versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.4 Rio de Janeiro jul./ago. 2018 Epub 11-Jun-2018
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20180030
O teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) é um procedimento funcional e não invasivo que permite avaliar a integração dos sistemas cardiovascular, respiratório e musculoesquelético a partir da análise das respostas submáximas e máximas ao exercício.1 As informações do TCPE são importantes para a avaliação prognóstica de indivíduos saudáveis ou não,2,3 sendo que as medidas da potência aeróbica máxima, representada pelo consumo máximo de oxigênio (VO2max), e do limiar anaeróbico (LA) são frequentemente utilizadas para avaliação e monitorização do treinamento de atletas.4-6 Sabe-se, por exemplo, que futebolistas com VO2max mais alto tendem a percorrer maiores distâncias em uma partida7 e que a intensidade média de exercício em uma partida é de aproximadamente 75% do VO2max, similar ao nível do LA desses jogadores.7,8
No entanto, limitações como baixa reprodutibilidade, diferentes técnicas e critérios de identificação tanto do VO2max quanto do LA9-13 dificultam a sua utilização rotineira. Em adendo, erros nessas medidas podem comprometer o planejamento dos treinamentos individualizados prejudicando, em última análise, o aprimoramento do desempenho do atleta.14
Em 2012, Ramos et al.15 apresentaram o valor mínimo do equivalente ventilatório de oxigênio (VE/VO2 mínimo) durante um TCPE - ponto ótimo cardiorrespiratório (POC) - e descreveram o seu comportamento, que, em teoria, representa o momento de melhor associação ou integração entre os sistemas respiratório e cardiovascular. A partir da avaliação de mais de 600 indivíduos saudáveis não atletas entre 23 e 73 anos, foi verificado que o POC tende a ser maior nas mulheres e aumenta com a idade. Além disso, estudos posteriores realizados pelo mesmo grupo mostraram que o POC é de fácil e objetiva mensuração e bastante estável em TCPE realizados em adultos,16 corroborando o seu uso potencial em pesquisas fisiológicas e na prática clínica. Interessantemente, de forma semelhante ao observado em relação ao VO2max e ao LA, o POC mostrou ser um excelente preditor de mortalidade por todas as causas em indivíduos saudáveis e não saudáveis entre 40 e 85 anos de idade.17
Até o presente momento, é desconhecido o comportamento do POC em atletas. Dessa forma, os nossos objetivos são: a) descrever o comportamento do POC em jogadores profissionais de futebol; e b) avaliar sua associação com o VO2max e o LA.
Foram analisados retrospectivamente dados de 247 jogadores de futebol da equipe principal de um clube carioca da série A do campeonato brasileiro submetidos entre janeiro de 2005 e dezembro de 2016 a um TCPE máximo em uma clínica privada de Medicina do Exercício e Esporte. Desses, foram selecionados 198 jogadores que preenchiam concomitantemente os seguintes critérios de inclusão: a) ter realizado TCPE em esteira rolante; b) ter completado um TCPE considerado verdadeiramente máximo, não tendo esse sido interrompido por razões clínicas ou falta de motivação; c) não ter histórico de doenças cardiorrespiratórias. Com base na informação proporcionada pelos futebolistas, foi feita uma categorização em relação às posições em que predominantemente jogavam: goleiro, zagueiro, lateral, meio-campo e atacante.
Incluía anamnese e exame físico. Foram obtidos ainda dados antropométricos, de espirometria e eletrocardiograma de 12 derivações em repouso.
