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Pontos de corte da função pulmonar e capacidade funcional determinantes para sarcopenia e dinapenia em pacientes com DPOC

Pontos de corte da função pulmonar e capacidade funcional determinantes para sarcopenia e dinapenia em pacientes com DPOC

Autores:

Kamila Mohammad Kamal Mansour,
Cássia da Luz Goulart,
Luiz Carlos Soares de Carvalho-Junior,
Renata Trimer,
Audrey Borghi-Silva,
Andréa Lúcia Gonçalves da Silva

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.45 no.6 São Paulo 2019 Epub 17-Out-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180252

INTRODUÇÃO

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é caracterizada por uma limitação persistente do fluxo aéreo, inicialmente associada à resposta inflamatória anormal nas vias aéreas e pulmões.(1) Secundariamente, sua progressão reflete em sintomas multissistêmicos e presença de comorbidades, como Disfunção Muscular Esquelética (DME), apneia obstrutiva do sono, doença cardiovascular, síndrome metabólica, osteoporose, transtornos mentais e câncer de pulmão.(2,3) A inflamação sistêmica na DPOC aumenta a presença de mediadores inflamatórios na corrente sanguínea, promovendo o estresse oxidativo, o que, consequentemente, resulta na degradação proteica, causando DME.(4-6) O desequilíbrio nutricional e a hipoxemia também são potenciais contribuintes para essa condição, que resulta em um mau prognóstico, independentemente da função pulmonar.(7)

É necessário estar ciente de que a DME é composta por fraqueza muscular periférica, uma mudança de fibras dos tipos I e II para maior presença de fibras do tipo II e atrofia muscular. Geralmente, os pacientes com DPOC apresentam diminuição da tolerância ao exercício físico e dificuldades na realização de atividades diárias. Por isso, a atenção ao músculo esquelético, sua função, estrutura e sua disfunção, nessa população, é importante, pois suas repercussões acarretam em baixo desempenho em exercícios físicos, estado de saúde precário e mortalidade prematura.(7,8)

A perda de força muscular relacionada à idade é conhecida como dinapenia,(9) que leva ao comprometimento funcional do sistema muscular esquelético e está associada à diminuição do desempenho físico,(10) enquanto a perda de massa muscular esquelética é referida como sarcopenia,(11) cuja etiologia pode ter fatores genéticos, fisiológicos e ambientais.(12) Porém, vale ressaltar que não há consenso geral sobre o termo sarcopenia.(13) Ambas as condições estão relacionadas à redução do desempenho muscular, levando à intolerância ao exercício e comportamentos sedentários.(14) É possível afirmar que a sarcopenia pode coexistir com outros transtornos,(15) mas a presença e prevalência da sobreposição entre a dinapenia e a sarcopenia ainda são desconhecidas.

A prevalência de sarcopenia em pacientes com DPOC estável é de cerca de 15%, o que aumenta com a idade e os estágios GOLD;(16) entretanto, a prevalência de dinapenia em pacientes com DPOC precisa ser investigada. É importante enfatizar que a DPOC é caracterizada por dois diferentes fenótipos que possuem suas próprias particularidades que devem ser levadas em conta quando analisa-se o quanto a sarcopenia e a dinapenia estão relacionadas a esses fenótipos.(17) Portanto, o objetivo deste trabalho foi estabelecer um ponto de ponto de corte para variáveis clínicas e funcionais para avaliar a prevalência de sarcopenia e dinapenia em pacientes com DPOC, além de analisar o impacto da disfunção do músculo esquelético nas variáveis avaliadas. A hipótese é que, em pacientes com DPOC, a sarcopenia e a dinapenia poderiam ser previstas pela redução da capacidade funcional, da força muscular respiratória e da obstrução das vias aéreas.

MÉTODOS

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo transversal, com amostra não probabilística de conveniência, realizado no Programa de Reabilitação Cardiorrespiratória do Hospital Santa Cruz (Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul). A amostra deste estudo foi constituída por pacientes que compareceram ao ambulatório de pneumologia do Hospital Santa Cruz para acompanhamento e tratamento de suas condições, e que foram solicitados a ingressar no Programa de Reabilitação Cardiorrespiratória por meio do encaminhamento do pneumologista ou clínico geral. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul, protocolo nº 1.514.705. Todos os voluntários assinaram um termo de consentimento antes da participação.

