versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 23-Out-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0110
A atividade física, entendida como qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esquelética que resulta em gasto energético superior ao repouso,1 abrange atividades em diversos contextos, como lazer, meio de transporte, tarefas domésticas e trabalho.2
A inatividade física se constitui em um dos principais fatores determinantes para as doenças crônicas não transmissíveis, sendo causador de uma a cada dez mortes no mundo.3 No contexto de prevenção de doenças, a atividade física tem papel primordial na prevenção da Síndrome Metabólica (SM), que se caracteriza pela presença de, no mínimo, três dos seguintes fatores de risco: adipose abdominal, hipertrigliceridemia e baixa concentração de lipoproteína de alta densidade (HDL-C), triglicerídeos elevado, pressão sanguínea alta e glicose elevada.4,5
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece como ideal para os adultos a prática de no mínimo 150 minutos por semana de atividade física (AF) moderada ou 75 minutos por semana de AF vigorosa, em sessões de pelo menos 10 minutos de duração, sem determinação de frequência semanal.6 Já em um estudo realizado em Minas Gerais, a atividade física foi assim classificada: ideal, se praticada, pelo menos, 150 minutos/semana; intermediária, se praticada de 1 a 149 minutos/semana; e ruim, se não há realização de atividade física moderada ou vigorosa.6,7
Dados revelam que 17% da população mundial é considerada fisicamente inativa e 60% não correspondem ao mínimo de atividade física aconselhavel.8,9 O sedentarismo afeta cerca de 70% da população mundial, sendo considerado pela OMS o principal responsável por 2.000.000.00 de mortes ao ano no mundo inteiro e por 75% dos óbitos nas Américas.8
Destaca-se que os altos índices de inatividade física estão associados ao estilo contemporâneo de vida das pessoas, tendo como fatores determinantes as obrigações e necessidades relacionadas ao trabalho, utilização de transportes motorizados e a preferência por atividades de lazer relacionadas a equipamentos eletroeletrônicos como televisão, computadores e vídeo games.10 Observa-se também que, as áreas de trabalho relacionadas à segurança e educação, nas quais os professores estão inseridos, são as mais afetadas e que mais apresentam comportamentos que podem ser prejudiciais à saúde.5,10
A influência das condições de trabalho sobre a saúde do trabalhador acontece em função de comportamentos inadequados que podem ter como causa o universo laboral, sendo o sedentarismo um dos problemas recorrentes entre diversos profissionais, e entre eles os professores, em razão de suas atividades diárias longas e estressantes, associadas à falta de atividade física regular nos horários de lazer.11
Estudos mostram que a falta de atividade física também está diretamente associada aos altos índices de sobrepeso em docentes do ensino superior, sendo acentuada por hábitos alimentares inadequados, uso de bebida alcoólica e alto nível de estresse.12,13 O trabalho e os compromissos com estudos estão entre as principais barreiras para a prática de atividades físicas entre os docentes.13
A sobrecarga e as condições inadequadas de trabalho, associadas à pressão para atingir metas de produtividade, resultam em altos níveis de estresse e falta de atividade física regular.14,15
Considerando-se a relevância da prática de atividade física para o bem-estar e qualidade de vida de profissionais docentes, o presente estudo foi delineado por meio da seguinte questão de pesquisa "você pratica atividade física com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida?" Averiguar a tônica em questão poderá proporcionar dados significativos para a construção de programas de intervenção junto aos docentes da instituição de ensino superior. Por isso, o objetivo do presente trabalho foi investigar a prática de atividades física de docentes universitários com foco na qualidade de vida.
Pesquisa transversal, com abordagem quantitativa, desenvolvida em um dos sete campi de uma universidade pública do estado do Paraná. A instituição conta com um total de 68 cursos de graduação, sendo 38 licenciaturas e 30 bacharelados. O quadro de docentes geral é constituído por 686 profissionais, distribuídos nos diversos campi. O campus que será foco desta pesquisa abrange 11 cursos, distribuídos nos turnos matutino, vespertino e noturno, que são atendidos por 177 docentes.
