versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.41 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 12-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0243
Os eletrólitos e suas alterações trazem importantes repercussões sobre a saúde, além de representarem um importante desafio na prática clínica. Essas moléculas contribuem para a manutenção da homeostase1. Cloro (Cl), sódio (Na) e seus respectivos distúrbios foram associados a vários eventos deletérios em situações clínicas agudas e crônicas2-12. Pacientes com doenças renais são uma população de especial interesse.
Esses pacientes são mais propensos a sofrer distúrbios de Na e Cl e seus consequentes efeitos deletérios sobre a saúde. Tais efeitos incluem alterações da diluição e concentração urinária em resposta ao hormônio antidiurético e disfunções da reabsorção e excreção da água, Na e CI13,14. Estudos anteriores relataram associações entre distúrbios do sódio e hipocloremia a mortalidade em pacientes com doença renal crônica (DRC) em diálise ou não15-22. Portanto, distúrbios do cloro e do sódio têm sido vistos como possíveis indicadores preditivos de mortalidade nessa população15-22.
Distúrbios do sódio e do cloro em pacientes com insuficiência renal aguda (IRA) ou DRC submetidos a diálise aguda exigem especial atenção. É razoável imaginar que em pacientes com IRA exista uma associação entre tais distúrbios e mortalidade. Contudo, são poucos os estudos que relataram associações entre hipercloremia13 ou distúrbios do sódio com mortalidade em pacientes com IRA submetidos a hemodiálise23. Em nossa análise, não identificamos publicações a respeito da associação entre distúrbios de Na e Cl e mortalidade em pacientes com DRC submetidos a hemodiálise aguda.
Nosso estudo avaliou a associação entre distúrbios do sódio ou cloro e mortalidade hospitalar em pacientes com IRA ou DRC submetidos a hemodiálise aguda. Os achados podem ser úteis para o aprimoramento do manejo clínico desses pacientes.
O presente estudo de coorte retrospectiva incluiu pacientes adultos diagnosticados com IRA ou DRC em hemodiálise aguda entre janeiro de 2015 e julho de 2017 no Serviço de Nefrologia do Hospital Nacional Dois de Maio, uma instituição pública gerida pelo Ministério da Saúde localizada em Lima, Peru.
O diagnóstico de IRA ou DRC, bem como a indicação para hemodiálise, foram determinados por um nefrologista com base nos critérios clínicos propostos nas diretrizes do KDIGO (Kidney Disease Improving Global Outcomes)24. Foram excluídos pacientes sem doença renal submetidos a diálise (intoxicação por metanol etc.) e indivíduos que receberam tratamento dialítico em outros hospitais (para quem não foi possível acessar os resultados laboratoriais e as avaliações clínicas antes do início da hemodiálise). Hemodiálise aguda foi definida como diálise de emergência em pacientes que nunca fizeram diálise antes. Ambos os grupos de pacientes (IRA e DRC) foram submetidos a hemodiálise convencional. Os pacientes realizaram em média três sessões por semana com duração de três horas e meia a quatro horas, utilizando membranas sintéticas biocompatíveis de baixo fluxo (polissulfona).
Distúrbios de sódio e cloro foram eleitas como variáveis de exposição. Os níveis de eletrólitos foram medidos por técnica química a seco na última amostra obtida 24 horas antes do início da hemodiálise. Os distúrbios do sódio foram classificados em função dos níveis séricos de Na como hiponatremia (inferior a 135 mmol/L) ou hipernatremia (superior a 145 mmol/L). Os distúrbios do cloro foram classificados em hipocloremia (inferior a 98 mmol/L) ou hipercloremia (superior a 109 mmol/L) em função dos valores séricos de Cl. Nosso desfecho foi mortalidade hospitalar.
As variáveis demográficas analisadas no estudo foram sexo e idade. Medimos também potássio sérico (K, classificado em: < 3,5 mmol/L; 3,5 mmol/L a 5,5 mmol/L; ou > 5.5 mmol/L) e bicarbonato (HCO3, classificado em: 24 mmol/L; 24 mmol/L a 25 mmol/L; e > 25 mmol/L) 24 horas antes do início da diálise. O valor do ânion gap (AG) foi calculado pela fórmula Na - (Cl + HCO3) e classificado como alto (> 12) ou normal (< 12). A relação delta AG (12-AG) delta bicarbonato (24-HCO3) foi usada para definir distúrbio triplo. Relações < 1 indicaram coexistência de acidose metabólica com AG elevado ou AG normal, enquanto relações > 2 definiram coexistência de alta acidose metabólica com AG elevado e alcalose metabólica (AM).