Indivíduos e seleção

Foram inclusos no estudo indivíduos com diagnóstico clínico de DPOC confirmado por teste de função pulmonar, cognição adequada, sem exacerbação da doença 30 dias antes da seleção e aqueles que assinaram o termo de consentimento informado. Os critérios de exclusão foram: distúrbios musculoesqueléticos ou neurológicos que afetavam o aparelho locomotor de forma a impedir a participação no protocolo de pesquisa, diagnóstico clínico de câncer de pulmão, alcoolismo, arritmias, doença metabólica não controlada ou alterações no eletrocardiograma.

Avaliação

A pesquisa foi conduzida em um laboratório ambientado a uma temperatura de 22 °C e umidade relativa entre 50% e 60%, durante a manhã (entre 8h e 12h). As características clínicas do sujeito foram revisadas e registradas, incluindo idade, gênero, altura, peso e medicações utilizadas.

Triagem de dinapenia

A Força de Preensão Palmar (FPP) foi medida para avaliar a força muscular (Dinamômetro Hidráulico Jamar, Bolingbrook, IL, EUA). Para realizar a manobra, os voluntários permaneciam sentados em uma cadeira de altura padrão sem apoio de braço com o ombro aduzido, cotovelo flexionado a 90°, antebraço em posição neutra e pulsos com 15° de extensão.(18) Os participantes foram solicitados a agarrar o dinamômetro em sua potência máxima. Três tentativas em ambas as mãos foram realizadas com um descanso de um minuto entre cada uma delas. O valor médio de cada mão foi usado na análise. Consideramos a dinapenia quando os pacientes apresentavam os seguintes valores de corte: <30 kg/f para homens e <20 kg/f para mulheres.(19)

Triagem de sarcopenia

A massa muscular esquelética foi avaliada pela Massa Muscular Esquelética Apendicular (MMEA) e definiu-se o Índice de Massa Muscular Esquelética (IMME) como MMEA/altura2 (kg/m2).(20) A sarcopenia foi diagnosticada de acordo com os critérios propostos pelo European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP).(11) Foram considerados sarcopênicos aqueles pacientes com baixa massa muscular, definida como IMME, abaixo de 7,26 kg/m2 para homens e abaixo de 5,45 kg/m2 para mulheres.(11)

Em relação à massa magra, avaliou-se a composição corporal dos pacientes por bioimpedância elétrica com Biodynamics® (modelo 420, versão internacional 5.1). O exame foi realizado de acordo com a declaração do Instituto Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde.(21)

Teste de função pulmonar

Para avaliar a função pulmonar, foi utilizado um espirômetro digital (Microloop®, MK8, Care Fusion, Hoechberg, Alemanha). O teste foi realizado de acordo com as recomendações da American Thoracic Society(22) e os resultados foram interpretados de acordo com os valores de Pereira et al.(23) As variáveis analisadas foram: Volume Expiratório Forçado no Primeiro Segundo (VEF1) e relação VEF1/CVF. A limitação do fluxo aéreo foi categorizada de acordo com as recomendações da Iniciativa Global para a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica de 2018, em que os pacientes foram classificados como leves (GOLD I), moderados (GOLD II), graves (GOLD III) ou muito graves (GOLD IV).(1)

Força muscular respiratória

A Força Muscular Respiratória (FMR) foi avaliada através de manômetro digital (MDI®, MVD300, Porto Alegre, Brasil), pelo qual foi possível obter medidas da Pressão Inspiratória Máxima (PImáx) e da Pressão Expiratória Máxima (PEmáx). A PImáx foi obtida após o indivíduo expirar o volume residual e realizar a inspiração até a capacidade pulmonar total. Já para PEmáx, o paciente passou por uma inspiração para a capacidade pulmonar total, expirando até o volume residual. Os valores foram posteriormente comparados com aqueles descritos pela literatura para a população brasileira(24) e expressos como porcentagem dos valores previstos. A fraqueza muscular respiratória foi determinada para uma PImáx <60 cm H2O.(25)

Capacidade funcional

O Incremental Shuttle Walking Test (ISWT), de acordo com Singh et al.,(26) é um teste que visa avaliar o desempenho considerando os sintomas limitantes dos indivíduos selecionados para avaliação da capacidade funcional. O teste tem 12 etapas com um minuto cada, com velocidade inicial de 0,5 metros/segundo (m/s); a cada minuto, acrescenta-se 0,17 m/s (equivalente a 10 metros/minuto) e, ao final de cada etapa, há um comando verbal padronizado para informar ao indivíduo que deve aumentar a velocidade de caminhada. Esta velocidade é determinada por dois tipos distintos de bipes: um único bipe indicando uma mudança de direção e um sinal triplo (“bip”), que indica uma mudança de direção e estágio. A porcentagem da distância percorrida prevista pelo ISWT (% prevista) foi calculada considerando gênero, idade, altura e peso de cada paciente, segundo Dourado et al.(27)

