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Postectomia: complicações pós-operatórias necessitando reintervenção cirúrgica

Postectomia: complicações pós-operatórias necessitando reintervenção cirúrgica

Autores:

Carolina Talini,
Letícia Alves Antunes,
Bruna Cecília Neves de Carvalho,
Karin Lucilda Schultz,
Maria Helena Camargo Peralta Del Valle,
Ayrton Alves Aranha Junior,
Wilmington Roque Torres Cosenza,
Antonio Carlos Moreira Amarante,
Antonio Ernesto da Silveira

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.3 São Paulo 2018 Epub 09-Ago-2018

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4241

INTRODUÇÃO

A postectomia é um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos, e nos dias atuais, mais comumente realizado pelos cirurgiões pediátricos. Em grandes revisões americanas, as taxas de postectomia em recém-nascidos podem chegar até 61,1%, sendo boa parte delas por indicação cultural, e não apenas por motivos médicos.1Recente estudo brasileiro que avaliou as postectomias realizadas em um período de 27 anos no sistema público de saúde por motivos médicos demonstrou que 2,1% de todos os meninos de 1 a 14 anos foram postectomizados. E quando a idade foi limitada para 1 a 4 anos, observou-se que 1,1% destas crianças foram postectomizadas neste período.2

Os benefícios da cirurgia incluem prevenção de infecção urinária e pielonefrite, diminuição nas taxas de câncer de pênis, bem como redução nas doenças sexualmente transmissíveis. No entanto, como outros, este procedimento não é isento de complicações.

As taxas de complicações dependem de múltiplos fatores, incluindo anormalidades anatômicas, comorbidades clínicas, técnica cirúrgica utilizada e idade do paciente.1O sangramento é a complicação mais comum da postectomia, com incidência de até 1% em recentes estudos retrospectivos. Atenção meticulosa à hemostasia durante o procedimento e compressão adequada na sutura da pele podem prevenir esta complicação na maioria dos casos, mas, ainda assim, pode ocorrer deslocamento de coágulos.1Complicações tardias são, em geral, associadas a inclusões de pele remanescentes e remoção insuficiente de prepúcio, o que pode resultar em contração da ferida e em cicatrização da porção distal do prepúcio, levando à sua estenose. O anel fibrótico pode, então, resultar em fimose verdadeira, necessitando reoperação em cerca de 2% dos casos.1 Complicações mais graves são raras.3 Alguns urologistas pediátricos consideram que pacientes adolescentes possuem maior risco de sangramento pós-operatório, no entanto esta associação não foi previamente confirmada pela literatura.4

OBJETIVO

Avaliar as complicações após postectomias e compará-las entre as diferentes técnicas cirúrgicas realizadas e a influência da idade dos pacientes nas complicações pós-operatórias.

MÉTODOS

Realizou-se estudo retrospectivo, por meio da análise de prontuários médicos de 2.441 pacientes submetidos à postectomia entre 1o de maio de 2015 a 31 de maio de 2016, no Hospital Pequeno Príncipe em Curitiba, Paraná. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição, parecer 1.602.963, CAAE: 56993816. 0.0000.0097.

Duas diferentes técnicas cirúrgicas foram utilizadas, de modo que os pacientes foram divididos em dois grupos. A escolha da técnica foi baseada na opinião pessoal e na experiência de cada cirurgião. Foram incluídos na amostra pacientes operados por 19 cirurgiões diferentes, sendo que, destes, 6 eram residentes em cirurgia pediátrica.

Todos os pacientes foram operados mediante indicação médica, e nenhum recém-nascido foi operado. Algumas similaridades foram observadas entre os dois grupos: foi realizado bloqueio do nervo peniano dorsal em todos os pacientes sob anestesia geral e não foi utilizada profilaxia antibiótica.

A primeira das técnicas consistiu na postectomia clássica e foi realizada em 501 pacientes. O prepúcio redundante foi retraído, as aderências à glande foram liberadas e, após a excisão da pele, a hemostasia foi realizada com eletrocautério. A reaproximação dos bordos da pele e mucosa foi realizada com sutura absorvível (Catgut 5-0).

A segunda técnica consistiu no uso do Plastibell. O prepúcio redundante foi puxado para cima, e o dispositivo, posicionado entre o prepúcio e a glande. O tamanho do anel foi escolhido de acordo com o tamanho da glande. Um fio não absorvível foi amarrado ao redor do dispositivo, e o prepúcio distal foi excisado. Não foi utilizado curativo e, no pós-operatório imediato, foi utilizada neomicina tópica. Este grupo consistiu em 1.940 pacientes.

Todos os casos foram analisados, e a amostra consistiu em 80 pacientes que apresentaram complicações necessitando reintervenção cirúrgica. Os dados coletados foram nome, idade na data da cirurgia, técnica cirúrgica utilizada, complicações apresentadas e tratamento cirúrgico realizado após a complicação.