Os pacientes com IRA tiveram a gravidade de sua patologia avaliada por meio do índice de Liaño, segundo a equação a seguir:25
Utilizamos o limiar de ≥ 0,74 em função da associação com elevação da mortalidade relatada em uma coorte peruana25. Todas as variáveis foram obtidas a partir dos registros de vigilância epidemiológica do Departamento de Nefrologia.
As variáveis numéricas e categóricas foram expressas em médias e desvios-padrão (DP) e frequências e porcentagens, respectivamente. Nenhum modelo de regressão múltipla atendeu as premissas de nossos dados. Além disso, houve menos observações em certas categorias de variáveis. Em vista disso, substituímos a estimação das medidas de associação e sua incerteza pelo bootstrap não paramétrico, uma técnica de reamostragem que não exige o desenvolvimento ou cumprimento de pressupostos sobre a estrutura probabilística das observações. Para estimar os intervalos de confiança, foram realizadas mil réplicas com modelos de Poisson da família de modelos lineares generalizados com correção de viés acelerado26. Estimamos os riscos relativos na análise bruta (RR) e ajustada (RRa) com intervalos de confiança de 95% (IC) como medida de associação entre exposição e desfecho em todos os pacientes e nas populações com IRA e DRC. Outras variáveis foram incluídas nos modelos ajustados com base em critérios epidemiológicos (fator de confusão teórico) com variáveis medidas27. Portanto, para todos os pacientes e indivíduos com DRC fizemos o ajuste para sexo, idade e HCO3, enquanto para pacientes com IRA ajustes foram feitos para sexo, idade, HCO3 e escore de Liaño ≥ 0,74.
O presente estudo é uma análise de vigilância epidemiológica sem informações confidenciais dos pacientes. O protocolo foi aprovado pelo Departamento de Pesquisas Institucionais do Hospital Nacional Dois de Maio situado em Lima, Peru.
Doze dos 275 pacientes com diagnóstico de IRA ou IRC internados para realizar hemodiálise aguda foram excluídos por não apresentarem medidas de sódio ou cloro. Foram incluídos 263 pacientes, 72 com IRA e 191 com DRC.
As idades médias dos pacientes com IRA e DRC foram 54,7 ± 17,6 e 54,3 ±15,3 anos, respectivamente. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (57%). Os valores médios de sódio foram 140,1 ± 10,4 mmol/L e 137,8 ± 7,3 mmol/L nos pacientes com IRA e DRC, respectivamente (p = 0,049). Hiponatremia (< 135 mmol/L) foi mais observada em pacientes com IRA (31,9%) do em indivíduos com DRC (28,3%). Hipernatremia (> 145 mmol/L) foi mais frequente em pacientes com IRA (30,6%) do que em pacientes com DRC (11,0%) (p < 0,001). Os valores médios de cloro foram 109,0 ± 9,5 mmol/L e 104,4 ± 8,9 mmol/L em pacientes com IRA e DRC, respectivamente (p < 0,001). Hipocloremia (< 98 mmol/L) foi menos frequente em pacientes com IRA (9,7%) do que em pacientes com DRC (22,0%). Por outro lado, hipercloremia (> 109 mmol/L) foi mais frequente em pacientes com IRA (47,2%) do que em pacientes com DRC (29,3%) (p = 0,009). Os valores médios de potássio foram 5,1 ± 1,2 mmol/L e 5,4 ± 1,2 mmol/L em pacientes com IRA e DRC, respectivamente (p = 0,025). Os valores médios de ânion gap foram 18,2 ± 7,1 mmol/L e 20,7 ± 6,5 mmol/L em pacientes com IRA e DRC, respectivamente (p = 0,001). A mortalidade hospitalar foi maior em pacientes com IRA (59,7%) do que em indivíduos com DRC (14,1%) (p < 0,001). A Tabela 1 exibe as características demográficas e clínicas da amostra total, dos pacientes com IRA e dos indivíduos com DRC. A Figura 1 compara a mortalidade entre os grupos em função dos níveis de cloro e sódio. As frequências foram relatadas com um intervalo de confiança de 95%.
