versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.6 São Paulo jun. 2015 Epub 05-Maio-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150036
Estudos demonstram a associação de alterações da apolipoproteína E (APOE) e do receptor da RLDL com a ocorrência de dislipidemia.
Investigar a associação entre polimorfismos dos genes da APOE(APOE - ε2, ε3, ε4) e do receptor da LDL (RLDL - A370T) com a persistência de alterações dos níveis lipídicos séricos em jovens acompanhados há 17 anos no Estudo do Rio de Janeiro.
Foram estudados 56 indivíduos (35 masculinos) em três avaliações realizadas em idades distintas: A1 – média de idade: 13,30 ± 1,53 anos; A2 – média de idade: 22,09±1,91 anos e A3 – média de idade: 31,23±1,99 anos. Nas três avaliações foram determinados a pressão arterial (PA) e o índice de massa corporal (IMC). Em A2 e A3 foram obtidos a circunferência abdominal (CA) e os lípides séricos, e analisados os polimorfismos genéticos por PCR-RFLP. Com base no tracking de dislipidemia, três grupos foram constituídos: 0 (nenhum lípide alterado em A2 e A3), 1 (até um lípide alterado em A2 ou A3) e 2 (um ou mais lípides alterados em A2 e A3).
Em comparação aos grupos 0 e 1, o grupo 2 apresentou maiores médias de PA, IMC, CA, LDL-c e TG (p < 0,01) e menor média de HDL-c (p = 0,001) que os grupos 0 e 1. Todos os indivíduos com genótipo APOE ε2/ε4 e ε4/ε4 mantiveram durante as avaliações pelo menos um lípide alterado, enquanto que aqueles com genótipo ε2/ε3 não apresentaram alterações (χ2=16,848, p = 0,032). Para os genótipos RLDL não houve diferença significativa entre os grupos.
O polimorfismo do gene APOE se associou à presença de dislipidemia em indivíduos jovens em acompanhamento longitudinal desde a infância.
Palavras-Chave: Polimorfismo Genético; Dislipidemias; Adlto Jovem; Epidemiologia; Apolipoproteinas E
Studies show an association between changes in apolipoprotein E (ApoE) and LDLR receptor with the occurrence of dyslipidemia.
To investigate the association between polymorphisms of the APOE (ε2, ε3, ε4) and LDLR (A370T) genes with the persistence of abnormal serum lipid levels in young individuals followed up for 17 years in the Rio de Janeiro Study.
The study included 56 individuals (35 males) who underwent three assessments at different ages: A1 (mean age 13.30 ± 1.53 years), A2 (22.09 ± 1.91 years) and A3 (31.23 ± 1.99 years). Clinical evaluation with measurement of blood pressure (BP) and body mass index (BMI) was conducted at all three assessments. Measurement of waist circumference (WC) and serum lipids, and analysis of genetic polymorphisms by PCR-RFLP were performed at A2 and A3. Based on dyslipidemia tracking, three groups were established: 0 (no abnormal lipid value at A2 and A3), 1 (up to one abnormal lipid value at A2 or A3) and 2 (one or more abnormal lipid values at A2 and A3).
Compared with groups 0 and 1, group 2 presented higher mean values of BP, BMI, WC, LDL-c and TG (p < 0.01) and lower mean values of HDL-c (p = 0.001). Across the assessments, all individuals with APOE genotypes ε2/ε4 and ε4/ε4 maintained at least one abnormal lipid variable, whereas those with genotype ε2/ε3 did not show abnormal values (χ2 = 16.848, p = 0.032). For the LDLR genotypes, there was no significant difference among the groups.
APOE gene polymorphisms were associated with dyslipidemia in young individuals followed up longitudinally from childhood.
Key words: Polymorphism, Genetic; Dyslipidemias; Young Adult; Epidemiology; Apolipoproteins E
As doenças cardiovasculares (DCVs) são as principais causas de morte de indivíduos adultos em todo o mundo, concorrendo ainda para altas taxas de morbidade e mortalidade precoces1,2. No Brasil, as DCVs concentram anualmente 1/3 do total de mortes3,4.
