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Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: um estudo avaliativo a partir da cobertura de serviços e procedimentos diagnósticos

Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: um estudo avaliativo a partir da cobertura de serviços e procedimentos diagnósticos

Autores:

Luciana Santos Gerosino da Silva,
Cláudia Giglio de Oliveira Gonçalves,
Vânia Muniz Néquer Soares

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.26 no.3 São Paulo maio/jun. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140440

INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva é um dos problemas sensoriais mais frequentes na população. Estima-se que existam no mundo 278 milhões de pessoas com perda auditiva moderada ou profunda bilateral( 1 ). Nos Estados Unidos, aproximadamente 17% dos adultos norte-americanos (36 milhões de pessoas) relatam algum grau de deficiência auditiva( 2 ).

Já no Brasil, o levantamento do censo demográfico de 2010 identificou 9,8 milhões de portadores de deficiência auditiva, representando 5,1% da população. Dentre esses, 1,3% estaria na faixa etária de zero a 14 anos, 4,2% na de 15 a 65 anos, e 25,6% na faixa de 65 anos ou mais( 3 ).

Em 2004, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva - PNASA (Portaria MS nº 2.073, de 2004) para o aprimoramento das ações de saúde auditiva do Sistema Único de Saúde (SUS) e propôs a organização de uma rede hierarquizada, regionalizada e integrada entre a atenção básica, a média e a de alta Complexidade, buscando, desta maneira, garantir não só o diagnóstico e reabilitação auditiva, mas a promoção e a proteção, bem como a terapia fonoaudiológica de adultos e crianças( 4 ).

A partir desta política foram definidas as ações específicas tanto da atenção básica, quanto na média e alta complexidade, a serem organizadas e implantadas pelas Secretarias Estaduais da Saúde (Portaria SAS/MS nº 587, de 2004). Também se estabeleceram os critérios técnicos mínimos para o funcionamento dos serviços e a reorganização e classificação dos procedimentos no SUS (Portaria SAS/MS nº 589, de 2004)( 4 ).

Para aumentar a cobertura de serviços, foi definido o número mínimo de estabelecimentos de saúde para a atenção especializada à saúde auditiva, baseado na necessidade de cobertura assistencial, no nível de complexidade dos serviços e na capacidade técnica operacional deles. O parâmetro recomendado de estabelecimentos de Atenção à Saúde Auditiva em média e alta complexidade (Portaria SAS/MS nº 587, de 2004) é de um serviço para 1,5 milhão de habitantes. E para garantir a assistência às pessoas portadoras de deficiência auditiva nos estados cuja população é inferior a 1,5 milhão de habitantes, foi estipulado um serviço. Nos estados com entre 2 milhões e 3 milhões, o parâmetro seria de dois serviços.

Com base na população estimada para o Brasil em 2004, de 169.872.856 habitantes, foram previstas 116 unidades prestadoras de serviço de saúde auditiva de média e alta complexidade em todo o país, assim distribuídas: região Sul com 16, Sudeste com 47, Centro-Oeste com nove, Nordeste com 33 e Norte com 11( 4 , 5 ).

A implantação da PNASA foi um importante passo na busca da equidade no atendimento à deficiência auditiva no país. Entre 2002 e 2005 houve no Brasil crescimento de 200% na oferta de serviços de diagnóstico, dispensação e acompanhamento dos indivíduos que fazem uso de próteses auditivas pelo SUS( 5 ). Também foi registrado incremento no número de serviços da rede de saúde auditiva especializada, com aumento dos procedimentos relacionados à adaptação de prótese auditiva, no período de 2004 a 2011( 6 ).

Sabendo-se que os procedimentos diagnósticos em saúde auditiva são essenciais para o tratamento dos portadores de deficiência auditiva, minimizando as consequências sociais e de saúde da surdez, a avaliação dos serviços dessa especialidade acrescentaria melhorias a esta política a partir da otimização do financiamento público para o atendimento mais qualificado e para maior número de indivíduos com perda auditiva( 7 ).

