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Políticas públicas de saúde e a evidência científica

Políticas públicas de saúde e a evidência científica

Autores:

Wanderley Marques Bernardo

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.15 no.4 São Paulo out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017ed4314

Os pacientes são os mesmos em todo o mundo. A evidência é a mesma em todo o mundo. No entanto, as políticas assistenciais não são as mesmas. E isto, além de incompreensível, é inaceitável, pois não há evidência diferente para atenção pública e privada; não é uma questão capitalista ou socialista de presença ou distribuição de dinheiro; é combate ao capitalismo consumista, mentiroso e voraz, estimulante do “roubo” lícito; é uma questão de equidade e ética; onde há garantia constitucional; onde fazer é fazer o certo, o tempo todo e para todos; onde não se libera e se proíbe, ao mesmo tempo; onde tudo começa na padronização; onde não há espaço para a futilidade; onde se proíbem excessos; onde não se orienta apenas o que fazer, mas também o que não fazer; onde o paciente não é meio, mas fim; onde se combate a variação pelo VALOR; e onde o conceito de VALOR considera custo, mas também considera benefício e dano.(1)

Porém, como é possível não usar a evidência nas políticas de saúde? Uma vez que a evidência define o que é necessário e o que é supérfluo; fornece opções de benefício equivalente e condutas proibitivas para o uso; informa sobre a quantidade estimada de benefício e dano, e sobre a adoção de condutas novas sem benefício; define o conceito de valor e o uso do dinheiro com discernimento; conduz o mercado à sua função e a mídia à crítica apropriada; orienta prioridades e estratégias; reduz variação na prática e conflitos; e equilibra interesses.(2)

O que tem sido feito? Como a “quase evidência” tem sido considerada na definição do acesso à assistência? Bem, a autoridade em saúde limita-se em decidir “o que e quanto se paga (ou não se paga)”, por meio de seus núcleos de avaliação “de tecnologia”, lançando mão de consultores fantasmas especialistas, antes, durante e depois da emissão de seus pareceres baseados vai saber no quê - mas que sempre estão alinhados aos seus interesses.

O que poderia e deveria ser inicialmente feito com a evidência disponível?

Pensa-se que, por meio da mesma autoridade em saúde, seriam criados quatro núcleos diferentes e complementares, cujo propósito central seria definir o que é certo ou errado a ser oferecido para todos os pacientes, auxiliando no estabelecimento das principais estratégias e prioridades da política nacional: (1) núcleo gestor em medicina baseada em evidência; (2) núcleos geradores de evidência; (3) núcleos de implementação da evidência; e (4) núcleos para arbitrar conflitos.

Há, ainda, pré-requisitos para que estes núcleos, uma vez existindo, possam sobreviver, influenciar, disseminar e garantir uma atenção nacional de qualidade:

    –. Há necessidade de recursos estruturais e humanos (qualitativos e quantitativos), que garantam a apropriada utilização da informação científica no cuidado, por meio do desempenho dos envolvidos com seus resultados (benefício e segurança) e com a estruturação do serviço, conformada à imagem da evidência.

    –. E preciso haver confiança na evidência, determinada por sua força e consistência, a qual, ao produzir menor nível de incerteza, permite acreditar e ter segurança nas recomendações e sínteses de conduta.

    –. A credibilidade externa (não o marketing comercial) no serviço é um fator que deve estar também presente, pois deve haver satisfação dos pacientes na qualidade do atendimento e nos resultados obtidos.

    –. Os profissionais de saúde devem ser homogeneamente bem formados, capacitados e com habilidades para a tomada de decisão diante de cada situação específica e, por meio da experiência acumulada, podem adequadamente confrontar a prática com a evidência. Com a formação adequada, há maior probabilidade da reprodução dos desfechos descritos na evidência, na qual fazer é fazer sempre o correto.

    –. E obrigatória a participação do paciente na tomada de decisão a seu respeito, que, diante da presença de evidência forte, deve ter suas expectativas consideradas e seu entendimento clarificado, para que a decisão seja segura e sem arrependimento. Na ausência de evidência ou na evidência fraca, expectativas e experiência médica devem ser compartilhadas.(3)

    –. O conhecimento interno à evidência tem que ser dominado minimamente pelos diversos stakeholders, pois, do contrário, este conhecimento, ao ser ignorado, será indutor de linguagem e entendimentos distorcidos sobre a mesma evidência. Então, saber interpretar a força da evidência, com seus diversos componentes, como o tamanho e a variação dos resultados (efeito), leva não só a uma adequada compreensão médica, mas também a uma adequada comunicação ao paciente do grau de incerteza na decisão a ser tomada.