Ao menos três manobras para determinação das curvas de fluxo-volume foram realizadas usando um pneumatógrafo (SP-1 Spirometer, Schiller, Suíça ou KoKo, Estados Unidos) periodicamente calibrado de acordo com o protocolo recomendado pelas diretrizes americana e europeia.18
Os TCPE foram realizados em uma sala adequadamente climatizada em uma esteira rolante (ATL Master, Inbramed, Brasil). Todos os jogadores submeteram-se ao mesmo protocolo em rampa, com velocidade inicial de 8,0 km.h-1 e aumento progressivo de 0,1 km.h-1 a cada 7,5 segundos, sem qualquer inclinação. Todos os TCPE foram presencialmente conduzidos por médicos especializados na área e com ampla experiência na avaliação de atletas, seguindo uma rotina bem definida, principalmente em relação ao estímulo para obtenção de esforço verdadeiramente máximo. O TCPE foi considerado máximo com base na avaliação subjetiva do médico avaliador e em outras variáveis objetivas tais como: a ocorrência do LA, curvas de equivalentes ventilatórios em um padrão em U e escore de 10 na escala de Borg de 0-10.19 Durante a realização do TCPE, os jogadores foram monitorados continuamente por eletrocardiógrafo digital (ErgoPC Elite versões 3.2.1.5 ou 3.3.4.3 ou 3.3.6.2, Micromed, Brasil), que fornecia a medida da frequência cardíaca (FC) nos registros de eletrocardiograma na derivação CC5 ou CM5 ao final de cada minuto.
Durante o TCPE, os gases expirados foram coletados por um pneumatógrafo Prevent (MedGraphics, Estados Unidos) acoplado a uma peça bucal, com oclusão nasal concomitante. Para medida e análise dos gases expirados, foi utilizado o analisador metabólico VO2000 (MedGraphics, Estados Unidos) calibrado por uma seringa de 2L e por gases de concentração conhecida antes da realização da primeira avaliação do dia e repetido quando necessário. A ventilação pulmonar (VE) e as frações parciais de oxigênio e dióxido de carbono eram expressas a cada 10 segundos e então calculadas como a média de valores para cada minuto do TCPE.
O VO2max foi considerado como o maior valor em um dado minuto do TCPE. O LA foi determinado visualmente pelo ponto em que ocorreu uma quebra da linearidade da curva de VE e um incremento sustentado da relação VE/VO2 e foi descrito pelo percentual do VO2max naquela velocidade. A velocidade e o VO2 em que ocorreu o LA também foram registrados.
O POC foi obtido pela identificação da menor razão VE/VO2 em um dado minuto do TCPE, sendo, assim, um valor adimensional. Foi registrado, ainda, o VO2 e a velocidade de corrida no protocolo em rampa em que era observado.
A distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de normalidade de Shapiro-Wilk. As variáveis contínuas com distribuição paramétrica foram expressas como média ± desvio-padrão e foram comparadas através do teste t de Student não emparelhado ou ANOVA e post-hoc de Bonferroni, conforme apropriado. As variáveis contínuas com distribuição não paramétrica foram expressas como mediana (intervalo interquartil) e comparadas através do teste de Mann-Whitney ou teste de Kruskal-Wallis, conforme apropriado. As variáveis categóricas foram expressas em percentual de frequência e comparadas pelo teste do qui-quadrado. Os coeficientes de variação das variáveis POC, LA e VO2max, obtidos pela razão entre desvio-padrão e média, foram calculados. A correlação de Pearson foi utilizada para testar a associação entre o POC e outras variáveis ventilatórias. Os cálculos estatísticos foram realizados no programa Stata14®, considerando um nível de significância de 5%.
Todos os jogadores submeteram-se voluntariamente à avaliação, tendo lido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido específico antes da realização do TCPE e autorizado o uso dos dados em pesquisas científicas. A análise retrospectiva dos dados foi previamente aprovada por um comitê institucional de ética em pesquisa.
A Tabela 1 descreve as principais características demográficas, os resultados da espirometria de repouso e do TCPE dos jogadores. Idade, peso, altura e o índice de massa corporal (IMC) variaram de 16 a 36 anos, 57,5 a 102,0 kg, 163,3 a 196,3 cm e de 19,3 a 29,6 kg.m-2, respectivamente. POC, LA e VO2max apresentaram distribuição paramétrica (p > 0,05) e os valores do POC, do LA e do VO2max variaram de 13,1 a 25,3, 61,8 a 92,7% do VO2max e de 45,0 a 76,2 mL.kg-1.min-1, respectivamente. Os coeficientes de variação para POC, LA e VO2max foram de 16,1%, 10,7% e 10,0%, respectivamente. Em média, o POC, o LA e o VO2max ocorreram nas velocidades de 10,0 ± 1,0, 14,3 ± 1,1 e 18,7 ± 0,9 km.h-1, respectivamente (p < 0,01).