Variável | Amostra Total | Pacientes IRA | Pacientes DRC | p valor* |
N = 263 | N = 72 | N = 191 | ||
Idade (média ± DP) | 54,4 ± 15,9 | 54,7 ± 17,6 | 54,3 ± 15,3 | 0,89 |
Sexo feminino, n (%) | 112 (42,6) | 33 (45,8) | 79 (41,36) | 0,513 |
Sódio (mmol/L) (média ± DP) | 138,5 ± 8,3 | 140,1 ± 10,4 | 137,8 ± 7,3 | 0,049 |
Normal (135 - 145), n (%) | 143 (54,4) | 27 (37,5) | 116 (60,7) | < 0,001 |
Baixo (< 135), n (%) | 77 (28,3) | 23 (31,9) | 54 (28,3) | |
Elevado (> 145), n (%) | 43 (16,4) | 22 (30,6) | 21 (11,0) | |
Cloro (mmol/L) (média ± DP) | 105,6 ± 9,3 | 109,0 ± 9,5 | 104,4 ± 8,9 | < 0,001 |
Normal (98 - 109), n (%) | 124 (47,2) | 31 (43,1) | 93 (48,7) | 0,009 |
Baixo (< 98), n (%) | 49 (18,6) | 7 (9,7) | 42 (22,0) | |
Elevado (>109), n (%) | 90 (34,2) | 34 (47,2) | 56 (29,3) | |
Potássio (mmol/L) (média ± DP) | 5,3 ± 1,2 | 5,1 ± 1,2 | 5,4 ± 1,2 | 0,025 |
Normal (3,5-5,5), n (%) | 151 (57,4) | 48 (66,6) | 103 (53,9) | 0,124 |
Baixo (< 3,5), n (%) | 9 (3,4) | 3 (4,2) | 6 (3,2) | |
Elevado (> 5,5), n (%) | 103 (39,2) | 21 (29,2) | 82 (42,9) | |
HCO3 (mmol/L) (média ± DP) † | 13,2 ± 4,7 | 13,4 ± 4,9 | 13,1 ± 4,7 | 0,694 |
Normal (24-25) | 3(1,2) | 0 (0,0) | 3 (1,7) | 0,371 |
Baixo (< 24) | 245 (98,0) | 70 (100,0) | 175 (97,2) | |
Elevado (> 25) | 2 (0,8) | 0 (0,0) | 2 (1,1) | |
pH (média ± DP) † | 7,2 ± 0,5 | 7,1 ± 0,9 | 7,2 ± 0,2 | 0,116 |
Normal (7,4 - 7,5), n (%) | 24 (9,6) | 9 (12,9) | 15 (8,3) | 0,276 |
Baixo (< 7,4), n (%) | 226 (90,4) | 61 (87,1) | 165 (91,7) | |
Ânion Gap ‡ | 20,0 ± 6,8 | 18,2 ± 7,1 | 20,7 ± 6,5 | 0,001 |
< 8 | 7 (2,9) | 3 (4,4) | 4 (2,3) | 0,056 |
8 a 12 | 23 (9,4) | 11 (15,9) | 12 (6,9) | |
> 12 | 214 (87,7) | 55 (79,7) | 159 (90,8) | |
Escore de Liaño (≥ 0,74), n (%)¶ | NA | 35 (48,6) | NA | NA |
Mortalidade, Yes, n (%) | 70 (26,6) | 43 (59,7) | 27 (14,1) | < 0,001 |
Obs.: DP: desvio padrão; NA: não se aplica; IRA: insuficiência renal aguda; DRC: doença renal crônica
†n = 264;
‡n = 244;
¶n = 72
*Valor estimado para a comparação entre pacientes com IRA e DRC
Ao avaliar a associação entre distúrbios do sódio, distúrbios do cloro e mortalidade hospitalar, os modelos brutos e ajustados revelaram diferenças na mortalidade entre os pacientes que apresentaram hipernatremia (RRa: 1,82; IC 95% 1,17-2,83), mas não nos indivíduos com hiponatremia (RRa: 1,19; IC 95% 0,69-2,04) em relação àqueles com valores normais de sódio. Não identificamos diferenças na mortalidade hospitalar entre os pacientes com hipercloremia (RRa: 1,35; IC 95% 0,83-2,18) ou hipocloremia (RRa: 0,66; IC 95%: 0,30-14,78) em relação aos que tinham valores normais de cloro. Não foi identificada associação com subgrupos de IRA e DRC separadamente, conforme mostrado na Tabela 2.
