versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.2 Rio de Janeiro fev. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.01732015
A promoção de práticas alimentares saudáveis é atualmente uma prioridade na agenda das políticas públicas de saúde, alimentação e nutrição do país1. As práticas alimentares dos jovens, objeto de interesse no presente estudo, são influenciadas pelo ambiente em que eles estão inseridos, assim como acontece com outros grupos populacionais2. A promoção destas práticas em ambientes institucionalizados é uma ação destacada na Política Nacional de Alimentação e Nutrição1, na Política Nacional de Promoção da Saúde3, nas políticas de ação afirmativa4 e no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional5, em consonância com o preconizado pela Organização Mundial da Saúde, que aponta ambientes escolares, comunitários e de trabalho como espaços privilegiados e estratégicos para a promoção da alimentação saudável6.
O ambiente universitário é um espaço que merece particular atenção, pois muitos hábitos alimentares adquiridos pelos estudantes se mantêm na idade adulta, representando um momento singular para a promoção da alimentação saudável7. Para muitos estudantes, o ingresso na universidade representa o primeiro momento em que terão que se responsabilizar por sua moradia, alimentação, gestão de suas finanças e gerenciamento do seu tempo. A inabilidade para realizar tais tarefas pode resultar em omissão de refeições e consumo de lanches, acarretando na inadequação nutricional da alimentação ingerida8. São ainda escassos estudos abrangentes com universitários. Entretanto, diversas pesquisas sugerem que eles apresentam um padrão alimentar inadequado8-11.
No Brasil, nos últimos anos, o ambiente universitário passou a ser ainda mais estratégico como espaço para a promoção da alimentação saudável e da segurança alimentar e nutricional, uma vez que incorporou medidas de ação afirmativa4, que têm propiciado o acesso à universidade para indivíduos historicamente dela excluídos12. Isso tem se dado por meio de sistemas que priorizam o ingresso segundo diversos critérios: econômico (renda), racial (cor negra), de ensino (procedência de escolas públicas), entre outros. A prática mais conhecida é o sistema de reserva de vagas por meio de cotas. Estudos têm apontado que essas políticas têm sido bem sucedidas em viabilizar o ingresso na universidade, mas têm se revelado tímidas para garantir a permanência dos estudantes na instituição até a conclusão do curso4,12. Uma política efetiva de permanência do estudante que ingressa pelo sistema de cotas (cotista) pressupõe, entre outros, a garantia de acesso a bolsas de permanência, a alimentação (restaurante universitário), a moradias estudantis e a livros e mídia em geral12.
Em 2003, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cenário do presente estudo, implantou o sistema de cotas para ingresso via vestibular, tendo sido a primeira universidade pública brasileira a adotar essa ação afirmativa. Em 2011, no momento da realização do estudo, as medidas promotoras de permanência desenvolvidas eram a oferta de livros e a disponibilização de bolsa de permanência, não sendo contempladas ações de alimentação como, por exemplo, existência de restaurante universitário.
Até a realização da presente pesquisa, não haviam sido registrados estudos sobre práticas alimentares dos grupos contemplados por essa ação afirmativa em nosso país que pudessem subsidiar medidas voltadas à garantia de segurança alimentar e nutricional como elemento de uma política efetiva de permanência. O presente estudo teve como objetivo descrever as práticas alimentares de estudantes da UERJ e examiná-las segundo sua forma de ingresso (cotistas e não cotistas), com intuito de identificar se havia diferenças em relação a essas práticas.
Trata-se de estudo seccional, dirigido ao universo de estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2011 nos 31 cursos de graduação oferecidos pelas 24 unidades acadêmicas existentes no campus central da UERJ e que estivessem cursando o segundo período no momento da coleta de dados. A opção por esses estudantes se deu em função do fato de que suas atividades acadêmicas eram concentradas no campus no início do curso. Além disso, estariam ambientados à UERJ, uma vez que vivenciavam a universidade há pelo menos seis meses, já tendo, portanto, adaptado sua rotina alimentar ao novo momento de suas vidas.