Dentre os fatores de risco (FR) associados ao desenvolvimento das DCVs destaca-se a dislipidemia5. Dada a sua importância, estudos vêm sendo desenvolvidos visando conhecer as alterações que estão relacionadas com as modificações dos níveis lipídicos plasmáticos e suas implicações na gênese das DCV6,7. No campo da genética, polimorfismos e mutações em vários genes já foram identificados e associados à aterosclerose e à doença arterial coronariana (DAC)8,9. Tal é o caso da apolipoproteína E (APOE), essencial no transporte e metabolismo do colesterol (Col) e na estabilidade estrutural de lipoproteínas10,11, cujo gene apresenta três alelos polimórficos (ε2, ε3 e ε4)12. Em estudos populacionais, os níveis plasmáticos do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) estiveram mais elevados em indivíduos que possuíam o alelo ε412, e por isso, este alelo tem sido associado à ocorrência da DCV13.
Mutações no gene do receptor da LDL (RLDL) também têm sido implicadas com as dislipidemias, notadamente nas formas primárias homozigóticas ou heterozigóticas de hipercolesterolemia, como a hipercolesterolemia familiar (HF), responsável pela presença precoce de aterosclerose grave e DAC14-16. O gene RLDL produz uma proteína com domínios de ligação para as apolipoproteínas B e E. Dentre os diferentes polimorfismos encontrados no gene RLDL, o A370T tem sido investigado pela sua associação com a elevação de lípides e com o risco cardiovascular17,18.
Ocorre que as dislipidemias podem estar presentes já desde idades precoces e as alterações lipídicas costumam persistir ao longo do tempo (efeito tracking) até a idade adulta. Nesse contexto, a identificação de marcadores genéticos implicados com alterações do metabolismo lipídico pode contribuir para o reconhecimento de padrões de susceptibilidade genética desde idades jovens e guiar intervenções para a correção dessas anormalidades.
Assim, o objetivo do presente trabalho foi investigar o padrão de distribuição dos polimorfismos dos genes APOE e RLDL e suas associações com o fenótipo de dislipidemia, notadamente no seu efeito tracking, em uma população jovem, acompanhada por um período de 17 anos.
A amostra do presente estudo é oriunda do Estudo do Rio de Janeiro(ERJ), estudo longitudinal do tipo coorte que faz parte de uma linha de pesquisa sobre pressão arterial (PA) e outros FR cardiovasculares em jovens, desenvolvida em 1983 no setor de Hipertensão Arterial do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)19.
No ERJ foram realizadas três diferentes avaliações denominadas A1, A2 e A3. A avaliação A1 foi realizada de 1987 a 1988 em indivíduos entre 10-16 anos de idade (média 13,30 ± 1,53 anos), a A2 de 1996 a 1999 em indivíduos entre 18-26 anos de idade (média 22,09 ± 1,91 anos) e a A3 de 2004 a 2005 em indivíduos entre 27-35 anos de idade (média 31,23 ± 1,99 anos)19.
Da amostra original do ERJ, foram selecionados 75 indivíduos que compareceram nas três avaliações (A1, A2 e A3) para avaliação do perfil genético. Entretanto, 19 indivíduos não realizaram os exames laboratoriais em A2 e foram excluídos da análise atual, resultando na amostra do presente estudo em 56 indivíduos que realizaram a avaliação laboratorial dos lípides séricos nos momentos A2 e A3, bem como estudo do painel genético.
A dislipidemia foi considerada presente quando um ou mais lípides estavam aumentados (colesterol total [Col-T], LDL-c e triglicérides [TG]) ou diminuído (colesterol da lipoproteína de alta densidade [HDL-c]), isolados ou em associação, de acordo com os pontos de corte presentes na V Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose20. O efeito tracking consiste no comportamento de repetição dessas variáveis alteradas (aumentadas ou diminuídas) nos dois momentos de avaliação (A2 e A3) na fase adulta jovem.