Tabela 1 Principais características demográficas e resultados do teste cardiopulmonar de exercício máximo em esteira em jogadores profissionais de futebol
Variáveis* | Total (n = 198) |
Goleiro (n = 13) |
Lateral (n = 27) |
Zagueiro (n = 32) |
Meio-campo (n = 76) |
Atacante (n = 50) |
p valor |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Características | |||||||
Idade (anos) | 23 (21 - 27) | 22 (19 - 24) | 26 (21 - 28) | 22 (21 - 26) | 23 (21 - 28) | 24 (10 - 27) | 0,35 |
Peso (kg) | 76,7 ± 7,6 | 85,1 ± 4,7 | 74,3 ± 6,2 | 80,7 ± 5,4 | 74,1 ± 7,6ß | 77,3 ± 7,6ß | < 0,01 |
Altura (cm) | 179,2 ± 6,4 | 187,5 ± 4,1 | 175,5 ± 4,2 | 184,3 ± 3,8 | 176,5 ± 6,0ß | 180,0 ± 5,8 | < 0,01 |
Índice de massa corporal (kg.m-2) | 23,9 ± 1,8 | 24,2 ± 1,1 | 24,1 ± 1,7 | 23,8 ± 1,6 | 23,8 ± 1,8 | 23,9 ± 2,1 | 0,86 |
FC de repouso (bpm) | 59 (53 - 66) | 62 (57 - 66) | 57 (51 - 62)a | 61 (53 - 65) | 61 (54 - 66) | 57 (52 - 66) | 0,15 |
PAS de repouso (mm Hg) | 130 ± 10 | 130 ± 8 | 130 ± 14 | 129 ± 7 | 129 ± 11 | 131 ± 10 | 0,92 |
PAD de repouso (mm Hg) |
70 ± 9 | 72 ± 7 | 71 ± 11 | 70 ± 8 | 70 ± 9 | 71 ± 9 | 0,95 |
Espirometria de repouso | |||||||
VEF1 (L) | 4,31 (3,94 - 4,69) | 4,74 (4,35 - 5,04) | 4,16 (3,96 - 4,41) | 4,44 (4,13 - 5,00)$ | 4,24 (3,79 - 4,61)ß | 4,41 (3,90 - 4,71)ß,#,€ | < 0,01 |
% do previsto da VEF1 | 98,5 (90,8 - 105,6) | 101,9 (93,9 - 105,3) | 96,7 (93,5 - 104,8) | 98,5 (88,6 - 105,8) | 98,5 (91,6 - 105,0) | 100,8 (87,3 - 107,0) | 0,99 |
CVF (L) | 5,05 ± 0,68 | 5,70 ± 0,68 | 4,83 ± 0,50 | 5,23 ± 0,66 | 4,94 ± 0,62ß | 5,05 ± 0,75ß,€,# | < 0,01 |
% do previsto da CVF | 96,2 ± 10,5 | 100,5 ± 10,8 | 95,7 ± 8,4 | 94,0 ± 10,3 | 97,0 ± 10,0 | 95,6 ± 12,1 | 0,38 |
Razão VEF1/CVF (%) | 86,0 ± 5,3 | 83,1 ± 5,6 | 87,3 ± 4,1a | 87,6 ± 5,3a | 85,4 ± 5,1c | 85,8 ± 5,9 | 0,05 |
TCPE | |||||||
Duração (min) | 13,0 (13,0 - 14,0) | 13,0 (13,0 - 14,0) | 14,0 (13,0 - 14,0) | 13,0 (13,0 - 14,0)b | 14,0 (13,0 - 14,0) | 13,0 (13,0 - 14,0)b | 0,09 |
RER máximo | 1,10 (1,06 - 1,15) | 1,09 (1,06 - 1,13) | 1,09 (1,05 - 1,15) | 1,13 (1,07 - 1,16) | 1,11 (1,06 - 1,15) | 1,10 (1,06 - 1,14) | 0,59 |
FC máxima (bpm) | 192 ± 9 | 194 ± 8 | 187 ± 7 | 194 ± 10$ | 192 ± 10$,€ | 192 ± 8$,€,# | 0,01 |
