versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.2 São Paulo mar./abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.008
A hiperbilirrubinemia é um problema de saúde comum em neonatos, e vem sendo reconhecida como um dos principais fatores de risco para a perda da audição em bebês desde o início do século XX.1 Os seus efeitos na função auditiva podem variar, dependendo do nível de hiperbilirrubinemia e de sua duração.2 Sabe-se que um nível alto de bilirrubina é fator de risco para deficiência auditiva sensorioneural (DASN) e para distúrbio auditivo do espectro de neuropatia (DENA).3
DASN é decorrente de distúrbios ao nível da cóclea, VIII nervo craniano, tronco cerebral ou córtex. Embora 50% dos casos de DASN em crianças tenham fundo genético, esse problema também pode ocorrer dependendo das doenças no período pré-natal, natal ou pós-natal (infecções, transtornos metabólicos etc.).4 No período pós-natal, a hiperbilirrubinemia é a causa mais comum de DASN em neonatos; e, dependendo da hiperbilirrubinemia, em neonatos e em bebês, a prevalência desse transtorno gira em 12,8%.5
DENA é uma condição clínica com muitos aspectos desconhecidos, mas é amplamente estudada. Em alguns casos de DENA, apenas as células ciliadas na orelha interna são afetadas, em outros apenas a via auditiva central é afetada. Entre os fatores de risco para DENA incluem-se a hiperbilirrubinemia, prematuridade, fatores genéticos e ventilação mecânica perinatal. DENA relacionado à hiperbilirrubinemia é observado em 2,7% dos neonatos com esse problema.6
A hiperbilirrubinemia pode ter diferentes efeitos patológicos no padrão de resposta auditiva evovada de tronco Cerebral (RAETC) em indivíduos afetados. Em neonatos com hiperbilirrubinemia, com o tratamento, o padrão de RAETC pode tanto retornar ao normal como ficar ainda mais patológico, depois do retorno dos níveis sanguíneos de bilirrubina à normalidade.7 A ocorrência de hiperbilirrubinemia no período neonatal já foi previamente estudada em modelo de rato.8,9
A finalidade de nosso estudo foi determinar os efeitos de níveis tóxicos de bilirrubina no sistema auditivo, pela audiometria de resposta auditiva evocada de tronco cerebral.
O estudo foi realizado no Centro de Pesquisa e de Aplicação em Animais Experimentais da Faculdade de Medicina. Obtivemos aprovação do comitê de ética em pesquisa (nº G.U.ET-12.001).
Foram criados três grupos: experimental, placebo e controle, e, em cada grupo, foram alocados seis ratos neonatos. O número de ratos em cada grupo foi limitado pelo comitê de ética. Um otorrinolaringologista realizou exames endoscópicos das orelhas de todos os animais.
O grupo experimental foi composto por seis ratos albinos Wistar machos neonatos com hiperbilirrubinemia, pesando entre 18-20 g (média: 18,33 g). Foi criado um Modelo de Hiperbilirrubinemia em Rato para o grupo experimental.
O método para o estabelecimento da hiperbilirrubinemia foi similar a procedimentos já publicados.9 A bilirrubina (Sigma, St. Louis, MO; B4126) foi armazenada em local escuro, e a solução foi preparada imediatamente antes da injeção. A bilirrubina foi descongelada em 0,1% M NaOH, exatamente como descrito em Hansen et al.,8 estabilizada com BSA e diluída com tampão de Krebs-Ringer (pH: 7,4). Determinamos a concentração de bilirrubina em 3 mg/mL e a solução preparada foi preservada à sombra à temperatura de +40ºC. Cada animal no grupo experimental recebeu uma injeção intraperitoneal de bilirrubina, 50 mg/kg no 7º e 10º dias do pós-natal. Antes da 1ª injeção de bilirrubina e 24 horas após a 1ª e 2ª injeções, foram efetuadas determinações por Bilirrubinometria Transcutânea (BTc) sobre a pele, para determinação do nível de bilirrubina. No 21º dia, testes auditivos eletrofisiológicos e BTc foram realizados em seguida à anestesia intramuscular (50 mL/kg de quetamina e 10 mL/kg de xilazina). Em seguida, os ratos foram eutanasiados por coleta de sangue intracardíaco sob anestesia profunda. Determinamos quantitativamente o nível sérico de bilirrubina na amostra do sangue intracardíaco coletado; os valores foram comparados com os resultados da BTc.