A análise das ações em saúde podem fornecer informações relevantes no processo de tomada de decisão, planejamento e gestão das práticas de saúde e enfocar a análise de programas/políticas, serviços ou tecnologias. Estudos que objetivam verificar serviços e ações de saúde podem contribuir para reordená-los e redimensioná-los de forma a contemplar as necessidades do público, dando maior racionalidade ao uso dos recursos financeiros( 8 - 11 ).

A avaliação para gestão tem como objetivo principal a produção de informação que contribua para o aprimoramento do objeto avaliado. Não se trata da busca de fundamentos ou justificativas nem redirecionamentos, mas do melhoramento de uma condição dada. O enfoque priorizado é o da caracterização de uma condição e a sua tradução em medidas que possam ser quantificadas e replicadas( 12 , 13 ).

Estudos internacionais apontam a utilização de processos avaliativos para a (re)estruturação de políticas de saúde, o que proporciona melhor aproveitamento dos custos e distribuição dos serviços, considerando a dimensão territorial numa ótica de "justiça social e espacial", contribuindo para a integralidade e equidade dos serviços( 14 , 15 ).

Vale ressaltar que ainda são restritos os estudos voltados para a avaliação de cobertura e acessibilidade na área da saúde auditiva a partir de dados secundários (sistemas de informação), tornando-os relevantes uma vez que podem subsidiar reflexões sobre essa temática em níveis nacional e internacional( 16 , 17 ).

Tendo em vista essas considerações, o objetivo do presente estudo foi avaliar a cobertura dos serviços especializados e procedimentos diagnósticos em saúde auditiva a partir da PNASA, no Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo avaliativo sobre o grau de implantação dos serviços de assistência à saúde auditiva no Brasil a partir da implantação da PNASA, com enfoque na cobertura de serviços especializados que oferecem procedimentos de média e alta complexidade ofertados por região e no Brasil.

A avaliação da cobertura refere-se à disponibilidade e distribuição social e espacial dos recursos, sendo um dos principais componentes da avaliação dos serviços de saúde, e pode ser definida por meio da proporção da população-alvo beneficiada por uma determinada intervenção( 18 ). Essa intervenção pode ser diferenciada em cobertura potencial, o que corresponde à capacidade e possibilidade da oferta, e à cobertura real, que busca estimar a proporção da população que de fato utilizou os serviços( 18 ). A utilidade da análise de cobertura tem sido pouco explorada na fonoaudiologia( 19 ).

Para medir o grau de implantação desses estabelecimentos, estimou-se o número de serviços de média e alta complexidade segundo critérios estabelecidos na Portaria SAS/MS nº 587, de 2004, comparando com os ofertados/cadastrados no SUS em 2010. Para tanto, estimou-se primeiramente o número de serviços/estabelecimentos de saúde auditiva necessários para o Brasil e regiões, segundo a população, utilizando-se dados do Censo 2010, e levantou-se a quantidade de estabelecimentos credenciados pelo SUS no mesmo ano para aferir a cobertura dos serviços em questão no Brasil.

Na análise da evolução do quantitativo dos procedimentos diagnósticos de saúde auditiva ofertada por região, considerou-se o ano de 2004, quando foi implantada a PNASA, como base, levando em conta os dados de 2011 (último dado disponível no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - DATASUS). Também foi analisado o quantitativo de procedimentos diagnósticos de saúde auditiva no período de 2008 a 2011, quando definiram-se os novos códigos de classificação dos procedimentos no SUS( 6 ).

Levantou-se ainda o quantitativo de 12 procedimentos de média complexidade e de dois de alta complexidade financiados pelo SUS no mesmo período (2008 a 2011) para o Brasil.

Foi realizada análise da evolução das coberturas por meio de avaliação da tendência histórica do número de procedimentos, além do cálculo da diferença percentual entre o primeiro e último ano da série. Também foram utilizadas na análise as diferenças percentuais entre as coberturas reais e estimadas.

Os Serviços de Média Complexidade, conforme a PNASA, têm como finalidade prestar assistência especializada às pessoas com doenças otológicas e, em especial, às com deficiência auditiva. Eles realizam triagem e monitoramento auditivo, mas excluem o diagnóstico e a protetização em crianças de até três anos de idade; pessoas com afecções neurológicas, psicológicas, síndromes genéticas e visão subnormal associadas; e portadores de perdas auditivas unilaterais.