A coleta de dados foi realizada em 36 dias entre os meses de agosto e outubro de 2011, tendo sido precedida de reuniões com representante da Sub-Reitoria de Graduação da UERJ e com os diretores dos cursos de graduação, a fim de informá-los sobre o propósito do estudo e os procedimentos para sua realização.
As listagens dos estudantes inscritos nas disciplinas, bem como os dias, horários e locais das aulas de cada curso de graduação incluído no estudo foram acessadas por meio do Sistema Acadêmico da Graduação (SAG) da universidade e junto às coordenações dos cursos.
No início da aula, pesquisadores treinados aplicaram questionário autopreenchido aos estudantes que concordaram em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O tempo de preenchimento variou entre 10 e 15 minutos. Os cursos foram visitados em média 5,3 vezes, em diferentes horários e disciplinas, com o intuito de se captar o maior número possível de estudantes.
O instrumento para a coleta de dados consistiu em um questionário autopreenchido e elaborado com base em instrumentos utilizados em sistemas de vigilância sobre fatores de risco dirigidos a jovens de outros países13,14, a adolescentes brasileiros15 e a adultos brasileiros16. Ele foi previamente testado com estudantes do curso de Nutrição que haviam ingressado na universidade no segundo semestre de 2010 (n = 21). Foram revisados os termos e/ou palavras não compreendidas plenamente pelos estudantes como, por exemplo, definição de almoço, jantar e guloseimas. Em sua versão final, foi composto por 39 questões que abarcaram: identificação e caracterização do estudante e suas práticas alimentares, incluindo sua rotina alimentar e o consumo de determinados alimentos (incluindo grupos de alimentos ou preparações) nos sete dias que antecederam a coleta de dados. A estrutura da pergunta foi: “Nos últimos 7 dias, em quantos dias você comeu (alimento)?”, e as opções de resposta foram: “não comi (alimento) nos últimos sete dias”, “1 dia nos últimos sete dias”, “2 dias nos últimos sete dias”, “3 dias nos últimos sete dias”, “4 dias nos últimos sete dias”, “5 dias nos últimos sete dias”, “6 dias nos últimos sete dias” e “todos os dias nos últimos sete dias”.
As rotinas alimentares consideradas foram a realização de cada uma das refeições e a substituição de almoço e/ou jantar por lanche. A realização de cada uma das refeições foi incluída como tema de estudo com base no Guia alimentar para a população brasileira vigente à época que recomendava a realização de três refeições por dia, intercaladas por pequenos lanches17. Além disso, há evidências de que o consumo frequente de café da manhã está associado a menor risco de ocorrência de excesso de peso e obesidade18 e à melhoria no rendimento escolar19. Por outro lado, a prática de substituir o almoço e/ou jantar por lanche foram também examinadas por se mostrarem associadas ao excesso de peso e à obesidade10,20.
Os alimentos selecionados foram considerados marcadores de alimentação saudável (MAS) e não saudável (MANS). Sua escolha baseou-se nas recomendações nutricionais para uma alimentação saudável e, também, em evidências que sugerem a associação destas variáveis com fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)6,21,22.
Como variáveis sociodemográficas foram estudadas: forma de ingresso na universidade (com ou sem reserva de vaga, sendo adotadas duas categorias: estudantes cotistas e não cotistas, assumindo-se que cotistas possuiriam pior nível socioeconômico, tendo em vista os critérios estabelecidos para a política de reserva de vagas descritos anteriormente), sexo, idade (categorizada em ≤ 18; 19; 20 - 22; > 22 anos de idade a posteriori, em função da distribuição de idade observada para o conjunto de alunos estudados), arranjo domiciliar em relação ao partilhamento da moradia [morar sozinho; com a família; com os(as) amigos(as) ou com parceiro(a)], escolaridade da mãe (nenhuma, ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo; ensino médio incompleto; ensino médio completo; superior incompleto e superior completo) e presença dos seguintes bens e serviços: telefone fixo, computador, acesso à Internet em casa, e presença de banheiro dentro de casa. A escolha desses bens e serviços se deu em função do seu maior poder discriminatório em relação a outros (exemplos: geladeira, televisão e fogão) evidenciado no banco de dados da edição de 2009 da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar – PeNSE, que serve de base para o sistema de monitoramento de fatores de risco e proteção à saúde de adolescentes e abarca estudantes de último ano do ensino fundamental.