A amostra foi constituída por 121 docentes, que compõem os centros de ciências humanas e da educação, ciências sociais aplicadas e ciências da saúde, os quais, em sua grande maioria, tem regime de trabalho de dedicação exclusiva. Como critério de inclusão foi utilizado ser professor em pleno exercício no período da coleta de dados, e como de exclusão estar em licença de qualquer tipo ou ausentado em razão de processos de qualificação. A amostra foi determinada por meio de cálculo amostral, que considerou o número do total da população (n = 177), prevalência desconhecida de inatividade física da população (50%), nível de confiança igual a 95% e erro amostral de 5%. Foram acrescentados 10% deste valor à amostragem, prevendo eventuais perdas e recusas, totalizando 133 docentes.
O instrumento selecionado para a coleta de dados foi o 'Questionário breve para a medida de atividade física habitual em estudos epidemiológicos', criado por Baecke Burema e Frijters, adaptado para o presente estudo.16
O questionário de Baecke é composto de 16 questões que abrangem três escores de Atividade Física Habitual (AFH) dos últimos 12 meses: 1) escore de atividades físicas ocupacionais, com oito questões, 2) escore de exercícios físicos no lazer (EFL), com quatro questões, 3) escore de atividades físicas de lazer e locomoção (ALL), com quatro questões. No presente estudo foi utilizada as questões do escores de atividades físicas ocupacionais e as questões de atividades físicas de lazer e locomoção, além dos registros dos índices antropométricos de altura e peso dos docentes, que serviram para realizar o cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC).
A coleta de dados foi cumprida no intervalo de maio a julho do ano de dois mil e dezesseis, nas dependências da instituição de ensino. O pesquisador esteve presente na instituição durante três dias por semana, alternando entre os turnos matutino, vespertino e noturno, para o preenchimento do questionário pelos docentes. A abordagem dos docentes foi feita no laboratório de enfermagem, nos corredores da instituição e também nas salas dos colegiados de cursos.
O questionário foi entregue aos docentes após o aceite em colaborar com a pesquisa, demonstrado a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). O tempo necessário para o preenchimento do questionário variou de 10 a 15 minutos para cada docente, ficando o pesquisador à disposição até o término do preenchimento do mesmo, para dirimir dúvidas, quando necessário.
Os dados coletados foram armazenados em planilha do Excel 2010 e a análise foi realizada por meio de estatística descritiva com valores manifestos em média e desvio padrão para as variáveis contínuas e por frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. As análises foram feitas pelo Statistical Package for a Social Science (SPSS), versão 20.0.
A pesquisa cumpriu as exigências preconizadas pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo anuído pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá sob o parecer nº 1.625.229. Esta pesquisa faz parte do Programa Saúde do Trabalhador, que está sendo desenvolvido na instituição de ensino superior.
A amostra foi composta por 121 docentes em exercício na universidade. Dos participantes, 55 (45,5%) eram do sexo masculino e 66 (54,5%) do sexo feminino, com faixa de idade entre 20 e 67 anos, com média de idade de 44,4 anos (Tabela 1).
Tabela 1 Perfil sociodemográfico e econômico dos servidores de uma instituição de ensino superior do interior do Paraná - PR, 2016.
Variável | N | % |
---|---|---|
Sexo (n = 121) | ||
Feminino | 66 | 54,5% |
Masculino | 5 | 45,5% |
Escolaridade (n = 121) | ||
Graduação | 6 | 4,5 |
Especialização | 21 | 16,4 |
Mestrado | 46 | 34,3 |
Doutorado | 43 | 32,1 |
Pós Doutorado | 5 | 3,7 |
Percebe-se que o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho retrata um fato considerado irreversível, e as mulheres docentes acumulam, algumas vezes, mais de uma jornada de trabalho: como profissional de saúde e/ou de educação e como dona de casa. Essa situação desfavorável reflete em sua saúde, o que pode desencadear um processo de estresse, além de outros problemas de saúde.17
Em relação aos dados antropométricos, a média do peso dos docentes ficou em 72,57 kg e a estatura média em 168,28 cm. Em relação à quantidade de dias por semana em que praticam atividade física, apresentou-se uma média de 2,37 (Tabela 2). O desvio padrão do grupo considerado adequado para o índice de massa corporal possui massa de (14,60), a estatura de (9,68), o IMC (3,99) e dias da semana de Atividade Física (60). Quando comparado com o inadequado, a média da massa do grupo inadequado foi (74,83), a estatura (167,86), o IMC (26,20) e dias da semana de Atividade Física (2,81). O desvio padrão do grupo inadequado para a massa foi de (15,36), a estatura de (8,74), o IMC (4,29) e dias da semana de Atividade Física (2,01).