No Quadro 1 podem ser observados os exames de média complexidade incluídos neste estudo e seus respectivos códigos.

Quadro 1 Códigos e procedimentos de diagnóstico em audiologia em média complexidade 

Já os Serviços de Alta Complexidade, conforme a PNASA, são referência para o diagnóstico das perdas auditivas e sua reabilitação em crianças de até três anos de idade e em pacientes com afecções associadas (neurológicas, psicológicas, síndromes genéticas, cegueira, visão subnormal), perdas unilaterais e nos que apresentam dificuldades na realização da avaliação audiológica em serviço de menor complexidade. Neste sentido, devem contar com equipamentos para realizar o diagnóstico diferencial das perdas auditivas.

Os exames de alta complexidade incluídos no estudo e seus respectivos códigos do SUS podem ser verificados no Quadro 2.

Quadro 2 Códigos e procedimentos de diagnóstico em audiologia em alta complexidade 

O levantamento dos dados foi realizado a partir da plataforma DATASUS( 20 ), no ícone "Informações à saúde", restringindo a procura a "procedimento ambulatorial por local de atendimento" e tendo como abrangência geográfica o Brasil discriminado por região.

Portanto, a busca ocorreu a partir de um grupo de procedimentos em que a seleção foi direcionada a "procedimentos com finalidade diagnóstica". A forma de organização selecionada foi "diagnóstico em otorrinolaringologia/fonoaudiologia" em média e alta complexidade.

Analisaram-se os dados dos Cadernos de Informações de Saúde do Sistema de Informações em Saúde - DATASUS, constituído de um banco de informações de domínio público e disponível na web.

Os dados foram tabulados a partir do software Tabwin, disponibilizado pelo Departamento de Informática do Ministério da Saúde. Posteriormente, foram realizados os cálculos das estimativas de cobertura e evolução do número de procedimentos, segundo as cinco macrorregiões geográficas brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

Algumas limitações destes bancos devem ser destacadas. Eles são alimentados por profissionais de saúde e, portanto, passíveis a erros, podendo haver duplicação de informações, ausência ou substituição delas, o que pode vir a comprometer a qualidade dos dados. Tais fatos não invalidam a pesquisa, pois estas especificidades estão presentes em estudos desse gênero.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná em 5 de dezembro de 2011, com registro CEP 410ext043/2011-10.

RESULTADOS

Conforme referido na PNASA( 4 ), a distribuição dos serviços de saúde auditiva deve compreender um serviço para cada 1,5 milhão de habitantes. Avaliando os dados do censo 2010, à época o Brasil contava com população de 190.732.694 habitantes( 3 ), portanto o número de serviços estimados para atender a esta população seria de 127 serviços. Dados disponibilizados pelo DATASUS mostram que havia 143 serviços cadastrados pelo Ministério da Saúde àquele ano contemplando todo o território, ou seja, uma cobertura de 112,6%.

Porém, quando se analisa a distribuição dos serviços credenciados por região, observa-se que a Sul apresenta número e cobertura de serviços bastante superior ao estimado necessário (189,0%), enquanto a Norte tem metade da cobertura de serviços necessários (54,5%) para atender à população local (Tabela 1).

Tabela 1 Estimativa de cobertura de serviços de saúde auditiva pelo Sistema Único de Saúde por região. Brasil, 2010 

Região População
em 2010
Serviços necessários
estimado* (nº)
Serviços
credenciados (nº)
Cobertura
estimada de serviços
 (%)
Sul 27.384.815 18 34 189,0
Sudeste 80.353.724 54 59 109,3
Centro-Oeste 14.050.340 9 9 100,0
Nordeste 53.078.137 35 35 100,0
Norte 15.865.678 11 6 54,5
Total 190.732.694 127 143 112,6

*Um serviço para cada 1,5 milhão de habitantes

A Tabela 2 mostra a evolução de todos os procedimentos em saúde auditiva de média complexidade para o território nacional e por região entre 2008 a 2011. Observa-se que em relação ao Brasil, no geral houve aumento de 21,4% desses procedimentos, enquanto os de alta complexidade registraram incremento de apenas 1,5%.