O grupo de placebo foi composto por seis ratos albinos Wistar machos neonatos pesando entre 18-20 g (média: 18,3 g). Como solução de placebo, empregamos BSA e 24 mg/mL de tampão de Krebs-Ringer (pH: 7,5). A solução preparada foi preservada à sombra, na temperatura +40 ºC. Para que fosse determinado se essa solução tinha efeito no sistema auditivo dos ratos, uma solução preparada sem bilirrubina foi aplicada exatamente na mesma dose usada no grupo experimental. A solução de placebo foi administrada com o mesmo procedimento utilizado nos ratos do grupo experimental, e seguindo os mesmos processos.
O grupo de controle foi composto por seis ratos albinos Wistar machos neonatos pesando entre 18-20 g (média: 19 g). Ao contrário do que foi feito nos grupos experimental e placebo, os ratos do grupo de controle não receberam injeção. Mas, para que fossem determinados seus níveis de bilirrubina, foram realizadas avaliações coordenadas, tendo sido seguidos os períodos determinados para os grupos experimental e placebo, e os animais foram submetidos aos mesmos processos.
Neste estudo, as avaliações por RAETC dos ratos foram realizadas com o sistema Navigator Pro Model (versão 2.2.0) (Bio-Logic Systems Corp.). Para isso, utilizamos estímulo clique na frequência de 13 por segundo, janela de análise de 10 ms, média de 1.000 varreduras e filtração de 100-1.500 Hz. As mudanças na intensidade foram efetuadas de acordo com as respostas obtidas nos registros do nível de intensidade de 70 dB NA. Para que fosse determinada a existência de padrão microfônico coclear (MC), foi aplicada a mudança de polaridade de condensação (+) e de rarefação (−) na mesma intensidade, em ambas as orelhas. Para o scan dos limiares auditivos, em conformidade com o que é aconselhável no estímulo clique, o procedimento teve continuidade com a polaridade de rarefação (−).
A bilirrubinemia transcutânea (BTc) foi obtida com o aparelho Minolta Air Shields Jaundice Meter JM-101 (Minolta Corero Co., Osaka, Japão). A determinação da BTc foi realizada na área dorsal dos ratos. Antes de ser usado, o medidor passou por manutenção técnica e calibração. Durante as mensurações, foi manufaturada uma placa de acrílico para evitar lesão aos ratos, que poderia ser causada pela pressão de aplicação da sonda.
Os níveis séricos totais de bilirrubina foram analisados por meio de kits comerciais (Roche) em sistemas autoanalisadores (Roche/Integra-800). O princípio para a determinação da bilirrubina total desse kit é o método diazo, baseado na determinação da quantidade de azobilirrubina, que é o resultado da reação da bilirrubina com o ácido sulfanílico diazotado.10
A análise estatística foi realizada no software SPSS for Windows (versão 16.0). Os resultados da BTc empregados na determinação dos níveis de bilirrubina nos grupos foram comparados com os achados de BTS (bilirrubina total sérica). e da RAETC para as diferenças na avaliação da audição nos grupos. Foi empregada a análise de variância de Kruskal-Wallis para distribuições não normais. Assumimos um nível de significância de p < 0,05. Aplicamos o teste U de Mann-Whitney para testar a significância de diferenças pareadas com uso da correção de Bonferroni com fins de ajustamento para múltiplas comparações (0,05/3 = 0,016). Adotamos um nível geral de erro do tipo I de 5% para a inferência da significância estatística. Calculamos o coeficiente de correlação das relações entre as variáveis nos grupos, e aplicamos o teste de Spearman para cálculo do significado estatístico.