VE máxima (L.min-1) | 123,2 (113,1 - 133,2) | 129,8 (122,6 - 135,2) | 123,1 (112,8 - 133,7) | 125,4 (113,7 - 136,0) | 121,7 (111,6 - 129,9)a | 122,9 (113,9 - 134,4) | 0,30 |
Velocidade máxima (km.h-1) |
18,8 (18,4 - 19,2) | 18,4 (18,0 - 19,2) | 19,2 (18,4 - 19,5) | 18,5 (17,9 - 19,2)b | 18,8 (18,4 - 19,2) | 18,6 (18,4 - 19,2)b | 0,13 |
POC (menor razão VE/VO2) | 18,2 ± 2,1 | 19,1 ± 2,2 | 18,7 ± 2,1 | 17,9 ± 2,5 | 18,1 ± 2,2 | 18,2 ± 1,9ß | 0,41 |
Tempo para atingir POC (min) | 2,0 (2,0 - 3,0) | 3,0 (2,0 - 4,0) | 2,0 (2,0 - 3,0) | 2,0 (2,0 - 3,0) | 2,0 (2,0 - 2,5)a | 2,0 (2,0 - 2,0)a,c | 0,07 |
Velocidade no POC (km.h-1) | 9,6 (9,6 - 10,4) | 10,4 (9,6 - 11,2) | 9,6 (9,6 - 10,4) | 9,6 (9,6 - 10,4) | 9,6 (9,6 - 10,0)a | 9,6 (9,6 - 9,6)a,c | 0,07 |
FC no POC (bpm) | 132 (122 - 142) | 142 (134 - 148) | 131 (122 - 138) | 139 (128 - 152)$ | 131 (121 - 140)ß | 128 (121 - 137)ß,# | < 0,01 |
VO2 no POC (mL.kg-1.min-1) |
31,8 (29,0 - 34,6) | 33,6 (31,0 - 33,7) | 32,2 (28,6 - 35,7) | 33,1 (30,9 - 35,6) | 31,3 (28,2 - 34,4)c | 31,3 (33,8 - 29,7)c | 0,10 |
%VO2max no POC | 51,4 (46,4 - 55,8) | 57,0 (53,3 - 59,3) | 48,4 (45,1 - 54,7) | 55,9 (51,2 - 59,2)$ | 51,0 (44,2 - 54,3)ß | 50,7 (45,9 - 54,0)ß,# | < 0,01 |
Tempo para atingir LA (min) | 7,9 ± 1,4 | 8,1 ± 0,9 | 8,1 ± 1,3 | 7,3 ± 1,3b | 8,0 ± 1,6c | 7,8 ± 1,3 | 0,06 |
Velocidade no LA (km.h-1) | 14,3 ± 1,1 | 14,5 ± 0,7 | 14,5 ± 1,0 | 13,8 ± 1,1b | 14,4 ± 1,2c | 14,3 ± 1,0 | 0,06 |
FC no LA (bpm) | 169 (160 - 178) | 178 (168 - 181) | 165 (162 - 169)a | 172 (160 - 178)b | 167 (160 - 177)a | 166 (160 - 178)a | 0,08 |
VO2 no LA (mL.kg-1.min-1) |
46,8 ± 5,0 | 45,3 ± 2,5 | 47,9 ± 4,7 | 45,5 ± 4,5 | 46,7 ± 6,1 | 47,4 ± 4,0 | 0,25 |
%VO2max no LA | 75,5 ± 5,7 | 77,3 ± 4,3 | 74,7 ± 4,8 | 76,1 ± 6,3 | 74,7 ± 6,2 | 76,0 ± 5,4 | 0,42 |
VO2max (L.min-1) | 4,75 ± 0,52 | 4,98 ± 0,35 | 4,74 ± 0,35 | 4,82 ± 0,43 | 4,63 ± 0,60a | 4,81 ± 0,53 | 0,09 |
VO2max (mL.kg-1.min-1) |
62,1 ± 6,2 | 58,6 ± 3,6 | 64,2 ± 6,5 | 59,8 ± 4,8$ | 62,6 ± 6,8ß | 62,5 ± 5,8ß,# | 0,01 |
*os dados são apresentados como mediana (intervalo interquartil) ou média ± desvio-padrão conforme a distribuição das variáveis; a comparação dos resultados foi feita por teste-t de Student não emparelhado, ANOVA, teste de Mann-Whitney, teste de Kruskal-Wallis ou teste de qui-quadrado, conforme as características das variáveis.