    –. E, finalmente, todos precisam discutir o conceito de valor que, apesar de variar conforme o lugar, tende a se distribuir de maneira “normal”. Nesta discussão, algumas questões devem estar na agenda comum do uso da evidência, como: Qual o valor da saúde? Como ser mortal? Medicina personalizada? Qualidade de vida? Qual o valor da vida? Valores sociais? O que é benefício? Que dano tolerar? Isto só pode ser alcançado por meio de educação, consciência e percepção de todos sobre a consciência de que compartilhamos o mesmo sistema e serviço de saúde, e que, para qualquer das atitudes ou ações tomadas, existirão consequências diretas ou indiretas, próximas ou distantes para todos, dificultando a consolidação da equidade em saúde no país.(4,5)

Percebe-se que apesar de a agenda de implementação da evidência nas políticas de saúde, para muitos, estar limitada à simplista utilização de um cookbook, os efeitos da ausência de sua adequada utilização falam por si só. Apesar da necessidade de pré-requisitos para a implementação estarem fundamentalmente associados a geração, interpretação, comunicação e uso adequado, são necessários, ainda, para que as dúvidas, prioridades e estratégias tenham foco nas necessidades locais, mais três pré-requisitos, os quais podem ou não preceder a evidência:(68)

    –. Um preciso mapeamento e um diagnóstico da distribuição dos principais problemas de saúde, que orientarão as prioridades de acordo com a gravidade e prevalência locais.

    –. O registro e o controle da informação de saúde da população, que permitirão não só contribuir com o diagnóstico, mas também gerar ou validar a evidência implementada ou a ser implementada.

    –. Ações educativas de treinamento, estruturação, combate, desarme, auditoria, mensuração, análise, reavaliação e acompanhamento.

É possível evidência científica na política pública de saúde? Esta dúvida é importante? Nós já fazemos isto? Quais seriam os sintomas desta política? Como identificar quando isto está sendo feito? Quais os desfechos práticos?

Podemos afirmar que, em um país cuja política de saúde é baseada em evidência, há desinvestimento no desnecessário e investimento onde há necessidade. Há combate ao overdiagnosis, ao overtreatment e ao under. Há presença de parâmetros para auxiliar nos conflitos judicializados. Há controle da atividade e do mercado industrial em saúde. Há identificação da oportunidade de prevenção, pesquisa e inovação, pois, com a padronização em curso, pode-se parar para pensar. Não há imitação; há personalidade, aproveitando a vantagem da internet e da evidência global disponível. Há controle das ações, tendo como alvo o bem e a segurança dos pacientes, e não a economia de recursos às custas do dano. Há controle centrado na responsabilidade de cuidar de seus pacientes. Há ambiente onde os pacientes realmente se sentem cuidados. Há participação de todos no monitoramento do uso prático da evidência na assistência à saúde da população.(38)

Não precisamos mudar para este país. Podemos, aqui e agora, abrir espaço para que a evidência científica determine as ações; que os profissionais acompanhem e produzam os resultados; e que a população dê o feedback.

REFERÊNCIAS

1. Gray M. Value based healthcare. BMJ. 2017;356:j437.
2. Oxman AD, Lavis JN, Lewin S, Fretheim A. SUPPORT Tools for evidence-informed health Policymaking (STP) 1: What is evidence-informed policymaking? Health Res Policy Syst. 2009;7 Suppl 1: S1.
3. Harris C, Ko H, Waller C, Sloss B Williams P Sustainability in health care by allocating resources effectively (SHARE) 4: exploring opportunities and methods for consumer engagement in resource allocation in a local healthcare setting. BMC Health Serv Res. 2017;17(1):329.
4. Pearson SD, Rawlins MD. Quality, innovation, and value for money: NICE and the British National Health Service. JAMA. 2005:294(20):2618-22.
5. Welch VA, Akl EA, Pottie K, Ansari MT, Briel M, Christensen R, et al. GRADE equity guidelines 3: considering health equity in GRADE guideline development: rating the certainty of synthesized evidence. J Clin Epidemiol. 2017:90:76-83.
6. Harris C, Allen K, Brooke V, Dyer T, Waller C, King R, et al. Sustainability in Health care by Allocating Resources Effectively (SHARE) 6: investigating methods to identify, prioritise, implement and evaluate disinvestment projects in a local healthcare setting. BMC Health Serv Res. 2017; 17(1):370.
7. Lavis JN, Wilson MG, Oxman AD, Lewin S, Fretheim A. SUPPORT Tools for evidence-informed health Policymaking (STP) 4: Using research evidence to clarify a problem. Health Res Policy Syst. 2009;7 Suppl 1:S4.
8. Oxman AD, Schünemann HJ, Fretheim A. Improving the use of research evidence in guideline development: 2. Priority setting. Health Res Policy Syst. 2006:29:4:14.