Embora não tenha sido observada significância estatística (p > 0,05) para a comparação dos grupos em termos de resultado da BTc (tabela 1) antes da injeção de bilirrubina, os resultados para essa variável, obtidos 24 horas depois da 1ª e 2ª injeções de bilirrubina, demonstram a presença de um nível estatisticamente mais elevado de bilirrubina (p < 0,05) nos ratos que compuseram o grupo experimental, em comparação com os ratos nos grupos de placebo e controle. Ao compararmos a BTS entre os grupos, observamos que essa variável foi mais alta (com significância estatística) no grupo experimental, em comparação com os grupos de placebo e controle. Também observamos uma relação positiva, forte e estatisticamente significante entre o valor da BTc obtido antes da eutanásia e o valor de BTS nos grupos experimental, placebo e controle.
Tabela 1 Valores de BTc, BTS (mg/dl) e limiares da RAETC (dB NA) de ratos
Ratos | Grupos | BTc1 | BTc2 | BTc3 | BTc4 | BTS | RAETC Orelha direita | RAETC Orelha esquerda |
1 | Experimento | 0,01 | 0,89 | 0,72 | 0,56 | 0,61 | 30 | 40 |
2 | 0,01 | 0,86 | 0,62 | 0,4 | 0,23 | 30 | 30 | |
3 | 0,02 | 0,92 | 0,7 | 0,2 | 0,15 | 10 | 10 | |
4 | 0,01 | 0,96 | 0,69 | 0,5 | 0,58 | SR | SR | |
5 | 0,03 | 0,72 | 0,4 | 0,28 | 0,23 | 20 | 30 | |
6 | 0,02 | 0,9 | 0,74 | 0,62 | 0,69 | 40 | 50 | |
1 | Placebo | 0,01 | 0,03 | 0,02 | 0,38 | 0,46 | 20 | 0 |
2 | 0,01 | 0,02 | 0,04 | 0,4 | 0,43 | SR | SR | |
3 | 0,02 | 0,05 | 0,04 | 0,28 | 0,33 | 20 | 20 | |
4 | 0,02 | 0,02 | 0,05 | 0,22 | 0,3 | −10 | 0 | |
5 | 0,01 | 0,05 | 0,03 | 0,38 | 0,44 | 10 | 10 | |
6 | 0,01 | 0,02 | 0,04 | 0,3 | 0,42 | 10 | 10 | |
1 | Controle | 0,03 | 0,03 | 0,04 | 0,06 | 0,08 | SR | SR |
2 | 0,01 | 0,01 | 0,03 | 0,15 | 0,17 | 20 | 10 | |
3 | 0,01 | 0,01 | 0,02 | 0,1 | 0,17 | 10 | 20 | |
4 | 0,01 | 0,01 | 0,02 | 0,02 | 0,03 | 10 | 20 | |
5 | 0,02 | 0,02 | 0,04 | 0,09 | 0,15 | 10 | 10 | |
6 | 0,01 | 0,01 | 0,03 | 0,1 | 0,17 | 10 | 0 |
BTc1, antes da injeção de bilirrubina; SR, sem resposta; BTc2 e 3, valores de 24 horas depois da 1a e 2a injeção de bilirrubina; BTc4, valor antes da eutanásia.
Para a comparação da RAETC entre os grupos, foi empregada uma análise de variância com um fator (one-way ANOVA). De acordo com os resultados da análise, enquanto a média dos limiares da RAETC para a orelha direita não demonstrou qualquer diferença significativa entre os grupos (p > 0,05), na orelha esquerda observamos diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p < 0,05). Essa diferença é resultado do fato de a intensidade do limiar auditivo da orelha esquerda nos ratos do grupo experimental ser mais elevada, em comparação com os outros dois grupos (p < 0,016) (tabelas 1 e 2). Para testar a relação entre os valores de BTS no grupo experimental e os limiares da RAETC, calculamos o coeficiente rho de Spearman entre as variáveis. De acordo com os resultados, não existe, nos grupos, um nível significante de relação entre os limiares da RAETC para as orelhas esquerda e direita com o valor de BTS. Na avaliação da existência de MC no padrão da RAETC obtido dos grupos, quatro aspectos se destacaram. Categorizamos os achados de MC levando em conta esses aspectos observados. Na Categoria 1 (fig. 1), MC não foi alcançado com o padrão normal da RAETC. Na Categoria 2 (fig. 2), observamos MC sem a segunda onda (o limiar da RAETC foi considerado como sendo o a mais baixa intensidade em que estava presente um pico II de resposta reprodutível definido). Avaliamos como Categoria 3 (fig. 3) aquela obtida na 2ª onda com o MC. Finalmente, avaliamos como Categoria 4 (fig. 4) a morfologia de onda quebrada com inclusão da 2ª onda com MC.