De acordo com o tracking de dislipidemia, três grupos foram constituídos:
Grupo 0: nenhuma variável lipídica alterada em A2 e A3; n = 11 indivíduos (10 mulheres) com média de idade de 30,89 ± 1,64 anos;
Grupo 1: pelo menos uma variável lipídica alterada em uma das avaliações (A2 ou A3); n=12 indivíduos (10 homens), com média de idade de 31,47±2,35 anos;
Grupo 2: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas nas duas avaliações (A2 e A3); n = 33 indivíduos (24 homens), com média de idade de 31,25 ± 1,99 anos.
Tanto a PA quanto o IMC foram avaliados em A1, A2 e A3. Em A2 e A3 foram ainda dosados, após jejum de 12 horas, Col-T, HDL-c e TG, e calculado o LDL-c e em A3 foi realizada coleta do sangue para os testes genéticos e medida da circunferência abdominal (CA).
A medida da PA foi realizada de acordo com as normas das VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão21. A PA foi mensurada no membro superior direito, com o indivíduo deitado e em seguida sentado, utilizando-se esfigmomanômetro de coluna de mercúrio (Romed) fixado à parede, com o ponto zero localizado ao nível da linha axilar média. Foram selecionados manguitos de tamanho e largura apropriados para a circunferência e comprimento dos braços dos indivíduos. Considerou-se para a PA sistólica (PAS) o aparecimento do primeiro ruído dos sons de Korotkoff (fase I de Korotkoff), e para a PA diastólica (PAD), o desaparecimento dos mesmos (fase V de Korotkoff). Foram realizados três registros da PA com intervalos de 5 minutos entre cada medida, sendo o último deles utilizado para a análise. A PA foi considerada aumentada em A1 quando a PAS e/ou PAD estava ≥ do percentil 95 para sexo e idade, e em A2 e A3 quando a PAS estava ≥ 140mmHg e/ou PAD ≥ 90mmHg.
O peso (P) e a altura (A) foram medidos em balança do tipo plataforma da marca Filizola (São Paulo, Brasil), com capacidade de até 150 quilogramas (kg) e precisão de 100 gramas. Os valores de peso foram determinados com os indivíduos sem calçados e com roupas leves e expressos em kg. Para a altura, os valores foram determinados com os indivíduos eretos e sem calçados considerando a distância do ponto vértex à região plantar, e os resultados foram representados em centímetros (cm)22.
O IMC foi calculado a partir das medidas de peso e altura por meio do quociente IMC=P/A2, e os resultados foram representados em kg/m2.
A CA foi medida paralelamente ao solo por meio de fita métrica flexível e inelástica com precisão de 0,1 cm com o avaliado na posição ortostática e com o abdome relaxado. A medida foi realizada horizontalmente na região de menor curvatura localizada entre a borda inferior da última costela e a crista ilíaca, com a fita firme sobre a pele e sem compressão dos tecidos22.
As amostras de sangue venoso foram coletadas através de punção de veia periférica do braço (cubital) pela manhã antes dsa 8h30min, sob condições-padrão e após um período de jejum de 12 horas.
Todas as amostras foram acondicionadas em tubos a vácuo, siliconizados e processadas em um período máximo de 30 minutos. As dosagens foram realizadas em soro obtido após centrifugação a uma velocidade de 3.500 rotações por minuto por cinco minutos.
Para a dosagem do colesterol sérico e da fração HDL-c foi utilizado o método colorimétrico enzimático CHOD/PAP, enquanto os TG foram dosados por meio do método enzimático GPD/BAP, e o LDL-c calculado pela fórmula de Friedewald quando o valor de TG estava < 400 mg/dl.
A extração do DNA foi realizada pelo método de salting-oututilizando alíquotas de sangue total (2 ml)23. As análises das variantes alélicas do gene APOE(ε2, ε3, ε4) foram realizadas com a técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizando os iniciadores APOE F 5'- TAA GCT TGG CAC GGC TGT CCA AGG A-3' e APOE R 5'- ACA GAA TTC GCC CCG GCC TGG TAC AC-3' em 35 ciclos de PCR (95ºC por 60 seg, 63ºC por 60 seg e 72ºC por 120 seg) para amplificar um produto de 244 pares de base (pb)24. Os produtos da amplificação por PCR foram digeridos com a enzima HhaI (Fermentas) e os fragmentos visualizados em gel de poliacrilamida (12 %), após coloração por nitrato de prata. Os perfis 91, 83 e 48 pb; 91, 72 e 48 pb; 91, 83, 72 e 48 pb; e 91 e 48 pb representaram os genótipos ε2ε3, ε3ε4, ε2ε4 e ε3ε3, respectivamente.