Tabela 2 Evolução do número de procedimentos em saúde auditiva de média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde, segundo regiões. Brasil, 2008 a 2011 

Procedimentos Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte Brasil
Média complexidade
2008 348.888 1.658.499 421.753 937.753 221.323 3.588.216
2009 359.592 1.667.662 457.313 853.374 264.306 3.602.247
2010 508.359 1.864.787 428.831 917.443 297.163 4.016.583
2011 576.018 2.018.884 376.060 1.034.224 349.671 4.354.857
crescimento 2008 a 2011 (%) 65,1 21,7 -10,8 10,3 58,0 21,4
Alta complexidade
2008 16.524 57.295 6.545 28.876 2.773 112.013
2009 14.983 52.263 7.916 22.235 3.195 100.592
2010 18.851 57.043 7.046 23.812 3.059 109.811
2011 17.093 55.818 8.193 28.306 4.257 113.667
Crescimento 2008 a 2011 (%) 3,4 -2,6 25,2 -2,0 53,5 1,5
Total 1.860.308 7.432.251 1.713.657 3.846.023 1.145.747 15.997.986

Avaliando-se separadamente por região brasileira, verifica-se que a região Sudeste concentrou a maioria dos procedimentos de média complexidade, em todos os anos estudados, seguida pela região Nordeste. No entanto, a Sul teve o maior aumento proporcional (65% no período). Na Norte, o quantitativo de procedimentos nos quatro anos foi o menor do país, porém a região apresentou o segundo maior índice de crescimento (58% no período).

Em relação aos procedimentos de alta complexidade por região, a Sudeste, seguida pela Nordeste, apresentou o maior quantitativo de procedimentos no período 2008 a 2011 em relação às demais regiões, entretanto elas apresentaram índice de crescimento negativo se considerado o ano inicial e também o ano final desse levantamento, ou seja, houve redução de 2% no número de exames. A região Norte, apesar de registrar número muito inferior de procedimentos de alta complexidade em relação às demais, apresentou crescimento de 53,5% no período, como pode ser visualizado na Tabela 2.

Buscando avaliar a evolução da implantação da PNASA, estimou-se a cobertura dos procedimentos de diagnósticos (Quadros 1 e 2) em saúde auditiva e cobertura, a partir do número de exames realizados em 2004, comparando com os dados mais atuais de 2011.

Observa-se na Tabela 3 crescimento no número e na cobertura de procedimentos (dado pela média de exames por mil habitantes) em todas as regiões entre os dois anos analisados. A região Norte apresentou índice de aumento superior às demais (78,68%). No entanto, a Sudeste realizou proporcionalmente maior número de procedimentos do que as demais (46,5% em 2011).

Tabela 3 Evolução da cobertura de procedimentos diagnósticos de média e alta complexidade em saúde auditiva por região. Brasil, 2004 e 2011 

Região Total de procedimentos de média e alta complexidade em 2004 Total de procedimentos de média e alta complexidade em 2011 Crescimento do número
de procedimentos
diagnósticos
2004–2011
(%)
n % por
região
Cobertura
(média exames/1.000 habitantes)
n % por
região
Cobertura
(média exames/1.000 habitantes)
Sul 221.674 12,6 8,3 593.111 13,3 21,5 62,6
Sudeste 947.457 54,0 12,2 2.074.702 46,5 25,6 54,3
Centro-Oeste 131.165 7,5 10,3 384.253 8,6 27,0 65,9
Nordeste 380.437 21,7 7,5 1.062.530 23,8 19,9 64,2
Norte 74.823 4,3 5,2 350.928 7,9 21,8 78,7
Total 1.755.556 100,0 9,7 4.465.524 100,0 23,2 60,7

A Tabela 4 detalha a evolução de alguns procedimentos específicos de diagnósticos de média e alta complexidade de saúde auditiva entre 2008 e 2011.