Tabela 2 Limiar médio da RAETC nas orelhas direita e esquerda (dB NA)
Grupo | Média | DP | Mediana | Mín-Máx | |
Orelha direita | Controle | 12,00 | 4,47 | 10 | 10-20 |
Limiar da RAETC | Placebo | 10,00 | 12,25 | 10 | −10-20 |
Estudo | 26,00 | 11,40 | 30 | 10-40 | |
Orelha esquerda | Controle | 12,00 | 8,37 | 10 | 10-20 |
Limiar da RAETC | Placebo | 8,00 | 8,37 | 10 | 0-20 |
Estudo | 32,00 | 14,83 | 30 | 10-50 |
A hiperbilirrubinemia é problema de saúde importante em neonatos. O sistema auditivo também é sensível à toxicidade por bilirrubina. As lesões nas áreas auditivas centrais já foram definidas em termos anatômicos e funcionais, tanto em animais como em humanos com hiperbilirrubinemia. No entanto, os efeitos fisiológicos e o neuromecanismo das lesões causadas pela hiperbilirrubinemia nos órgãos auditivos periféricos ainda são mistérios a serem desvendados.
Foi definido na literatura que o DENA pode ser observado em um terço a metade dos casos com níveis altos de hiperbilirrubinemia.11,12 A DASN também pode ser observada em casos de hiperbilirrubinemia (12,8%).5
A toxicidade da bilirrubina está intimamente relacionada à BTS. Embora se observe alta correlação entre o nível de bilirrubina e DASN em humanos, essa correlação diminui em casos de DENA, muito embora, em níveis superiores a 20 mg/dL, ocorra um aumento na possibilidade de observação de DENA.3 São poucas as publicações que definem diferenças tão nítidas e a relação com doenças em modelos animais. Devido às dificuldades e à limitação em encontrar e desenvolver modelos animais, é tarefa difícil determinar com clareza os níveis de bilirrubina e as doenças resultantes dessa situação.13
No desenvolvimento do modelo de rato com hiperbilirrubinemia, frequentemente se recorre à injeção de bilirrubina, devido à facilidade de acesso e de aplicação, e também pela facilidade de obtenção da neurotoxicidade, pela absorção pelo sistema circulatório em curto período de tempo.13,14 Em estudo realizado em 2011, Gao et al.14 demonstraram que a aplicação de bilirrubina livre é eficiente em termos de utilização, tanto para a hiperbilirrubinemia como para a formação de DENA. Por essa razão, no presente estudo demos preferência à injeção intra-abdominal de bilirrubina no desenvolvimento do modelo de rato com hiperbilirrubinemia.
Hai Bo Ye et al.13 afirmam que, em casos nos quais foi injetada uma pequena dose única de bilirrubina em modelos animais, a lesão não foi duradoura e, por essa razão, doses altas e repetidas podem ser mais efetivas para determinar os efeitos da hiperbilirrubinemia a longo prazo. Contudo, os pesquisadores também enfatizam o fato de haver maior risco de mortalidade com essas manipulações. No estudo, já corroborado por pré-estudos, utilizamos o modelo de Hansen et al.,8 com determinação da dose de bilirrubina apropriada para o peso dos ratos neonatos e que não resultasse em mortalidade.