Variável | Óbito n (%) | RR Bruta | RR Ajustada | |
Todos | Sim (n = 70) | Não (n = 193) | n = 263 | n = 251* |
Sódio | ||||
Normal (135-145 mmol/L), n (%) | 32 (22,4) | 111 (77,6) | Ref | Ref |
Baixo (<135 mmol/L), n (%) | 20 (26,3) | 57 (74,0) | 1,16 (0,67 - 1,99) | 1,19 (0,69 - 2,04) |
Elevado (>145 mmol/L), n (%) | 18 (41,9) | 25 (58,1) | 1,87 (1,15 - 3,05) | 1,82 (1,17 - 2,83) |
Cloro | ||||
Normal (98-109 mmol/L), n (%) | 31 (25,0) | 93 (75,0) | Ref | Ref |
Baixo (<98 mmol/L), n (%) | 8 (16,3) | 41 (83,7) | 0,65 (0,30 - 1,42) | 0,66 (0,30 - 14,78) |
Elevado (>109 mmol/L), n (%) | 31 (34,4) | 59 (65,6) | 1,38 (0,89 - 2,12) | 1,35 (0,83 - 2,18) |
Pacientes com DRC | Sim (n = 27) | Não (n = 164) | n = 191 | n = 180** |
Sódio | ||||
Normal (135-145 mmol/L), n (%) | 16 (13,8) | 100 (86,2) | Ref | Ref |
Baixo (<135 mmol/L), n (%) | 7 (13,0) | 47 (87,0) | 0,94 (0,37 - 2,37) | 0,93 (0,34 - 2,59) |
Elevado (>145 mmol/L), n (%) | 4 (19,0) | 17 (81,0) | 1,38 (0,00 - 2560,93) | 1,61 (0,73 - 35,42) |
Cloro | ||||
Normal (98-109 mmol/L), n (%) | 14 (15,0) | 79 (85,0) | Ref | Ref |
Baixo (< 98 mmol/L), n (%) | 4 (9,5) | 38 (90,5) | 0,63 (0,03 - 14,53) | 0,66 (0,02 - 21,22) |
Elevado (> 109 mmol/L), n (%) | 9 (16,1) | 47 (83,9) | 1,07 (0,47 - 2,42) | 1,14 (0,48 - 2,66) |
Pacientes com IRA | Sim (n = 43) | Não (n = 29) | n = 72 | n = 71*** |
Sódio | ||||
Normal (135-145 mmol/L), n (%) | 16 (59,3) | 11 (40,7) | Ref | Ref |
Baixo (< 135 mmol/L), n (%) | 13 (56,5) | 10 (43,5) | 0,95 (0,58 - 1,58) | 1,01 (0,59 - 1,71) |
Elevado (> 145 mmol/L), n (%) | 14 (63,6) | 8 (36,4) | 1,07 (0,67 - 1,72) | 1,00 (0,66 - 1,52) |
Cloro | ||||
Normal (98-109 mmol/L), n (%) | 17 (54,8) | 14 (45,2) | Ref | Ref |
Baixo (< 98 mmol/L), n (%) | 4 (57,1) | 3 (42,9) | 1,04 (0,05 - 22,88) | 1,03 (0,51 - 2,05) |
Elevado (> 109 mmol/L), n (%) | 22 (64,7) | 12 (35,3) | 1,18 (0,78 - 1,78) | 1,12 (0,70 - 1,80) |
*Ajustado para sexo, idade, HCO3.
**Ajustado para sexo, idade e HCO3
***Ajustado para sexo, idade, HCO3 e escore de Liaño ≥ 0,74
Nossos achados revelaram que em um único hospital geral no Peru houve associação entre hipernatremia e mortalidade hospitalar de pacientes com IRA ou DRC submetidos a hemodiálise aguda. Contudo, não houve associação em cada grupo separadamente. Além disso, não encontramos associação entre distúrbios do cloro e mortalidade nesses pacientes. Nossa análise representa uma das primeiras casuísticas publicadas sobre esse assunto em um país em desenvolvimento.
A fisiopatologia da associação entre distúrbios do sódio e mortalidade é limitada e inconclusiva. Embora os distúrbios do sódio possam estar associadas a alterações cerebrais, o que pode explicar sua associação com mortalidade em pacientes críticos12,28,29, ainda não foi determinado se tal mortalidade é devida a distúrbios de sódio ou patologia de base9. No tocante aos pacientes com IRA em hemodiálise, apenas um estudo encontrou associação entre hipernatremia (definida como Na > 156 mmol/L) e mortalidade23. Um estudo americano relatou associação entre nível sérico de sódio e mortalidade em pacientes com DRC em hemodiálise para valores de sódio < 138 mmol/L e ≥ 140 mmol/L, com associação mais forte para valores inferiores a 138 mmol/L17. Isso significa que a associação com mortalidade ocorre nos extremos dos valores de sódio17. Até onde sabemos, a presente investigação representa o primeiro relato de correlação positiva entre distúrbio do sódio e mortalidade em pacientes em hemodiálise, em que foram incluídos indivíduos com IRA e DRC.