Análise estatística

Os dados foram analisados pelo pacote estatístico Sigmaplot® (versão 11.0, Systat Software Inc., San Jose, CA, EUA) e foram testados para normalidade através do teste de Shapiro-Wilk, sendo então apresentados descritivamente como média e desvio padrão (paramétrico), ou como mediana e intervalo mínimo e máximo (não paramétrico). As análises entre os grupos foram realizadas pelo teste t de Student ou Mann Whitney.

A precisão das variáveis clínicas, da função pulmonar (VEF1% do previsto), da força muscular respiratória (PImáx) e da capacidade funcional (ISWT) em determinar os pontos de corte preditivos para sarcopenia e dinapenia, foi obtida por meio das curvas Receiver Operating Characteristic (ROC).(28) A área total abaixo da curva ROC foi determinada entre os índices VEF1 (% previsto), PImáx, ISWT e os índices de sarcopenia e dinapenia. Já a maior área sob a curva ROC representou maior poder discriminatório das variáveis clínicas para estabelecer as doenças em questão, em indivíduos com DPOC(29). O intervalo de confiança de 95% (IC95%) foi utilizado para determinar a capacidade das variáveis clínicas em prever sarcopenia e dinapenia, com o limite inferior sendo maior que 0,50.(24) Posteriormente, a partir dos pontos de corte das variáveis clínicas que se obtiveram áreas significativas sob a curva ROC, com os respectivos valores de sensibilidade e especificidade, equilibrados entre si e não inferiores a 60%.

Os resultados foram comparados por meio de análise de variância bidirecional em postos, com post-hoc Bonferroni, a fim de identificar diferenças estatisticamente significativas em: (i) capacidade funcional; e (ii) função pulmonar. Para essas análises, os indivíduos foram categorizados de acordo com o efeito DME (dinapenia vs. sarcopenia) e o efeito não DME (sem dinapenia vs. sem sarcopenia). Os resíduos foram avaliados sob os pressupostos de normalidade, variância constante e independência. O valor P≤0,05 foi considerado significativo.

RESULTADOS

Um total de 20 indivíduos participaram do estudo, 11 foram estratificados com sarcopenia, sete com dinapenia e sete com sobreposição entre as condições. Em pacientes com DPOC com sarcopenia, encontramos menor massa magra e menor PImáx, diminuição da FPP e redução da capacidade funcional, quando comparados aos do grupo sem sarcopenia. Já os pacientes com dinapenia apresentaram PImáx reduzida, menor FPP e percorreram uma distância menor no ISWT, quando comparados com os pacientes do grupo sem dinapenia (Tabela 1). Não houve diferenças significativas nos grupos para idade, IMC, função pulmonar, estágios GOLD e PEmáx. É importante ressaltar que não encontramos diferença significativa entre os grupos de sobreposição e dinapenia e sarcopenia isoladamente.

Tabela 1 Características clínicas dos pacientes com DPOC estratificados por sarcopenia e dinapenia. 