As rotinas alimentares foram medidas por meio da frequência semanal, que averiguou, nos sete dias que antecederam o estudo, as seguintes ocorrências: realização de cada uma das refeições (desjejum, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar) e substituição de almoço e/ou jantar por lanche. Foram considerados como almoço e jantar as refeições contendo arroz com feijão; carne e salada; hortaliças cozidas; sopa; macarronada, entre outras, excluindo sanduíches. Foi adotado como marcador de rotina alimentar saudável (MRAS) o hábito de realizar o desjejum em cinco ou mais dias da semana e, como marcador de rotina alimentar não saudável (MRANS), o hábito de substituir o almoço e/ou o jantar por lanche.
Em relação ao consumo, foram analisados 13 alimentos, grupos de alimentos ou preparações, nos sete dias que antecederam o estudo, dentro e/ou fora do ambiente acadêmico: feijão; hortaliças em geral (excluindo as amiláceas); hortaliças cozidas (excluindo batata, aipim e inhame); hortaliças e frutas in natura; batata frita (sem contar a “de pacote”) e/ou salgados fritos; embutidos; biscoitos, salgadinhos “de pacote” (incluindo batata frita “de pacote”); biscoitos salgados; biscoitos doces; guloseimas (doce, bala, chocolate, bombom, chiclete, pirulito etc.); refrigerantes e bebidas açucaradas, incluindo refrigerantes, sucos ou refrescos, mate, guaraná natural, outros chás, café, águas com sabor, isotônicos (excluindo bebidas com leite e iogurte). Os cinco primeiros foram considerados alimentos marcadores de alimentação saudável (MAS) e os oito últimos, marcadores de alimentação não saudável (MANS).
Com base na frequência semanal de consumo de cada um dos alimentos ou grupo de alimentos e/ou preparações selecionados, foram construídos dois tipos de indicadores: (1) distribuição percentual da frequência semanal de consumo de cada alimento e (2) proporção de estudantes que consumiam mais frequentemente (em pelo menos cinco dos sete dias que antecederam a coleta de dados) e menos frequentemente (entre zero e quatro dias dos últimos sete dias) cada um deles23. Indicadores similares foram construídos para as rotinas alimentares.
Foram caracterizadas as condições sociodemográficas dos estudantes segundo sua forma de ingresso na universidade. As frequências do consumo de alimentos e das variáveis sobre a rotina alimentar dos estudantes foram estimadas para população total e segundo forma de ingresso na universidade. O significado estatístico das diferenças entre cotistas e não cotistas quanto às características sociodemográficas foi avaliado pelo teste do Qui-quadrado, enquanto que o nível crítico para identificar diferenças significativas foi de 0,05.
A análise da associação entre forma de ingresso na universidade (variável independente) e cada uma das práticas alimentares regulares (≥ 5 dias na semana) (variáveis dependentes) foi feita por meio de modelos de regressão logística uni e multivariada (neste último, considerando como covariáveis o sexo e a faixa etária do estudante), que geraram razões de chance brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%.
A entrada de dados por digitadores independentes e a validação da dupla digitação foram realizadas utilizando o programa Microsoft Excel® 2007. A análise dos dados foi realizada com apoio do aplicativo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0.
O presente estudo foi aprovado pela Comissão de ética da Sub-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa da UERJ. Participaram do estudo os estudantes que concordaram em participar e que assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Dos 1508 estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2011 (dados oficiais da UERJ), foram estudados 1336 (88,6%). Os motivos para não participação foram: estudante não localizado (n = 138) ou não concordou em participar (n = 34). Do total de alunos estudados, 38,8% eram cotistas e 61,2%, não cotistas. Suas características sociodemográficas estão apresentadas na Tabela 1. A maioria deles era do sexo feminino (56,4%), morava com a família (88%), possuía telefone fixo, computador e acesso à Internet em casa (mais de 90%), possuía mãe com escolaridade de no mínimo ensino médio completo (71,7%) e cerca de metade (50,6%) tinha idade até 19 anos e possuía pelo menos dois banheiros em casa (50,3%).