O mecanismo fisiopatológico da associação entre distúrbios do cloro e mortalidade é complexo e não foi exaustivamente explicado. A hipocloremia está possivelmente associada a função neutrofílica anormal30,31. A acidose metabólica hiperclorêmica (AG normal) eleva a resposta pró-inflamatória, com níveis aumentados de óxido nítrico e interleucinas 6 e 10 ou fator de necrose tumoral (TNF)32,33. Contudo, nem todos os estudos encontraram associação entre distúrbios do cloro e mortalidade35, possivelmente em função de diferenças entre os pacientes incluídos. Estudos que identificaram associação entre hipercloremia e mortalidade foram frequentemente realizados em pacientes com maior carga de Cl devido ao uso de soro fisiológico (0,9% NaCl)2,4. O uso de NaCl a 0,9% também foi associado a mortalidade em alguns estudos em pacientes cirúrgicos34,35. Em nosso estudo, não foi possível determinar a frequência do uso de NaCl a 0,9% e da carga de Cl. Da mesma forma, nossos pacientes com hipercloremia não apresentaram acidose metabólica com AG normal concomitante. Tal fato pode explicar o motivo de não termos encontrado associação entre hipercloremia e mortalidade, ao contrário de outros estudos36,37.
Alguns estudos em pacientes críticos sem IRA sugeriram que a associação entre hipercloremia e mortalidade ocorre apenas quando a análise de Cl é realizada 72 horas após a internação4, situação diferente do nosso estudo, em que o Cl foi medido no primeiro dia de internação. É possível que a associação entre distúrbios do cloro e mortalidade em pacientes submetidos a hemodiálise aguda não seja se manifeste de forma independente em relação a fatores confundentes como comorbidades e condição crítica5. Em nosso estudo, entre os pacientes com IRA, os resultados não variaram quando foi feito ajuste para nível de severidade da doença segundo o escore de Liaño.
Nosso estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, não pudemos avaliar objetivamente o nível de severidade, causa da internação, comorbidades e outras condições clínicas dos pacientes submetidos a hemodiálise aguda, o que pode introduzir fatores confundentes nas associações de interesse. No entanto, definimos nossa análise como exploratória, assim nossas exposições foram catalogadas como marcadores de uma possível associação com mortalidade. Em segundo lugar, não conseguimos medir alguns fatores que podem afetar os valores de CI e Na dos pacientes antes do início da hemodiálise, como o uso de soro fisiológico com NaCl 0,9% e outras soluções para hidratação parenteral, diuréticos e o estado de volume sanguíneo ou a nutrição do paciente, entre outros. Em terceiro lugar, a extrapolação dos nossos resultados deve ser realizada com cautela, uma vez que protocolos e condições clínicas podem diferir de outros centros no tocante aos pacientes que necessitam de hemodiálise aguda. Em quarto lugar, a nossa amostra não é representativa da população com IRA/DRC, o que poder afetar a validade externa dos resultados. Contudo, o objetivo principal foi avaliar a existência de uma associação e, nesse sentido, consideramos que isso pode ser feito em populações não representativas38. Em quinto lugar, problemas de poder estatístico (o tamanho da amostra é relativamente pequeno) podem ter ocorrido especialmente quando avaliamos a associação entre hipernatremia em cada um dos grupos (IRA ou DRC). E por fim, na ausência de uma distribuição populacional conhecida, decidimos pelo bootstrap não paramétrico26.
Sugerimos a realização de novos estudos com amostras maiores que avaliem o efeito causal dos distúrbios de sódio e cloro na mortalidade de pacientes com IRA e DRC incluindo a mensuração de outras variáveis clínicas potencialmente confundentes.
Em nossa coorte unicêntrica, identificamos a existência de associação entre hipernatremia e mortalidade hospitalar em pacientes em hemodiálise aguda. Não verificamos associação entre distúrbios do cloro e mortalidade. Nenhuma associação foi encontrada para as populações com IRA ou DRC separadamente. Tal informação é uma relevante evidência primária que pode ser utilizada para subsidiar a tomada de decisões clínicas para as populações em questão. Estudos observacionais prospectivos de maior porte são necessários para confirmar nossos achados.