$Não houve diferença estatisticamente significativa ao grupo goleiro (p > 0,05).
#Não houve diferença estatisticamente significativa ao grupo meio-campo (p > 0,05).
ßNão houve diferença estatisticamente significativa ao grupo lateral.
€Não houve diferença estatisticamente significativa ao grupo zagueiro.
aHouve diferença estatisticamente significativa ao grupo goleiro (p < 0,05).
bHouve diferença estatisticamente significativa ao grupo lateral (p < 0,05).
cHouve diferença estatisticamente significativa ao grupo zagueiro (p < 0,05). CVF: capacidade vital forçada; FC: frequência cardíaca; LA: limiar anaeróbico; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; POC: ponto ótimo cardiorrespiratório; RER: razão de troca respiratória; TCPE: teste cardiopulmonar de exercício; VE: ventilação; VEF1: ventilação forçada no primeiro segundo; VO2max: consumo máximo de oxigênio.
Quando estratificados por posição adotada no jogo (Tabela 1), pode-se observar que as únicas características que diferiram entre as posições foram peso e altura, em que os goleiros apresentaram os maiores valores para ambas as variáveis (p < 0,01). No entanto, o IMC foi semelhante entre os jogadores de todas as posições (p = 0,86). Em relação ao TCPE, os goleiros atingiram os menores valores de VO2max relativo ao peso corporal (mL.kg-1.min-1) (p = 0,01), e atingiram o POC em uma FC e em um percentual do VO2max maiores do que os jogadores das demais posições (p < 0,01). No entanto, o valor do POC (p = 0,41) e o do LA (% do VO2max) (p = 0,42) não diferiram em função da posição de futebolistas.
Os coeficientes de correlação entre POC e VO2max (mL.kg-1.min-1) e entre POC e LA (% do VO2max) foram de 0,032 (p = 0,65) e -0,003 (p = 0,96), respectivamente, evidenciando a baixa associação entre essas variáveis. A Figura 1 representa esses dados.
Em um exercício com aumento progressivo da intensidade até o máximo voluntário, a relação entre VE e VO2 não é linear20 e a curva que ilustra essa relação apresenta um formato em U, o que sugere uma maior eficiência ventilatória (menor VE/VO2) em níveis submáximos de exercício em relação ao repouso e às intensidades mais altas de esforço. Partindo dessa premissa, o POC foi descrito como o menor valor do VE/VO2 em um dado minuto durante um exercício incremental, representando o momento em que há a menor quantidade de ventilação por litro de oxigênio a ser consumido, ou seja, a melhor integração da relação entre circulação e respiração.15 Estudos recentes mostraram sua aplicabilidade clínica na avaliação diagnóstica e prognóstica da interação cardiorrespiratória tanto de indivíduos saudáveis quanto daqueles com várias formas de doenças crônicas, e, por ser uma variável submáxima do TCPE, o uso do POC é particularmente interessante em pacientes incapazes de atingir um TCPE máximo devido a limitações funcionais (ex. doença arterial obstrutiva periférica, problemas ortopédicos) ou devido ao receio em atingir o pico de esforço (ex. pacientes com síndrome do pânico),17,21 assim como em atletas durante a temporada competitiva.22 Como exemplo, o POC possui relação inversa com mortalidade por todas as causas em indivíduos saudáveis e doentes entre 40 e 85 anos, apresentando, portanto, valor prognóstico e uma nova possibilidade de avaliação de risco de mortalidade.17 A partir dessas observações, é pertinente tentar expandir as aplicabilidades do POC em outros cenários. Em teoria, pode-se pensar que em atletas de modalidades com exigências aeróbicas elevadas, como é o caso do futebol, valores baixos de POC podem representar uma vantagem fisiológica, especialmente se ocorrerem em velocidades relativamente altas. Como as demandas aeróbicas variam de acordo com a posição de jogo, a oportunidade de comparar um número grande de futebolistas de elite testados em condições padronizadas pode contribuir para uma melhor compreensão do significado e da potencial aplicabilidade desportiva do POC. O presente estudo traz uma contribuição original por ser o primeiro a descrever o comportamento do POC em atletas e, em especial, em futebolistas adultos de alto nível técnico submetidos a TCPE em esteira rolante com protocolo em rampa.