Variáveis Sem dinapenia (n = 13) Sem Sarcopenia (n = 9) Dinapenia (n = 7) Sarcopenia (n = 11) Dinapenia + Sarcopenia (n = 7) P# P*
Idade (anos) 65,0±4,0 65,6±5,1 66,5±4,1 65,7±5,0 65,0±5,3 0,34 0,98
Gênero, Masculino n (%) 11 (84,6) 6 (66,6) 4 (57,1) 10 (90,9) 5 (71,4) 0,30 0,26
Altura (cm) 1,5±0,1 1,6±0,1 1,6±0,3 1,6±0,1 1,6±0,1 0,85 0,86
IMC (Kg/m2) 26,0±6,6 25,7±5,6 24,6±4,9 25,5±6,6 25,9±3,4 0,48 0,73
Massa magra (Kg) 43,9±15,0 53,9±12,8 37,8±6,6 34,2±6,9 30,1±5,3 0,02 0,20
Espirometria
VEF1 (L/s) 1,1±0,7 1,2±0,6 0,9±0,1 0,9±0,4 1,0±0,5 0,09 0,53
VEF1 (% prevista) 38,3±24,1 44,8±23,6 37,6±11,0 33,6±18,3 39,1±18 0,10 0,88
VEF1/ CVF (L/s) 0,50±0,16 0,53±0,19 0,44±0,13 0,44±0,11 0,44±0,13 0,26 0,44
VEF1/ CVF (% prevista) 64,4±23,6 68,8±28,2 56,7±17,1 57,3±16,0 56,7±17,1 0,26 0,42
Estágios (GOLD) DPOC, n (%) 0,60 0,35
Estágio II 5 (38,4) 4 (44,4) 1 (14,2) 2 (18,1) 1 (14,3)
Estágio III 4 (30,7) 2 (22,2) 4 (57,1) 4 (36,3) 4 (57,1)
Estágio IV 4 (30,7) 3 (33,3) 2 (28,5) 5 (45,4) 2 (28,6)
Força muscular respiratória
PImáx (cmH2O) 78,2±27,6 82,3±18,0 52,1±21,8 62,4±31,4 67,5±27,1 0,04 0,03
PImáx (% prevista) 79,5±29,1 86,0±18,2 55,9±24,9 63,3±30,6 70,5±28,5 0,20 0,73
PEmáx (cm H2O) 114,8±43,6 124,1±32,5 89,1±33,1 95,8±44,5 101,8±32,5 0,15 0,26
PEmáx (% prevista) 106,3±36,0 121,2±26,7 90,2±34,8 88,3±35,2 95,1±18,5 0,10 0,35
Fraqueza Muscular Inspiratória
(PImáx <60 cmH2O), n (%)
0,06 0,04
Sim 1 (7,6) 1 (11,1) 5 (71,5) 7 (63,7) 5 (71,4)
Não 12 (92,4) 8 (88,9) 2 (28,5) 4 (36,3) 2 (28,6)
Força de Preensão Palmar
Preensão Palmar (kg/f) 39,2±10,0 37,7±12,9 21,0±5,1 31,1±11,3 22,3±5,4 0,04 <0,01
Capacidade funcional
ISWT (m) 326,1±77,5 347,5±57,7 251,6±77,8 270,0±86,0 215,7±118,7 0,02 0,03
ISWT (% prevista) 47,9±16,0 55,4±13,3 38,3±9,3 37,2±10,7 33,9±16,9 0,05 0,16

Os dados são apresentados como média ± desvio padrão; n (%): número de pacientes (% do tamanho da amostra); P# <0,050 entre sarcopenia vs. sem sarcopenia; P* <0,050 entre a dinapenia vs. sem dinapenia; DPOC: Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; IMC: Índice de Massa Corporal; VEF1: Volume Expiratório Forçado em um segundo; CVF: Capacidade Vital Forçada; GOLD: Global Initiative for Chronic Lung Disease, Pimáx: Pressão Inspiratória Máxima; PEmáx: Pressão Expiratória Máxima; ISWT: Incremental Shuttle Walking Test.

Os pontos de corte, as áreas sob a curva ROC e o IC 95% das variáveis clínicas, assim como a sensibilidade e especificidade das variáveis clínicas preditoras de sarcopenia e dinapenia, estão disponíveis na Tabela 2. De acordo com as variáveis de predição VEF1 <52%, PImáx <73 cm H2O, PEmáx <126 cm H2O e VEF1 <40%, PImáx <71 cmH2O, PEI <110 cm H2O, identificaram, respectivamente, sarcopenia e dinapenia nesses pacientes. A distância percorrida no ISWT foi significativamente capaz de determinar a presença de ambas as doenças em pacientes com DPOC, onde, a distância de 295 metros para sarcopenia e 230 metros para dinapenia, foram estabelecidas como ponto de corte de acordo com a sensibilidade e a especificidade adotadas.

Tabela 2 Valores de corte, sensibilidade e especificidade de variáveis clínicas com previsão de sarcopenia e dinapenia em pacientes com DPOC. 