Tabela 1 Características sociodemográficas de estudantes universitários ingressantes no primeiro semestre de 2011 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, segundo forma de ingressoa. Rio de Janeiro, Brasil, 2012.
a Cotistas - estudantes ingressantes, via vestibular, na universidade através de sistema de reserva de vagas, por meio de cotas, estabelecido a partir de critérios raciais e sociais. Não cotistas – estudantes ingressantes, via vestibular, na universidade pelo sistema universal. b p valor para o qui-quadrado da diferença entre cotistas e não cotistas < 0,05. c Dois estudantes (ambos cotistas) informaram que não tinham banheiro com chuveiro dentro da sua casa.
Exceto para o arranjo domiciliar em relação ao partilhamento da moradia, os dois grupos estudados diferiram em relação a todas as variáveis sociodemográficas estudadas: entre os cotistas, foi maior a proporção de jovens do sexo feminino e menores as proporções daqueles cujas mães tinham pelo menos ensino médio completo (56,9% entre os cotistas e 81,1% entre os não cotistas), daqueles que possuíam os bens e serviços estudados e daqueles que possuíam pelo menos dois banheiros no domicílio. Além disso, os cotistas tiveram maior proporção de estudantes com idade de pelo menos 20 anos (Tabela 1). A média de idade desse grupo foi de, respectivamente, 21,61 (desvio padrão [dp] = 5,04), enquanto que, entre os não cotistas, foi de 21,47 (dp = 6,00), sem diferenças estatisticamente significativas entre eles.
Quanto às rotinas alimentares dos estudantes, pode-se observar que cerca de metade deles realizava o desjejum todos os dias (52,2%), que a maioria costumava almoçar (66,5%) e que pouco mais de 1/3 (37,1%) jantava diariamente. Registrou-se, ainda, que eram mais recorrentes as práticas de lanchar à tarde do que lanchar pela manhã e de substituir o jantar por lanche do que substituir o almoço por lanche (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição percentual da frequência semanal de rotinas alimentares realizadas e de consumo de alimentos marcadores de alimentação saudável e não saudável nos últimos sete dias. Estudantes que ingressaram no primeiro semestre de 2011 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil, 2012.
a Refeição contendo arroz com feijão, carne e salada, legumes cozidos; sopa; macarronada, entre outras, excluindo sanduíches. b Excluindo batata, aipim e inhame (raízes e tubérculos). c Excluindo batata frita de pacote. d Incluindo batata frita de pacote. e Doces, balas, chicletes, pirulitos, chocolates, bombons, etc. f Refrigerantes, sucos ou refrescos, mate, guaraná natural, outros chás, café, águas com sabor, isotônicos, bebidas à base de soja, excluindo bebidas com leite e iogurte.
Em relação ao consumo de alimentos, observou-se baixa frequência de consumo diário dos alimentos MAS (feijão, hortaliças e frutas), merecendo destaque a proporção de estudantes que relatou não ingerir cada um desses alimentos ou fazê-lo em somente um a dois dias na semana (20,3%, 28,5% e 51,1%, respectivamente). Por outro lado, foi registrado que é recorrente o consumo diário de bebidas açucaradas (46,2%), guloseimas (24,9%) e biscoitos e/ou salgadinhos “de pacote” (17,9%) (Tabela 2).
A realização do desjejum e a substituição de almoço por lanche e de jantar por lanche em pelo menos cinco dias da semana foram registradas, respectivamente, para 67,3, 4,8 e 24,3% dos alunos estudados. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre cotistas e não cotistas nos modelos de regressão univariados. Esses resultados se mantiveram após ajuste, exceto para a substituição do jantar por lanche, que foi menor entre os cotistas. (Tabela 3).
