas por inalação de aerossóis contendo polímeros fluorocarbonados.

REFERÊNCIAS

1. Federal Office of Public Health. Toxicology of waterproofing sprays. Berne: Federal Office of Public Health of Switzerland; 2009.
2. Shusterman DJ. Polymer fume fever and other fluorocarbon pyrolysis-related syndromes. Occup Med. 1993;8(3):519-31. PMid:8272977
3. Heinzer R, Ribordy V, Kuzoe B, Lazor R, Fitting JW. Recurrence of acute respiratory failure following use of waterproofing sprays. Thorax. 2004;59(6):541-2. PMid:15170049 PMCid:PMC1747044
4. Yamashita M, Tanaka J. Pulmonary collapse and pneumonia due to inhalation of a waterproofing aerosol in female CD-1 mice. J Toxicol Clin Toxicol. 1995;33(6):631-7.
5. Vernez D, Bruzzi R, Kupferschmidt H, De-Batz A, Droz P, Lazor R. Acute respiratory syndrome after inhalation of waterproofing sprays: a posteriori exposure-response assessment in 102 cases. J Occup Environ Hyg. 2006;3(5):250-61. PMid:16574608
6. Yamashita M, Tanaka J, Yamashita M, Hirai H, Suzuki M, Kajigaya H. Mist particle diameters are related to the toxicity of waterproofing sprays: comparison between toxic and non-toxic products. Vet Hum Toxicol. 1997;39(2):71-4. PMid:9080629
7. Wallace GM, Brown PH. Horse rug lung: toxic pneumonitis due to fluorocarbon inhalation. Occup Environ Med. 2005;62(6):414-6. PMid:15901890 PMCid:PMC1741039
8. Ota H, Koge K, Tanaka H, Akaishi T, Kikuchi K. Acute respiratory failure due to inhalation of aerosol water proof agent [Article in Japanese]. Nihon Kokyuki Gakkai Zasshi. 2000;38(6):485-9. PMid:10979290
9. Schicht R, Hartjen A, Sill V. Alveolitis after inhalation of leather-impregnation spray (author's transl) [Article in German]. Dtsch Med Wochenschr. 1982;107(18):688-91. PMid:7075484
10. Malik MS, Chappell B. Acute respiratory syndrome associated with extreme Superpruf aerosol. Anaesthesia. 2003;58(10):1037-8.