Para a genotipagem do polimorfismo A370T, uma região de 150 pb foi amplificada por PCR utilizando os iniciadores P1: 5’-GAG TGT CAG GAT CCC GAC ACC TGC GCC-3’ e P2: 5’-AAG TCG ACC CAC CCG CCG CCT TCC CGT-3' em 35 ciclos (95°C por 60 seg, 68°C por 60 seg e 72°C por 120 seg)25. Para a determinação do polimorfismo, os produtos da PCR foram digeridos com a enzima HaeIII (Biotech) e os fragmentos visualizados em gel de agarose (3,5 %) após coloração com brometo de etídeo. O alelo A gerou fragmentos com 77, 47 e 26 pb, enquanto que o alelo T gerou fragmentos com 124 e 26 pb.
Com a finalidade de comprovar a aleatoriedade no padrão de distribuição genética da amostra do ERJ, as frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos estudados foram comparadas com as observadas em uma amostra não hospitalar composta por 75 indivíduos (41 homens e 34 mulheres) selecionados ao acaso de um banco de dados de DNA contendo mais de 10.000 amostras de indivíduos que realizaram exames para fins de determinação de parentesco, cedidas para esse estudo pelo Laboratório de Diagnósticos por DNA (LDD) da UERJ. Tal amostra foi identificada como LDD. Vale destacar que para fins de comparação da análise de distribuição genética as populações não necessitam ser homogêneas quanto às características fenotípicas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUPE sob o nº 2130-CEP/HUPE e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para o tratamento estatístico dos dados, utilizou-se o programa SPSS for Windows, versão 12.0 (Chicago, Illinois, USA). As frequências gênicas e haplotípicas foram estimadas de acordo com Saitou e Nei 26, utilizando o programa Arlequin, versão 3.027. O teste do qui-quadrado (χ2) e a análise de variância (F) foram utilizados para a comparação do padrão de distribuição dos polimorfismos com as variáveis clínicas, antropométricas e lipídicas, considerando-se significante quando p<0,05. O teste de homogeneidade das variâncias foi utilizado para caracterizar a distribuição normal das variáveis estudadas.
A amostra foi constituída por 56 indivíduos sendo 35 (62,5%) do sexo masculino e 21 (37,5 %) do feminino, com idades entre 27-35 anos e média de 31,23 ± 1,99 anos. Na Tabela 1
Tabela 1 Dados clínicos, antropométricos e laboratoriais da população estudada nos três momentos de avaliação*
Variáveis | Avaliações | |||
---|---|---|---|---|
A1(n = 56) | A2(n = 56) | A3(n = 75) | ||
Idade(anos) | 13,30 ± 1,53 | 22,09 ± 1,91 | 31,23 ± 1,99 | |
PAS (mmHg) | 115,28 ± 14,83 | 124,35 ± 13,79 | 125,43 ± 16,67 | |
PAD (mmHg) | 63,81 ± 12,84 | 79,86 ± 10,79 | 83,20 ± 13,72 | |
IMC (kg/m2) | 20,26 ± 3,05 | 24,04 ± 3,64 | 26,79 ± 5,53 | |
CA (cm) | - | - | 92,96 ± 14,66 | |
Col-T (mg/dL) | - | 175,37 ± 34,34 | 181,44 ± 31,72 | |
TG (mg/dL) | - | 88,37 ± 42,34 | 103,71 ± 56,14 | |
HDL-c (mg/dL) | - | 45,87 ± 13,16 | 49,05 ± 15,87 | |
LDL-c (mg/dL) | - | 111,82 ± 27,58 | 111,23 ± 27,95 |
*Valores expressos em média±desvio-padrão; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; IMC: índice de massa corporal; CA: circunferência abdominal; Col-T: colesterol total; TG: triglicérides; HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade.