Tabela 3 Frequência (%) de rotinas alimentares regulares (≥ 5 dias na semana) saudável e não saudável segundo forma de ingressoa na universidade. Estudantes que ingressaram no primeiro semestre de 2011 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio Janeiro, Brasil, 2012.
a Cotistas - estudantes ingressantes, via vestibular, na universidade através de sistema de reserva de vagas, por meio de cotas, estabelecido a partir de critérios raciais e sociais. Não cotistas - estudantes ingressantes, via vestibular, na universidade pelo sistema universal. b Refeição contendo arroz com feijão e/ou carne e salada e/ou hortaliças cozidas; sopa; macarronada, entre outras, excluindo sanduíches. c Razão de chance. d Ajuste segundo sexo e faixa etária, considerando não cotista como categoria de base.
A frequência de consumo regular (≥ 5 dias/semana) dos alimentos MAS variou de 20,8% (hortaliças cozidas) a 55,7% (feijão) e a dos alimentos MANS, de 14,5% (batata frita e/ou salgados fritos) a 63,2% (bebidas açucaradas). Maior proporção de cotistas consumia regularmente feijão e biscoitos e/ou salgadinhos “de pacote”, enquanto que maior proporção de não cotistas consumia regularmente hortaliças cruas, frutas e bebidas açucaradas (diferenças estatisticamente significativas) (Tabela 4). Exceto para bebidas açucaradas e biscoitos doces, esses resultados se mantiveram após ajuste para fatores de confundimento.
Tabela 4 Frequência (%) de consumo regular (≥ 5 dias na semana) de alimentos marcadores de alimentação saudável e não saudável segundo forma de ingresso na universidade. Estudantes que ingressaram no primeiro semestre de 2011 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio Janeiro, Brasil, 2012.
a Excluindo batata, aipim e inhame (raízes e tubérculos). b Excluindo batata frita de pacote. c Incluindo batata frita de pacote. d Doces, balas, chicletes, pirulitos, chocolates, bombons, etc. e Refrigerantes, sucos ou refrescos, mate, guaraná natural, outros chás, café, águas com sabor, isotônicos, bebidas à base de soja, excluindo bebidas com leite e iogurte. f Ajuste segundo sexo e faixa etária, considerando não cotistas como categoria de base.
Foram observadas, em proporções expressivas, entre os jovens estudados, as seguintes práticas alimentares desfavoráveis à saúde: não realização do desjejum, substituição do jantar por lanche, baixo consumo de frutas, hortaliças e feijão e consumo frequente de bebidas açucaradas, guloseimas e biscoitos e/ou salgadinhos “de pacote”. Cotistas e não cotistas apresentaram práticas alimentares em geral semelhantes. Entretanto, a diferença entre eles, quando presente, se deu, na maioria das vezes, na direção de um quadro menos favorável para os cotistas. Se por um lado, nesse grupo foi mais frequente o consumo de feijão e menos a substituição de jantar por lanche, por outro se observou consumo menos frequente de hortaliças e de frutas e mais de biscoitos e/ou salgadinhos “de pacote” e de biscoitos doces.
A comparação dos nossos achados para o conjunto de alunos estudados com os de outras pesquisas é limitada em função de diferenças nas características sociodemográficas dos grupos estudados, no questionário e na construção dos indicadores de alimentação e nível socioeconômicos utilizados. Ainda assim, alguns resultados merecem ser destacados.
Em linhas gerais, nossos achados corroboram os da Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF 2008-200924, os quais apontam que a tradicional dieta brasileira tem perdido espaço para uma rica em produtos ultraprocessados prontos para consumo25,26 em todos os grupos etários da população e nos diferentes níveis socioeconômicos.
Estudos realizados com estudantes universitários, em relação aos alimentos MAS, demonstraram que o consumo insuficiente de frutas e hortaliças foi também registrado em diversas realidades dentro e fora do Brasil8,9,11,27,28. Somente um estudo, realizado em Sergipe27, analisou o consumo regular de feijão entre universitários. Seus resultados apontam maior proporção de estudantes sergipanos com consumo regular deste alimento quando comparados com os universitários cariocas.
Quanto aos alimentos MANS, nossos achados corroboram os de outros estudos realizados com universitários que apontam consumo elevado de doces e refrigerantes8-11,27, biscoitos e outros produtos ultraprocessados prontos para consumo10.