Tabela 4 Evolução do número de procedimentos específicos de diagnósticos em saúde auditiva. Brasil, 2008-2011 

Procedimentos 2008 2009 2010 2011 Crescimento (%)
Média complexidade
Audiometria de reforço visual 39.705 41.174 36.052 31.641 -20,3
Audiometria tonal limiar 382.376 486.034 553.807 612.654 60,2
Emissões otoacústicas para triagem auditiva 89.224 250.081 361.324 511.274 473,0
Avaliação para diagnóstico de deficiência auditiva 34.381 38.542 41.294 37.965 10,4
Estudo de emissões otoacústicas transitórias e produto de distorção 67.966 87.856 119.157 155.807 129,2
Imitanciometria 367.458 425.845 460.623 506.597 37,9
Logoaudiometria 435.766 484.631 525.424 562.843 29,2
Potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) para triagem auditiva 36.447 37.036 39.523 42.733 17,2
Potencial evocado auditivo de curta, média e
longa latência
31.341 17.234 17.442 21.223 -32,3
Reavaliação do diagnóstico de deficiência auditiva em
 pacientes maior de três anos
10.962 16.049 21.795 24.209 120,8
Seleção e verificação de beneficio do Aparelho de amplificação sonora individual (AASI) 71.186 88.428 102.292 114.367 60,7
Triagem auditiva de escolares 51.426 44.847 33.108 26.250 -49,0
Subtotal 1.618.238 2.017.757 2.311.841 2.647.563 8.595.399
Alta complexidade
Avaliação para diagnóstico diferencial de deficiência auditiva 89.224 94.318 102.979 107.853 20,9
Reavaliação diagnóstica de deficiência auditiva em pacientes menores de três anos 5.198 6.274 6.832 5.814 11,9
Subtotal 94.422 100.592 109.811 113.667 418.492
Total 1.712.660 2.118.349 2.421.652 2.761.230 9.013.891

Observa-se que ao longo dos quatro anos avaliados houve aumento da maioria dos procedimentos analisados: 473% nos exames e emissões otoacústicas para triagem; 129% nos exames de emissões otoacústicas transitórias e produto de distorção e de 121% nos exames de reavaliação diagnóstica de deficiência auditiva em pacientes maiores de três anos.

Verificou-se, por outro lado, que diminuíram os exames de audiometria de reforço visual, os de potencial evocado auditivo de curta, média e longa latência, e os exames de triagem auditiva de escolares (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo buscou avaliar o grau de implantação da PNASA tomando como próxima a evolução quantitativa dos serviços e dos procedimentos diagnósticos de média e alta complexidade em saúde auditiva em todo o território nacional. Os resultados obtidos apontaram avanços de cobertura de serviços e, consequentemente, dos procedimentos diagnósticos em saúde auditiva em todo o país.

Uma pesquisa sobre programas de saúde auditiva em países da América Latina e Caribe concluiu que a perda auditiva não é priorizada nos serviços de saúde, que os investimentos em tecnologia e material humano são limitados e os serviços oferecidos são restritos( 16 ). Em vários países da América Latina, como Argentina, Chile e México, essas intervenções antes de 2000 eram incipientes e não apresentavam serviços de diagnóstico audiológico( 17 ). No Brasil, essas ações foram intensificadas a partir da implantação da PNASA em 2004.

No país, poucos estudos foram desenvolvidos referentes à avaliação quantitativa de procedimentos como recurso para melhoria de cobertura e organização de serviços e acessibilidade( 5 , 8 , 21 ). Um deles analisou o nível de satisfação do usuário em decorrência da dificuldade em acompanhar os diversos serviços de saúde auditiva( 7 ).

Sabe-se que para atingir qualidade da assistência à saúde diversos mecanismos de avaliação e controle são utilizados. A avaliação da estrutura aparece como meio fundamental de planejamento e gestão dos serviços de saúde, deixando em evidência a real situação de um determinado território, região e país, o que facilita o uso adequado de recursos, investimentos e ampliações de serviços( 22 ).

