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Políticas, tecnologias e práticas em promoção da saúde

Políticas, tecnologias e práticas em promoção da saúde

Autores:

Maria Cecília de Souza Minayo

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.12 Rio de Janeiro dez. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.23212017

Com prefácio do Prof. Marco Akerman, este livro é fruto de um investimento temático de 17 anos do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) Interdisciplinar em Promoção da Saúde da Universidade de Franca, São Paulo. Organizado por Glória Lucia Alves Figueiredo e Carlos Henrique Gomes Martins, toda a obra está dividida em quatro partes que se complementam. Na primeira, “Construção coletiva da promoção da saúde” estão dois capítulos. Um deles descreve historicamente a construção do referencial teórico no qual se apoia o tema, dando ênfase especial às Conferências Internacionais e às recomendações delas derivadas. O outro trata dos avanços, recuos e limites da apropriação pelo SUS (em todas as suas instâncias) tanto do conceito como das práticas propostas pela Política Nacional de Promoção da Saúde homologada em 2006, cujas raízes remontam a 8ª. Conferência Nacional de Saúde (1986) e ao capítulos 196 a 200 da Constituição Brasileira. Segundo os autores, hoje, o maior desafio no cumprimento das diretrizes dessa política são as estratégias para se conseguir mais equidade e para concretizar o diálogo inter e intrassetorial. Para se ter ideia da pretensão mundial sobre o tema, a 8ª Conferência Internacional de Saúde realizada em Helsinque em 2013 coloca, como ideal, que a saúde faça parte de todas as políticas de Estado, visando ao bem estar e à qualidade de vida da população. Mas, sabemos que tal propósito se afigura como uma utopia que a sociedade almeja, mas que não tem mecanismos concretos para alcançar.

A segunda parte do livro, composta por 12 capítulos, versa sobre a formação dos profissionais, e tem o seguinte título: “Contribuições do programa de pós-graduação para formação de atores sociais no campo político e de ação em promoção da saúde”. Nele se concentra o conteúdo do livro. Inicia-se, descrevendo os aspectos históricos e conceituais do tema em tela traduzidos para a realidade brasileira, particularmente, no que concerne à situação dos grupos considerados mais vulneráveis segundo o ciclo de vida e necessidades especiais. As questões de gênero, corpo e sexualidade são analisadas como construções sociais. E os temas saúde da família e educação são elaborados de forma transversal aos problemas tratados: a primeira como uma estratégia potente de intervenção e a segunda, em seus aspectos interativos e promocionais. O uso abusivo de álcool, tabaco e outras drogas e problemas nutricionais são abordados em seus aspectos biomédicos, mas, especialmente como questões de estilo de vida e comportamento social. E a questão ambiental é tratada de forma relevante tanto em relação à saúde do trabalhador como quanto aos efeitos da falta de saneamento, da poluição e dos contaminantes sobre a qualidade de vida e sobre o quadro de morbimortalidade da população em geral. Como é uma parte dedicada à formação dos profissionais, finalizando-a, várias metodologias de pesquisa são apresentadas, dentre elas, a bioestatística e as abordagens quantitativas e qualitativas.

A terceira parte do livro se denomina “Políticas e práticas em promoção da saúde”. Nela há apenas dois capítulos que descrevem e analisam as linhas principais de pesquisa do programa de pós-graduação. A primeira é “vulnerabilidade social e tecnológica”, na qual se avaliam os fatores de risco sociais e ambientais, o uso da biodiversidade no desenvolvimento tecnológico e os fatores de proteção que precisam ser conhecidos e fortalecidos. A segunda trata das “políticas e práticas”. Nela são desenvolvidos e descritos estudos conceituais e empíricos para subsidiar a promoção da saúde e a qualidade de vida no território. Nessa segunda linha, vários trabalhos sobre suporte social e redes de apoio para idosos com doenças crônicas e degenerativas, crianças com graves problemas de saúde, pessoas com HIV/AIDS e análises com foco na saúde da família evidenciam o sentido social e prático a que chega o programa de pós-graduação.

Por fim, na quarta parte do livro “Vulnerabilidade social, tecnologias e promoção da saúde” como que reafirmando e reiterando o foco do programa de pós-graduação, se repete o investimento nos conceitos de vulnerabilidade e de risco, em estudos de campo utilizando tais conceitos e sempre em busca dos fatores de proteção e promoção. Nesse particular são tratados: o quadro sanitário atual do país, principalmente, o das doenças não transmissíveis; o panorama de saúde do trabalhador e os riscos ocupacionais, por meio de uma revisão dos conceitos e resumos de trabalhos empíricos de estudantes. Uma análise da política e da aplicação de produtos fitoterápicos no SUS encerra a obra.

Eu ousaria dizer que este livro contém uma memória viva do primeiro mestrado do Brasil e do primeiro doutorado na América Latina focados no tema da Promoção da Saúde. Nesse sentido, ele é precioso e inspirador. E faz parte também da memória do SUS, ao mostrar um exemplo de como tornar concretas as resoluções das oito Conferências Mundiais sobre o tema, trazendo para o chão da realidade social e no território, os sonhos de uma vida saudável que deve abranger a todos nós.

Alguém poderia perguntar se temos em mãos uma obra perfeita e acabada. Eu diria que não. Há vários textos em que os conceitos e as abordagens ainda carecem de mais aprofundamento. Mas, é preciso reconhecer que a busca de aprimoramento faz parte da construção científica e que os autores devem comemorar a elaboração coletiva, útil e cuidadosa, por vezes tão difícil de se conseguir.

Termino dizendo que o livro aqui resenhado é, em si, um testemunho inconteste da adesão da Universidade de Franca ao desenvolvimento do SUS a partir de sua historicidade, de suas diretrizes fundamentais e de sua destinação ao sofrido povo brasileiro. Isso não é pouca coisa e é um gesto grandioso, em particular neste momento de turbulência política, em que parecem balançar os alicerces do nosso contrato de solidariedade social. A pós-graduação de promoção da saúde de Franca nos assegura, por meio dos organizadores deste livro, que ela continuará lá, pesquisando, estudando, formando pessoas de alto nível para dar continuidade ao que foi gestado no país como um sistema universal e que precisa ser cuidado: ele continua em construção. Nesse sentido, bonita é a frase dos organizadores sobre a pretensão de sua obra: “[nela] são reveladas algumas de nossas experiências tanto teóricas como práticas em promoção da saúde, tal qual um tijolo de uma construção ético-política na defesa da vida, dos direitos e da democracia” (quarta capa).