Os dados das variáveis clínicas (pressão arterial sistólica - PAS e pressão arterial diastólica - PAD), antropométricas (CA e IMC) e laboratoriais (Col-T, HDL-c, LDL-c e TG) de A3 para os três grupos (grupos 0, 1 e 2) estratificados pelo tracking de dislipidemia estão apresentados na Tabela 2. Foram observadas maiores médias de PAS, IMC, CA, TG e LDL-c e menor média de HDL-c no grupo 2, quando comparado aos grupos 0 e 1.
Tabela 2 Variáveis clínicas, antropométricas e laboratoriais em A3 nos grupos estudados segundo o tracking de dislipidemia*
Variáveis | Grupos de dislipidemia | Teste F | p | ||
---|---|---|---|---|---|
0 (n = 11) | 1 (n = 12) | 2 (n = 33) | |||
Idade (anos) | 30,89 ± 1,64 | 31,47 ± 2,35 | 31,25 ± 1,99 | 0,239 | 0,788 |
PAS (mmHg) | 114,36 ± 14,58 | 120,17 ± 13,05 | 129,76 ± 15,79 | 5,01 | 0,01 |
PAD (mmHg) | 76,36 ± 8,66 | 78,17 ± 13,89 | 85,27 ± 13,44 | 2,69 | 0,07 |
IMC (kg/m2) | 23,81 ± 3,72 | 24,34 ± 4,02 | 28,67 ± 5,81 | 5,43 | 0,007 |
CA (cm) | 80,50 ± 6,74 | 86,91 ± 8,72 | 98,63 ± 14,26 | 10,86 | < 0,001 |
Col-T (mg/dL) | 164,45 ± 18,35 | 179,58 ± 29,12 | 187,78 ± 34,50 | 2,37 | 0,10 |
HDL-c (mg/dL) | 62,09 ± 9,63 | 53,0 ± 11,55 | 43,51 ± 15,99 | 7,50 | 0,001 |
LDL-C (mg/dL) | 89,47 ± 13,59 | 106,56 ± 28,60 | 119,90 ± 27,55 | 6,01 | 0,004 |
TG (mg/dL) | 64,18 ± 31,44 | 81,33 ± 41,37 | 125,03 ± 57,68 | 7,48 | 0,001 |
Sexo | 10 F / 1 M | 2 F/ 10 M | 9 F/ 24 M | - | - |
*Valores expressos em média ± desvio-padrão; grupo 0: nenhuma variável lipídica alterada em A2 e A3; grupo 1: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 ou em A3; grupo 2: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 e A3; PAS : pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; IMC: índice de massa corporal; CA: circunferência abdominal; Col-T: colesterol total; HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; TG: triglicérides; F: feminino; M: masculino; Teste F: análise de variância.
A análise genética dos 56 indivíduos identificou os seguintes genótipos APOE: ε3ε3 (62,5 %), ε3ε4 (25,0 %), ε2ε3 (5,4 %), ε2ε4 (5,4 %) e ε4ε4 (1,8 %) (Tabela 3).
Tabela 3 Genótipos do gene APOE de acordo com os grupos de dislipidemia*
Genótipos APOE | Grupos de dislipidemia | Total | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
0 | 1 | 2 | n = 56 (100,0%) | |||||||||
n = 11 (19,6%) | n = 12 (21,4%) | n = 33 (59,0%) | ||||||||||
ε2ε3 n(%) | 3 (27,3%) | - | - | 3 (5,4%) | ||||||||
ε3ε3 n(%) | 5 (45,5%) | 10 (83,3%) | 20 (60,6%) | 35 (62,5%) | ||||||||
ε3ε4 n(%) | 3 (27,3%) | 2 (16,7%) | 9 (27,3%) | 14 (25%) | ||||||||
ε2ε4 n(%) | - | - | 3 (9,1%) | 3 (5,4%) | ||||||||
ε4ε4 n(%) | - | - | 1 (3,0%) | 1 (1,8%) |
*Valores expressos em n (%) χ2 = 16,848; p = 0,032; APOE: gene da apolipoproteína E; grupo 0: nenhuma variável lipídica alterada em A2 e A3; grupo 1: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 ou em A3; grupo 2: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 e A3.