Tabela 2 Distribuição da média do índice de massa corporal dos docentes de uma instituição superior de ensino superior do estado do Paraná - PR, 2016
Variável | Massa | Estatura | IMC | Atividade física* | |
---|---|---|---|---|---|
Adequado | Média | 72,57 | 168,28 | 25,59 | 2,37 |
N | 49 | 50 | 48 | 52 | |
Desvio Padrão | 14,60 | 9,68 | 3,99 | ,60 | |
Inadequado | Média | 74,83 | 167,86 | 26,20 | 2,81 |
N | 60 | 57 | 57 | 62 | |
Desvio Padrão | 15,36 | 8,74 | 4,29 | 2,01 | |
Total | Média | 73,82 | 168,06 | 25,92 | 2,61 |
N | 109 | 107 | 105 | 114 | |
Desvio Padrão | 14,99 | 9,15 | 4,15 | 1,54 |
*Frequência de dias da semana.
Neste estudo, o resultado do IMC evidenciou certa equivalência entre os docentes classificados como eutróficos (46,8%) e sobrepeso (36,9%), e a minoria (16,2%) apresentou obesidade (Tabela 2). Destaca-se que a média do número de dias da semana que os docentes praticavam atividade física não ultrapassou 3 (mínimo de 2,37 e máximo 2,81 dias).
Destarte, níveis insuficientes de atividade física têm sido relacionados ao acúmulo excessivo de gordura corporal, modificações negativas no perfil dos lipídios sanguíneos e altos níveis de pressão arterial.18 Vale ressaltar que a maioria dos docentes pesquisados (53,1%) se apresentou com sobrepeso e obesidade, o que pode significar um predomínio de um perfil de risco para doenças metabólicas e cardiovasculares (Tabela 3). Sabe-se que a prática de atividade física regular é parte fundamental para a precaução de vários agravos à saúde, por seus benefícios biopsicossociais e além de ser indispensável para o pleno desenvolvimento motor.19
Tabela 3 Índice de Massa corporal em docentes de uma instituição de ensino superior do estado do Paraná - PR, 2016
Variável | N | % | |
---|---|---|---|
Valid | Eutróficos | 52 | 46,8 |
Sobrepeso | 41 | 36,9 | |
Obesidade | 18 | 16,2 | |
Total | 111 | 100,0 |
O sobrepeso está relacionado a hábitos alimentares inadequados e à falta de atividades físicas, podendo gerar um aumento dos níveis de pressão arterial, e levar a altos níveis de estresse. Acredita-se que o perigo de um acidente vascular cerebral seja duplicado em trabalhadores estressados e que 32,5% dos infartos do miocárdio tenham influência de aspectos psicossociais, dentre os quais o estresse e a ansiedade.18,19
A qualidade de vida no trabalho (QVT) se relaciona a preocupações com o estresse e modos de evitá-lo, busca de satisfação e realização laborais, bem como, preservação da saúde mental no ambiente de trabalho.20
Desta forma, verifica-se que a manutenção de hábitos saudáveis, como a prática de atividade física, se constitui em uma das atitudes que podem contribuir para uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos, bem como, na prevenção de agravos como a obesidade e o estresse, promovendo a saúde dos mesmos.20
As práticas corporais, atividade física, exercício físico e prática esportiva estão ligados à melhoria da qualidade de vida. Porém, não existe uma nitidez conceitual ou mesmo um caminho exato sobre tais práticas e a sua relação com a qualidade de vida.21
Ao se avaliar o nível de atividade física baseado na frequência semanal com que esta atividade é realizada, os resultados demonstraram que 45,6% foram classificados com um nível adequado e 54,4% inadequado (Tabela 4).
Tabela 4 Classificação do nível de atividade física entre os docentes de uma instituição de ensino superior do estado do Paraná - PR, 2016
Variável | N | % | |
---|---|---|---|
Valid | Adequado | 52 | 45,6 |
Inadequado | 62 | 54,4 | |
Total | 114* | 100,0 |
*A diferença no n é que alguns docentes não responderem a esta questão.