De acordo com Wennberg et al.,15 em decorrência da insuficiência de métodos de abordagem na monitorização de BTS em animais neonatos experimentais, é tarefa difícil estabelecer uma relação entre nível de bilirrubina e neurotoxicidade. Na literatura, não existem publicações que definam BTS em termos de ratos neonatos. As razões mais importantes para tal cenário são o baixíssimo volume de sangue em ratos neonatos (p. ex., um volume de aproximadamente 1 cc em ratos com uma semana de idade) e que esses animais morrem por ocasião da coleta do sangue. Isso também gera um importante problema ético. Mas, o método da BTc utilizado para determinar o nível de bilirrubina em humanos - um procedimento não invasivo - também pode ser utilizado tanto em ratos como em neonatos. Segundo a literatura, os resultados da BTc são similares aos do nível sérico da bilirrubina total. Embora seja prática mais confiável observar a BTS no sangue, constatou-se que BTc pode ser empregada como alternativa.16 No estudo, para que fossem determinados os níveis de bilirrubina dos ratos, foram realizadas determinações periódicas pelo método da bilirrubinometria transcutânea até o sacrifício dos animais. Comparamos o nível de bilirrubina determinado pelas mensurações antes do sacrifício dos animais e das BTSs no sangue coletado pelo método intracardíaco em seguida à eutanásia, tendo sido determinada uma relação significante, compatível com os achados da literatura.
Alguns pesquisadores relatam que os valores de BTc alcançam o nível máximo 24-48 horas após a injeção de bilirrubina em ratos albinos Wistar, e que esses valores diminuem com o passar do tempo.8,9 De acordo com os dados da BTc obtidos no estudo, o nível significativamente mais alto de bilirrubina no grupo experimental, em comparação com os outros grupos, é indicador importante da proximidade do nível de toxicidade por bilirrubina. O aumento relativo na determinação da BTc antes do sacrifício em todos os grupos pode ser explicado pela variabilidade nos valores de bilirrubina no sangue até a idade adulta.
Em neonatos, frequentemente se dá preferência à RAETC na determinação do efeito da toxicidade por bilirrubina no sistema auditivo. A RAETC, que é empregada na avaliação da sensibilidade auditiva, é preferida em neonatos por ser um método objetivo e não invasivo, e por ser mais confiável em comparação a outros métodos de testes e de determinação do MC na identificação de DENA.17-19
Nos estudos realizados em ratos com hiperbilirrubinemia, embora tenham sido avaliadas diferenças como alongamento da latência e diminuição da amplitude na RAETC, também efetuamos a avaliação do limiar auditivo, juntamente com essas variáveis; e observamos a ocorrência de aumentos significativos nos limiares das RAETCs dos animais.13,14,19,20 No estudo, embora tenhamos determinado valores para dados e morfologias próximos à normalidade nos ratos do grupo de controle (com a exceção de um rato), observamos aumento nos limiares dos achados da RAETC e deterioração na morfologia nos grupos de placebo e experimental. Neste último grupo, embora tenhamos obtido achados compatíveis no registro do MC e DENA de um rato em uma orelha, não foi possível captar a resposta da RAETC sem registro do MC na outra orelha. Nos outros ratos, observamos deteriorações na RAETC em diferentes padrões.
Nesses animais, o estabelecimento das ondas da RAETC difere do que ocorre em humanos. Em humanos, a 1ª e 2ª ondas têm origem no VIII nervo craniano, e a 3ª tem origem no NC mas, sabe-se que, em ratos, a 1ª e 2ª ondas se originam do NC, e a 3ª no COS.21-23 Na avaliação morfológica realizada nos ratos do grupo experimental, acreditamos que as deteriorações observadas no NC também causem deteriorações na morfologia das RAETCs.13,14,19 Shapiro et al.24 afirmam que, em ratos Gunn, a toxicidade aguda por bilirrubina altera significativamente a RAETC nas primeiras quatro horas.