Estudos para análise da PNASA, regionais ou estaduais, ainda são restritos. Foram realizadas pesquisas pontuais nas regiões do Nordeste - Pernambuco( 5 ) - e Sudeste - Rio de Janeiro( 21 ). Em linhas gerais, em ambos os estudos foi evidenciada a necessidade de melhorias quanto à oferta de procedimentos de atenção auditiva, ao diagnóstico precoce e ao acesso às próteses auditivas e aos meios de reabilitação.

Analisando o quantitativo de serviços de média e alta complexidade por macrorregião (Tabela 1), identificou-se que as regiões Sul e Sudeste ultrapassaram o número de serviços necessários estimados, segundo parâmetros da PNASA. No entanto, na região Norte o número de serviços ainda está 50% abaixo do esperado.

No período de 2008 a 2011(Tabela 2), a região Sul apresentou aumento significativo nas intervenções de média complexidade, seguida da Norte, que se manteve em crescimento também nas ações de média e alta complexidade comparando com as demais macrorregiões.

Um estudo, a partir de dados secundários do Sistema de Informação Ambulatorial do SUS, tendo como foco os procedimentos relacionados à adaptação de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) de 2004 a 2010, identificou que houve melhora na cobertura nacional dos serviços de saúde auditiva, com 86% de implantação da rede em todo o território nacional e que o Centro-Oeste e Norte encontraram-se abaixo do esperado em relação às outras regiões( 6 ).

Tais diferenças podem ser justificadas uma vez que o Brasil se caracteriza por sua imensa heterogeneidade demográfica e socioeconômica. A proposta do SUS de descentralização dos serviços de saúde vem contribuir com a viabilização do acesso à saúde em todo o território nacional. Porém, a equidade e integralidade à saúde tornam-se um desafio, pois os aspectos relativos à assistência surgem a partir de iniciativas locais por gestores estaduais e municipais condizentes com as particularidades financeiras e necessidades da população( 14 , 15 , 23 - 25 ).

Em relação ao Norte, dados da Pesquisa Avaliação da Gestão Plena do Sistema Municipal de 2002 revelaram maior incremento de recursos, mesmo com ela ainda permanecendo abaixo das outras regiões. Segundo o estudo, após a implantação do SUS, observaram-se avanços e incrementos nos serviços nesta localidade( 26 ).

O incremento dos procedimentos de diagnóstico em saúde auditiva em média complexidade pode ser justificado pelo avanço tecnológico associado a investimentos advindos do Ministério da Saúde, à organização da assistência em rede em diversos municípios, às políticas voltadas à promoção da equidade e à implantação da Lei do Teste da Orelhinha, colocando a obrigatoriedade da realização do exame de EOA em crianças nascidas no país( 27 , 28 ).

Referente aos procedimentos considerados de média complexidade no SIA/SUS, evidenciou-se diminuição significativa nos exames de audiometria com reforço visual (Tabela 4). Isso pode ser atribuído ao avanço tecnológico e à aquisição de equipamentos pelos serviços de saúde auditiva para a realização de exames objetivos, por sua facilidade e praticidade.

Os bancos de dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde aparecem como uma forma de democratização da informação e ferramenta para a gestão e controle social, mas ainda são subutilizados pelos gestores de saúde em todos os níveis. Ressalte-se, no entanto, que a análise de dados de bancos disponíveis no DATASUS, entre outros, deve ser criteriosa, visto que os erros de digitação e as inconsistências podem estar presentes( 8 , 9 ).

Reforça-se a necessidade de novas pesquisas de avaliação quantitativa que detalhem a distribuição dos serviços de atenção à saúde auditiva em cada estado e região. Faz-se necessário que sejam desenvolvidos estudos que criem protocolos para a avaliação qualitativa da PNASA no Brasil, dada a expansão observada dos procedimentos demonstrados neste estudo, buscando, assim, avaliar também a sua efetividade.

CONCLUSÃO

Houve aumento relativo dos exames de média complexidade nos períodos pesquisados. Evidenciou-se também que a região Norte apresentou crescimento expressivo no número e cobertura de procedimentos no período analisado, apesar de ter cobertura insuficiente ainda de serviços especializados, o que demonstra a persistência de desigualdades regionais na distribuição de serviços de atenção à saúde auditiva.

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