Considera-se a prática de atividade física como um dos principais fatores para uma vida saudável, e sua ausência, consequentemente, é vista como um fator de risco para a saúde da população, sendo responsável por 6% da mortalidade global.21 A incorporação de um estilo de vida ativo é uma condição de suma importância para a preservação/manutenção do estado de saúde.
Estudo realizado em Santa Catarina com professores de Educação Física demonstrou que, no computo geral do estilo de vida, os docentes apresentaram valores positivos que variavam entre 41,6% e 84,8% nas dimensões investigadas, destacando o estilo de vida ativo, com 57,6%, o que foi avaliado no estudo como sendo um comportamento positivo para a qualidade de vida.19,20
Corroboram com estes achados a pesquisa realizada no sul do Brasil, onde identificaram que 46,5% de professores não realizam atividade física programada, justificados pela falta de tempo, dupla jornada de trabalho e questões socioeconômicas.21,22 Vale ressaltar que falta de atividade física predispõe estes profissionais à fraqueza muscular, possibilidade de fadiga muscular e dificuldade para suportar as longas horas de trabalho semanais, com predisposição ao afastamento do trabalho devido a doenças ocupacionais.
Entre as causas de absenteísmo, salientam-se os distúrbios psicobiológicos, que influem negativamente a capacidade de trabalho do professor e, consequentemente, o aprendizado dos alunos. Esta situação se contrapõe a um ritmo de trabalho intenso, que exige altos níveis de atenção e concentração, necessários ao bom desempenho de atividade docente.22,23
Em estudo com docentes, a inatividade física foi prevalente em 79,7% dos docentes, que foram vinculados às variáveis: indivíduos do sexo feminino, com mais idade e menor nível socioeconômico.23 O nível de atividade física em docentes do ensino estadual público superior oscila de acordo com a idade de cada professor. A predominância de insuficientes níveis de atividade física foi de 46,3% nos docentes, com predisposição de diminuição da atividade física com o aumento da idade.23
A inatividade física é um grande revés de saúde pública, sendo que 70% da população adulta não atinge os níveis mínimos de atividade física recomendada pela OMS, o que contribui para o aumento da morbimortalidade associada às doenças cardiovasculares.24
Um relato contemporâneo sobre a carga global de doenças mostrou que os fatores dieta inadequada, hipertensão, IMC elevado, tabagismo, glicemia de jejum elevada e inatividade, nessa ordem de importância, estão dentre os que contribuem em maior magnitude para a causa de mortes e de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade na população brasileira.25
Estes resultados podem auxiliar no reconhecimento de que os hábitos saudáveis continuam precários entre a população, mesmo as mais esclarecidas. Assim, políticas públicas de saúde deveriam priorizar as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças.
O presente estudo apresenta como limitação o fato de ter sido desenvolvido somente com os docentes de um dos campi da instituição, como também a inexistência de políticas voltadas para atividades físicas e respectivas aplicabilidades no cotidiano da instituição de ensino.
O resultado desta pesquisa fornece informações que podem desencadear um planejamento e direcionamento de ações aos docentes das universidades, garantindo a possibilidade de maior adesão e incentivo à prática de atividades físicas como forma de proporcionar uma melhoria da saúde e qualidade de vida dos trabalhadores docentes. Desta forma, é necessário que seja realizada a pesquisa nos demais campi da universidade, visando detectar a qualidade de vida dos docentes e desenvolver estratégias em toda a universidade.
O estudo evidenciou que a grande parcela dos docentes apresentou práticas de atividade física em níveis inadequados para se ter uma boa qualidade de vida, sendo que mais da metade dos docentes apresentam-se em situação de risco, como o sobrepeso e ou obesidade. Desta forma, mecanismos de intervenção devem ser pensadas precocemente, visando à saúde contínua dos docentes. A primeira atitude a ser tomada diz respeito a estratégias que busquem uma mudança de estilo de vida centrado em atividade física regular e uma dieta balanceada.
Nessa perspectiva, o incentivo da prática de atividade física para os professores deve ser estimulado por meio de programas que ofereçam uma rotina de atividades físicas e uma alimentação equilibrada no local de trabalho, além da consciencialização quanto à diminuição do tempo gasto em atividades hipocinéticas, como assistir televisão e usar computador por longos períodos de tempo.