Os dados foram tabulados utilizando Microsoft Office Excel® e analisados utilizando o teste exato de Fisher. O valor de p inferior a 0,05 foi considerado significativo.

RESULTADOS

Do total de 2.441 postectomias realizadas no serviço durante o período avaliado (Figura 1), 80 (3,27%) delas apresentaram complicações, necessitando reintervenção cirúrgica.

(A) Postectomia pela técnica convencional. (B) Postectomia com anel plástico.

Figura 1 Técnicas para postectomia 

Entre todos os pacientes com complicações, 18,8% foram submetidos à postectomia clássica e 81,2%, operados utilizando o anel plástico. A taxa de complicação foi de 3% nas postectomias convencionais e de 3,4% nas postectomias com Plastibell. Por meio do teste de proporções, observou-se valor de p de 0,79, demonstrando que não houve diferença significante entre as duas proporções.

Foram encontrados 22,8% de casos de estenose de prepúcio, 32,9% de sangramento, 41,8% de parafimose ocasionada pelo deslocamento do anel plástico, 1,2% de hematoma no sítio da punção anestésica e 1,2% de infecção de ferida operatória associada à retenção do Plastibell pelo prepúcio (Figura 2).

(A) Estenose prepucial após postectomia clássica. (B) Parafimose por deslocamento do anel plástico. (C) Hematoma após postectomia com anel plástico.

Figura 2 Complicações encontradas no pós operatório 

Dois pacientes apresentaram complicações mais de uma vez. O primeiro foi submetido à postectomia clássica e evoluiu com sangramento local, sendo reoperado por técnica convencional e evoluindo com estenose do prepúcio, que foi corrigida com nova postectomia clássica. O segundo foi inicialmente submetido à circuncisão com Plastibell, evoluindo com sangramento local e sendo reoperado por técnica clássica; na evolução, apresentou estenose prepucial corrigida por nova postectomia com técnica clássica. Quatro pacientes que apresentaram estenose de prepúcio no pós-operatório também apresentaram balanopostite, necessitando tratamento com antibióticos e reoperação.

Quando as complicações foram avaliadas separadamente, observou-se evolução com estenose de prepúcio mais frequentemente em pacientes submetidos à postectomia clássica, com diferença estatisticamente significante, quando comparadas ao uso do anel plástico (p<0,001). A presença de sangramento foi mais prevalente nos casos em que o anel foi utilizado (23 casos versus 3 casos), dado que não demonstrou diferença significante (p=0,37), podendo-se apenas afirmar que houve maior tendência a sangramento com uso de Plastibell (Tabela 1).

Tabela 1 Complicações da postectomia de acordo com a técnica cirúrgica 

Complicação Convencional n (%) Plastibell n (%) Valor de p
Plastibell 6 (0.3) <0.001
Valor de p 23 (1.2) 0.37
Estenose de prepúcio 12 (2,4) 6 (0,3) <0,001
Sangramento 3 (0,6) 23 (1,2) 0,37
Parafimose (deslocamento do anel) 0 33 (1,7)
Outros 0 2 (0,1)

Aplicado teste de proporção. Valor de p<0,05 indica diferença significativa.

A idade dos pacientes variou entre 10 meses a 13 anos, com média de 5,27 anos e mediana de 4 anos. As complicações também foram analisadas de acordo com a faixa etária, porém não houve diferença significativa entre os grupos de complicações quanto à média de idade.

Em relação ao tratamento cirúrgico instituído após a complicação, observamos 30% de casos de remoção do anel, 33,7% de remoção do anel seguida de hemostasia e sutura, 17,5% de reoperados por técnica convencional, 6,2% de pacientes resolvidos apenas com hemostasia por eletrocautério, 3,8% necessitaram de hemostasia e ressutura, e 1,2% teve o anel removido e ainda necessitou hemostasia com cautério. O paciente que apresentou hematoma na punção anestésica foi submetido à exploração local e hemostasia, enquanto o paciente com infecção de ferida e retenção do anel foi submetido à retirada do dispositivo e debridamento local dos tecidos.

DISCUSSÃO

Cerca de 60% dos meninos recém-nascidos nos Estados Unidos são circuncisados ao nascimento5e estima-se que, dos 40% restantes, 4% serão circuncisados até atingirem 15 anos de idade.6 Estudos recentes consideram inclusive que os benefícios da circuncisão são tantos, que a postectomia nos recém-nascidos deveria fazer parte das políticas públicas de saúde.7 Existem poucos dados avaliando as taxas de complicação e a necessidade de reoperação após procedimentos eletivos. Complicações precoces incluem sangramento, hematoma, infecção, inflamação e febre. Algumas complicações podem estar relacionadas à anestesia. As complicações mais traumática para os pais e pacientes são as hemorragias que necessitam de exploração cirúrgica de urgência para controlar o sangramento e retirar o hematoma.4 Estudos recentes demonstraram taxas de reoperação tão baixas quanto 0,1%3 porém outras pesquisas mostram dados semelhantes ao encontrado neste estudo – cerca de 3 a 4,5%.8,9