Quanto à distribuição dos genótipos APOE nos grupos pelo tracking de dislipidemia, observou-se que no grupo 0, 45,5% dos indivíduos apresentavam o genótipo ε3ε3, seguido do ε2ε3 e ε3ε4, ambos em 27,3% dos indivíduos. No grupo 1, o genótipo ε3ε3 esteve presente em 83,3% dos indivíduos e o genótipo ε3ε4 em 16,7%. Não foram observados os genótipos ε2ε3, ε2ε4 e ε4ε4 no grupo 1. No grupo 2, que apresentou a maior diversidade de genótipos da amostra, 60,6% apresentavam genótipo ε3ε3, 27,3% o genótipo ε3ε4, 9,1% o genótipo ε2ε4 e 3%o genótipo ε4ε4. Não foi observado o genótipo ε2ε3 neste grupo. Essa distribuição apresentou significado estatístico (χ2= 16,848, p = 0,0032) e mostrou que 39,4% dos indivíduos do grupo 2 apresentavam genótipos que continham o alelo ε4. Convém destacar que todos os indivíduos com genótipo ε2ε4 e ε4ε4 mantiveram pelo menos um lípide alterado em A2 e A3 (grupo 2 – uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 e A3), enquanto que nenhum indivíduo com genótipo ε2ε3 apresentou lípides alterados nas avaliações (grupo 0 – nenhuma variável lipídica alterada em A2 e A3) (Tabela 3).
A amostra foi também analisada quanto ao polimorfismo do gene RLDL, tendo sido identificados os seguintes genótipos: AA em 85,7%, AT em 12,5% e TT em 1,8% dos indivíduos (Tabela 4).
Tabela 4 Genótipos do gene RLDL de acordo com os grupos de dislipidemia*
Genótipos RLDL | Grupos de dislipidemia | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
0 | 1 | 2 | n = 56 (100,0%) | ||||
n = 11 (19,6%) | n = 12 (21,4%) | n = 33 (59,0%) | |||||
AA n (%) | 9 (81,8%) | 10 (83,3%) | 29 (87,9%) | 48 (85,7%) | |||
AT n (%) | 2 (18,2%) | 2 (16,7%) | 3 (9,1%) | 7 (12,5%) | |||
TT n (%) | - | - | 1 (3,0%) | 1 (1,8%) |
*Valores expressos em n (%); χ2 = 1,500; p = 0,827; RLDL: gene do receptor da lipoproteína de baixa densidade; grupo 0: nenhuma variável lipídica alterada em A2 e A3; grupo 1: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 ou em A3; grupo 2: uma ou mais variáveis lipídicas alteradas em A2 e A3.
A análise da distribuição dos genótipos RLDL de acordo com o tracking de dislipidemia não mostrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos (Tabela 4).
Para efeito de comparação, as frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos dos genes APOE e RLDL dos 56 indivíduos do ERJ e dos 75 indivíduos LDD são mostradas na Tabela 5. O teste exato de Fisher indicou não haver diferenças significativas entre as distribuições alélicas das populações do ERJ e LDD.