Nos estudos realizados em neonatos com hiperbilirrubinemia, foi definida uma melhora espontânea em cerca de 50% dos animais, sem qualquer intervenção nos padrões em que RAETC não foi obtida e em que houve observação de MC.16 Além disso, a lesão nervosa no tronco cerebral auditivo que provoca a alteração na RAETC diminui a sincronização formada pela ativação dos neurônios auditivos. Portanto, o potencial de membrana dos neurônios auditivos diminui e ocorre corrupção da função nervosa no tronco cerebral auditivo, causada pela hiperbilirrubinemia.13,14,19,20,25 Em nosso estudo, as injeções de bilirrubina foram aplicadas antes da formação da barreira hematoencefálica nos ratos neonatos. Considerando tal fato e a necessidade de cuidados maternos até a vida adulta, além do maior risco de mortalidade quando tais animais são afastados de suas mães ou durante a anestesia, não realizamos as avaliações por RAETC efetuadas imediatamente após as injeções. Por essa razão, também não foram avaliados o efeito agudo da toxicidade pela bilirrubina e seu seguimento.
Na literatura, enfatiza-se a dificuldade de um seguimento prolongado em estudos animais, e também vale a pena mencionar qua não existem resultados relacionados a esse aspecto. No nosso estudo, depois da 2ª dose injetada, esperamos por 11 dias, até que os ratos alcançassem a idade adulta. Durante esse período, acredita-se que ocorra diminuição dos efeitos potenciais da hiperbilirrubinemia. Mas, embora o efeito da hiperbilirrubinemia tenha diminuído (como também pôde ser observado no estudo), em decorrência da obtenção de limiares de alta intensidade da RAETC que acompanharam os níveis de bilirrubina, acredita-se que esse evento tenha causado deterioração na morfologia das ondas e na possibilidade de se obter achados de DENA e/ou RAETC.
Podwall et al.26 relatam que, na ausência de fatores de risco, obtiveram um padrão de DENA na orelha esquerda acompanhado de achados radiológicos normais. Esses autores referem também que, embora o efeito tóxico da bilirrubina tenha sido sistêmico, também é possível observar resultados unilaterais, dependendo da localização do envolvimento.
Durante o desenvolvimento do nosso modelo, seguimos as instruções de Hansen et al.,8 uma vez que o tipo de rato e a bilirrubina em pó utilizada foram os mesmos empregados para provovar hiperbilirrubinemia. Considerando que, na literatura, a mesma solução tem sido utilizada em grupos placebos, não foi realizado um pré-estudo relacionado aos efeitos da solução no sistema auditivo. No entanto, na avaliação dos achados do grupo placebo, resultados similares foram obtidos nas avaliações da RAETC de alguns ratos, em comparação com os ratos no grupo experimental.
Quando se leva em consideração que os valores da BTS não são altos na BTc desse grupo, pode-se pensar que a solução também é efetiva no sistema auditivo. Esse achado, que pode ser considerado como o ponto fraco do estudo, também fornece informações muito valiosas para a compreensão do efeito real da hiperbilirrubinemia no sistema auditivo, mediante o estudo do efeito da solução que será utilizada na formação de hiperbilirrubinemia em modelos animais.
Tal como na hipótese do estudo, promovemos aumento dos níveis sanguíneos de bilirrubina com a injeção de doses tóxicas desse agente em ratos neonatos, e observamos que a hiperbilirrubinemia pode causar DASN e/ou DENA. Além disso, também vale a pena mencionar, a observação de que os efeitos da hiperbilirrubinemia podem se expressar em diferentes padrões na RAETC.
Em nosso estudo, após o estabelecimento de um modelo de ratos neonatos com hiperbilirrubinemia por meio da administração de uma dose tóxica de bilirrubina, pudemos fazer uma analogia dos efeitos do nível da bilirrubina em bebês e crianças de risco, e analisar as respostas eletrofisiológicas da audição e as diferenças morfológicas.
Foi observado que a hiperbilirrubinemia pode aumentar o limiar da RAETC em seus efeitos de longo prazo e, também, que ela deteriora a morfologia das ondas. Levamos em consideração que a deterioração da morfologia das ondas na RAETC pode estar ligada à diminuição da sincronização formada pela lesão nervosa no tronco cerebral auditivo e à ativação dos neurônios auditivos. Também foi possível notar que a hiperbilirrubinemia pode causar DENA e DASN, e que MC pode ser observado sem a resposta da RAETEC e, finalmente, que, em aplicações sistêmicas, pode existir não só estabelecimento bilateral, mas também unilateral.