O achado de que cerca de 1/3 (32,7%) dos alunos estudados não tinha hábito de realizar regularmente o desjejum foi similar ao de outros estudos com universitários realizados em Viçosa, MG e Campinas, SP, entre os anos de 1998 e 20049,29. Já a prática de substituir jantar por lanche, observada em parcela expressiva do grupo estudado, corrobora os achados de estudo realizado em 1998 com universitários mineiros, em que 49% dos estudantes preferiam lanchar a realizar o jantar, mesmo sendo essa refeição oferecida a preço subsidiado no restaurante universitário9.
Estudos apontam que o ambiente e a rotina na universidade podem dificultar a realização de uma alimentação saudável, em função, por exemplo, da sobreposição de atividades, de mudanças comportamentais, de planejamento inapropriado do tempo e de dificuldades econômicas. Tais condições propiciam a escolha por lanches rápidos em detrimento de preparações nutricionalmente balanceadas, a realização de refeições em horários não regulares e da omissão de refeições8,26,29,30.
Também cotejamos nossos achados com aqueles produzidos pelo Vigitel, sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis dirigido a adultos das capitais brasileiras e Distrito Federal16. Para aumentar a comparabilidade dos resultados desse sistema com os do nosso estudo, extraímos da base de dados referente ao ano de 2010 desse sistema (disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dh.exe?vigitel/vigitel10.def) informações sobre consumo regular de quatro dos sete alimentos/grupos de alimentos examinados em nosso estudo [feijão, frutas, hortaliças e bebidas açucaradas (refrigerante + suco artificial)] para jovens de 18-24 anos e para jovens de 18-24 anos com 12 anos ou mais de estudo para o Brasil como um todo e para os estratos disponíveis no sistema [Região (no caso, Sudeste) e município (no caso, Rio de Janeiro)].
Em geral, a proporção de estudantes que apresentavam consumo regular de feijão e hortaliças foi inferior à dos jovens entre 18 e 24 anos tanto do conjunto das capitais brasileiras quanto dos dois estratos examinados. Essa diferença pode ser em parte explicada pelo fato de os dois grupos não apresentarem obrigatoriamente a mesma distribuição etária. No nosso estudo, por exemplo, cerca de metade dos estudantes tinha idade inferior a 20 anos, podendo apresentar práticas alimentares mais próximas às de adolescentes do que às de adultos jovens. Os resultados de diversos estudos, nacionais e internacionais, conduzidos com adolescentes, apontam, de forma inequívoca, que, quando comparadas a adultos mais velhos, as práticas alimentares adotadas por aqueles jovens são caracterizadas por dietas ricas em gorduras, açúcares e sódio, com pequena participação de frutas e hortaliças e leite e derivados31-33.
Ainda quanto à análise do perfil alimentar do conjunto dos alunos estudados, cabe aqui um aprofundamento da reflexão sobre o consumo de bebidas açucaradas, aí incluídos os refrigerantes. A alta prevalência de consumo regular de bebidas açucaradas (63,2%) corrobora os achados de outros estudos, nacionais e internacionais, que indicam que a maioria dos jovens adultos consome quantidades excessivas desses produtos34,35.
Além disso, chama atenção o fato de, em nosso estudo, o consumo regular de bebidas açucaradas ser cerca de duas vezes mais prevalente do que o de refrigerantes. Esses achados vão ao encontro de evidências de deslocamento do consumo de refrigerantes para outras bebidas açucaradas com baixo teor nutricional34,36.
O exame dos resultados aqui apresentados segundo a forma de ingresso dos estudantes nos remete à reflexão sobre a relação entre nível socioeconômico e práticas alimentares. Em que pesem as diferenças metodológicas entre nossa pesquisa e outras, observamos resultados convergentes com os de estudos conduzidos com jovens e adultos. Tal como em nosso estudo, outras pesquisas apontam que indivíduos (adolescentes e/ou adultos) com melhor nível socioeconômico consomem, em maior proporção, frutas15,28,37,38, hortaliças15,28,37,38 e, em menor proporção, feijão15,37, quando comparados àqueles com pior nível socioeconômico.