Este estudo demonstrou não haver diferença nas taxas de reoperação a despeito da idade dos pacientes. Crianças com idade entre 12 e 18 anos são 0,77 vez menos propensas a apresentarem readmissões na emergência dentro de 7 dias após a cirurgia, no entanto, apresentavam 1,91 vez mais chances de necessitar de um segundo procedimento cirúrgico.4Metanálise recente também demonstrou maior complicação nos grupos de maior idade.8

O Plastibell foi inicialmente utilizado para realizar postectomias em 1956 e, desde então, seu uso é cada vez mais difundido e frequente com taxas satisfatórias de sucesso, embora existam relatos de complicações associadas ao seu uso.10 Um grande estudo publicado em 2013 descreveu 119 casos de circuncisão utilizando o anel plástico e demonstrou complicações imediatas em 7 (5,9%) pacientes, sendo que três apresentaram hemorragia com necessidade de reintervenção cirúrgica imediata (conversão para cirurgia convencional). Quando complicações a longo prazo foram avaliadas, observaram-se 32 casos em sua maioria com pouca significância clínica (aderências entre glande e prepúcio, cicatriz fibrótica, edema de prepúcio e um caso de estenose de meato uretral). As complicações relacionadas diretamente ao uso do anel ocorreram em 6 (5,4%) pacientes – cinco deles com dor importante pós-operatória e um que apresentou retenção do Plastibell pelo prepúcio, necessitando remoção manual. As taxas de complicações não apresentaram correlação com o tamanho do anel utilizado e foram semelhantes nas diferentes faixas etárias.10 A incidência de complicações precoces com o uso do dispositivo plástico reportadas por Bastos Netto et al., foi semelhante à da técnica convencional, vindo ao encontro dos dados deste nosso estudo.10

Vários estudos descrevem o sangramento10,11como a complicação precoce mais comum do uso do Plastibell, com taxas que variam entre 2,5 e 4%. O sangramento, em geral, decorre da amarradura inapropriada do cordão que prende o anel plástico, predispondo à retração do prepúcio e ao deslocamento do anel.10 Neste estudo, o sangramento foi a segunda complicação mais frequente do uso de Plastibell, seguindo a parafimose por deslocamento do anel plástico – complicação esta que não foi previamente analisada na literatura, mas que, neste estudo, foi responsável pelo maior índice de reoperação entre todos os pacientes.

Quatro pacientes deste estudo apresentaram balanopostite pós-operatória associada à estenose prepucial, sendo esta considerada complicação tardia, que está associada principalmente à quantidade maior de prepúcio que é mantida e ao processo de cicatrização local. A literatura prévia demonstra que a incidência desta complicação infecciosa pode ser tão alta quanto 15%9 dos casos. Alguns autores9,10 recomendam revisão cirúrgica assim que possível nos pacientes com estenose de prepúcio ou prepúcio redundante, para evitar esta complicação.

Algumas complicações mais graves com potenciais sequelas anatômicas, funcionais e psicológicas já foram previamente reportadas, como amputação da glande, lesão do corpo cavernoso, ablação do pênis, micropênis iatrogênico e amputação do pênis.12 Quando avaliadas as complicações encontradas por meio da classificação de Clavien-Dindo13para complicações cirúrgicas, neste trabalho foram enfatizadas as classes IIIa e IIIb (complicações com necessidade de reintervenção cirúrgica). Não foram encontrados casos de classe IV (complicações com risco de vida). Outro recente estudo publicado propôs classificação de complicações pós-postectomia separando-as em cinco diferentes graus: I para problemas de pele; II, lesão de uretra isolada; III, amputação da glande; IV, lesão do corpo cavernoso; e V, perda total do falo.14De acordo com esta recente classificação, este artigo não apresentou nenhuma complicação dentre as consideradas mais graves.

Em relação às limitações do estudo, ressaltamos o fato de ter sido um estudo realizado em um único centro, no qual diferentes cirurgiões foram envolvidos nos procedimentos, bem como cirurgiões residentes em treinamento, o que pode ter influenciado na evolução de alguns pacientes.

CONCLUSÃO

Não houve diferença estatisticamente significante quando comparadas as complicações entre as diferentes técnicas cirúrgicas utilizadas neste serviço. A estenose de prepúcio foi mais frequentemente encontrada nos pacientes operados pela técnica convencional enquanto demonstrou-se uma tendência a maior sangramento com uso do Plastibell. A parafimose pelo deslocamento do anel plástico foi uma complicação frequente e que precisou de reintervenção cirúrgica. A idade dos pacientes não influenciou na presença de complicações.

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