O POC apresenta vantagens relacionadas a sua determinação e mensuração quando comparado ao VO2max e ao LA, as duas principais variáveis do TCPE utilizadas para a avaliação do desempenho de atletas. A obtenção de um VO2max verdadeiro sugere a existência de um platô na curva do VO2, o que nem sempre é possível, e sua obtenção pode variar de acordo com o protocolo do TCPE utilizado e com o intervalo de amostragem ou de coleta dos gases.10,11 Além disso, o VO2max depende da realização de um teste de exercício verdadeiramente máximo, cujos critérios de determinação são variáveis na literatura e, até certo ponto, subjetivos. Já o LA, apesar de não exigir obrigatoriamente que o teste seja máximo, também requer um exercício de maior intensidade do que o POC e tem sua mensuração dificultada pela existência de vários critérios distintos para sua identificação e/ou caracterização, além de, em um percentual importante de casos, a sua caracterização ou determinação não ser possível, prejudicando a sua utilização na prática clínica e no esporte.13 Em adendo, apesar da possibilidade de detecção automática tanto do VO2max quanto do LA em alguns softwares comerciais, os métodos disponíveis para tal foram desenvolvidos a partir de definições e algoritmos variados, o que implica na necessidade de sua revisão por pelo menos um observador experiente, tornando essas medidas subjetivas e ampliando o potencial de alta variabilidade inter- e intraobservador.23,24 Em contraste, a determinação do POC é facilmente obtida a partir da identificação do menor valor numérico da relação entre VE e VO2 para cada minuto do TCPE, não sendo, portanto, dependente da interpretação e experiência do avaliador, e depende de um esforço relativamente pouco intenso, visto que ocorre em níveis relativamente baixos de exercício, bem antes mesmo do LA.
Em relação ao POC nos futebolistas avaliados, alguns achados principais devem ser destacados: 1- como esperado, a obtenção do POC ocorreu em percentual do VO2max e velocidade mais baixos do que naquele em que ocorreu o LA; 2- o POC não foi diferente entre os futebolistas de diferentes posições de jogo, semelhante ao observado em relação ao LA, porém contrário ao observado com o VO2max; 3- não foi observada associação significativa entre POC e as variáveis VO2max e LA; e 4- o coeficiente de variação do valor do consumo de oxigênio no momento da obtenção do POC foi maior do que aquele observado no LA e no VO2max. Ressalta-se, ainda, que os valores do POC obtidos nos jogadores ficaram em média abaixo do percentil 50 dos valores encontrados para homens saudáveis não atletas da mesma faixa etária em estudo anterior15 e que apenas oito (4%) dos futebolistas tiveram POC superiores ao valor de 22, considerado como ponto de corte para ótimo prognóstico clínico,17 sugerindo assim que esses futebolistas possuem uma privilegiada interação circulação-respiração, provavelmente mais econômica no exercício submáximo. No entanto, deve-se destacar que os valores do POC descritos para indivíduos não atletas foram obtidos a partir de TCPE realizados em cicloergômetro de membros inferiores, com um protocolo em rampa individualizado, e, portanto, a descrição do POC em diferentes modalidades e protocolos de exercício deve ser abordada em estudos futuros, visto que há evidências de comportamentos distintos de algumas variáveis obtidas no TCPE em função do protocolo e do ergômetro utilizados.