Tabela 5 Frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos dos genes APOE e RLDL nas amostras do ERJ e do LDD
APOE | RLDL | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Genótipos | Frequência (%) | Genótipos | Frequência (%) | ||||
ERJ(n = 56) | LDD(n = 75) | ERJ(n = 56) | LDD(n = 75) | ||||
ε2ε3 | 5,3 | 4,2 | AA | 88,0 | 86,5 | ||
ε3ε3 | 66,7 | 75,0 | AT | 10,6 | 13,5 | ||
ε3ε4 | 22,7 | 18,0 | TT | 1,3 | - | ||
ε2ε4 | 4,0 | 2,8 | |||||
ε4ε4 | 1,3 | - | |||||
Alelos | Frequência (%) | Alelos | Frequência (%) | ||||
ε2 | 6,6 | 3,5 | A | 93,5 | 93,3 | ||
ε3 | 79,4 | 86,0 | T | 6,5 | 6,7 | ||
ε4 | 14,0 | 10,5 | |||||
Ho | 34,6 | 25,0 | Ho | 10,5 | 13,5 | ||
He | 34,8 | 24,8 | He | 12,3 | 12,6 | ||
HWE | p = 0,5098 | p = 0,2128 | HWE | p = 0,2715 | p = 1,000 | ||
DP = 0,0005 | DP = 0,0004 | DP = 0,0004 | DP = 0,00 | ||||
Teste Exato de Fisher | p = 0,51528 | - | Teste Exato de Fisher | p = 0,990 | - | ||
DP = 0,001 | DP = 0,003 |
ERJ: indivíduos oriundos do Estudo do Rio de Janeiro; LDD: indivíduos pertencentes ao banco de dados do Laboratório de Diagnósticos por DNA; APOE: gene da apolipoproteína E; RLDL: gene do receptor da lipoproteína de baixa densidade; He: heterozigosidade esperada, Ho: heterozigosidade observada; HWE: equilíbrio de Hardy-Weinberg; DP: desvio-padrão.
Estudos têm mostrado associação entre os genótipos APOE e RLDL com níveis elevados de macromoléculas lipídicas como o Col-T, TG e LDL-c e diminuídos de HDL-c, bem como com as DCV, especialmente a DAC11,28.
No presente estudo, foi investigado o padrão de distribuição dos polimorfismos dos genes APOE e RLDL em uma população de adolescentes acompanhada ao longo de 17 anos, considerando a ocorrência de dislipidemia com base na alteração (aumento ou diminuição) de uma ou mais variáveis lipídicas e na sua repetição (tracking) em dois momentos distintos (A2 e A3) na fase adulta jovem.
Nesta análise de polimorfismos APOE baseado no tracking de dislipidemia, nosso estudo mostrou que os indivíduos que possuíam o genótipo ε2ε3 estavam concentrados no grupo 0, isto é, o grupo no qual as variáveis lipídicas analisadas (Col-T, TG, HDL-c e LDL-c) se apresentaram normais nas duas avaliações realizadas (A2 e A3). Esses achados estão em concordância com os dados de Ferreira e cols.29 que demonstraram em um estudo envolvendo 216 indivíduos (109 dislipidêmicos e 107 normolipidêmicos), semelhança na distribuição das frequências alélicas dos polimorfismos APOE nos dois grupos. Entretanto, nos normolipidêmicos nesse estudo, a presença do alelo ε2 esteve fortemente associada a baixos níveis séricos de Col-T e LDL-c, o que pode sugerir um possível papel protetor associado a esse alelo29,30.
De forma semelhante, Bazzaz e cols.31, em estudo do tipo coorte realizado com 320 indivíduos da população iraniana, investigaram a associação entre os polimorfismos do gene APOE, o perfil lipídico e o IMC. Os autores observaram que o alelo ε2era mais frequente nos indivíduos que apresentaram Col-T < 200 mg/dL (p = 0,01), e mostraram ainda uma maior associação dos indivíduos com níveis séricos de Col-T normais com o genótipo ε2ε3 quando comparados aos indivíduos com níveis anormais de Col-T (p = 0,003)31.
Já em relação ao alelo ε4, estudos na população geral e em pacientes hipertensos têm demonstrado associação deste alelo com elevação das taxas de Col-T e de LDL-c, sendo por esta razão, associado com maior risco de DAC, mesmo em indivíduos saudáveis28,32. Fuzikawa e cols.30, em estudo envolvendo 1,406 adultos de ambos os sexos, observaram uma alta prevalência de hipertensão (61,3%) e uma maior média de níveis de LDL-c nos portadores do alelo ε4 (p = 0,036) quando comparados aos portadores do alelo ε2 (p < 0,001)30. De forma semelhante, Salazar e cols.33 mostraram associação do alelo ε4 com dislipidemias em um estudo que investigou o polimorfismo do gene APOE em 150 mulheres com e sem DAC. Nessa amostra foi observado que as mulheres com DAC apresentaram taxas significativamente mais elevadas de Col-T, TG e LDL-c e uma frequência maior do alelo ε4 e do genótipo ε3ε4 em relação às do grupo-controle33.