Variáveis Sarcopenia (n = 20) Dinapenia (n = 20)
Corte Sensibilidade Especificidade AUC
[Intervalo de confiança
95%]
Corte Sensibilidade Especificidade AUC [Intervalo de confiança
95%]
Espirometria
VEF1 (L/s) 1,0 75 71 0,726 [0,477-0,902] 0,97 57 50 0,580 [0,336-0,798]
VEF1(% prevista) 0,52 83 57 0,738 [0,489-0,909] 0,40 57 41 0,580 [0,336-0,798]
Força muscular respiratória
PImáx (cm H2O) 73 66 85 0,696 [0,447-0,882] 71 62 72 0,545 [0,305-0,771]
PImáx (% prevista) 70 66 85 0,690 [0,441-0,878] 70 71 67 0,534 [0,295-0,762]
PEmáx (cm H2O) 126 58 43 0,649 [0,400-0,850] 110 50 72 0,597 [0,351-0,811]
PEmáx (% prevista) 100 66 85 0,750 [0,502-0,917] 101 75 72 0,659 [0,410-0,857]
Capacidade funcional
ISWT (m) 295 66 85 0,774 [0,527-0,931] 230 71 80 0,855 [0,592-0,977]
ISWT (% prevista) 45 75 71 0,774 [0,527-0,931] 45 71 58 0,532 [0,288-0,766]

DPOC: Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica; AUC: Area under curve; VEF1: volume expiratório forçado em um segundo; PImáx: pressão inspiratória máxima; PEmáx: pressão expiratória máxima; m: metros; n: número de pacientes; ISWT: Incremental Shuttle Walk Test. Significância estatística p <0,05.

Quando a ANOVA de duas vias foi aplicada, descobriu-se que pacientes com DPOC com dinapenia e sarcopenia (efeito DME) apresentaram uma redução na distância percorrida no ISWT (p = 0,002) e na porcentagem ISWT (p = 0,017) (Figura 1), demonstrando o impacto do DME na capacidade funcional desses pacientes. Entretanto, é importante ressaltar que não foram encontrados resultados significativos para o VEF1.

Figura 1 Comparação da capacidade funcional e do VEF1 em pacientes com DPOC com DME e sem DME. #p <0,050 para DME. VEF1: volume expiratório forçado em um segundo; ISWT: Incremental Shuttle Walking Test; DME: disfunção muscular esquelética. (A) Comparação entre o VEF1 (L/s) dos grupos DME e sem DME; (B) Comparação entre o %VEF1 dos grupos DME e sem DME; (C) Comparação entre o ISWT (m) dos grupos DME e sem DME; (D) Comparação entre o %ISWT dos grupos DME e sem DME. 

DISCUSSÃO

Pacientes com DPOC e sarcopenia ou dinapenia apresentam redução da força muscular inspiratória, da força de preensão manual e da distância percorrida no Incremental Shuttle Walking Test (ISWT). Já os pacientes com DPOC e com sarcopenia apresentaram redução na massa magra. De acordo com a curva ROC, foi possível estabelecer que pacientes com DPOC com VEF1 (% previsto) <52%, PImáx <73 cm H2O, PEmáx <126 cm H2O foram identificados com sarcopenia, e VEF1 <40%, PImáx <71 cmH2O, PEmáx <110 cm H2O foram identificados com dinapenia. Além disso, uma distância percorrida no ISWT de 295 e 230 metros pode determinar sarcopenia ou dinapenia, respectivamente.

A DME está associada à diminuição do desempenho físico e da capacidade funcional; além disso, o comprometimento da musculatura esquelética pode provocar repercussões fisiológicas, metabólicas e funcionais.(30,31) Em pacientes com DPOC, a DME afeta tanto os grupos musculares ventilatórios quanto os não ventilatórios, contribuindo para um maior gasto energético para que o indivíduo execute suas atividades diárias, além de diminuir a qualidade de vida, consequentemente resultando em um mau prognóstico.(3) Nosso estudo está de acordo com estes achados, em que foi possível localizar o impacto na força dos músculos e na força respiratória, bem como na capacidade funcional de ambos os pacientes com sarcopenia ou dinapenia.

A fisiopatologia da DME é complexa e envolve danos às fibras e eventos catabólicos que pioram com o envelhecimento e a presença de comorbidades.(30) Byun et al.(4) encontraram correlação entre sarcopenia, idade avançada, baixo índice de massa corporal, presença de comorbidades e inflamação sistêmica em pacientes com DPOC. Portanto, considerando que a amostra deste estudo foi composta por idosos, podemos supor que a perda muscular dos pacientes ocorreu devido a razões fisiológicas naturais, como um desequilíbrio entre a síntese proteica muscular e a quebra de proteínas musculares, e alterações associadas às consequências da DPOC, como inflamação crônica e declínio funcional. É importante ressaltar que a perda de 1% da massa magra é equivalente a uma redução de 3% na força muscular em idosos, algo que pode ter impacto na funcionalidade de uma pessoa.(27)