A velocidade de corrida na esteira rolante e a intensidade de exercício representada pelo percentual do VO2max em que os futebolistas avaliados neste estudo atingiram o POC (10,0 ± 1,0 km.h-1 e 51,3 ± 8,7%, respectivamente) foram menores do que os valores obtidos no LA em futebolistas avaliados em outros estudos, mesmo quando comparados com jogadores de menor desempenho atlético, nos quais é esperada uma ocorrência mais precoce do LA. Por exemplo, segundo Ziogas et al.,25 futebolistas da primeira, segunda e terceira divisão da Grécia submetidos a um TCPE no período pré-temporada atingiram o LA a uma velocidade média de 13,2, 12,6 e 12,3 km.h-1, respectivamente. Já Boone et al.,26 avaliaram 289 futebolistas da primeira divisão da Bélgica e observaram velocidades médias de corrida na esteira rolante no LA que variaram entre 12,7 ± 1,4 nos goleiros até 14,4 ± 0,7 km.h-1 nos zagueiros. Em relação a intensidade de exercício, Impellizzeri et al.,27 e Helgerud et al.,28 avaliaram futebolistas juniores e observaram que esses atingiram o LA em um percentual de VO2max médio acima de 80%. Na medida em que a velocidade de corrida e a intensidade de exercício em que se atinge o LA refletem o estado de treinamento de futebolistas, deve-se indagar e avaliar em estudos futuros se o POC também pode ser útil para diferenciar o desempenho físico de atletas.
Na comparação entre os futebolistas de diferentes posições de jogo, goleiros, meio-campistas, laterais, zagueiros e atacantes não diferiram em relação ao POC. Manari et al.,29 comparam o LA e o VO2max de 450 futebolistas da elite europeia de diferentes posições de jogo e não encontraram diferenças no LA, assim como observado tanto com o LA como com o POC em nosso estudo. Por outro lado, e semelhante ao encontrado no nosso estudo, o VO2max foi menor nos goleiros. Em outro estudo, Tonessem et al.,30 avaliaram 1.545 atletas de futebol masculino e observaram diferenças pequenas a moderadas no VO2max de acordo com a posição de jogo, sendo maior nos futebolistas de meio-campo, seguido de modo decrescente nos de defesa, atacantes e goleiros. De forma semelhante, na avaliação de 25 futebolistas profissionais, Balikian et al.31 observaram valores médios de VO2max menores em goleiros (52,68 mL.kg-1.min-1) em relação à média dos futebolistas das demais posições. No entanto, ao contrário do encontrado no nosso estudo, a média da velocidade em que os jogadores atingiram o LA diferiu de acordo com a posição em campo, sendo menor para os goleiros (12,66 km.h-1) e maior para os laterais (14,33 km.h-1) e meio-campistas (14,11 km.h-1). Não obstante, deve-se destacar, porém, que a diferença entre os métodos utilizados para a mensuração do LA dificulta a comparação dos resultados entre os estudos.
Finalmente, o POC não apresentou associação linear com as variáveis LA e VO2max. Ramos et al.15 não apenas descreveram uma associação moderada com o VO2max (-0,47) e o LA (-0,42) como também observaram que a combinação POC e VO2max possui maior informação prognóstica para mortalidade por todas as causas do que cada uma das variáveis isoladas.17 Tais achados sugerem uma possível independência e complementaridade do POC em relação ao VO2max e ao LA, podendo, assim, contribuir com informações adicionais na interpretação da relação entre sistemas cardiovascular e respiratório durante um TCPE. Dessa forma, pode-se especular que as variáveis submáximas - POC e LA - talvez reflitam melhor as demandas energéticas de uma partida de futebol no contexto atual, no qual as diferenças de distância e de percentual do tempo dispendido em esforços intensos é menos evidente entre os futebolistas das várias posições de jogo.
O presente estudo apresenta algumas limitações além das apresentadas anteriormente. Os TCPE analisados foram restritos aos realizados no período pré-temporada, não permitindo a avaliação do comportamento do POC em diferentes períodos de treinamento dos futebolistas. Além disso, apenas futebolistas adultos, do sexo masculino e de alto nível técnico foram avaliados, o que restringe a extrapolação dos resultados para jogadoras, outras faixas etárias, diferentes níveis técnicos ou outras modalidades esportivas.
O presente estudo descreveu o comportamento do POC e a sua ausência de associação com VO2max e o LA em futebolistas adultos, do sexo masculino e de alto nível técnico. Dessa forma, estudos futuros são necessários para avaliar se o POC é capaz de prover informações adicionais e relevantes em outros contextos desportivos.