No presente estudo, 18 indivíduos (32,1%) apresentavam o alelo ε4 em diferentes combinações de genótipos e destes, 13 (72,2%) estavam concentrados no grupo 2 onde se observou agregação de maiores valores de PAS, IMC e CA e, como consequência, um pior perfil de risco cardiovascular. Vale destacar ainda que no grupo 2 se encontrava o único indivíduo da amostra com o genótipo ε4ε4.
Assim, as evidências parecem apontar para um possível papel danoso relacionado ao alelo ε4 e protetor do alelo ε2. Entretanto, a combinação desses alelos em diferentes genótipos pode tornar esses papéis menos claros. Como exemplo no presente estudo, todos os indivíduos que possuíam o genótipo ε2ε4 estavam no grupo 2, grupo que apresentou pior perfil de risco e no qual uma ou mais variáveis lipídicas se apresentaram alteradas nas duas avaliações. Este resultado parece sugerir que quando o alelo ε4 está presente, a condição protetora do alelo ε2 diminui ou é perdida.
No presente estudo, foi ainda observado predomínio do sexo masculino no grupo 2 (n = 24; 72,72%) (Tabela 2). Este grupo apresentou o pior perfil de risco cardiovascular, em concordância com a premissa de que o sexo masculino está associado a maior risco cardiovascular21.
Não foram encontradas associações entre os polimorfismos do gene RLDL e o tracking de dislipidemia nos indivíduos jovens da presente amostra. Frikke-Schmidt e cols.25 também não encontraram associação significativa entre os níveis plasmáticos de Col-T, LDL-c e os indivíduos com genótipo AA em relação ao TT, entretanto, relataram aumento do risco para desenvolvimento de isquemia vascular cerebral (3,6 vezes maior) em indivíduos homozigóticos TT em relação aos AA25.
Na população do ERJ foram encontrados cinco genótipos para o polimorfismo APOE. Em relação aos polimorfismos RLDL, os três polimorfismos foram encontrados na população do ERJ. O genótipo APOEmais observado foi o ε3ε3, enquanto que para o genótipo RLDL foi o AA.
Vale destacar ainda que as frequências alélicas e genotípicas encontradas na amostra ERJ para os polimorfismos do gene APOE foram semelhantes às encontradas em amostras de outros estados brasileiros, como à do Rio Grande do Sul (Porto Alegre)12 e outras amostras mundiais 34. As frequências alélicas e genotípicas da amostra do ERJ para os polimorfismos do gene RLDL foram semelhantes às encontradas em outras populações, como as do estudo de Frikke-Schmidt e cols.25. Nessa mesma direção, a comparação dos achados de distribuição genética na amostra do ERJ com um grupo amostral representativo e tomado ao acaso da população do estado do Rio de Janeiro (LDD) e, a constatação de homogeneidade entre suas distribuições, sugere que a amostra do ERJ apresenta perfil de aleatoriedade adequado para o desenvolvimento do estudo proposto.
A despeito das limitações do estudo, a associação de um perfil genético específico com a presença de dislipidemia em jovens ao longo do tempo em uma população de tamanho reduzido traz uma perspectiva nova e pouco conhecida na literatura médica hoje disponível. Estudos com mais de 20 anos de acompanhamento como é o Estudo do Rio de Janeiro apresentam perdas relacionadas ao seguimento longitudinal dos indivíduos estudados, mas têm contribuído de forma inequívoca para o melhor conhecimento do comportamento dos fatores de risco cardiovascular na população brasileira.
O estudo dos polimorfismos do gene APOE na amostra do ERJ mostrou que a presença do alelo ε4 foi mais prevalente no grupo 2, composto por indivíduos jovens que apresentaram repetição de variáveis lipídicas alteradas em acompanhamento longitudinal (efeito tracking). Nesse grupo foi ainda observada agregação de piores variáveis antropométricas (maiores IMC e CA) e de maior PA, conferindo a esses indivíduos pior perfil de risco cardiovascular.
Este estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).