A sarcopenia e a dinapenia são duas condições relacionadas à massa muscular e à sua função, e para identificá-las, existem vários métodos que podem ser usados. Bone et al.,(31) em um estudo de revisão, listaram força de preensão manual e baixa velocidade de marcha como instrumentos para definir sarcopenia. Note-se que a medida de preensão manual tem a vantagem de ser simples e fácil, sendo, às vezes, usada como um índice de força muscular para o corpo inteiro. Quando se trata de avaliação da massa muscular, utilizou-se a análise de impedância bioelétrica, considerada por Maddocks et al.(32) a ferramenta mais prática para esse fim. Existem outros métodos usados para avaliação da massa muscular, como visto em Bone et al.,(31) que citaram a absorciometria por raios-X duplo e a tomografia computacional. Especificamente para determinar a dinapenia, Morley et al.(33) mencionaram avaliar a velocidade de caminhada, a distância percorrida e subir escadas, como ferramentas de triagem. No entanto, para identificar a sarcopenia em pacientes com DPOC, a maioria dos estudos utilizou o teste de caminhada de seis minutos para avaliação da capacidade funcional. Até o presente momento, nenhum estudo utilizou o ISWT para esse fim(34-36).

É válido ressaltar que, até o momento, ainda não há consenso sobre as ferramentas de mensuração ou ponto de corte diagnóstico para determinar essas duas condições, mas sabe-se que o diagnóstico pode ser feito pela avaliação da massa muscular e do desempenho funcional.(5) A diversidade de métodos disponíveis para medir essas variáveis pode levar a vários pontos de corte, bem como subestimar a presença dessa condição em pacientes com DPOC. É importante ressaltar que este é um estudo relevante e original em que se avaliaram a sarcopenia e a dinapenia em pacientes com DPOC moderada a muito grave, demonstradas pelo teste de função pulmonar, através do FEV1 (% pred) <52, e a avaliação do desempenho físico por meio do ISWT, da distância percorrida de <295 metros, que é capaz de prever sarcopenia, e da distância em ISWT <230 metros, que é capaz de prever dinapenia.

Estes achados são importantes porque permitem que profissionais da saúde apliquem métodos viáveis para avaliar a sarcopenia e a dinapenia em sua rotina, como a espirometria e uma sala de 10 metros para realizar o ISWT. Além disso, os resultados demonstram que é necessária uma avaliação cuidadosa desses pacientes, bem como um futuro enfoque nos mecanismos baseados na DME e sua relação com a execução de atividades diárias, os níveis de atividade física e a qualidade de vida na população com DPOC.

Algumas limitações apontadas são devidas aos rígidos critérios de inclusão e exclusão de nosso estudo, que resultou em um número de indivíduos que pode ser considerado pequeno. É importante ressaltar que os resultados deste trabalho devem ser considerados apenas para pacientes com DPOC. Este estudo possui relevância clínica, pois os impactos da DME na DPOC atinge os sistemas anatômico, fisiológicos e funcionais, desta forma a identificação dessas condições pode ajudar diferentes profissionais a avaliar de forma viável e planejar o tratamento desses pacientes com intervenções específicas (por exemplo, programas multidisciplinares de reabilitação), uma vez que já é de conhecimento geral que através de exercícios físicos, a sarcopenia pode ser revertida em pacientes com DPOC e melhorar a condição em adultos mais velhos.(37) Porém, em relação a estratégias de tratamentos nutricionais ainda não existem recomendações específicas.(38) Assim, levando em conta que os músculos esqueléticos desempenham funções essenciais para todo o organismo, destaca-se a importância do reconhecimento precoce desses distúrbios na estratificação e prevenção de risco dos pacientes, o que pode reduzir o desenvolvimento de comorbidades, retardar o declínio funcional e melhorar o prognóstico em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica.

Este estudo foi capaz de fornecer pontos de corte de variáveis para identificar ou prever sarcopenia e dinapenia em pacientes com DPOC moderada a muito grave. Além disso, a DME causa impacto negativo na força muscular periférica e na capacidade funcional. A sarcopenia pode ser prevista pelo VEF1 (% previsto) <52, PImáx <73 cm H2O, PEmáx <126 cm H2O e distância percorrida de <295 metros no ISWT. Já a dinapenia pode ser prevista pelo VEF1 <40%, PImáx <71 cm H2O, PEmáx <110 cm H2O e distância de <230 metros percorridos no ISWT.

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