Por outro lado, encontramos resultados controversos em relação ao consumo de guloseimas: enquanto nossos achados apontaram consumo similar entre os grupos estudados, identificamos um estudo que revelou ser mais frequente entre adolescentes com nível socioeconômico mais alto39 e outro que indicou ser mais frequente entre aqueles com nível socioeconômico mais baixo15. Além disso, enquanto observamos que a prática de realização de desjejum foi semelhante entre os grupos, em outros se observou associação direta entre nível socioeconômico e essa prática entre adolescentes e adultos15,38.
Outro aspecto que merece ser comentado é o fato de o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas ter sido similar entre cotistas e não cotistas, enquanto que outros estudos apontam consumo maior desses produtos entre indíviduos com nível socioeconômico mais elevado15,37,39. Além disso, observamos associação inversa entre consumo regular de biscoitos doces e nível socieconômico; já em outros estudos foi observada associação direta entre eles15,38.
Em resumo, nossos resultados convergem com os de outros estudos quanto à associação entre nível socioeconômico e consumo de frutas e hortaliças (direta) e consumo de feijão (inversa). Esse achado expressa a complexidade da relação entre nível socioeconômico e práticas alimentares e a influência que diferentes contextos e momentos do curso da vida podem exercer sobre elas. Sinaliza, ainda, a importância de se conhecer como essa associação se dá em diferentes realidades.
No tocante aos aspectos metodológicos do estudo, cabe comentar as limitações e as potencialidades da escolha de um questionário fechado contemplando alimentos específicos para caracterizar as práticas alimentares do grupo estudado. Por um lado, é fato que ele não abarca todo o escopo da alimentação do grupo estudado. Por outro, questionários similares ao aqui utilizado, que enfocam o consumo de alimentos marcadores de alimentação saudável e não saudável nos sete dias que antecederam a coleta de dados, têm demonstrado bom poder discriminatório na caracterização de práticas alimentares entre adultos16 e de práticas e padrões alimentares entre adolescentes40,41. Recentemente, instrumentos com a estrutura acima descrita foram validados entre adultos42 e adolescentes43. Somem-se a isto as vantagens operacionais de sua aplicação no contexto do estudo aqui apresentado, qual seja, o de emprego de questionário autopreenchido junto a um grande número de indivíduos em um curto intervalo de tempo.
Um aspecto positivo da pesquisa foi o alcance de expressiva cobertura do grupo estudado (88,6%). Também fala a favor do estudo o fato de a proporcionalidade entre cotistas e não cotistas pesquisados (38,8% contra 61,2%) ser próxima à observada no universo de ingressantes (35,7% contra 64,3%)44, o que sugere não ter havido perda seletiva.
Por outro lado, merece ser comentado o fato de o estudo ter se restringido aos estudantes dos cursos ministrados no campus central da Universidade. Ainda que este campus abarque 75,0% dos estudantes ingressantes na universidade, o presente estudo não contempla aqueles que frequentam outros campi que estão localizados em municípios com características distintas das do Rio de Janeiro. Isso porque apresentam piores condições de vida, expressas pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), como é o caso do município de Duque de Caixas e São Gonçalo (IDHM de 0,711 e 0,739, respectivamente, contra 0,799 no Rio de Janeiro)45 ou porque estão localizados em regiões mais distantes da capital, como é o caso dos municípios de Nova Friburgo e Resende. Diante disso, não se pode descartar a possibilidade de que os estudantes desses campi apresentem práticas alimentares diferentes das do grupo estudado.
Observou-se que cotistas e não cotistas apresentam práticas alimentares semelhantes e em geral desfavoráveis para a saúde e que as diferenças observadas entre os dois grupos foram, em sua maioria, em uma direção pior para os cotistas que, conforme descrito, apresentavam nível socioeconômico inferior quando comparados aos não cotistas. Esses achados indicaram a necessidade da implementação de medidas de promoção da alimentação saudável e da segurança alimentar e nutricional junto a esse grupo populacional. Nessa perspectiva cabe registrar que, em seguida à realização desse estudo, a UERJ implementou o restaurante universitário, com refeições a preços subsidiados para todos os estudantes e diferenciados para cotistas. Está em curso estudo de avaliação do impacto da existência do restaurante universitário sobre a alimentação dos estudantes segundo forma de ingresso.